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Sugestões culturais

«¡Qué espanto causa el rostro del fascismo!»

É a voz, ainda, de Victor Jara e a notícia da justiça que finalmente colhe os seus assassinos, a marcar o início deste roteiro estival. Música, teatro, exposições e livros, sem esquecer um viva à Paz.

Nem todas as notícias são más, caro/a leitor/a. No passado dia 4 de Julho, era possível ler, no Público em linha, a notícia, redigida por António Saraiva Lima, de que aqui reproduzo dois fragmentos:

«Quarenta e cinco anos depois da morte do cantor, director de teatro e professor universitário Víctor Jara, a justiça chilena logrou responsabilizar os autores do crime cometido por soldados que ajudaram Augusto Pinochet a tomar o poder ao socialista Salvador Allende. Oito antigos militares foram condenados na terça-feira a um total de 18 anos de prisão, pelo homicídio e sequestro de Jara e do ex-director de prisões Littré Quiroga Carvajal. O Estado chileno terá ainda de indemnizar as famílias das vítimas em 2,1 milhões de dólares (cerca de 1,8 milhões de euros). (…) Militante comunista, Jara era um conhecido artista e activista que simpatizava com o Governo de Allende. No dia 11 de Setembro de 1973 – o dia do golpe de Estado que depôs o executivo socialista e deu início à brutal ditadura de Pinochet – foi detido na universidade onde leccionava, em Santiago do Chile, juntamente com alunos e colegas, e transportado para o estádio de futebol que tem hoje o nome dele. De acordo com o documento judicial, Jara foi brutalmente agredido durante os poucos dias de encarceramento no recinto desportivo, que foi utilizado pelo regime como prisão para muitos cidadãos e militantes ligados à esquerda. Foi executado com mais de 40 disparos e o corpo foi abandonado pelas ruas da capital. Segundo o El País, os familiares dele recolheram o corpo e enterraram-no às escondidas do regime. Tinha 40 anos.»

É verdade: no próximo dia 11 de Setembro, assinalam-se 45 anos sobre o golpe fascista que, levado a cabo por Pinochet, os seus generais e os serviços secretos norte-americanos – dando expressão política e voz aos interesses económicos da grande burguesia chilena e do imperialismo de Washington – mergulhou o Chile num banho de sangue. Com essa orgia de repressão e morte que vitimou os trabalhadores e se abateu sobre comunistas, socialistas e outros democratas, se degolava o governo da Unidade Popular, de Salvador Allende – um governo democrático e legítimo, apostado na defesa dos recursos naturais e dos interesses das classes trabalhadoras desse país que foi igualmente a pátria de um grande poeta: Pablo Neruda (1904-1973), prémio Nobel da Literatura em 1971, e embaixador desse governo em Paris.

De Victor Jara é conhecido o último poema que escreveu dias antes do seu assassinato. Importa relê-lo e escutá-lo:

Somos cinco mil

Somos cinco mil aquí.
En esta pequeña parte de la ciudad.
Somos cinco mil.
¿Cuántos somos en total
en las ciudades y en todo el país?

Somos aquí diez mil manos
que siembran y hacen andar las fábricas. 

¡Cuánta humanidad
con hambre, frío, pánico, dolor,
presión moral, terror y locura!

Seis de los nuestros se perdieron
en el espacio de las estrellas.

Un muerto, un golpeado como jamás creí
se podría golpear a un ser humano.

Los otros cuatro quisieron quitar
se todos los temores, uno saltando al vacío,
otro golpeándose la cabeza contra el muro,
pero todos con la mirada fija de la muerte.

¡Qué espanto causa el rostro del fascismo!

Llevan a cabo sus planes con precisión artera sin importarles nada.
La sangre para ellos son medallas.
La matanza es acto de heroísmo.

¿Es éste el mundo que creaste, Dios mío?
¿Para esto tus siete días de asombro y trabajo?

En estas cuatro murallas sólo existe un número que no progresa.
Que lentamente querrá la muerte.

Pero de pronto me golpea la conciencia
y veo esta marea sin latido
y veo el pulso de las máquinas
y los militares mostrando su rostro de matrona lleno de dulzura.

¿Y Méjico, Cuba, y el mundo?
¡Qué griten esta ignominia!

Somos diez mil manos que no producen.
¿Cuántos somos en toda la patria?

La sangre del Compañero Presidente
golpea más fuerte que bombas y metrallas.
Así golpeará nuestro puño nuevamente.
Canto, que mal me sales cuando tengo que cantar espanto.
Espanto como el que vivo, como el que muero, espanto.

