«Bibliotecas Limpas: Censura dos livros impressos nos séculos XV a XIX», é o nome que leva a exposição patente na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) e pretende mostrar como o sinistro Tribunal da Inquisição mortificava não só os corpos, mas também as mentes. Controlando e engaiolando o pensamento, ao longo de três séculos de pesada repressão de livros, entre 1536 e 1821.
Hervé Baudy, responsável pelo texto de apresentação da mostra e investigador da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL) refere «uma história de debates e tragédias, com práticas às vezes negociadas, na maior parte do tempo impostas, e também com incidência no destino individual».
O historiador António Borges Coelho vai receber a Medalha de Mérito Cultural, em reconhecimento de um percurso de vida caracterizado por uma intensa actividade política e académica. O historiador António Borges Coelho vai ser distinguido na sexta-feira com a Medalha de Mérito Cultural, anunciou hoje o Governo, que justificou a atribuição pelo percurso de vida «caracterizado pela intensa actividade política e académica». O anúncio foi feito pelo Ministério da Cultura que, em comunicado, destaca o percurso profissional e pessoal deste historiador, poeta e ensaísta, e enaltece também o seu «constante compromisso com a cultura e língua portuguesas, nas quais e para as quais ajudou a preservar e a compreender, com a sua obra, uma parcela fundamental da memória nacional». «Para além da relevância do seu percurso científico no âmbito da historiografia portuguesa, foi sublinhada a grande erudição e acessibilidade da sua obra, e o seu comprometimento com a cultura e a língua, evidenciado no modo como integra na narrativa dos acontecimentos a caracterização detalhada de instituições, informações demográficas e estruturas económicas, sociais e culturais», acrescenta a nota. Nascido em Murça, Trás-os-Montes, a 7 de Outubro de 1928, António Borges Coelho frequentou o Seminário de Montariol (Braga), que abandonou por falta de vocação para o sacerdócio, segundo a nota biográfica disponibilizada pelo Ministério da Cultura. Borges Coelho mudou-se para Lisboa para estudar Direito, mas acabou por frequentar o curso de História. Em 1962 retomou a sua licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras de Lisboa, que concluiu, em 1969, com uma tese sobre Leibniz. Ex-militante do Partido Comunista, António Borges Coelho actuou na clandestinidade antes do 25 de Abril, tendo feito parte da oposição ao regime político, o que lhe valeu perseguições e a prisão durante vários anos, para além do impedimento de dar aulas no ensino oficial. Em 1974, após a revolução, iniciou a sua actividade de docente no Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde leccionou largos anos e participou em numerosas provas de mestrado, de doutoramento e de agregação. Passou a professor catedrático dessa faculdade, em 1993, com uma tese sobre a Inquisição de Évora. A sua vasta bibliografia inclui, também, poesia, teatro e ficção. Foi também repórter do jornal A Capital, então dirigido por Norberto Lopes e Mário Neves, entre Fevereiro de 1968 e Dezembro e 1969. António Borges Coelho desenvolveu também investigação de diversos temas da História de Portugal, de que resultaram obras como Raízes da Expansão Portuguesa (1964), A Revolução de 1383 (1965), Comunas ou Concelhos (1973), da série Questionar a História (seis volumes, 1983-2007), Quadros para Uma Viagem a Portugal no Século XVI (1986), A Inquisição de Évora (dois volumes, 1987), O Vice-Rei Dom João de Castro (2003), Ruas e gentes da Lisboa Quinhentista (2006). Desde 2010 que, com Donde Viemos, iniciou a publicação de uma História de Portugal que conta, até agora, seis volumes publicados – o mais recente dos quais dedicado ao período que vai da Restauração ao Ouro do Brasil. Nos anos 1970, organizou a obra Portugal na Espanha Árabe (1972-1975), em quatro volumes, considerada uma obra de referência nas investigações sobre o período árabe em Portugal. Como ensaísta, é autor de títulos como Alexandre Herculano (1965), Leibniz. O Homem. A Teoria da Ciência (1969) e O 25 de Abril e o Problema da Independência Nacional (1975). Como poeta publicou Roseira Verde (1962), Ponte Submersa (1969), Fortaleza (1974), No Mar Oceano (1981) e Ao Rés da Terra (2002), entre outros. Escreveu ainda peças para teatro, como Príncipe Perfeito (1988) e Sobre os rios de Babilónia (2001). Na área da ficção é autor de Tempo de Lacraus (1999) e de Youkali é o País dos Nossos Desejos (2005), entre outros títulos. Fundou e dirigiu a revista História e Sociedade, participou em diversos congressos e reuniões científicas, e durante 24 anos leccionou na Faculdade de Letras, onde deu a Última Lição no dia 11 de Dezembro de 1998. Actualmente com 90 anos, António Borges Coelho continua a dedicar-se aos estudos de história e à investigação de novas temáticas para a sua História de Portugal e está a preparar uma antologia dos seus poemas. No ano passado foi distinguido com o Prémio da Universidade de Lisboa, tributo de consagração pelo trabalho que desenvolveu naquela instituição, e com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, entregue pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. António Borges Coelho já havia sido agraciado anteriormente com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’lago da Espada e com o Prémio da Fundação Internacional Racionalista. com Agência Lusa Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Cultura|
António Borges Coelho distinguido com Medalha de Mérito Cultural
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Se os autores dos livros proibidos eram cruelmente torturados e executados, como o filósofo Giurdano Bruno, queimado em Roma, em 1601, ou o famoso dramaturgo português António José da Silva (conhecido enquanto «O Judeu»), também condenado à fogueira em Lisboa, em 1739, já os livros impressos eram reduzidos a cinzas.
«Há mil maneiras de prevenir o mal, e outras mil de o reprimir, quer na era dos papiros, quer na da internet. Quando se fala em censura de livros, pensa-se de imediato no desaparecimento físico ou no impedimento de circulação das obras», escreve. Baudry recorda, no entanto, que, comparada com a eliminação do autor, «a expurgação» dos livros, pode parecer um mal menor.
«Aqui, a correção não é das almas e dos corpos, mas sim das palavras. Reveste três modalidades: além da pura e simples supressão, corrigir, em casos menos frequentes, significa substituir ou acrescentar, como o mostram os exemplares expostos». Na exposição poderemos ver «palavras, frases ou passagens, de maior ou menor extensão, que tinham de ser suprimidas para que a obra continuasse a poder ser lida».
É desta situação, designada como «intervencionismo microcensório», que a exposição da BNP trata. «As obras alvo desta censura textual não eram escolhidas ao acaso. Usavam-se listas. A burocracia bibliográfica inquisitorial portuguesa inspirava-se no trabalho feito em outros países, quer neles vigorasse a Inquisição, como Espanha ou Itália, quer não, como França, Alemanha ou Boémia», escreve Hervé Baudry.
A partir de 1544, começam a ser construídas listas (Index, índices) de livros proibidos, às quais se iam sempre acrescentado novas, ou velhas, obras. Em Portugal, a lista manuscrita intitulada «Prohibição dos Livros Defesos» (1547) inaugura uma série que, nesta exposição, culmina com o «Index Auctorum Damnatae Memoriae», de 1624, que contém as mais de 26 mil instruções com força de lei para banir mais de um milhar de títulos.
É todo este processo de purga de livros, as suas razões e processos inquisitoriais que pode ser analisado na exposição, aberta ao público até ao dia 23 de Abril, com direito a visitas guiadas a 5 e 23 de Março.
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