Dando continuidade ao tema lançado no último artigo do AbrilAbril, José Gil refere que apesar de todos os esforços, diversas rupturas e alterações nos critérios de avaliação da arte no decorrer do século XX, «na verdade a problemática do juízo de gosto elaborado por Kant não desapareceu, apenas tomou novas formas, passando da questão da avaliação estética (do belo e do sublime) para a da natureza ou não do objeto proposto pelo artista», afirmando ainda este ensaísta que «um dos traços da contemporaneidade artística, é o de não aceitar minimamente qualquer critério específico de avaliação do valor da obra», criando um certo caos, mas «com os factores e interesses institucionais e financeiros a empurrar para a direção que lhes convém»1 . Mesmo depois de todas as tentativas de a destruir, a obra de arte mantém a sua relativa autonomia e não perdeu o seu estatuto de excepcionalidade nem a sua enorme capacidade de nos interrogar. Talvez por isso, neste período que agora atravessamos, e por anacrónico que possa parecer, o público tenha acedido com maior intensidade a acontecimentos artísticos, apesar de todas as limitações do Novo Estado de Emergência2.
É neste contexto que damos conhecimento do retomar de diversos acontecimentos artísticos que nos fazem refletir sobre a relação entre o político e o estético e a possibilidade de novos critérios de avaliação ou não. O que é certo é que as artes visuais têm vindo a recuperar algum dinamismo por todo o país, mesmo depois de alguns terem sido obrigados a anular ou a adiar as exposições dos projetos para o final deste ano ou para o próximo ano e dos artistas continuarem em situação de enorme fragilidade.
A 6.ª Festa da Ilustração de Setúbal teve início em 3 de outubro e vai decorrer até 28 de novembro em diversos espaços de Setúbal. O cartoonista cubano Osmani Simanca, convidado estrangeiro deste ano, apresenta mais de 90 cartoons na exposição «Satíricovid e Outros Desenhos de Humor» na Casa da Cultura3, até 28 de novembro. Simanca tem trabalhos publicados em jornais e revistas de todo o mundo e é vencedor de vários prémios a nível internacional. Em 2017, Simanca foi demitido do periódico brasileiro «A Tarde», onde trabalhava há mais de 15 anos, por ter publicado um desenho sobre o político Geddel Vieira, que tinha sido acusado de corrupção na altura em que estava no governo do presidente Michel Temer. Os seus trabalhos têm como temas assuntos políticos, sociais, religiosos e filosóficos, sempre atento aos acontecimentos em torno do poder, além de serem bastante criativos, ajudam a desmontar discursos oficiais, moralistas ou autoritários.
A Festa da Ilustração está também a homenagear André da Loba (n. Aveiro, 1979), como convidado contemporâneo, com a exposição «Chios, Rangidos e Frufrus», com trabalhos seus, na Casa da Cultura, até 28 de novembro. Em 2010, este ilustrador, animador, designer gráfico, escultor e educador «a combinação de curiosidade, experiência, conhecimento e desconhecimento de André serve como um meio constante com o qual ele cria e inspira, o seu trabalho é um convite e um desafio para mudar o mundo, seja ele grande ou pequeno». André da Loba publicou mais de uma dezena de livros em Portugal, Espanha e Brasil e o seu trabalho tem sido reconhecido internacionalmente, sendo considerado, em 2010, pela revista austríaca Lürzer’s Archive, como um dos 200 melhores ilustradores do mundo.
Até 28 de Novembro, na Festa da Ilustração de Setúbal, podemos ainda visitar as exposições «Futurando» com trabalhos de escolas superiores de artes na Casa do Largo4, «Tom» de homenagem a Thomaz de Mello na Galeria Municipal do 115 e «Torpor» com desenhos do confinamento de vários ilustradores na Livraria Culsete6.
A Mupi Gallery é um projeto artístico dedicado à imagem, que desde 2015 tem vindo a complementar a programação da Saco Azul no foyer da sala de espetáculos do Maus Hábitos7, composta por três Mupis de comunicação publicitária urbana cedidos ao Maus Hábitos. Esta galeria acolhe neste momento a exposição «Três cartazes para o Museu da Gentrificação» de Nikolai Nekh8 e pode ser visitada até 18 de novembro. Esta exposição integra-se no Ciclo «Poético ou político?», com curadoria de João Baeta, que dá continuidade a uma reflexão crítica iniciada na anterior «A política das imagens», tentando «reforçar o nada no gesto artístico de uma separação e fronteira clara entre os territórios, o político e o estético.». O aumento do turismo e a especulação imobiliária trouxeram, principalmente às duas grandes cidades de Lisboa e Porto, significativas mudanças sociais e económicas para todos os que aí viviam e consequentemente houve um longo processo de remodelação dos apartamentos numa determinada zona da cidade. O artista recolheu, fotografou e catalogou alguns objetos abandonados na rua em Lisboa, durante todo este processo, sendo assim que o projeto do Museu da Gentrificação surge e é também daí que têm origem as imagens que posteriormente se transformaram nos três cartazes agora apresentados.
