«Falta a condição mínima para respeitarmos a democracia cultural»

O CENA e o STE uniram-se este ano num único sindicato. Este sábado comemora-se a fusão, a partir das 16h30, no Intendente, em Lisboa. André Albuquerque, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE), fala ao AbrilAbril sobre os motivos da celebração e as lutas que falta travar.

CENA-STE na manifestação da CGTP-IN, no 1.º de Maio
Créditos / CENA-STE

O CENA e o STE comemoram este sábado a fusão no novo CENA-STE. Que benefícios resultaram para os trabalhadores das artes do espectáculo e audiovisual?

Esta fusão elimina aquilo que nos últimos dois anos era quase uma formalidade. Foram diversas as acções realizadas em conjunto pelos anteriores sindicatos. Portanto, a decisão para as duas direcções tornou-se evidente, a fusão num só Sindicato. As assembleias-gerais realizadas para discutir e votar esta importante decisão comprovaram que o sentimento de unidade estava correcto, já que obtivemos a unanimidade dos votos num e noutro sindicato. 

Desde o dia 15 de Maio, data da decisão, que os resultados são evidentes. Temos um Sindicato com mais força, com mais associados, com uma Direcção Nacional com uma representatividade bastante abrangente, tanto ao nível dos locais e áreas de trabalho como a nível territorial.

Temos agora um Sindicato que é mais rápido e ágil na resposta aos associados, com mais dirigentes, delegados e activistas a responsabilizarem-se pela intervenção sindical e isso tem-se traduzido em vitórias, em esclarecimentos mais completos aos trabalhadores e, talvez até o mais importante, cada vez mais sentem os trabalhadores do sector que podem contar com uma acção mais efectiva do seu Sindicato de classe. 

Qual é o balanço em termos da capacidade de acção do sindicato?

Estamos muito perto de alcançar os cem novos associados, esperamos que com a campanha de sindicalização que vamos lançar no dia 4 de Novembro, na celebração da fusão, ultrapassemos esse número em poucos dias e possamos daqui a uns meses apresentar um crescimento exponencial do Sindicato a esse nível.

A nossa estrutura vai alargando, desde logo porque a presença de dirigentes nos locais de trabalho é agora mais alargada e isso tem melhorado as informações e reivindicações que vão chegando à direcção permitindo melhor intervenção. Para já estão eleitos os três delegados sindicais do OPART e em breve mais eleições serão feitas noutros locais.

Iremos com certeza ter delegados sindicais onde os anteriores sindicatos não tinham conseguido chegar, nomeadamente fora de Lisboa, esse alargamento regional é um dos objectivos principais para 2018. Um número bastante significativo de activistas sindicais tem também demonstrado disponibilidade e fez já algum trabalho, demonstrando o interesse gerado por esta nova fase e por esta nova organização que procuramos.

Quais foram as principais conquistas em termos de direitos laborais, lutas e realizações, ao longo deste ano?

Muitas das conquistas são pontuais, dizem respeito a um só trabalhador, por vezes. Essas não são menos importantes que aquelas que abrangem um conjunto maior ou mesmo todos os trabalhadores do sector.

Quando o Sindicato consegue que, por exemplo, um trabalhador seja pago por um trabalho que fez há mais de meio ano, um ano, dois, não podemos deixar de sentir que fizemos essa diferença real na vida daquele trabalhador. Assim como percebemos que a maior força e capacidade de iniciativa do Sindicato foi importante para garantir que os trabalhadores da Companhia Nacional de Bailado chegassem às 35 horas e para que os músicos da Orquestra Metropolitana de Lisboa voltassem a receber o subsídio de reparação de instrumentos.

E, chegando agora o Sindicato a mais locais de trabalho e conseguindo realizar mais acções e iniciativas, novas vitórias se aproximarão para breve, esperamos que, por exemplo, a negociação do Acordo de Empresa na Fundação INATEL traga finalmente um quadro de trabalhadores específico do Teatro da Trindade. Certamente que, quando celebrarmos o primeiro ano do novo Sindicato, teremos várias vitórias para apresentar. 

Quais são as principais reivindicações do sindicato neste momento?

O combate à precariedade tem de ser um dos objectivos principais, a manutenção de vínculos precários que ainda por cima na esmagadora maioria dos casos são vínculos ilegais, como os falsos recibos verdes, é o maior entrave ao trabalho com direitos neste sector.

Infelizmente, sabemos que não estamos sós nesta realidade, que 1 milhão e 100 mil trabalhadores portugueses sofrem com a precariedade, mas também sabemos que o nosso sector é daqueles em que a ilegalidade é maior e continua a existir com enorme conivência dos últimos governos e alicerçado numa desculpa, a de que não há dinheiro para manter as produções.

