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Em 2023, o trabalho forçado deu lucros de 236 mil milhões aos exploradores

Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) refere que, de entre os 236 mil milhões de dólares de lucros ilegais alcançados através do trabalho forçado, 73% provém da «exploração sexual comercial» de pessoas.

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«As pessoas em situação de trabalho forçado estão sujeitas a múltiplas formas de coacção, sendo a retenção deliberada e sistemática do salário uma das mais comuns. O trabalho forçado perpetua ciclos de pobreza e exploração e atinge o cerne da dignidade humana», afirmou Gilbert F. Houngbo, director-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT). E esta realidade só tem vindo a piorar nos últimos anos.

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Lucrar não é crime, dizem os juízes

A possível reviravolta em relação à criminalização do proxenetismo, por haver no Tribunal Constitucional novos elementos favoráveis a essa alteração, traz-nos de novo a este assunto.

Na União Europeia, a mulher em situação de pobreza e migrante é a principal vítima da prostituição
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O Público noticiou que o Tribunal Constitucional abriu, no mês passado, caminho para a despenalização desta prática. Segundo a notícia, alguns dos juízes argumentam que «lucrar não é crime», e que a criminalização pode até ser condescendente e constituir um atentado à «dignidade e autonomia» de pessoas livres que podem decidir o que fazer com o seu corpo e com a sua sexualidade.

Também se fala de «liberdade sexual» e sugere-se que «incriminar proxenetas que não violaram a liberdade sexual de ninguém constitui “um exercício de moralismo atávico», impensável numa sociedade secularizada e democrática.»

Mais uma vez se vem colocar o ónus na questão moral e na evolução das mentalidades em relação à sexualidade. Mas a liberdade sexual tem relação com a prostituição? É de liberdade sexual que estamos a falar quando tabelamos preços para prestar serviços sexuais a um cliente? As mulheres prostituídas são livres de explorar dessa forma a sua sexualidade? É de liberdade sexual que se trata quando ouvimos os relatos de como se entra nesta actividade? E, acima de tudo, é de liberdade sexual que estamos a falar quando defendemos legalizar os patrões que exploram as mulheres que se vêem obrigadas a prostituir-se?

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Legalizar os patrões das prostitutas

Não é crime uma pessoa prostituir-se, mas sim a exploração dessa actividade por outros. Com a legalização do lenocínio, são os que gravitam em torno deste negócio, e não as mulheres, que ficam salvaguardados.

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Já são vários os elementos de uma nova investida no sentido de legalizar o proxenetismo em Portugal. A agenda não é nova mas tem tido maior visibilidade em torno da recente petição para legalizar o lenocínio e regulamentar a prostituição enquanto profissão. 

Ontem, o Público noticiou um acórdão do Tribunal Constitucional que pela primeira vez vem defender que facilitar a prostituição não deve ser crime. Assumindo que é um assunto que não reúne consenso, o artigo expõe alguns dos argumentos utilizados pelos magistrados para defender a descriminalização daqueles que lucram com a prostituição de terceiros.

Chega a ser espectacular a contradição do que é defendido. Se por um lado os juízes não ignoram a violência que existe no mundo da prostituição, consideram que é o facto de a actividade  – o proxenetismo  – ser crime o que aumenta essa violência. «Os riscos que [com o crime de lenocínio] se querem esconjurar (em todo o caso, sempre existentes em algum grau) resultam mais da criminalização da actividade em causa (e assim da natureza "subterrânea", clandestina, para que é remetida) do que da mesma», pode ler-se no texto.

Mas, sobretudo, este acórdão vem colocar o ónus na questão moral, afirmando que as mentalidades evoluíram desde a altura em que se considerou que a exploração de outros através da prostituição devia ser ilegal. A essa perspectiva presidia então «uma certa ideia cultural e histórica da pessoa e uma certa ideia do valor da sexualidade». Os vários acórdãos que até agora consideravam o proxenetismo crime mais não faziam «do que tutelar "sentimentalismo" ou "uma ordem moral convencional particular"». Legalizar os patrões das prostitutas é, portanto, coisa do progresso, e considerar que aqueles que lucram com a exploração sexual são criminosos é conservadorismo.

E, finalmente, importa referir a distância imensa a que estes juízes consideram estar a prostituição por coacção, que deverá continuar a ser crime, e aquela que é facilitada a alguém por livre e espontânea vontade. Mas não será a liberdade de escolha daquelas que se prostituem inseparável, com ou sem uma arma apontada à cabeça, das condicionantes económicas e sociais que determinam os seus percursos?

O caso da Ana e das «suas meninas»

«Legalização da Prostituição em Portugal e/ou Despenalização de Lenocínio» é o título da petição, que foi entregue para ser debatida na Assembleia da República e que, a par das entrevistas dadas pela promotora e proxeneta Ana Loureiro, constituem um caso paradigmático desta campanha amplamente difundida pelo Correio da Manhã e pela TVI.

Todas as suas afirmações deixam claro que é o desespero que leva estas mulheres à prostituição. «Entraram nesta vida porque não tinham como sustentar os filhos», diz Ana Loureiro, e acrescenta que estas «não pedem o rendimento mínimo porque correm um risco, uma vez que os filhos são sinalizados pelo CPCJ». Mas podíamos ficar-nos pelo exemplo da própria, ao afirmar que, se não tivesse perdido o emprego no Infarmed, «talvez nunca tivesse entrado na prostituição».

Outro dos casos apresentado tem contornos semelhantes: «Eu vim para a prostituição devido ao ordenado mínimo do País. É impossível, com 620 euros, pagar um quarto, a alimentação e o resto das despesas»; ou ainda: «Eu vim cá parar porque fui vítima de violência doméstica, sou mãe solteira, bati a todas as portas e ninguém me abriu.»