De verme entre tantos y tantos momentos del infinito
en que el silencio y el grito son las metas de este canto.

Lo que nunca vi, lo que he sentido
y lo que siento hará brotar el momento...

Sim, quando vemos hoje as cenas diárias da luta de classes no Brasil, na Venezuela, na Nicarágua e em outras paragens, quando assistimos ao ascenso do fascismo na Ucrânia, na Polónia e na Hungria, na Áustria e na Itália, na Turquia e noutros países, vale a pena recordar este poema e escutar Victor Jara,

notável compositor e cantor popular de intervenção (no sentido sempre nobre desta aviltada expressão) cujas canções outros músicos (como Robert Wyatt haveriam de recriar.

E vale também a pena irmos apontando na agenda iniciativas como a que, a 15 de Setembro, o núcleo do Porto da Associação Conquistas da Revolução (ACR) se prepara para levar a cabo na Invicta (com música, filme, intervenções várias), para assinalar os 45 anos do derrube de Allende e da Unidade Popular no Chile.

O Diário da Contra-revolução, em Setúbal

Aproveite para registar outra iniciativa próxima da ACR: o lançamento do livro O Diário da Contra-revolução, em Setúbal, dia 13 de Julho, às 18 horas, no Museu do Trabalho Michel Giacometti. E, se puder, apareça.

Frida Kahlo no Porto

E, já que falamos de artistas assumidamente antifascistas, como Victor Jara, deixe-me lembrar-lhe que foi inaugurada em 6 de Julho e permanecerá até 4 de Novembro a exposição Frida Kahlo – As suas fotografias, no Centro Português de Fotografia, no Porto (à Cordoaria). Gosta de Frida, leitor/a? Eu prefiro Rivera, mas não deixo de ter uma simpatia muito particular pela personalidade resistente, livre e orgulhosa de Frida e pela sua arte.

Ora leia um pouco do texto oficial de apresentação da mostra: «Quando, em 1954, Frida morre, o seu marido, Diego Rivera, decide doar ao povo mexicano a casa onde viviam – a casa Azul, hoje o Museu Frida Kahlo. Diego seleciona as pinturas de Frida, alguns desenhos, cerâmicas populares, a coleção de ex-votos, um corpete pintado, livros, fotografias, documentos e objetos diversos. Tudo o resto guarda para si. Pouco tempo antes de morrer, Diego pede à amiga Lola Olmedo que o seu arquivo pessoal só fosse aberto ao fim de quinze anos. No entanto, se o seu amigo não o queria abrir, ela tão pouco o faria. Assim, este arquivo permaneceu adormecido por cinquenta anos, à espera de um sopro que o devolvesse à vida, guardando mais de seis mil fotografias ao lado de desenhos, cartas, remédios, vestidos e diversos objetos.»

Não se pode perder, não é?

A ilustradora Cristina Sampaio e uma Feira do Livro, em Viana do Castelo

Mais exposições? Bom, se for do norte ou andar por lá, aceite o convite para ir à Biblioteca Municipal de Viana do Castelo (essa mesma que foi desenhada por Álvaro Siza e é lindíssima, mesmo ali na margem direita do rio Lima, antes de ele chegar à foz). Nesse espaço magnífico e elegante, de 7 de Julho a 31 de Dezembro, pode ver a exposição Cristina Sampaio – poética do humor, obra gráfica publicada em livros, revistas e jornais.

Uma oportunidade única de ver uma grande mostra desta notável artista, cujo traço e técnica, sentido crítico e humor inteligente nos habituamos a admirar em tanta imprensa e em livros (de Alice Vieira, de Catarina da Fonseca, de Gonçalo Pratas e Inês Pupo, de Glória Bastos e de outros). O comissário da exposição é o pintor e também ilustrador Tiago Manuel.

Bom, e já que falámos de livros, como não recomendar uma visita à Feira do Livro de Viana do Castelo, que decorre de 7 a 22 de Julho? Consulte o programa aqui para saber das actividades de animação cultural e de promoção da leitura previstas.

Música para o Verão e não só: o Festim – em Oliveira de Azeméis, Estarreja, Albergaria, Sever, Ílhavo, Águeda; e ainda… Dejohnette e Scofield em Amarante

Quer-se deixar tentar, neste Julho dos festivais, por um festival de música? Bom, o meu primeiro conselho é: Festim – Festival Intermunicipal de Músicas do Mundo. Oliveira de Azeméis, Estarreja, Albergaria-a-Velha, Sever-do-Vouga, Ílhavo e Águeda são as localidades abrangidas. Veja os grupos e artistas individuais previstos: La Caravane Passe (França – rap / jazz manouche / balcânica / rock alternativo), Boban Markovic Orkestar (Sérvia – fanfarra balcânica), Pascuala Ilabaca y Fauna (Chile – folk chileno), Orchestre Poly-Rythmo de Cotonou (Benim – afrobeat / funk), La Yegros (Argentina – cumbia / folk / eletrónica), Waldemar Bastos (Angola – pop africana / música angolana), Omar Souleyman (Síria – dabke).

