Vemos, ouvimos, lemos... e depois, que fazer?

CréditosLuba Lukova

Todos os dias milhões de portugueses vêem os telejornais e outros serviços noticiosos da TV e da rádio, lêem jornais ou vão «saber novidades» à Internet. Os media – falamos principalmente da televisão – são a única forma de conhecerem (e, para muitos, também aprenderem) o que, fora do seu circulo próximo, se passa no país e no mundo. E, no entanto, que real conhecimento tem a generalidade dos portugueses desse mundo que está por detrás e «fabrica» e «produz» as imagens, os sons e as palavras que nos informam e nos ensinam, decisivamente influenciando as formas de conhecer e de pensar a realidade, mas também de tomar decisões e agir?

Sublinhe-se que não é só de informação que devemos falar, mas também de conhecimento. Temos no nosso país meio milhão de analfabetos, mas muito superior é o número dos afectados pela iliteracia, e mais ainda pela iliteracia mediática, tendo em conta que a compreensão do que se vê e ouve na TV, desde logo nos programas informativos, exige um mínimo de conhecimentos, espírito crítico, capacidade de enquadramento e de «leitura» mediática de que a maioria não dispõe, independentemente do nível de escolaridade. Quantas vezes ouvimos nós pessoas dizerem, peremptoriamente, «é verdade» porque «vi na telelevisão» ou «disseram no telejornal»?

2. As dificuldades de apreensão por parte dos telespectadores tem sido agravada nos últimos tempos pela quase insânia tecnológica que invadiu os estúdios, dominados por imperativos competitivos (mais tecnológicos do que jornalísticos…) que muitas vezes conseguem complicar em vez de facilitar a vida do auditório. Termo simbólico desta competição: «interactividade».

Em texto recente no Público, António Bagão Félix refere-se à situação com justeza e humor: «O ecrã televisivo nos noticiários vem-se transformando numa salsicharia de notícias, quase-notícias e não notícias. De tal sorte que só seres dotados de grande capacidade são capazes de tudo abarcar: a voz do pivot, a imagem relacionada com a notícia, o rectangulozinho (ou janelinha) do entrevistado, o rodapé 1 com a «última hora», que tanto pode ser uma verdadeira última hora, como uma frivolidade, às vezes por cima do rodapé 2 com o discorrer de notícias (algumas já apodrecidas pelo tempo), a indicação das horas, e, como se não bastasse, por cima da imagem dos rodapés, ou mesmo sobreponível, a legendagem da prosa estrangeira. A isto acrescem imagens virtuais em mutação ou acelerado movimento com cores a rodos, por detrás dos intervenientes! É demais.»

«Quantas vezes ouvimos nós pessoas dizerem, peremptoriamente, «é verdade» porque «vi na telelevisão» ou «disseram no telejornal»?

Prossegue Bagão Félix: «Iniciada por um qualquer canal e logo seguida mimeticamente pelos canais concorrentes (ainda que com a televisão pública bem mais contida), a nova moda apresenta agora na tal janelinha do entrevistado do lado direito e na parte maior do ecrã uma sequência de imagens que se repetem a cada 30 segundos e provocam um irreprimível entediamento, para não dizer náusea, ao serem vistas pela enésima vez. Ontem, hoje e amanhã e depois de amanhã. (…) Há, ainda, um ponto que está para além desta apoplexia visual. Refiro-me a um aspecto que é, no mínimo, deontologicamente desonesto. É o de todos os dias se passarem "quilos" de imagens de arquivo sem que tal esteja devidamente assinalado ou datado no ecrã, já prenhe de tudo o resto. A larga maioria das pessoas não tem possibilidade ou capacidade de distinguir o que é arquivo e o que é actualidade. A confusão é total. Pior ainda, quando se trata de focar alguém por uma qualquer razão, misturando suas imagens com outras pessoas em momentos ou actos completamente desligados da substância da notícia. No frenesim competitivo, não há lugar à ética dos cuidados. Tudo igual, tudo indiferenciado, tudo misturado. Lamentável.»

3. Há outros aspectos, mais ligados ao conteúdo do que à forma (se bem que sejam indissociáveis), que quotidianamente nos chocam nos jornais televisivos, particularmente no campo político, quer pelas abordagens dos temas quer… pela sua ausência. E o silenciamento no telejornal equivale, de certo modo, à inexistência. Uma atitude imediata é o espanto e a revolta, a que logo se segue desespero. A primeira reacção é a vontade de denunciar, a segunda é a de que não vale a pena, a terceira é a que acaba por prevalecer: no dia seguinte, estoicamente, já sabendo o que nos espera, repetimos o mesmo calvário. Claro que é sempre possível (e, parecendo que não, também útil) fazer um telefonema, escrever uma carta, mandar um mail. Protestar vale sempre a pena. Pelo correio ou na rua. E quantos mais forem os que protestam melhor.

Mas existem outras atitudes possíveis e, tendo em conta a iliteracia mediática, mais produtivas, nomeadamente estimulando e promovendo o debate público da problemática dos media, que é uma das formas de os colocar onde devem estar: no centro da luta política e ideológica. Torna-se cada vez mais necessário:

- Desenvolver a compreensão dos mecanismos de produção da informação, na linha daquilo que no plano pedagógico se chama «educação para os media», e que no pós-25 de Abril foi objecto no ensino oficial de interessantes experiências, que urge recuperar, alargar e aprofundar (Luís Lobo referiu-se já oportunamente ao tema nesta coluna).

- Criar associações de telespectadores, ouvintes e leitores, movimentos de opinião, observatórios e clubes de discussão dos media, a nível local, regional, nacional.

- Incluir a temática dos media nas iniciativas dos movimentos associativo, popular e sindical, não só no plano da denúncia e do protesto, quando for caso disso, mas também na perspectiva do esclarecimento, recorrendo aos contributos de quem possa ajudar a «desvendar», por exemplo, como se constrói um telejornal, um noticiário, uma primeira página, ou a desmontar o modo como determinado acontecimento surge na comunicação social de forma que condiz com a realidade ou, pelo contrário, desfigurado, amputado do que verdadeiramente significativo aconteceu.

- Dedicar a cada vez mais necessária atenção à Internet, focando os pontos potencialmente negativos mas sem esquecer as potencialidades enquanto forma de conhecimento, intervenção, participação, informação e mobilização.

- Valorizar, debater e defender o lugar do Serviço Público: RTP - Rádio e Televisão de Portugal e Agência Lusa.

- Conhecer a diversidade e contextos de trabalho dos profissionais da comunicação social, sem esquecer as questões básicas relativas à propriedade dos media e à sua estreita relação com o funcionamento do sistema capitalista.

A comunicação social é produto e reflexo da sociedade, mas é também um seu poderoso instrumento e forte alicerce.

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