Em Portugal, a prostituição não é crime. Porém, a alteração que decorreria da sua regulamentação como profissão conduziria à descriminalização do lenocínio e, consequentemente, à descriminalização da actividade dos proxenetas, que passariam a «empresários do sexo», objectivo que é avançado com a maior das clarezas pela promotora da petição. Com a legalização do lenocínio, mais do que os direitos das mulheres, são os dos que gravitam em torno deste negócio que ficam salvaguardados.

A prostituição é mais uma forma de exploração e de violência exercida essencialmente sobre as mulheres e é expressão de desigualdades sociais, que são indissociáveis das injustiças sociais que o actual quadro socioeconómico encerra, indissociável da pobreza, da exclusão social, do desemprego, da precariedade laboral, da falta de protecção social, da negação de direitos.

A prostituição é então exemplo acabado de duas das mais tenebrosas características do capitalismo: a desigualdade e a mercantilização – neste caso, do corpo da mulher – que pode ser comprado e usado.

E o que dizer em relação ao alegado «empoderamento» das ditas «trabalhadoras do sexo» que resultará da legalização? Será uma trabalhadora com direitos e uma mulher emancipada o que o cliente está à procura? Não será isso incompatível com a linguagem utilizada nas ofertas nos sites e jornais «reserve uma rapariga agora» ou «menina para sua satisfação à distância de um clique»?

A discussão política em torno da dita legalização da prostituição em Portugal assume vários problemas. O primeiro é precisamente ser levada a cabo por muitos que não colocam como central a necessidade de construir uma alternativa a este sistema económico e às políticas que levam muitas mulheres a esta situação. Outro dos problemas é ser uma discussão que, tentando apelar ao sentimento de justiça das pessoas para com uma necessidade de resolver a situação degradante em que vivem estas mulheres, pretender na verdade legalizar a actividade dos proxenetas.

O que precisamos não é de empresários que «facultem» um apartamento limpo numa zona segura para «proteger» estas mulheres. Nem que estas sejam obrigadas a exames médicos regulares para manter a sua «actividade». Nem que descontem para a Segurança Social para ter acesso a uma baixa médica. O que precisamos é de direitos para quem trabalha, de igualdade de oportunidades e de uma justa distribuição da riqueza, para que mais nenhuma mulher seja forçada a prostituir-se para sobreviver.

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Pois bem. Lucrar não é crime, é certo. E vivemos numa sociedade em que é legal fazer parte da minoria que lucra valores extraordinários explorando a força de trabalho da maioria.

Mas neste quadro jurídico que temos, não é muito difícil de concordar que não se trata de caminhar no sentido do progresso pretender-se legalizar a actividade daqueles que lucram com a exploração sexual de pessoas em situações de extrema vulnerabilidade económica, sujeitas a grandes violências quotidianas, e sem alternativas credíveis de integração social.

Argumentam, ainda, que a legalização seria sempre da actividade desenvolvida sem coacção. Mas onde está a linha que define o que é coacção? O sequestro dos documentos, as ameaças, a violência física e psicológica, o risco de fome e de pobreza?

Importa não esquecer que não é crime uma pessoa prostituir-se. E não há dúvida que a liberdade sexual e a emancipação das mulheres em relação a uma visão misógina da sexualidade deve ser um objectivo de uma sociedade progressista e democrática. Mas quem se prostitui, regra geral, não o faz por uma questão de «empoderamento». E muitas são, pelo contrário, empurradas para situações degradantes, que não se resolvem com a legalização daqueles que lucram com a manutenção dessa realidade.

Essa legalização só poderá contribuir para normalizar mais uma forma de exploração, mercantilizar ainda mais o corpo das mulheres e – paralelamente–  a sua capacidade reprodutiva, como acontece com o mercado das barrigas de aluguer.

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O montante total dos lucros ilegais provenientes do trabalho forçado aumentou 64 mil milhões de dólares (37%) desde 2014: uma década depois, em 2024, está nos 236 mil milhões de dólares. A OIT considera que este «forte» aumento foi alimentado «pelo crescimento do número de pessoas forçadas a trabalhar e pelos lucros mais elevados gerados pela exploração das vítimas».

O total anual dos lucros ilegais do trabalho forçado é mais elevado na Europa e na Ásia Central (num total de 84 mil milhões de dólares), seguido da Ásia e Pacífico (62 mil milhões), das Américas (52 mil milhões), de África (20 mil milhões) e dos estados Árabes (18 mil milhões). «A exploração sexual comercial forçada» é responsável por grande parte destes lucros: mais de dois terços (73%) do total destes lucros ilegais, «apesar de representar apenas 27% do número total de vítimas do trabalho forçado no sector privado».

Para além da exploração sexual, o sector com maiores lucros ilegais anuais provenientes do trabalho forçado é a indústria, com 35 mil milhões de dólares, seguido pelos serviços (20,8 mil milhões), agricultura (5 mil milhões) e pelo trabalho doméstico (2,6 mil milhões). Estes lucros ilegais correspondem «aos salários que, por direito, pertencem às trabalhadoras e aos trabalhadores, mas que, em vez disso, ficam nas mãos dos seus exploradores, em resultado das suas práticas coercivas».

Para além do reforço dos mecanismos legais para travar o fluxo dos lucros ilegais e a penalização de quem os movimenta, a OIT defende que o trabalho forçado «não pode ser eliminado apenas através de medidas de aplicação da lei, as acções de aplicação devem fazer parte de uma abordagem global que dê prioridade à resolução das causas profundas e à protecção das vítimas».

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