Parece-lhe aliciante? A mim, parece. Sempre se respira dos não sei-quantos-Alive, dos festivais com marcas de cerveja ou de operadoras de telecomunicações, esses mesmos onde se escuta o rock ‘mainstream’ habitual e os pop-e-fados portugueses do costume.

Deixo-lhe o calendário e local dos próximos concertos: Orchestre Poly-Rythmo de Cotonou, a 8 de Julho, em Oliveira de Azeméis; La Yegros, a 12 de Julho em Águeda, a 13 de Julho em Estarreja e a 14 de Julho em Sever do Vouga; Waldemar Bastos, a 19 de Julho em Águeda e a 20 de Julho em Estarreja; Omar Souleyman, a 26 de Julho, em Águeda.

E o MIMO 2018, em Amarante, de 20 a 22 de Julho? Arrisca? Veja o programa da 15.ª edição. Mas eu aqui, se pudesse, não perderia o grupo Hudson (EUA), a 22 de Julho, às 21h30, no Parque Ribeirinho. Sabe quem são? Jack Dejohnette, John Scofield, John Medeski & Scott Colley. Só a perspectiva de reencontrar gente que alinhou tanto tempo ao lado de Miles Davis (como Dejohnette ou Scofield) já seria suficiente para me atrair às margens do Tâmega.

Quanto à Chuva de Poesia do MIMO, este ano vai homenagear Hilda Hilst (1930-2004): Hilda Hilst – Aflição de ser eu e não ser outra é o nome do tributo a esta grande poeta, ficcionista, cronista e dramaturga brasileira. O tributo é idealizado pelo poeta, artista gráfico e editor mineiro Guilherme Mansur. (Sim, porque não sei se já percebeu: o MIMO parece ser uma espécie de pacote cultural/musical, de matriz brasileira, que determinada empresa vende à Cãmara de Amarante, como vende outros pacotes similares a outras cidades. Já ouviu falar em mercado da cultura? Muitas das nossas autarquias adooooooram e acham que estes festivais são o modo ideal de chamar forasteiros e turistas à cidade e de dinamizar a economia e a hotelaria locais. Como escreve Eugénio de Andrade num dos seus poemas para a infância, «Quem seria o parvo / que pagou a conta?».)

Ah, e já estou a ouvir umas vozes aqui ao lado: «E dinheiro para o teatro?» «E meios para a produção artística e cultural de raiz?» «E os recursos de que tanto carece o ensino artístico?» «E os apoios aos jovens artistas?» «E o dinheiro para requalificar as bibliotecas municipais e actualizar os fundos documentais?»

E a grande música em Espinho e na Póvoa de Varzim

Tome nota ainda de que esta é uma época de bons festivais de «música clássica». É o caso do 40.º Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim 2018, entre 6 e 28 de Julho, e do 44.º Festival Internacional de Música de Espinho, de 22 de Junho a 21 de Julho, dois eventos de prestígio e tradição, com programas a consultar cuidadosamente, para poder fazer as suas escolhas.

Em Almada-cidade-do-teatro, o 35.º Festival (na companhia de Yvette Centeno)

Até 18 de Julho, não se esqueça, decorre, com magnífica programação, mais uma edição do Festival de Teatro de Almada-cidade-do-teatro. Consulte o programa, que vale a pena.

Mas, nas actividades complementares, apraz-me muito, ainda, registar a presença de Olga Roriz e a homenagem, mais do que merecida, a Yvette Centeno. A exposição de homenagem O pomar das romãnzeiras para Yvette Centeno, pode ser vista no pátio da Escola D. António da Costa, também até 18 de Julho, entre as 15h e as 24h.

