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Para onde vai a África? (1)

Um continente sob cobiça, entre miséria e progresso. Sociedades em mudança, direitos que se afirmam e outros que ainda não. António Abreu perspectiva ‒ região a região ‒ para onde vai a África.

Crianças, escola primária, África.
CréditosReverie Zurba/USAID / CCO

A espada na balança

As movimentações militares da França em África, nestes últimos anos, com intervenções directas e dirigindo as forças do G5 do Sahel, reforçadas nas últimas semanas a pretexto do combate aos terroristas do Boko Haram, da Al-Qaeda e do ISIS, têm causas mais profundas.

A França, que nos últimos 50 anos completou mais de 50 operações militares oficiais (e muitas mais secretas) no continente, está a intensificar as operações na África Ocidental, Central e Oriental, onde mantém cerca de 7000 soldados e várias bases militares, especialmente no Mali, Senegal, Gabão e Costa do Marfim. Já a Itália tem presença militar na Líbia, Mali, Somália e Djibouti. O primeiro-ministro italiano, Gentiloni, pediu a intervenção da NATO em África, afirmando que, se não o fizer, a maior aliança militar da história não estará à altura dos desafios contemporâneos. Isto é, a NATO deve dar continuidade à destruição do Estado líbio em 2011, agora progredindo para sul.

À medida que perdem terreno economicamente, os Estados Unidos e as maiores potências europeias lançam a espada no prato da balança. A Africom, dirigida pelos Estados Unidos, com a motivação oficial de lutar contra o terrorismo, está a expandir-se e a aumentar a sua rede militar no continente com operações de forças especiais, o uso de drones armados, o treino e armamento de forças especiais africanas.

Um continente sob cobiça

A riqueza mineral de África é sobejamente reconhecida, particularmente em ouro, diamantes, urânio, coltan (mistura dos minerais colombite e tantalite, donde se extraem o nióbio e o tântalo, fundamentais para o fabrico de componentes electrónicos), cobalto (utilizado nas pilhas recarregáveis de lítio), cobre, petróleo, gás natural, manganésio, fosfatos. Nem é de agora a riqueza vegetal, com destaque para madeiras preciosas, cacau, café, algodão e muito mais. Esses recursos preciosos, explorados pelo antigo colonialismo europeu, então com o recurso ao trabalho escravo, são hoje explorados pelo neocolonialismo europeu, com uma mão-de-obra local de baixo custo e um controle dos mercados interno e internacional.

 A dependência das decisões económicas de grupos de poder e de governantes africanos arrasta a corrupção em favores prestados: na concessão e condições de exploração das riquezas; de exportação de bens; ou de contratação de consultorias internacionais; e gera volumes descomunais de luvas para quem detém o poder ou para quem apoia o exercício desse poder. No conjunto, e mesmo no caso de vários países individualmente, a África é uma grande exportadora de recursos naturais, com valores do PIB significativos, mas as populações não beneficiam disso e correm o risco de ver esses recursos esgotarem-se na voracidade dessa actividade. Os ex-países colonizadores continuam a explorá-los, procurando que se mantenham condições de segurança para as suas empresas operarem, justificando também por isso uma presença «musculada» em vários países.

A dança dos investidores

Vários ex-colonizadores, como a França, Inglaterra e Itália, mantêm fortes investimentos dirigidos para a exploração dos recursos de África, mas em 2016 a China passou a ser o principal investidor no continente, com 12 biliões de dólares, seguido pelos Emiratos Árabes Unidos e só depois a Itália.

12 000 milhões USD

Valor do investimento chinês em África, em 2016

Os EUA ‒ mas também a União Europeia ‒ têm a noção clara de que estão a perder a sua influência dominante nas economias africanas a favor da China, cujas empresas oferecem aos seus anfitriões condições muito mais vantajosas, além de construírem as infra-estruturas de que estes países precisam. Até agora, cerca de 2300 quilómetros de caminho-de-ferro e 3300 quilómetros de estradas. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos e a União Europeia argumentam que os seus interesses estão ameaçados por movimentos armados ‒ como os Avengers, do Delta do Níger, atacando a Shell e outras companhias de petróleo, incluindo a ENI, responsável pelo desastre ambiental no Delta do Níger ‒ e procuram garantir uma crescente presença militar.

