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Chega cria inimigos artificiais para não falar do SNS e não chatear quem o financia

Urgências encerradas já não são excepção e passaram a ser a regra. O Governo da AD seguiu a receita do ex-governo do PS relativa ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). A fórmula liberal está a assentar, não numa destruição decretada, mas na criação premeditada de dificuldades ao sector público por via do desinvestimento, e a canalização de recursos financeiros no sector privado e social. 

Este ardiloso estratagema leva, por um lado, a que as pessoas fiquem revoltadas com o SNS e, por outro, a não entender profundamente do significado do financiamento a grupos privados do negócio da doença, dado o alívio por finalmente terem acesso a cuidados de saúde. 

A título de exemplo, o actual Governo, ignorando a solução para as urgências no Porto e no resto da região Norte, optou por injectar 65 milhões de euros num Centro de Atendimento Clínico no Hospital da Prelada que pertence à Santa Casa da Misericórdia do Porto. A par desse investimento, sabe-se também que a Misericórdia do Porto vai receber 45 euros por doente e se atender 200 utentes por dia isso significará 270 mil euros por mês.

Neste contexto, onde a cada dia são anunciados encerramentos de serviços de urgência de norte a sul do país, seria de esperar que o Chega, na linha do que é uma acção política assente no populismo mais oportunista, viesse a aproveitar mediaticamente todo o desastre que está a ocorrer. A questão é que o tacticismo da extrema-direita optou por não centrar os holofotes no drama vivido por várias pessoas que não têm acesso a cuidados de saúde. O Chega definiu como prioridade um impossível referendo à imigração. 

Poder-se-ia pensar que tal acção da extrema-direita se deve a uma necessidade imperiosa de fazer valer a sua agenda mais prioritária. Quem assim o pensa está enganado. O Chega pura e simplesmente não fala do SNS desde inícios de Julho porque não quer e tem dois motivos para tal. Um primeiro deve-se ao facto do Governo estar a colocar em prática medidas de destruição do SNS que constam no seu programa eleitoral. Um segundo motivo prende-se com o facto de que quem financia o Chega está agradado com o rumo do SNS e o financiamento tem um preço. 

Sobre o programa eleitoral a leitura é simples. Já em 2019 o programa político do Chega (que entretanto foi apagado do seu site), na página 45 podia ler-se: «Ao Estado não compete a produção ou distribuição de bens e serviços, sejam eles serviços de Educação ou Saúde, ou sejam os bens vias de comunicação ou meios de transporte». No mesmo documento, mas na página 49, lia-se «o Estado não deverá, idealmente, interferir como prestador de bens e serviços no Mercado da Saúde mas ser apenas, um árbitro imparcial e competente, um regulador que esteja plenamente consciente da delicadeza, complexidade e sensibilidade deste Mercado».

Esse mesmo programa eleitoral propunha «concentrar a actuação do Estado, neste caso por intermédio do Ministério da Saúde numa função essencialmente de arbitragem, de regulação e de inspeção», ou «promover a gestão privada dos hospitais públicos, com demonstração pública do benefício obtido e redução de custos para o contribuinte». 

Os objectivos do Chega fixados em 2019 eram claros, mas em 2024 os mesmos fins foram plasmados com uma outra subtileza no programa eleitoral. O partido de extrema-direita, na página 28, de forma mais ardilosa, dizia «que é urgente a reestruturação profunda do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que deve, desde logo, passar a designar-se Sistema Nacional de Saúde. Este é caracterizado por uma articulação estreita entre o sector público, privado e social».

No fundo, o que o Chega defende é exactamente aquilo que o Governo da AD está a fazer no Porto com o Centro de Atendimento Clínico do Hospital da Prelada. Poderia parecer uma mudança de nome, mas o Chega consubstancia-a com propostas concretas, dizendo que tal aconteceria «formalizando parcerias público-privadas estratégicas para optimizar recursos e garantir uma prestação de serviços mais eficaz, rápida e de qualidade», e ao «reformar a Lei de Bases da Saúde introduzindo novos modelos de gestão e parcerias público-privadas (PPP’s) e alterar o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde».

Além da afinidade pela política de destruição do SNS levada a cabo pelo actual Governo, o Chega tem ainda no seu leque de financiadores um conjunto de personalidade que têm todo o interesse em que o Estado contribua activamente para o fomento do negócio privado da doença. Segundo os extratos da conta de donativos do Chega na Entidade das Contas consta a doação de Pedro José de Mello, vice-presidente do Conselho de Administração do Grupo José de Mello, empresa que detém a CUF e por sua vez os hospitais da empresa. 

Naturalmente que quem financia um partido vê nele a defesa dos seus interesses. Alguém que tem o interesse no sucesso de um hospital privado jamais terá interesse no sucesso do SNS. Encara o público como competição, os utentes como clientes e o Estado como um financiador estável que dificilmente irá à falência. O Chega sabe-o e as suas propostas vão ao encontro dos interesses da família Mello. 

É com base em tudo isto que o Chega procura desviar as atenções. Desta vez o partido de extrema-direita optou por não cavalgar a agenda do dia e preferiu colocar um outro tema à discussão para esvaziar o tema do SNS. No entanto, não fez só isto. Colocando a sua proposta de referendo contra a imigração à discussão, o Chega criou um inimigo artificial, os imigrantes, e afastou do foco os reais inimigos, os grandes grupos económicos.

É uma estratégia clássica: virar trabalhadores contra trabalhadores e oprimidos contra oprimidos, aplicando a lógica do dividir para reinar. Ao centrar as atenções nos imigrantes, o Chega não se condiciona, não fala do SNS e não se compromete com coisas com as quais não concorda. Deste modo deixa o Governo da AD a praticar a política que sempre quis praticar e inventando narrativa e lutas palacianas, invocando até a «democracia» para discutir um referendo inconstitucional, vai sendo cúmplice da destruição do SNS, o único serviço de saúde capaz de salvar os trabalhadores. É o Chega a corresponder aos interesses de quem lhe paga, a corresponder aos interesses das elites económicas e financeiras, aos interesses grande capital. 

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