Além de notável investigadora e professora universitária, a quem devemos estudos fundamentais sobre as literaturas de língua alemã e portuguesa, por exemplo, Yvette Centeno é autora de títulos de ficção, poesia, teatro, ensaio e literatura infanto-juvenil e mantém o blogue de divulgação cultural Literatura e Arte. Para a Companhia de Teatro de Almada, traduziu, por exemplo, Shakespeare (Othello e Timão de Atenas), mas também Lessing (Nathan, o sábio) e Brecht (A mãe e os poemas de Canções de Brecht). Mas devemos-lhe outras traduções fundamentais, como as de Paul Celan ou René Char. Pela minha parte, sou leitor assíduo da sua poesia e apreciador da sua inclinação frequente para as formas breves, como o haiku, e dos seus desafiadores livros para a infância. Recomendo, pois, livros de poesia de Yvette Centeno como Perto da Terra (Presença, 1984), A Oriente (Presença, 1998), Entre Silêncios (Pedra Formosa, 1997) ou Poemas com Endereço (Mariposa Azual, 2015). Em boa hora o Festival de Almada se lembrou de homenagear esta figura maior da nossa cultura.

De um viva à Paz a um viva à leitura

Não me sobra espaço, desta feita, para propostas cinematográficas, mas gostaria, pelo menos, de lhe recomendar uma ida às livrarias.

Quer escolher comigo umas datas? Por que não conciliar essas visitas com os dias em que for protestar contra a cimeira da NATO e defender a Paz? Cito o texto de uma das convocatórias: «Face à crescente e perigosa tensão belicista que actualmente se verifica no mundo, diversas organizações portuguesas das mais variadas áreas de intervenção (…) uniram-se para contestar os objectivos da Cimeira que a NATO realiza nos dias 11 e 12 de Julho, em Bruxelas, e reafirmar a exigência de dissolução deste bloco político-militar, desenvolvendo um conjunto de acções em Portugal, como os actos públicos que se realizam em Évora, dia 7 de Julho, às 11 horas, na Praça do Giraldo; em Lisboa, dia 9 de Julho, às 18 horas, no Largo Camões; em Coimbra, dia 10 de Julho, a partir das 15 horas, na Praça 8 de Maio; em Faro, dia 10 de Julho, às 18 horas, na Rua Santo António; e no Porto, dia 12 de Julho, às 18 horas, na Rua de Santa Catarina. Sob o lema «Sim à Paz! Não à NATO!», estas organizações promovem estas iniciativas porque identificam na NATO e nos interesses que esta serve a principal ameaça à paz e à segurança no mundo.»

Aí fica a sugestão.

E agora, que livros? Pois bem, começo por um pacote muito, muito especial para as suas férias. Junte ao volume Poesias Completas & Dispersos (Assírio & Alvim, 2017), de Alexandre O’Neill, a obra Alexandre O’Neill – Uma Biografia Literária (Dom Quixote, 2007), livro excelente de Maria Antónia Oliveira, escrito com seriedade, humor e sensibilidade, cerzido de modo inteligente, com base em pesquisa aturada e honesta, e em depoimentos de muitos amigos e familiares do poeta: algumas das suas mulheres e companheiras – como Noémia Delgado (1933-2016), realizadora de cinema e artista plástica –, José-Augusto França, Alexandre Pinheiro Torres, João Pulido Valente, Baptista-Bastos, Alçada Baptista e muitos outros. Acredite: a biografia lê-se como um romance e vai diverti-lo/a muito, mas muito, pois o biografado era uma personalidade impagável e de enorme talento literário, que, além do mais, foi um criativíssimo copy publicitário e, episodicamente, um letrista de fado inesquecível. Comprove-o escutando o clássico Gaivota, na voz de Amália Rodrigues, e o improvável Formiga Bossa Nova, cantado por Adriana Partimpim – heterónimo da cantora Adriana Calcanhotto para as suas canções infantis, aproveitando a carinhosa alcunha que seu avô lhe pôs, em criança.

Figura central do surrealismo português (refiro-me ao Grupo Surrealista de Lisboa, o primeiro) foi, ao mesmo tempo, um implacável e irónico observador da realidade portuguesa e um lírico apaixonado, amargamente às vezes, por um Portugal que conheceu como poucos: «Ó Portugal, se fosses só três sílabas, / linda vista para o mar (…) ó Portugal, se fosses só três sílabas / de plástico, que era mais barato! (…) Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo (…)». Relevem-se a O’Neill os desviozinhos de direita no pós-25 de Abril e valorize-se, sobretudo, o magnífico poeta e cronista que foi, a par do seu combate pela liberdade e pela democracia e do seu antifascismo – que chegaram a levá-lo à prisão e a sofrer a vigilância e perseguição pela PIDE, bem como os efeitos da Censura. Leia a singularíssima poesia de O’Neill e a biografia de Maria Antónia Oliveira e ficará certamente mais reconciliado com a linguagem poética, além de ficar a conhecer melhor uma outra parte da história do Portugal contemporâneo, entre 1924 e 1986. Tenho para mim que O’Neill é, cada vez mais, um poeta para os dias de hoje e de amanhã.