É preciso dar a volta à atitude do Governo perante esta realidade e é preciso terminar com a desculpa do dinheiro, porque também no nosso sector há muito dinheiro mal utilizado e até desviado para gastos que em muitos casos mereciam, no mínimo, uma profunda reflexão de como é feita a gestão de algumas entidades de criação, tanto estatais como independentes.

Depois estamos muito empenhados em algo que será fundamental para os trabalhadores, a criação de regulamentação para as nossas profissionais. É preciso derrotar a Lei 4/2008, chamada Lei dos Intermitentes, afirmar que o Código do Trabalho tem todas as excepções necessárias para regular as relações laborais e apostar, isso sim, na regulamentação, na criação de protecção nas lesões e doenças profissionais que para tantos profissionais deste sector acabam por terminar com a sua vida de trabalho e deixá-los em situações pessoais muito frágeis, é preciso criar um regime de certificação profissional que não exclua e que tenha em conta os diferentes tipos de formação, regulamentação que tenha em conta o desgaste rápido de tantas das nossas profissões e o facto de termos muitos períodos de inactividade seguidos de períodos de intensíssima actividade.

Este é um trabalho moroso e que será minucioso e, para alcançarmos consensos e conseguirmos chegar ao objectivo, é necessário que todos os trabalhadores colaborem com o Sindicato para encontrarmos as melhores propostas e reivindicações.   

Recentemente lançaram a campanha «Cultura acima de zero». Que feedback tiveram?

Esta campanha, centrada nas verbas destinadas à Cultura no Orçamento do Estado para 2018, teve uma primeira fase com a frase «zero vírgula quê?», o vírgula quê que nos limita a criação e consequentemente a vida, pelas más condições de trabalho.

Passada essa fase, e a um mês da apresentação do OE, passámos para a reivindicação, para o «Cultura acima de zero», para a exigência cada vez mais alargada do 1% para a Cultura. Esta campanha certamente que está a trazer mais pessoas para este lado, dos que defendem o 1%. Temos tido muitos trabalhadores a darem a cara por esta reivindicação e continuaremos com ela até não ser possível, este ano, fazer mais, até à última votação do OE. 

Entretanto, no próximo dia 6, a Plataforma Cultura em Luta, que o CENA-STE integra, realiza uma iniciativa no Campo das Cebolas, em Lisboa e na Praça Carlos Alberto, no Porto. O que é que está a ser programado?

Serão acções de reivindicação do 1% para a Cultura, de afirmação dos 12 eixos fundamentais para a Cultura apresentados no ano passado pela Plataforma e onde haverá espaço para várias intervenções e para aumentar o número de subscritores da posição pública deste ano. Daria especial destaque ao facto de este ano a iniciativa ter também o seu lugar no Porto, com uma participação muito activa e empenhada de dirigentes e activistas do CENA-STE que vivem e trabalham na zona do grande Porto. 

Que avaliação fazem do Orçamento do Estado para 2018 para a Cultura?

Penso que a frase «zero vírgula quê» é o melhor resumo deste Orçamento do Estado (OE) para a Cultura. Se não fosse dramático chegaria a ser divertido perceber como o PS enganou aqueles que aceitaram afirmar na campanha para as Legislativas de 2015 que a Cultura estava com o Costa.

Se o OE para 2016 desiludiu, o seguinte e agora este continuam a desiludir, e muito. Não se vê um esforço sério em dotar a Cultura de verbas mínimas para que, por exemplo, as entidades estatais de criação e produção cumpram a sua missão, para que as entidades independentes das artes performativas possam inverter de vez o caminho de redução de equipas, de espectáculos com menos pessoas, de carreiras curtas e de períodos de ensaio que continuam a resultar em bons espectáculos mas que com mais um mês de ensaios poderiam ser ainda melhores.

«É preciso terminar com a desculpa do dinheiro, porque também no nosso sector há muito dinheiro mal utilizado»

Não se vê um esforço para que o cinema tenha verbas que não continuem a manter o tecto máximo para longas metragens com os mesmos valores de há 15 anos, para que seja possível combater a precariedade de forma séria. 

Deixo apenas o exemplo do OPART, onde a Companha Nacional de Bailado, a Orquestra Sinfónica Portuguesa e o Coro do São Carlos estão cada vez mais afastados daquela que é a sua missão artística e que, mesmo assim, irão sofrer um corte de cerca de 2,4 milhões de euros, 1,2 milhões de euros de corte em despesas com pessoal, em estruturas onde faltam trabalhadores nas áreas artísticas e técnico-artísticas, onde há quase duas dezenas de coralistas contratados sucessivamente a prazo, onde há fatos e fardas para serem renovados, etc. Uma coisa é certa, este primeiro-ministro e este Governo não está com a Cultura. 

Complete a frase «1% para a Cultura é....»?

...a condição mínima para nos considerarmos um país que respeita a democracia cultural como um dos pilares básicos para o desenvolvimento do país e para o desenvolvimento social, intelectual e artístico dos seus cidadãos.  

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