A ministra da Saúde, Ana Paula Martins, falou na sessão que assinalou o 45.º aniversário do Serviço Nacional de Saúde (SNS) promovida pela comissão parlamentar de saúde. A data, para uns era o assinalar de uma conquista e um dia de luta pela defesa de um direito, para a ministra foi o momento para assumir os planos que o Governo tem em cima da mesa.
A verdade é que há 45 anos, PSD e CDS-PP votaram contra a criação do SNS, e em 2024, tendo a vida facilitada pelos governos PS, o actual Governo AD mantém o preconceito ideológico que levou a posicionarem-se contra um sistema de saúde público.
Entre 1979 e 2024, várias foram as ações da direita contra o SNS. A título de exemplo, em 1982 o VIII Governo Constitucional, um governo de coligação (pré-eleitoral) PSD-CDS-PPM, com maioria absoluta na Assembleia da República, liderado por Francisco Pinto Balsemão e com Luís Barbosa como ministro dos Assuntos Sociais (com a tutela da Saúde) aprovam o
Decreto-Lei n.º 254/82, de 29 de Junho que cria as administrações regionais de cuidados de saúde.
Esse mesmo Decreto-Lei revogava parte da Lei do SNS e, como tal, o Tribunal Constitucional, quase dois anos depois, viria a declarar tal acção como inconstitucional. No Acórdão n.º 39/84, de 11 de Abril, podia ler-se: «Como se vê, o Decreto-Lei n.º 254/82 não substituiu um serviço nacional de saúde por outro; limitou-se a alterar o regime de estruturas pré-existentes que haveriam de integrar-se no Serviço Nacional de Saúde e revogou pura e simplesmente este. Depois de, num primeiro momento, ter anunciado a revisão da lei do Serviço Nacional de Saúde e de, num segundo momento, ter pedido uma autorização legislativa para revogar a lei, substituindo-a por outra lei do Serviço Nacional de Saúde, o Governo, não tendo feito nem uma coisa nem outra, acabou por decidir-se pela nua extinção do Serviço Nacional de Saúde.»
Um outro exemplo do ataque ao SNS está na segunda revisão constitucional onde foram feitas as alterações mais substanciais ao artigo 64.º da Constituição. Com esta revisão, o PSD procurou introduzir uma legitimação constitucional que impedisse a gratuitidade do SNS.
O SNS passou de «gratuito» para «tendencialmente gratuito» e o Estado passou a ter que «orientar a sua ação para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos». Deixou também de constar na Constituição «a socialização da medicina e dos sectores médico-medicamentosos», que implicava a orientação do Estado para a prestação pública dos cuidados de saúde e a produção estatal de medicamentos e afins, e abriu-se uma janela constitucional à maior intervenção do sector privado na prestação e no financiamento de cuidados de saúde, como também à gestão privada de unidades públicas de saúde.
Este é um breve resumo do historial da direita no SNS, uma herança que o PS nunca procurou contrariar, antes alimentando-a e catalisando-a, e que a actual ministra da Saúde procura continuar. Na cerimónia do 45.º aniversário do SNS, Ana Paula Martins garantiu uma «reforma estrutural» e sem precisar de dizer o que era ao concreto, o histórico recente confirma as intenções.
Num contexto em que o SNS ou não consegue dar resposta à sua missão, ou dá uma resposta muito ineficaz, onde entregues 8 mil milhões de euros do orçamento do SNS aos privados via Orçamento do Estado, em que os profissionais de saúde intensificam a sua luta e as urgências são encerradas, a ministra da Saúde tem optado por ignorar todos os problemas e dirigir a sua acção em prol dos interesses dos grandes grupos económicos.
Foi então que Ana Paula Martins, na cerimónia, disse que conta «com todos os agentes» para a «reforma estrutural» que precisa de um «amplo consenso nacional». Até ao momento o plano do Governo passou já por entregar ao sector privado e social 20 Unidades de Saúde Familiar modelo C e financiar directamente um hospital da Misericórdia do Porto.
A própria ministra afirma que para a tal «reforma estrutural», «os próximos Orçamentos do Estado são essenciais», isto depois de ter anunciado a actualização dos preços das ecografias obstétricas convencionadas com o sector privado. Em causa estão 55 euros por cada ecografia realizada no primeiro e terceiro trimestre da gravidez e de cerca de 80 euros por cada ecografia realizada no segundo trimestre, ou seja, uma despesa com o privado próxima dos 3,6 milhões de euros, que poderia e deveria ser investida no próprio SNS.
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