Para toda a gente, tudo #15

Nada, é quanto se paga para entrar no Teatro Nacional Dona Maria II, nos dias 16 e 17, para assistir a espectáculos, conversas, exposições ou concertos.

Fotograma do filme «A Fábrica de Nada»
Créditos / Fundação Calouste Gulbenkian

Nada.

Diz a sinopse: «uma noite um grupo de operários percebe que a administração está a roubar máquinas e matérias-primas da sua própria fábrica.
Ao decidirem organizar-se para proteger os equipamentos e impedir o deslocamento da produção, os trabalhadores são forçados – como forma de retaliação – a permanecer nos seus postos sem nada que fazer enquanto prosseguem as negociações para os despedimentos.»

É A Fábrica de Nada, o filme de Pedro Pinho que palmou, entre outros, o prémio da Crítica na Quinzena dos Realizadores, em Cannes. Estreia em Portugal a 21 de Setembro, mas tem uma ante-estreia este sábado, dia 16, na Sala Polivalente do CAM, na Gulbenkian. A entrada é livre mediante levantamento do bilhete.

Livre também é a associação com realidades várias, mais e menos próximas. Como, por exemplo, esta: sabem que a Opel, usada como papão em Palmela quando há problemas na Autoeuropa, deslocalizou a sua produção dois meses depois dos seus trabalhadores em Portugal terem assinado um acordo a ceder direitos e pagamento de horas extraordinárias?

Pois. É que o medo também é uma fábrica de nada.

E ainda nada.

Que é quanto se paga para entrar no Teatro Nacional Dona Maria II nos dias 16 e 17, para assistir a espectáculos, conversas, exposições ou concertos. «Nada.» é também a resposta de Cordélia à pergunta do pai/rainha/mãe/rei que reparte o território e lança as tempestades no Lear que os Primeiros Sintomas estreiam no dia 16 e que é um dos espectáculos a ver. A indiferença ao género (o genderblind) — já explorada por Glenda Jackson na produção do Old Vic de Londres no ano passado — pode não ser nova, mas é um exercício com muito ainda para dar.

Quem viu a Paula Sá Nogueira correr à chuva na Culturgest, no maravilhoso We’re gonna be alright do Cão Solteiro com André Godinho, e tem no currículo várias produções com uma média de qualquer coisa como 15 homens para 3 mulheres («ah e tal, os bons papéis do teatro de texto são praticamente todos pra homem»), só pode saudar que se comece a perceber que «o género» também sofre actualizações, tal como a nossa cabeça, a individual e a colectiva, sofre actualizações. É de ver, portanto, como é que o Lear traduzido por João-Paulo Esteves da Silva se vai concretizar no corpo da belíssima actriz chamada Paula Só.

E mais nada.

«Não há identidade de género por trás das expressões de género; essa identidade é constituída de forma performativa pelas próprias 'expressões' que são vistas como os seus resultados». Esta frase tem pelo menos 25 anos. Pelo menos, porque 25 anos passaram sobre a primeira publicação de Gender Trouble, o livro de Judith Butler que ainda hoje é a primeira referência a que deitamos mão quando pensamos num Lear feito (performado) por um actor do género feminino.

Vinte e cinco anos depois, Portugal tem finalmente direito à sua tradução, feita por Nuno Quintas e editada pela Orfeu Negro. Problemas de Género é, muito apropriadamente, lançado no «Queer Lisboa», a 23 de Setembro, o último dia do festival. A apresentação é no Cinema São Jorge e está a cargo de João Manuel Oliveira, autor do prefácio, de Pablo Pérez Navarro, especialista na obra de Butler, e de Vera Mantero, bailarina e coreógrafa.

É o livro do mês. Porque estes 25 anos têm sido duros mas produtivos. Mesmo atrasados, vamos sempre a tempo. E mais nada.

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