Outro poeta maior que urge ler: Manuel Gusmão e o seu mais recente livro, A Foz em Delta (Editorial Avante!, 2018). Não recue, leitor/a, nem perante a ousadia técnico-expressiva da sua linguagem, nem perante a circunstância de aqui o discurso poético conviver e se entretecer, com naturalidade, com a reflexão ensaística/política e até com o elemento autobiográfico. A poesia é sempre, de um modo ou de outro, uma forma de resistência, como este livro comprova; e como ele anuncia também, ao convocar para a capa o famoso quadro Il quarto stato do pintor piemontês Giuseppe Pellizza da Volpedo (1850-1893), que ilustra igualmente o genérico do célebre filme 1900 de Bernardo Bertolucci, realizado em 1976.

Falamos ainda de poetas? Pois bem, não esqueçamos a saída da Antologia Poética (Flâneur, 2017), de Carl Sandburg (1878-1967), o grande poeta de Chicago, poeta da cidade, do povo trabalhador e da sua gesta, poeta da energia vital e também do trabalho da morte, poeta de uma modernidade (e de uma intemporalidade) que transcende as fronteiras da América do Norte e cuja alta voltagem poética, em termos de linguagem, não perde fulgor. Aqui se reeditam umas velhas e brilhantes traduções de Alexandre O’Neill editadas nos anos 60, a que se juntam, e bem, algumas outras, novas, de Vasco Gato.

Outra antologia poética recomendável? Labareda (Tinta da China, 2018), de Alberto de Lacerda (1928-2007), selecção e prefácio de Luís Amorim de Sousa, cuja entrega à obra édita e sobretudo inédita, e à memória da amizade do poeta das Elegias de Londres não pode deixar de merecer um especial apreço.

Outro essencial: Mário-Henrique Leiria (1923-1980), expoente do segundo grupo surrealista português, de quem acaba de ser editado Obras Completas de Mário-Henrique Leiria – Volume 2 – Poesia (E-primatur, 2018), com coordenação da edição a cargo de Tânia Martuscelli. Absolutamente a não perder. Um escritor cuja merecida redescoberta e importância vamos testemunhando.

Em boa hora se reeditou também a histórica colectânea de António Cabral (1931-2007), Poemas Durienses (Opera Omnia, 2018), com prefácio do seu amigo, poeta e ficcionista vilarrealense A. M. Pires Cabral, que assinala, com sensibilidade e competência, a relevância deste livro de 1963 na época em que surgiu e no respectivo contexto geográfico, sociopolítico e literário. Uma obra de fundíssima ligação, amorosa e sofrida, à terra transmontana e às suas gentes.

Passando para a prosa, neste caso a prosa cronística, leia-se Em Minúsculas (Porto Editora, 2018), recolha antológica de crónicas publicadas por Herberto Helder em Angola, durante a sua breve passagem pela ex-colónia, entre 1971-1972. A leitura vale muito a pena, embora se trate de um conjunto de textos «em minúsculas», digamos assim, mas muito curiosos, divertidos até e reveladores, do autor de A Colher na Boca. A organização é do filho do poeta, Daniel Oliveira, e de Diana Pimentel e Raquel Gonçalves.

Para os mais jovens, três conselhos de leitura, quase a terminar: O Homem de Ferro e A Mulher de Ferro (Ponto de Fuga, 2018), duas narrativas de ficção científica alegóricas, bem conhecidas no Reino Unido, do grande poeta inglês que foi Ted Hughes (1930-1998), marido de Sylvia Plath. Ilustrações de Andrew Davidson, tradução de Sara Vieira e revisão de Margarida Vale de Gato.

Por último, a oportuna reedição de Os Direitos das Crianças (Porto Editora, 2018), de Luísa Ducla Soares, com ilustrações de Daniela Lomba. Faço uso da sinopse editorial: «Todas as crianças têm direitos. Direitos próprios, enquanto seres humanos e enquanto homens e mulheres em desenvolvimento. A ONU considera esse aspeto tão importante que, em 1959, aprovou a Convenção Internacional dos Direitos das Crianças para as proteger até aos 18 anos. Mas as crianças também têm deveres, alguns bem fáceis de cumprir.» Um bom ponto de partida, esta sinopse, não parece? E, enquanto muitos direitos de muitas crianças, entre nós e no mundo, continuam a ser desrespeitados, que ela, a criança leitora, e os mediadores da leitura saibam fazer bom uso deste livro, bem escrito, bem ilustrado e em formato de álbum, de uma escritora cuja presença continua a ser insubstituível no universo de uma escrita portuguesa para crianças, atenta ao mundo.

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