O edifício da Falcoaria Real de Salvaterra de Magos data do século XVIII, de arquitetura pombalina, foi classificado em 1953 como Imóvel de Interesse público. Na década de 1980, a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos compra o edifício e no ano de 2009 volta a abrir as suas portas, completamente recuperado. A Galeria de Exposições da Falcoaria Real9, em Salvaterra de Magos, apresenta uma exposição com trabalhos, de Desenho e Pintura, realizados por diversos artistas, no âmbito do concurso «Pintar Salvaterra», até 26 de novembro. Esta exposição teve o apoio e colaboração da APPOR (Associação de Aguarelas de Portugal).
Participaram neste concurso 17 pintores que retrataram nas suas telas o Património Cultural, Arquitetónico, Natural e Paisagístico de Salvaterra de Magos. O júri do concurso atribuiu o primeiro prémio a Jolanta Rikveile Mourinha, seguida de Rui Paulo Martins Monteiro e Marta Filipa Marques Ferreira. Foram ainda atribuídas menções honrosas a Isabel Alfarrobinha, Esmeralda Filipe Parcelas Neto e José Manuel dos Santos Ferreira Barbosa.
Este ano decorreu também a 11.ª Bienal Internacional de Arte Jovem de Vila Verde, realizando a exposição dos trabalhos selecionados na Biblioteca Municipal Professor Machado Vilela de Vila Verde10 até 27 de novembro. A Bienal Internacional de Arte Jovem de Vila Verde iniciou em 1999, é promovida pela Câmara Municipal de Vila Verde e a e pela D’Arte – Associação de Artistas de Vila Verde11 e tem como objetivo o apoio e valorização dos artistas jovens até 35 anos e a divulgação das suas obras. O Prémio internacional tem o valor de 3.000 euros para o primeiro e de 1500 euros para o segundo, o Prémio Revelação tem o valor de 2500 euros. Das 119 obras apresentadas por artistas de cinco países, nas modalidades de pintura, Instalação, Escultura, Vídeo, Fotografia, Desenho, Técnica Mista e Escultura, foram selecionadas 78 de 52 artistas, incluindo também as três obras premiadas no concurso A Bienal na Escola. O grande Prémio Internacional Arte Jovem - Prémio BPI foi atribuído em ex-aequo, às obras dos artistas Pedro Cunha e Bruno Grilo, o Segundo Prémio Internacional foi atribuído à obra de Juliana Julieta e o Prémio Revelação- IPDJ à obra de Mário Diogo e foram ainda atribuídas três Menções Honrosas às obras de João Sousa Pinto, Diogo Nogueira e de Rafael Oliveira.
* O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AE90)
- 1. José Gil, O tempo indomado, Relógio D´Água Editora, Lisboa, 2020, pp. 85-91.
- 2. Atendendo às novas regras do Estado de Emergência, aconselhamos a consulta dos novos horários em vigor nas salas de exposição, antes de visitar os eventos aqui referidos, considerando que, até 23 de novembro, de segunda-feira a sexta-feira depois das 23h, e aos sábados e domingos a partir das 13h estarão encerrados.
- 3. Casa da Cultura-Galeria de Exposições. Rua Detrás da Guarda, 26, Setúbal. Horário: de terça-feira a sábado, das 10h às 24h; e domingo das 10h às 20h
- 4. Casa do Largo–Pousada da Juventude. Largo José Afonso, Setúbal. Horário: segunda-feira a domingo, das 9h às 20h.
- 5. Galeria Municipal do 11. Avenida Luísa Todi, 5, Setúbal. Horário: terça-feira a sexta-feira, das 11h às 13h e das 14h às 18h; sábado, das 14h às 18h.
- 6. Livraria Culsete. Av. 22 de Dezembro, 23, Setúbal. Horário: terça-feira a sábado, das 10h às 13h e 15h às 19h.
- 7. Maus Hábitos. Rua Passos Manuel 178, 4.º, 4000-382 Porto. Horário: terça-feira a sábado, das 12h às 24h; domingo, das 12h às 16h; fechado à segunda-feira.
- 8. Nikolai Nekh (1985, Slavhansk-na-Kubani) vive e trabalha em Lisboa. A sua prática artística consiste na produção e distribuição de imagens que surgem das trajetórias do capitalismo e das suas formas de representação.
- 9. Galeria de Exposições da Falcoaria Real. Rua José Luís Brito Seabra nº3, Salvaterra de Magos. Horário: semana e fins-de-semana 9h às 12h30 e 13h30 às 17h.
- 10. Biblioteca Municipal Professor Machado Vilela. Praça de Santo António 4, Vila Verde. Horário:segunda-feira a sexta-feira, das 9h30 às 13h e das 14h30 às 18h; ao sábado está temporariamente encerrada; encerra aos domingos.
- 11. A Associação D´Arte foi fundada em 1996 e além da co-organização da Bienal de Arte Jovem em Vila Verde tem vindo a desenvolver durante mais de 20 anos diversas intervenções artísticas, formação de arte, palestras e outras atividades culturais, destacando-se as exposições em diversas localidades e espaços de arte em Portugal, como Vila Verde, Braga, Pombal, Famalicão, Ponte de Lima, Valença, Vieira do Minho, Amares, Guimarães, e em Espanha.
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