Acresce que o governo de Pequim está pronto, por exemplo, a lançar contratos de futuros de petróleo em yuans, moeda chinesa, com a sua possível conversão em ouro. Vários especialistas acreditam que essa medida pode mudar radicalmente as regras do jogo no mercado do petróleo, já que permitirá aos exportadores de matérias-primas evitar o uso do dólar norte-americano. Tomando em conta que a China é o maior importador de petróleo do Mundo, os contratos de futuros em yuans têm todas as hipóteses de se tornarem o novo padrão no mercado (nota: um «contrato de futuros» é um acordo que obriga as partes a comprar ou vender um activo por um preço fixo e a ser entregue num prazo fixado antecipadamente).

Esta atitude diferente da República Popular da China não a torna menos predadora das riquezas naturais do continente africano do que o são as outras grandes potências, as quais contribuem, em conjunto, para a delapidação de riquezas naturais de que as populações dos países de África se estão a ver privadas de usufruir, nomeadamente para desenvolver em benefício próprio uma base industrial nacional com condições de concorrência internacional, incluindo no mercado das dívidas que sobre eles pesa.

Uma sociedade em mudança, entre progresso e miséria

No que respeita à União Africana, o seu Conselho da Paz e Segurança (CPS) alertou para a urgência de medidas que promovam a liberdade de circulação de pessoas, mercadorias e serviços com vista à integração regional e continental dos países. Aprovada em 2016 a introdução de um passaporte africano, países como o Benim, Gana, Mauritânia, Ruanda e Seychelles, começaram já a conceder vistos de entrada à chegada de cidadãos africanos.

Em 2016 viviam em África cerca de 1200 milhões de pessoas em 54 países, 35 dos quais classificados como «países menos desenvolvidos» do mundo. No início de 2016, um quarto da população continuava a sofrer de fome e desnutrição, mas 81% da população usava telemóveis ‒ com recurso à internet em apenas 15% dos casos.

Direitos, um breve balanço

Em 15 anos houve redução da pobreza extrema mas o crescimento económico médio de 5% não teve correspondência com a redução do desemprego, disfarçado pela economia informal. 
Esse crescimento assentou na exploração dos recursos naturais por terceiros, que permitiu maior proliferação da corrupção ao nível dos decisores políticos. Já referimos que ela se tornou numa chaga, alimentada pelas potências exploradoras que nela têm um «seguro de vida» para a sua actividade predadora. Depois do período pós-independências torna-se evidente que cada povo tem de resolver este problema de forma eficaz, para garantir o desenvolvimento, um significativo atenuar das grandes assimetrias e um exercício mais democrático do poder.

O ensino dos primeiros anos de escolaridade foi atingido em quase todos os países, a mortalidade infantil reduziu-se nuns casos e piorou noutros, com um saldo global positivo. Mas os direitos das mulheres ficaram muito aquém das necessidades, incluindo no acesso à saúde reprodutiva. E o acesso a água potável e saneamento só progrediu no Norte de África e na sua parte mais meridional. O que iremos referir são apenas situações pontuais de alguns países e situações a que ‒  subjectivamente, talvez ‒  atribuímos maior significado.

África, região a região

Não é fácil fazer o agrupamento destes países em conjuntos que apresentem consistentes homogeneidades, particularmente porque o desenho deles resultou de uma herança dos ex-colonizadores, nos finais do século XIX, baseada em interesses conjunturais próprios destes. Seguindo uma nomenclatura aceite pela ONU o continente pode ser dividido em cinco regiões principais: o Norte de África, a África Ocidental, a África Centro-ocidental, a África Oriental e Centro-oriental e a África Meridional. Mas um país pode ser referido num agrupamento que não é o seu devido a identidades próximas. Procuramos reportar-nos a 2017.

Regiões de África

  • Norte de África
  • África Ocidental
  • África Oriental
  • África Centro-ocidental
  • África Meridional

Norte de África

A maior região do continente, em extensão territorial, é o Norte de África, que os geógrafos também chamam de África Setentrional e de África do Norte. Comporta três subdivisões: os países do Maghreb, os países do Saara e o Vale do Nilo.

O Maghreb

A palavra Maghreb, árabe, significa «pôr-do-Sol», ou seja, o ocidente. Os cinco países que compõem o Maghreb são Marrocos, a República Árabe Saaráui Democrática (Sara Ocidental), a Argélia, a Tunísia, a Mauritânia e a Líbia. Na paisagem, os acidentes geográficos que mais destacam o Maghreb são a cadeia do Atlas, junto ao mar Mediterrâneo, e o gigantesco deserto do Saara. Este assume formas distintas: nuns casos predominam as superfícies pedregosas, são as chamadas hamadas; noutros são os mares de areia chamados ergs.

