|FRANCISCO PALMA

Uma arte de afetos num tempo em que vivemos desidratados

Exposições de Miguel Navas e de Catarina Real em Setúbal, Mário Rita em Sintra, Maria de Fátima Silva na Marinha Grande e Hélder Bandarra na Parede.

Exposição «Policromias» de Hélder Bandarra decorre na Casa da Cultura de Paredes, até 22 de fevereiro de 2025
Créditos / Hélder Bandarra

A Casa da Cultura1, em Setúbal, apresenta neste momento duas exposições, «Entre o silêncio e a paisagem» de Miguel Navas na Galeria de Exposições e a exposição «Composição, roubo e autoria» de Catarina Real, no Espaço João Paulo Cotrim, ambas tem a organização da Câmara Municipal e do atelier DDLX e podem ser visitadas até 2 de março.

Enquanto Catarina Real apresenta a sua obra gráfica, resultado de uma permanência em residência artística realizada em Nova Iorque, Miguel Navas mostra-nos pinturas de paisagens. José Teófilo Duarte, o curador do atelier DDLX, sublinha que «apesar de apresentarem "propostas de trabalho bem diferentes", são um "encontro entre artistas que se inscrevem nas preocupações da contemporaneidade"».

Exposição «Entre o silêncio e a paisagem» de Miguel Navas na Galeria de Exposições na Casa da Cultura, em Setúbal. Até 2 de março de 2025

Miguel Navas (Lisboa 1963) conjuga a pintura de paisagens e o autorretrato em mais de oito dezenas de quadros, nos quais predominam os tons ocre, azuis e verdes densos e esbatidos. «As paisagens de Miguel Navas são de uma intensidade viajante que apelam a um deambular sem guia. O leitor sente-se guia nestas paisagens tão novas que parecem novos trilhos para um renovado passeio… Já na autorrepresentação, prática na qual tem trabalhado de forma consistente há mais de duas décadas, o autor experimenta com a própria imagem a utilização de diversos materiais, desde tinta permanente a objetos cortantes», explica Teófilo Duarte.

Quanto à exposição de Catarina Real, o curador refere que a artista «apresenta cerca de duas dezenas de serigrafias, igualmente carregadas de cor e dinamismo». Catarina Real (1992, Barcelos) trabalha na intersecção entre a prática artística e a investigação teórica no campo expandido da pintura, escrita e coreografia; maioritariamente em projetos colaborativos de longa duração. É doutoranda do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho com uma investigação que cruza arte, amor e capital. Encontra-se em desenvolvimento da Terapia da Cor, prática aplicada entre teoria da cor, arte postal e intuição coreográfica.

Exposição «Composição, roubo e autoria» de Catarina Real, no Espaço João Paulo Cotrim na Casa da Cultura, em Setúbal. Até 2 de março de 2025 Créditos

A Casa-atelier2 de Mário Rita, em Sintra, no edifício do antigo teatro da Sociedade União 1.º de Dezembro, está aberta ao público, podendo ser visitada até 22 de fevereiro. 

Depois de recuperar um antigo teatro, que estava em ruínas o artista Mário Rita, «manteve viva a  memória e a identidade do local… com a noção de que aquilo que faz parte da memória e da identidade do lugar se esquiva a uma posse exclusiva, percecionando o sentido de pertença da comunidade», segundo o texto de  Maria Isabel Roque, acrescentando que «numa frase que se comprovou ser premonitória, Eurico Gonçalves, em 1997, descreveu-o como «pintor de inegável qualidade e força expressiva, num âmbito de neo-expressionismo gestual».

Para Miguel Justino, Mário Rita «não possui um guião, apenas uma folha em branco e a vertigem de avançar. A figura humana surge na proximidade da abstração, num jogo de equilíbrio. O resultado é extremamente poderoso, deixa-nos espantados ou inquietos ou atentos ou surpresos ou aflitos ou outra coisa qualquer que se relacione com a humanidade. É sem dúvida uma pintura de afectos num tempo em que vivemos desidratados. É um pintor que me interessa também por esse lado de correlação com os destinos das emoções e anseios...».

 Quanto ao seu processo de criação e técnica, Fernando Martin Galán, diz-nos que «(…) Rita tem a característica muito peculiar que é combinar o exagero com a moderação, o dramatismo com a tranquilidade, o movimento com a inércia, a extroversão com a introversão, a sociedade com a solidão… Em relação ao corpóreo e material – a técnica – trata-se de uma mistura magistral de desenho e cor, massa e forma, preenchimento de espaço e vácuo, gesto e não gesto, unidade e pluralidade de composição (…)».

