Para toda a gente, tudo #6

Para toda a gente de Dezembro. Deixa ver se consigo chegar ao fim disto sem falar do Natal. Olha, pronto, já perdi a aposta.

«Eu, Daniel Blake», de Ken Loach
Créditos / Papo de Cinema

Então vamos por ordem. Que isto continua tudo ligado.

Este sábado, ou seja amanhã, dia 17, acontece uma noite especial na Galeria Zé dos Bois, que continua de pedra e cal (literalmente) na Rua da Barroca. Às dez da noite dá-se início a uma celebração que inclui conversa, concerto e djset em redor do LP Independência, que Teta Lando gravou em Luanda em finais de 1974, um ano antes de ser declarada a independência de Angola, e que é agora reeditado.

É um documento da geração que viu terminar (pelo menos oficialmente) meio milénio de domínio colonial. E simultaneamente um anúncio do caminho duro que aí começa.

Depois da conversa com Ariel de Bigault com que se inicia a noite, vamos poder ouvir «Pele Escura», «Angolano segue em frente» ou «Irmão ama o teu irmão» reinterpretados por Firmino Pascoal. A entrada custa 6 euros e podem fazer-se reservas para o email [email protected].

 

Desejos de Natal.

Artista queixa-se porque não tem trabalho. Artista queixa-se porque tem trabalho a mais e por isso ainda não conseguiu fazer a mini-maratona que tem planeada para o Cinema Ideal. É este, portanto, o meu voto natalício (e perdi a aposta outra vez). Porque não se pode perder o último filme de Ken Loach, «Eu, Daniel Blake», sobretudo num país onde a designação «Segurança Social» nos faz olhar por cima do ombro e ter medo de abrir a caixa de correio em lugar de nos dizer que vivemos num Estado de Direito para quem, antes de tudo, somos gente.

No pós-guerra, um senhor chamado Clement Atlee liderou a criação do estado social britânico. Estado Social que, entre outras coisas, permitiu que os filhos das classes mais pobres («desfavorecidas» é um eufemismo um bocado irritante) estudassem, conhecessem, criassem.

Clement Atlee teve um funeral discreto. Já o seu estado social teve um funeral de estrondo, replicado pelas exéquias de Estado de Margaret Thatcher, a coveira de serviço para quem a distribuição de leite nas escolas públicas era um luxo a que um dos países mais poderosos do mundo não se podia dar.

Talvez tenhamos algo a agradecer, no entanto. Andamos desde os anos 80 a ver grande cinema, nomeadamente de Mike Leigh e Ken Loach, que nasce em raiva desse dizimar da Inglaterra social. Custa-me dizer a Ken Loach que o seu cinema é fraco consolo. E talvez não seja. Há quem diga que Arte é tudo aquilo que nos faz sentir orgulhosos de pertencer à espécie humana. Será um consolo agridoce, portanto, mas um consolo, ainda assim.

My own private São Silvestre

Mas eu falava em mini-maratona. Porque também no Cinema Ideal podemos juntar o grão ao preto e branco e aproveitar para espreitar para um dos livros mais importantes da história do cinema: em Hitchcock/Truffaut, Kent Jones pega nos áudios das conversas que em 1966 nos vieram lembrar que a lógica é uma coisa enfadonha e as distinções estanques entre alta e baixa cultura também.

Que tal uma sessão contínua de São Silvestre?

Mas um filme sobre um livro não é um livro.

E aqui vai então o livro para este mês. Escrito pelo major-general Carlos Branco, em resultado da sua experiência como observador militar da ONU na Bósnia, A Guerra nos Balcãs.

Jihadismo, Geopolítica e Desinformação foi lançado esta semana pela Colibri. Este livro parece-me uma grande prenda de Natal (não há duas sem três) para quem está farto de verdades fofinhas, que é como quem diz «pós-verdades», palavra nova para um conceito velho. Uma boa prenda para quem parta do perigoso princípio de que vive no «mundo livre», no mundo da «informação isenta», no mundo que é o fiel de todas as balanças e decide quando e como há países que são países enquanto outros países são meros regimes.

Em entrevista ao Expresso, Carlos Branco não tem meias palavras: «As grandes potências decidiram quem é que iam apoiar. Os alemães, por exemplo, estavam interessados na independência da Croácia e da Eslovénia por questões históricas. Os norte-americanos, por ignorância, viam os sérvios como aliados dos russos por serem ortodoxos e utilizarem o alfabeto cirílico.

A partir do momento em que um determinado grupo é demonizado por uma grande potência, toda a comunicação social passa a fazê-lo, constituindo-se como porta-voz de determinados Estados poderosos, interessados, por seu turno, num determinado resultado daquele conflito. Ou seja, os media tendem a espelhar os alinhamentos das grandes potências e isto não é uma teoria da conspiração. É mesmo assim.»

E ainda bem. Que de meias palavras estão os infernos cheios.

Boa páscoa!

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