A distribuição da população é desigual: a densidade demográfica é grande em áreas de maior humidade. Nas áreas de deserto, a maioria da escassa população é formada por árabes e berberes. São adeptos do islamismo. Devido às condições naturais que não favorecem as lavouras, a agropecuária desenvolveu-se muito pouco, apesar de empregar muitos trabalhadores. Na agricultura mediterrânea, são cultivados vinhas, oliveiras, cítricos e tâmaras. É praticada a pecuária extensiva nas áreas de clima semi-árido. Esta desloca-se no deserto, sem destino próprio. A abundância de minérios destinados à exportação levou à implantação de uma diversidade de centros industriais destacados nos países do Maghreb, como Argel, Túnis, Oran, Casablanca, Rabat, Fez e Marraquexe. São algumas das cidades africanas de maior população e beleza.

A República Árabe Saaráui Democrática (RASD) prossegue a luta pelo reconhecimento da independência do seu território do Sara Ocidental, que considera ilegalmente ocupado por Marrocos desde 1976. Marrocos abandonou a Organização de Unidade Africana (OUA), que antecedeu a criação da União Africana (UA), por ter aceite que a RASD a integrasse. A actual UA continuou a integrar a RASD e Marrocos regressou à organização no ano passado. Os principais produtos económicos da Argélia são o petróleo e o gás natural, sendo que o país também faz parte da OPEP como membro desta organização internacional. Marrocos e a Tunísia exportam muitos fosfatos, que servem como matéria-prima para a indústria que fabrica fertilizantes.

Os países do Saara

A vastidão do deserto do Saara é a característica natural da qual fazem parte, na mesma sub-região, a Mauritânia, o Mali, o Níger, o Chade e a Líbia. O solo árido e o predominante clima desértico não são favoráveis às atividades económicas. A possibilidade de agricultura só existe junto dos oásis e em trechos de pequena extensão no litoral. Mas as riquezas minerais do subsolo são significativas em reservas de petróleo, gás natural, ferro e urânio.

Matérias-primas e energia: dos ex-colonizadores aos novos parceiros

Com 70% da sua matriz energética dependente do urânio, todo ele importado, a economia da França é muito dependente da região que um dia esteve sob seu domínio. Do Sahel, a faixa mais perturbada do norte da África (Níger, Nigéria, Mali, Sudão e Chade), vem a maior parte do urânio que abastece as centrais nucleares do país. A Itália, por intermédio da ENI, estende a exploração de petróleo e gás natural pela Argélia, Líbia, Tunísia, Egipto, Quénia, Libéria, Costa do Marfim, Nigéria, Gana, República do Congo, Angola, Moçambique e África do Sul. A Turquia de Erdogan estabeleceu, recentemente, acordos de cooperação com o Sudão e o Chade, mas também com a Tunísia no Maghreb, na ordem das dezenas de milhares de milhões de dólares.

O Vale do Nilo

Mesmo no encontro do Egipto com o Sudão, no deserto do Saara, o rio Nilo pode ser agregador de uma outra sub-região. Os rios Nilo Branco e Nilo Azul percorrem a totalidade do território destes países. O solo apresentado pelo vale do Nilo é de extrema fertilidade, permitindo a prática intensiva da agricultura. Por isso, a população do Egipto e do Sudão é muito maior do que no deserto do Saara. O Cairo é a maior cidade da África em população e uma das mais populosas do mundo, com mais de 11 milhões de habitantes. A indústria egípcia, ao invés da sua congénere sudanesa, tem maior desenvolvimento e diversidade, destacando-se as indústrias siderúrgica, eléctrica e têxtil, assim como as de produtos químicos e alimentares. No subsolo do Egipto e do Sudão encontram-se, também, reservas de petróleo e gás natural, além de ferro, fosfato e potássio.

A destruição dos estados: o Sudão e a Líbia

O Sudão foi o país mais martirizado nas últimas décadas. Primeiro foi a guerra do Darfour. No seu lugar no Conselho de Segurança das Nações Unidas, a China foi o principal aliado diplomático do Sudão. A China investe fortemente no petróleo sudanês. O país é o maior fornecedor de petróleo da China. As forças armadas do Sudão são equipadas com helicópteros, tanques, aviões de combate, bombardeiros, rockets e metralhadoras feitas na China. Durante décadas, a Rússia e a China mantiveram uma forte parceria económica e estratégica com o país. Ambos se opuseram ao envio de tropas da ONU para o Sudão. A Rússia apoia firmemente a integridade territorial do Sudão e opôs-se à criação de um Darfour independente. Além disso, a Rússia é parceiro de investimento e o aliado político mais forte do Sudão na Europa. A Rússia considera o Sudão como um aliado global importante no continente africano.