Casa-atelier de Mário Rita, (no edifício do antigo teatro da Sociedade União 1.º de Dezembro) em Sintra, até 22 de fevereiro de 2025 Créditos

O Museu Joaquim Correia3, na Marinha Grande, apresenta a exposição «Miragens» de Maria de Fátima Silva, no âmbito do seu 27.º aniversário, até 22 de fevereiro.

Quanto à exposição de Maria de Fátima Silva, «tudo o que vão ver são miragens, no sentido de ilusões, interpretações. Esta é a autora e a sua maneira de ver e sentir o que a rodeia. Desde 1996 que procura sempre mais e mais experiências. Desde essa data, fez diversas exposições, coletivas e individuais», como refere o texto de apresentação.  

No que se refere ao seu trabalho artístico, o texto deixa-nos a ideia que o processo de criação desenvolve-se camada a camada, e, assim, «o seu trabalho vai surgindo, desconstruindo, colando, lixando, voltando a pintar. Mas o que a anima a continuar é a constante procura do ato de inventar, desconstruir e pintar, dando largas à criatividade».

O acervo do Museu Joaquim Correia é constituído por várias coleções de obras de arte e por estudos realizadas e doadas pelo autor e família à Câmara Municipal da Marinha Grande, para fruição e enriquecimento do património cultural local. O Professor e Escultor Joaquim Correia foi um dos maiores expoentes no campo da criação artística do concelho da Marinha Grande.

Exposição «Miragens», de Maria de Fátima Silva no Museu Joaquim Correia na Marinha Grande, até 22 de fevereiro Créditos

A Exposição individual de pintura, escultura e desenho «Policromias» de Hélder Bandarra decorre na Casa da Cultura de Paredes4, até 22 de fevereiro de 2025.

«A densidade policromática da obra plástica de Hélder Bandarra exposta compõe-se cenário do palco que o Artista nos convida a visitar, em sonidos e cantatas, harmonicamente orquestrados na manipulação de averiguativas formas, figuras, fragmentos, interseções e melódicas, inquisitivamente sedutoras, subjugadas a uma estruturante ordem na sua articulação geométrica, com uma maestria de magistral expressividade», como descreve o texto da atual exposição.

Num texto de 2010, Isabel Ponce de Leão escreveu sobre a obra de Hélder Bandarra, referindo que «dos primórdios à actualidade temas como a solidão, o intimismo, o sofrimento, a alegria, a infância, a arte, a natureza, o trabalho são células de um outro, matricial e crucial, que o artista desenvolve no percurso entre a figuração e a abstracção … nenhuma tendência do modernismo e das vanguardas lhe é alheia, e a todas atende com enorme acuidade, ciente de que "A arte depende da sociedade e ajuda à sua manutenção – existe porque nenhum homem é uma ilha, e ajuda a garanti-lo" (Goodman, 2006). Sendo o abstraccionismo o seu ponto de chegada, o seu ex libris actual, não deixa de reconhecer: "constantes da minha obra, sublimados estão períodos figurativos, testemunhos da minha identidade de percurso". Justamente, aqui está plasmado o continuum evolutivo de um processo que se foi maturando e edificando.»


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

  • 1. Casa da Cultura – Setúbal, Rua Detrás da Guarda, 26 a 34 – Setúbal. Horário: terça-feira a sábado: 10h – 0h; domingo: 10h – 22h.
  • 2. Casa-atelier Mário Rita, São Pedro de Penaferrim (no antigo teatro da Sociedade União 1.º de Dezembro) 2710-497 Sintra. Horário: terças e quintas, das 16h às 19h, sábados, das 16h às 22h.
  • 3. Museu Joaquim Correia – Largo 5 de Outubro Leiria 2430-520. Horário: de quarta-feira a sábado, das 10h às 13h e das 14h às 18h. Últimas entradas às 12h30 e 17h30. Últimas entradas para grupos às 11h30 e 16h30.
  • 4. Casa da Cultura de Paredes – Avenida da República 4580-193 Paredes. Horário: segunda a sexta: 9h-12h30 / 14h-17h30; sábado: 10h-12h30 / 14h30-17h.

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