No percurso de cada artista não se exige apenas que ele seja singular e inovador nos procedimentos com que faz a arte, mas também nos modos de ser artista, ou seja, na sua própria vida. Ao ser inovador, o artista está ao mesmo tempo a criar uma nova norma, um modelo «singular».
Segundo a socióloga Natalie Heinich1, existem dois grandes modos de singularização: o individual e o colectivo. O modo colectivo «consiste em fazer grupos na singularidade», como os diversos grupos de artistas criados no período das vanguardas apresentados em forma de manifestos.
O modo individual passa por criar modelos biográficos, sendo muito característico na primeira metade do século XX, onde a edição de biografias e autobiografias era tão importante como a obra que realizavam, assim como os episódios ou de acontecimentos nas vidas dos artistas, tornando-se personagens célebres.
Para a configuração da singularização dos artistas na actualidade, apresentam-se uma diversidade enorme de modos de ser artista. Referindo-me mais especificamente aos artistas plásticos, quando se fala de «arte contemporânea», estamos também a falar da expansão das fronteiras do próprio sistema artístico em que os critérios para definir arte já não passam apenas pelo objeto artístico, mas por todo um conjunto de ações, operações e interpretações da mediação artística.
A expansão das fronteiras do sistema artístico são as fronteiras do conceito de arte, das categorıas artísticas, dos processos de criação, são as contribuições vindas das novas técnicas e das novas tecnologias, provocando mudanças no regime discursivo, nas práticas materiais e nas experiências artísticas, como também toda a complexidade à volta do reconhecimento artístico, para o qual contribuem os críticos e curadores, os colecionadores e as galerias, os museus, as revistas de arte e o público, tornando-se difícil até a própria definição do que é «ser artista».
A singularização do artista não pode ficar apenas resumida à intenção da distinção e de sucesso, como objecto de admiração e adulação, «nem a puras interacções nem a puros interesses»2, se forem subestimados os sistema de valores e de representações sociais corre-se o risco de se tornar num objecto de vulgaridade, de sedução e moda. Os critérios de excelência e a organização de referências anteriores, do presente e para o futuro são também factores importantes da singularização.
Em 2013, no catálogo da Bienal do «Avante!», Manuel Gusmão referiu-se também à singularização do artista: «as artes e cada obra de arte são... um terreno em que se exprimem as ideias e os valores socialmente dominantes, mas onde surgem também as expressões e as formas do longo desejo de emancipação social, individual e colectiva. Com a arte e através dela, a produção social dos indivíduos humanos pode não ser reduzida à formatação e à aculturação, antes pode participar na sua singularização.»
Durante os próximos dias 6, 7 e 8 de Setembro, a XXI Bienal da Festa do «Avante!» vai ocupar o Espaço das Artes Plásticas do Pavilhão Central3, criando desde já a expectativa «de mais uma vez festejar a arte, na sua dimensão simbólica».
No texto de apresentação, refere-se que mais de centena e meia de artistas, a nível nacional, participaram no concurso da Bienal do «Avante!» com mais de duzentas e cinquenta obras, tendo sido selecionadas cerca de oitenta obras, entre desenhos, esculturas, pinturas, fotografias, gravuras, assemblages, instalações ou técnicas mistas pelo júri de selecção constituído por Andreas Stöcklein – pintor, Jaime Silva e Sérgio Vicente.
No referido texto, além de se chamar a atenção para a vitalidade e o prestígio que a Bienal do «Avante!» já conquistou ao longo das suas 20 edições, assinala-se também o «seu contributo para a valorização, legitimação e reconhecimentos do objecto artístico e do autor, dando assim prioridade ao seu valor artístico sobre outras formas de reconhecimento material, isto é, o seu valor de mercado».
Decorrerá ainda, no mesmo espaço da Festa do «Avante!», uma exposição individual de pintura de José Santa-Bárbara, artista que multiplicou a sua actividade por inúmeras áreas artísticas, pintura, escultura, design gráfico, design de equipamento, sendo esta exposição uma «afirmação da pintura-pintura», segundo o texto de Manuel Augusto Araújo.
Sugerimos também a visita a duas exposições de fotografia no Arquivo Municipal de Lisboa-Fotográfico e à exposição ALCARTE 2019, em Alcochete.
A exposição «Miradas paralelas - Irão-Espanha: Fotógrafas no espelho», pode ser visitada até 28 de Setembro, no Arquivo Municipal de Lisboa. Esta exposição foi organizada pela Associação Cultural do Mediterrâneo Ocidental (MED-OCC), criada há mais de 15 anos.
O projecto já desenvolveu outras conexões entre as fotógrafas espanholas e as fotógrafas de Marrocos e da Síria e, agora, é com as fotógrafas do Irão. Segundo Zara Fernández de Moya (Diretora do MED-OCC) esta exposição «congrega os olhares de um conjunto notável de fotógrafas…, que se apresentam ligadas (em pares) num diálogo de respeito e admiração.
Trata-se, por um lado, de um exercício de descoberta dos seus trabalhos e, por outro, de um encontro que realça afinidades e trajetórias que cada uma optou por captar.
As imagens de Soledad Córdoba e Shadi Gadirian; Cristina García Rodero e Hengameh Golestan; Amparo Garrido e Rana Javadi; Isabel Muñoz e Gohar Dashti; Mayte Vieta e Ghazaleh Hedayah; María Zarazúa e Newsha Tavakolians aproximam-nos das ideias de fragilidade e de resistência, e colocam-nos perante as histórias e vida dos seus protagonistas...», proporcionando uma exposição «extraordinariamente bela, repleta de histórias e visões perturbadoras.»
No AML-Fotográfico e também até 28 de Setembro, poderá também ver «HIKARI (luz, light)», uma exposição de fotografia de Pedro Medeiros. A exposição apresenta um conjunto de 50 imagens produzidas entre 2015 e 2017, período em que Pedro Medeiros viveu em Kyoto.
«Desde o início, mais do que fotografar no Japão, ou constituir um arquivo de magens dessa experiência, o objetivo assumido pelo autor foi o de produzir uma obra fotográfica, estabelecendo o preto e branco como linguagem estética. A partir da reflexão sobre o quotidiano, não se ficou pelo olhar consentido na esfera pública e por sua coreografia de gestos e seu quadro normativo, procurou sempre penetrar num espaço mais intimo, insólito e mesmo proibido…» referiu o curador Filipe Ribeiro no texto da exposição.
Acrescentando ainda que Pedro Medeiros, além de nos trazer um olhar sobre a memória, a solidão humana e as transformações provocadas pela tecnologia, centra-se também no «Japão milenar e os seus rituais quotidianos mais simbólicos».
Quanto à ALCARTE, é uma exposição colectiva de artes plásticas com 52 trabalhos de pintura, escultura desenho e fotografia. Poderemos ainda referir que este projecto artístico já vem sendo organizado em Alcochete desde 1982.
A exposição ALCARTE, pode ser visitada até 6 de Setembro na Galeria Municipal dos Paços do Concelho, em Alcochete.
- 1. HEINICH, N. As reconfigurações do estatuto de artista na época moderna e contemporânea. Revista Porto Arte: Porto Alegre, v.13, n.22, 2005.
- 2. HEINICH, N. L’art en régime de singularité, Open Edition Press, 2016
- 3. Festa do «Avante!» Quinta da Atalaia, Avenida Baía Natural do Seixal 2845-415 Amora-Seixal. Horários: Sexta-feira – 19h00 às 01h30, Sábado – 10h00 às 01h30 e Domingo – 10h00 às 23h00
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