Então vamos por ordem. Que isto continua tudo ligado.
Este sábado, ou seja amanhã, dia 17, acontece uma noite especial na Galeria Zé dos Bois, que continua de pedra e cal (literalmente) na Rua da Barroca. Às dez da noite dá-se início a uma celebração que inclui conversa, concerto e djset em redor do LP Independência, que Teta Lando gravou em Luanda em finais de 1974, um ano antes de ser declarada a independência de Angola, e que é agora reeditado.
É um documento da geração que viu terminar (pelo menos oficialmente) meio milénio de domínio colonial. E simultaneamente um anúncio do caminho duro que aí começa.
Depois da conversa com Ariel de Bigault com que se inicia a noite, vamos poder ouvir «Pele Escura», «Angolano segue em frente» ou «Irmão ama o teu irmão» reinterpretados por Firmino Pascoal. A entrada custa 6 euros e podem fazer-se reservas para o email [email protected].
Desejos de Natal.
Artista queixa-se porque não tem trabalho. Artista queixa-se porque tem trabalho a mais e por isso ainda não conseguiu fazer a mini-maratona que tem planeada para o Cinema Ideal. É este, portanto, o meu voto natalício (e perdi a aposta outra vez). Porque não se pode perder o último filme de Ken Loach, «Eu, Daniel Blake», sobretudo num país onde a designação «Segurança Social» nos faz olhar por cima do ombro e ter medo de abrir a caixa de correio em lugar de nos dizer que vivemos num Estado de Direito para quem, antes de tudo, somos gente.
No pós-guerra, um senhor chamado Clement Atlee liderou a criação do estado social britânico. Estado Social que, entre outras coisas, permitiu que os filhos das classes mais pobres («desfavorecidas» é um eufemismo um bocado irritante) estudassem, conhecessem, criassem.
Clement Atlee teve um funeral discreto. Já o seu estado social teve um funeral de estrondo, replicado pelas exéquias de Estado de Margaret Thatcher, a coveira de serviço para quem a distribuição de leite nas escolas públicas era um luxo a que um dos países mais poderosos do mundo não se podia dar.
Talvez tenhamos algo a agradecer, no entanto. Andamos desde os anos 80 a ver grande cinema, nomeadamente de Mike Leigh e Ken Loach, que nasce em raiva desse dizimar da Inglaterra social. Custa-me dizer a Ken Loach que o seu cinema é fraco consolo. E talvez não seja. Há quem diga que Arte é tudo aquilo que nos faz sentir orgulhosos de pertencer à espécie humana. Será um consolo agridoce, portanto, mas um consolo, ainda assim.
My own private São Silvestre
Mas eu falava em mini-maratona. Porque também no Cinema Ideal podemos juntar o grão ao preto e branco e aproveitar para espreitar para um dos livros mais importantes da história do cinema: em Hitchcock/Truffaut, Kent Jones pega nos áudios das conversas que em 1966 nos vieram lembrar que a lógica é uma coisa enfadonha e as distinções estanques entre alta e baixa cultura também.
Que tal uma sessão contínua de São Silvestre?
Mas um filme sobre um livro não é um livro.
E aqui vai então o livro para este mês. Escrito pelo major-general Carlos Branco, em resultado da sua experiência como observador militar da ONU na Bósnia, A Guerra nos Balcãs.
Jihadismo, Geopolítica e Desinformação foi lançado esta semana pela Colibri. Este livro parece-me uma grande prenda de Natal (não há duas sem três) para quem está farto de verdades fofinhas, que é como quem diz «pós-verdades», palavra nova para um conceito velho. Uma boa prenda para quem parta do perigoso princípio de que vive no «mundo livre», no mundo da «informação isenta», no mundo que é o fiel de todas as balanças e decide quando e como há países que são países enquanto outros países são meros regimes.
Em entrevista ao Expresso, Carlos Branco não tem meias palavras: «As grandes potências decidiram quem é que iam apoiar. Os alemães, por exemplo, estavam interessados na independência da Croácia e da Eslovénia por questões históricas. Os norte-americanos, por ignorância, viam os sérvios como aliados dos russos por serem ortodoxos e utilizarem o alfabeto cirílico.
A partir do momento em que um determinado grupo é demonizado por uma grande potência, toda a comunicação social passa a fazê-lo, constituindo-se como porta-voz de determinados Estados poderosos, interessados, por seu turno, num determinado resultado daquele conflito. Ou seja, os media tendem a espelhar os alinhamentos das grandes potências e isto não é uma teoria da conspiração. É mesmo assim.»
E ainda bem. Que de meias palavras estão os infernos cheios.
Boa páscoa!
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