Depois foi a secessão do Sul. Até 2011, quando o Sudão do Sul dele se separou através de referendo, o Sudão era o maior país da África e do mundo árabe. Foi um caso exemplar, com Israel e os EUA a dividirem o país para afastar a China, seu grande rival comercial, do sul do Sudão, mais rico em recursos. Apesar disso, o Sudão é, ainda hoje, o terceiro maior país da África (após a Argélia e a República Democrática do Congo) e o terceiro maior país do mundo árabe (depois da Argélia e Arábia Saudita).

A República do Sudão do Sul provou ser um estado não viável, criado por iniciativa de Washington após uma prolongada guerra civil de duas décadas, com um processo de transição entre 2003 a 2011, quando Juba foi reconhecido como país independente pela ONU e pela UA. Mas depois disso, o país mais novo do mundo começou a ser destruído no conflito entre o presidente Salva Kiir e o ex-vice-presidente Reik Machar. A situação no Sudão do Sul tornou-se um grande desastre humanitário, além de ser uma ameaça à segurança regional em toda a África Central e Oriental. Numerosas tentativas de organizações regionais para obter um cessar-fogo entre as duas facções em guerra do Movimento de Libertação do Povo do Sudão (SPLM) e o SPLM na Oposição (SPLM-IO) foram difíceis.

No que respeita à Líbia, depois da criminosa intervenção da NATO, em 2011 o país passou de uma sociedade em prosperidade crescente e florescente, com um modelo de sociedade de que as potências ocidentais desconfiavam, para um país pobre, entregue a bandos criminosos rivais. Nos últimos anos, a Líbia tem estado cada vez mais dividida e ingovernável. Alastrou a guerra entre facções rivais pelo controlo do petróleo, ao mesmo tempo que aumentou a ingerência estrangeira. Aviões norte-americanos chegaram a bombardear Sirte e a Itália enviou militares para o terreno. Tropas do general Khalifa Haftar, ligado às autoridades de Tobruk, no Leste, conquistaram quatro terminais do «crescente petrolífero» líbio, uma zona estratégica para a economia do país, até agora controlada pelo Governo de Unidade Nacional (GUN), com base em Trípoli e apoiado pelos EUA e aliados. No sentido de se caminhar para a recriação do estado líbio, a Rússia tem estado a fazer contactos com os dirigentes dos dois grupos que partilham entre si a administração do país para conversações entre ambas as partes com esse objectivo.

A UA e a União Europeia (UE) decidiram, na cimeira do mês passado em Abidjan, retirar com urgência os migrantes subsaarianos bloqueados na Líbia e à mercê das máfias. O presidente da Comissão da UA, Moussa Faki Mahamat, revelou que, com o apoio aéreo de Marrocos, França e Alemanha começam por ser abrangidas 3800 pessoas, a maioria originária da África Ocidental, actualmente num campo perto de Trípoli. Muitos são jovens atraídos por uma vida melhor na Europa que, quando chegam à Líbia, sofrem prisões arbitrárias, roubos, exploração e até escravidão neste país sem Estado desde a intervenção da NATO em 2011. Mas neste caso, como noutros de migrantes económicos ou que fogem à guerra, UA, UE e a ONU têm de promover planos de investimento que criem empregos a estes jovens nos países de origem.

Tunísia ou a esperança que renasce

Mas os acontecimentos mais recentes e mais significativos registam-se nos últimos dias na Tunísia onde uma revolta popular, com presença significativa de movimentos de esquerda e sindicatos, exige alterações das políticas económicas e sociais. A primeira das mudanças políticas ocorridas em vários países da região, designadas por «primaveras árabes», impulsionadas pelo imperialismo, pode vir a ter importantes desenvolvimentos nas próximas semanas num sentido democrático.

A África Ocidental

A África Ocidental está localizada entre o deserto do Saara e o golfo da Guiné e nela são abrangidos o Benim, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo.
Devido ao facto de se localizar entre o deserto e o golfo, o clima da região é do tipo equatorial. A vegetação é formada por savanas na parte setentrional e florestas na parte meridional, onde chove bastante. A densidade demográfica da África Ocidental é menor nas regiões sob influência do Saara e maior no sul. A Nigéria alberga cerca de 60% da população desta região. A principal actividade económica é a agricultura, alternada entre a agricultura de subsistência e a plantação de produtos que se destinam à exportação, como o café, cacau, amendoim, banana e outros. O petróleo continua a ser procurado em vários países pelas multinacionais. No Gana está localizada a maior plataforma flutuante de produção e armazenamento da ENI para a exploração de depósitos offshore de mais de 40 mil milhões de metros cúbicos de gás e 500 milhões de barris de petróleo. Na Costa do Marfim, também a ENI comprou 30% de uma área offshore rica em hidrocarbonetos.

