Em vésperas do Dia Internacional da Erradicação da Pobreza, celebrado a 17 de Outubro de 2021, a CGTP-IN relembra que, só «em 2020, existiam dois milhões e 37 mil pessoas, residentes no nosso país, que se encontravam em situação de pobreza ou exclusão social. Dessas, cerca de um milhão e 100 mil eram mulheres, ou seja, 20,2% do total de mulheres residentes em Portugal, um valor superior ao dos homens».
A luta por «trabalho de igual valor, salário igual» mantém-se tão actual como no passado e é indissociável das reivindicações pelo direito à contratação colectiva. 1 de Março. Para que no final do ano as mulheres a trabalhar em Portugal recebessem o mesmo do que os homens, estes podiam começar a trabalhar apenas a 1 de Março. De acordo com os dados mais recentes sobre as diferenças salariais entre homens e mulheres (2018), estas recebem menos 16,2% de salário por hora – o equivalente a 52 dias de trabalho – e esta diferença tem sido persistente nos anos mais recentes1. «Uma análise mais detalhada das diferenças salariais implica comparar os salários de mulheres e homens com características semelhantes, nomeadamente em termos de qualificações. Quando o fazemos, então concluímos que não há melhorias significativas na redução das assimetrias salariais nos últimos 30 anos» A olho nu, numa análise de mais longo prazo, pode dizer-se que a redução das diferenças salariais entre homens e mulheres em Portugal foi significativa – se hoje a diferença é de cerca de 16%, no início dos anos 90 era de quase 25%. Por detrás deste decréscimo aparentemente significativo está o aumento das qualificações das mulheres, pelo que esta análise mais generalista não é suficiente para analisar a existência da elevada assimetria salarial ainda existente. Uma análise mais detalhada das diferenças salariais implica comparar os salários de mulheres e homens com características semelhantes, nomeadamente em termos de qualificações. Quando o fazemos, então concluímos que não há melhorias significativas na redução das assimetrias salariais nos últimos 30 anos. Apesar da legislação que impede a discriminação salarial entre mulheres e homens, a realidade em diversos países aponta para a persistência de diversas fontes de discriminação, mais ou menos explícita, nas mais variadas actividades – desde as investigadoras na área da economia serem confrontadas mais frequentemente com comentários paternalistas ou hostis durante seminários do que os seus pares do sexo masculino2, a professoras receberem sistematicamente avaliações pedagógicas inferiores que os seus pares do sexo masculino3, ou mulheres a sofrerem sanções mais graves no emprego do que os seus pares do sexo masculino perante atitudes semelhantes4. Independentemente da especificidade dos exemplos dados, a apologia das longas jornadas de trabalho, conjugado com uma desequilibrada distribuição do trabalho doméstico e apoio aos filhos, continua a ser uma das principais razões para que mulheres e homens que partilham as mesmas qualificações e ocupações, tenham folhas salariais com valores substancialmente diferentes5 6. As últimas décadas de desenvolvimento tecnológico têm significado alterações no mercado de trabalho. Em específico, tem-se assistido a uma redução do peso relativo das ocupações ditas «rotineiras» – ocupações que implicam a repetição de processos, e em que uma parte ou o todo dos conteúdos funcionais podem ser integrados/desempenhados por uma tecnologia digital –, em oposição ao aumento da relevância das ocupações «não-rotineiras» – que cobrem um espectro tão diverso como a advocacia, a programação informática ou o apoio social a idosos, e por isso estão em extremos opostos da distribuição salarial. Dadas estas alterações, importa perguntar quais as suas implicações nas assimetrias salariais entre mulheres e homens. Foquemo-nos no sector privado, para o qual os dados disponíveis remontam a um período mais longo e permitem um nível de análise que dá suporte aos argumentos desenvolvidos de seguida. «Em conclusão, as alterações na estrutura do mercado de trabalho causadas pelo desenvolvimento tecnológico não trazem qualquer automatismo na redução das diferenças salariais entre mulheres e homens» Podendo haver a expectativa de que o aumento impressionante de qualificações das mulheres trabalhadoras nos últimos 20 anos – em 1995 apenas 5% das trabalhadoras do sector privado tinham formação superior, e em 2017 eram quase 25% – seria suficiente para reduzir as diferenças salariais, a realidade não vai ao encontro dessas expectativas. Muito embora o aumento do número de anos de educação entre as mulheres tenha acontecido a par do aumento do emprego mais qualificado, o que as tem beneficiado no acesso a ocupações «não-rotineiras» que exijam mais qualificações. Se este efeito – mulheres mais qualificadas a ocupar os novos postos de trabalho mais qualificados – poderia significar a redução automática das diferenças salariais, emergem dois efeitos mais fortes: (1) a segregação nas ocupações é enorme (i.e., subsistem estereótipos relativamente a profissões de «mulher» e profissões de «homem»), e as mulheres estão sobre-representadas em ocupações mais mal pagas; (2) os salários associados a ocupações com grande percentagem de mulheres tem aumentado menos do que os salários pagos em ocupações desempenhadas sobretudo por homens. Ainda que, quer uns, quer outros, tenham visto os seus salários reais praticamente estagnados nos últimos 20 anos. «a História da emancipação das mulheres nunca beneficiou de quaisquer automatismos, e foi por via da sua reivindicação e luta que se operaram mudanças e saltos qualitativos nas suas vidas, e na sua participação na vida política, social e cultural» Em conclusão, as alterações na estrutura do mercado de trabalho causadas pelo desenvolvimento tecnológico não trazem qualquer automatismo na redução das diferenças salariais entre mulheres e homens7. Como, aliás, a História da emancipação das mulheres nunca beneficiou de quaisquer automatismos, e foi por via da sua reivindicação e luta que se operaram mudanças e saltos qualitativos nas suas vidas, e na sua participação na vida política, social e cultural. A luta por «trabalho de igual valor, salário igual» mantém-se tão actual como no passado e é indissociável das reivindicações pelo direito à contratação colectiva. Uma contratação colectiva que garanta tabelas salariais transparentes, justas, e que valorizem os trabalhadores; uma contratação colectiva que garanta que ocupações com conteúdos funcionais semelhantes sejam igualmente pagas, independentemente de serem desempenhadas por mulheres ou por homens; uma contratação colectiva que preveja direitos de parentalidade, que sirva de arma de combate a qualquer tentativa de discriminação das mulheres, nomeadamente quando são mães, e dos homens quando querem exercer os seus direitos enquanto pais. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
As diferenças salariais entre mulheres e homens e o desenvolvimento tecnológico
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Vários outros indicadores apontam para a grave situação de desigualdade de rendimentos existente em Portugal: «Em Agosto de 2021, as mulheres eram as principais beneficiárias das prestações de desemprego (59% mulheres e 41% homens)» e «69% dos pensionistas com pensões até 438,81€ - abaixo do limiar da pobreza - são mulheres».
Também os indicadores apresentados na segunda-feira pelo Governo, no contexto da proposta de Orçamento do Estado para 2022, salientam a desigualdade de rendimentos entre homens e mulheres, «17,1% nos ganhos salariais e 28,4% nas pensões».
Em comunicado enviado ao AbrilAbril, a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional, CGTP-IN, insiste que «o combate à pobreza passa, necessariamente, pelo aumento geral dos salários e das pensões, pela garantia de emprego estável e pelo fim da caducidade das convenções colectivas de trabalho como instrumentos essenciais para garantir uma melhor e mais justa distribuição da riqueza».
«Mais do que discursos politicamente correctos de quem governa, precisamos de políticas que resolvam os problemas do dia-a-dia».
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