Estado de guerra no Sahel

No Níger está instalada uma base militar francesa no aeroporto da capital, Niamey. Com 500 militares, caças Mirage 2000, aviões de transporte e drones. Macron, na sua visita recente à região, não pôde deixar de se referir a uma futura eleição «transparente e honesta», depois do actual presidente Mahmadou Issoufou ter sido eleito duas vezes consecutivas em eleições contestadas. Contestação que se prolongou também nos últimos três meses em manifestações contra a política do governo, que reduz o poder de compra, e contra a corrupção de que são acusados o presidente e a sua entourage.

No Sahel constituiu-se um G5, composto pelo Mali, Níger, Burkina Faso, Chade e Mauritânia (não inclui a Nigéria), que criaram uma força militar conjunta para combater uma crescente ameaça jihadista nesta região da África Ocidental. Esta força, composta por 5 mil militares, é dirigida pelos EUA (aspirante a força ocupante prolongada) e pela França (potência ex- e neocolonial). Em meados de Maio deste ano, o Senegal, fiel aliado do Ocidente, enviou uma força militar de intervenção rápida para a região central maliana. O novo chefe das operações de manutenção da paz da ONU, Jean-Pierre Lacroix, em visita ao Mali, justificou a medida com «a situação de insegurança» que se mantinha. Esta presença militar provocou fortes reacções populares no Mali. Quanto ao papel dos EUA no Sahel, mais do que preocupações de segurança (o seu território fica longe…) o que existem são preocupações com a penetração da China nas economias africanas.

Togo, Camarões, Gana: motivos de esperança

Um forte movimento democrático na antiga colónia alemã e francesa tem vindo a ser motivo de notícias desde 2016. O presidente Faure Gnassingbe tem estado no cargo há mais de uma dúzia de anos e a família Gnassingbe governou este estado, predominantemente agrícola, ao longo de mais de meio século. Durante meses, uma aliança de 14 diferentes partidos políticos e coligações organizou manifestações de massas e greves gerais. O governo respondeu usando tácticas repressivas de controle de multidões pelas forças de segurança, além de prender os líderes da oposição. Duas formações têm sido proeminentes na resistência recente: a Aliança Nacional para a Mudança (ANC), liderada por Jean-Pierre Fabre; e o Partido Nacional Pan-Africano (PNP) liderado por Tikpi Atchadam. Ao todo, houve 16 mortes de manifestantes.

A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), presidida por Lomé, não tem querido desempenhar o papel de mediador, embora tenha feito declarações a exigir a reconciliação nacional, a que o regime não respondeu, tal como não respondeu à necessidade de reformas fundamentais. Já o Gana tem desempenhando esse papel, uma vez que tem um interesse directo na prevenção de uma crise mais profunda que poderia levar ainda mais pessoas a atravessar a fronteira para a antiga colónia britânica.

Nos Camarões, país francófono entre outros de língua inglesa, houve no ano que passou uma série de greves gerais em grande parte resultantes das divisões herdadas de um estado que sofreu o colonialismo alemão, francês e britânico nos séculos XIX e XX. As pessoas nas regiões noroeste e sudoeste do país, onde o inglês é a língua predominante, protestaram contra invocadas práticas discriminatórias nos sistemas educativo e jurídico. A incapacidade da burocracia estatal pagar aos professores os seus salários levou a manifestações e greves nas regiões francófonas dos Camarões. Há professores que nunca receberam salários no ensino público, apesar de a produção e exportação do petróleo representarem cerca de 40% do PIB. Ineficiências, corrupção e roubo no aparelho do Estado, com a conivência da camada dirigente, estão na origem destas situações.

Togo e Camarões são exemplares enquanto crises de governação que emergiram após a derrota do colonialismo na África Ocidental. São situações que só poderão mudar com a ascensão, a partir de uma base popular, de partidos e dirigentes que coloquem a melhoria das condições de vida dos seus povos acima dos estreitos interesses de classe dos instalados nos aparelhos de estado e governos, bem como de outros grupos de interesses. Com um estado vizinho, a Nigéria, há o problema de Boko Haram, que espalhou os seus tentáculos para os Camarões. O governo está envolvido numa aliança militar regional para combater o grupo terrorista que organizou os seus ataques mais mortais no nordeste, a partir de 2009.

continua

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