Em Beja, um festival de artes de rua e não só
Ou muito me engano ou, durante a primeira quinzena de Julho, não faltará gente a convergir para Beja, onde a cultura continua a estar na ordem do dia. É o «Beja na rua», promovido pelo município. Poderá assistir a concertos – como o da guineense Eneida Marta, no dia 2 –, a mostras de cante alentejano, e apreciar exposições artísticas nas galerias da cidade (António Paizana, Dilar Pereira, João Charrua, Leonel Borrela, Niurca Bou e Rico Sequeira, a somar a uma divertida mostra do cartoonista Luís Afonso). Mas este é um festival marcado pela pluralidade das expressões, onde cabem, também, as artes performativas e da palavra: na Praça da República, dia 6, às 21h30, verá e ouvirá Dança e Contos com Comédia (ria-se, neste caso, com a arte de contar de Jorge Serafim).
Castro Verde, Vila Franca de Xira, Santo Tirso: três museus a não perder. Ah, e uma nova biblioteca, em Sacavém…
Se for a Beja, dê um salto a Castro Verde e conheça o Museu da Ruralidade. Este equipamento de referência comemora cinco anos de existência e de preservação de um valioso património material e imaterial (consulte o programa da comemoração). E não se esqueça: de 1 a 3 de Julho, decorrem as festas da vila – outro incentivo para a visitar.
Se estiver a ir em direcção ao norte, ganhe duas horas, em Vila Franca de Xira, no Museu do Neo-Realismo, espaço ímpar na oferta museológica do nosso país (quantos museus dedicados a um movimento estético específico e à sua produção literária e artística existem em Portugal, além deste?). Tome contacto com a memória e actualidade de uma arte que, sendo em primeiro lugar isso mesmo, ou seja arte, fez da luta pela justiça social e pela liberdade um dos seus códigos. Recorde Redol, Soeiro, Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira, Cochofel, Joaquim Namorado, Mário Dionísio, Ilse Losa e muitos outros.
Já agora, antes de chegar a Lisboa, faça um desvio e conheça a nova Biblioteca Municipal Ary dos Santos, em Sacavém (Loures), no local do antigo quartel de bombeiros de Sacavém, Av. James Gilman. Inaugurado no passado dia 4 de junho, é um espaço que vale a pena visitar.
Mas se vive no norte ou está de visita ao distrito do Porto, permita-se um passeio até ao novo Museu Internacional de Escultura Contemporânea de Santo Tirso, inaugurado há pouco. O edifício está acoplado ao Museu Abade Pedrosa e dispõe de dois pisos. No primeiro está instalado o centro de documentação e de interpretação que o ajuda a conhecer as quase cinco dezenas de esculturas contemporâneas espalhadas pela cidade, ao ar livre. O subterrâneo comporta sete salas que acolhem as exposições temporárias. A circunstância de Álvaro Siza e Souto Moura serem os autores do desafiador projecto deste novo museu tem atraído numerosos visitantes desde a inauguração.
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Siza no Porto, sempre
Já que falamos de arquitectura, experimente dar um salto ao Museu de Arte Contemporânea de Serralves (ele próprio um projecto de Siza), para conhecer a exposição «Matéria-prima: um olhar sobre o arquivo de Álvaro Siza». Recorde-se que a Fundação de Serralves, no Porto, o Canadian Centre for Architecture de Montréal e a Fundação Gulbenkian, em Lisboa, são, a partir de 2016, os guardiões de parte considerável do arquivo do premiado arquitecto. Antes ou depois desta incursão em Serralves (que lhe permitirá também ver exposições do poeta, artista plástico e performer Silvestre Pestana, do artista italiano Giorgio Griffa e do britânico Liam Gillick), aproveite o facto de estar na Invicta para visitar o belo, estudado e discutido Bairro da Bouça, também de Siza, ali, entre o início da rua de Cedofeita e a estação de metro da Lapa – resultado de um tempo de prodígios (o período 1974-76), em que foi possível pensar arquitectura e habitação social, envolvendo projectistas e futuros moradores. Era gente oriunda de «ilhas» e casas degradadas, e o trabalho participativo em que se envolveram constituiu um momento exaltante da Revolução de Abril (refiro-me ao projecto SAAL, de que Álvaro Siza foi uma das figuras de proa).
Da música barroca ao jazz-rock
«Arquitectura é música petrificada», terá escrito Goethe (1749-1832). E muito existe, por outro lado, de arquitectura no trabalho de composição musical, é sabido. Momento, pois, de sugerir, a quem ande ou viva pelo norte, um evento já com longa tradição de 38 anos: o Festival de Música da Póvoa de Varzim, que, no dia 8 de Julho, lhe permitirá ouvir, na Igreja Matriz, La Grande Chapelle, dirigida por Albert Recasens, interpretando Músicos da Monarquia Católica: Espanha e Portugal, no século XVII. Isto depois de uma conferência de Rui Vieira Nery, dia 5, no Museu Municipal, sobre «Poder e contrapoder na história da música». Incluindo ainda exposições, masterclasses e outras actividades paralelas, o Festival prolonga-se até 30 de Julho e nele será possível escutar muita e variada música de diferentes períodos (cantigas dos trovadores galegos e portugueses do século XIII, Monteverdi, Bach, Mozart, Beethoven, Brahms, Wolf, Grieg, Dvorák, Prokofiev, Mendelsohn, Britten, Weber, Stravinsky, Schoenberg , entre outros).
Mais a sul, em Espinho, está a decorrer também o prestigiado Festival Internacional de Música de Espinho (42.ª edição). Aí poderá ouvir a violoncelista russa Natalia Gutman, que, sob a direção do maestro Pedro Neves à frente da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, interpretará o magnífico Concerto n.º 1 de Chostakovich. Aponte: é a 8 de Julho, no Auditório de Espinho – cidade cuja ligação à música é proverbial.
E avançando para música vinda do outro lado do Atlântico, lembra-se de quando o trompetista Miles Davis se deixou atrair pela electricidade, pela guitarra de Jimi Hendrix e iniciou a sua fase de fusão? Porque não escutar os históricos álbuns In a silent way e Bitches Brew (ambos de 1969 e dessa fase)? Terá a oportunidade de neles (re)descobrir o som único e original da guitarra de John McLaughlin. Depois, avance uns anos até 1973. (Re)encontre Birds of fire, da Mahavishnu Orchestra (que McLaughlin integrava), e siga a carreira do grande guitarrista, e as suas parcerias, até à actualidade. Pois bem, espero que, na primeira semana de Julho, ainda vá a tempo de adquirir bilhetes para ouvir e ver esta lenda viva do jazz-rock que é McLaughlin (com o seu grupo Fourth Dimension), lá mais para diante, nos dias 23 (Coliseu do Porto) e 24 (Centro Cultural de Belém).
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Teatro e dança, silêncio e palavra: Almada, Porto, Lisboa
Não esqueça que, de 4 a 18 de Julho, decorrerá aquele que é, talvez, o mais importante festival de teatro em Portugal: o Festival de Almada, na sua 33.ª edição. Os espectáculos são 29 e o homenageado é Ricardo Pais. A 5, por exemplo, na Incrível Almadense, poderá assistir a Pílades, de Pasolini (18h e 22h). A encenação promete: é do croata Ivica Buljan (nascido em 1965), antigo director artístico do Teatro Nacional da Croácia e co-fundador do Teatro do Mundo, em Zagreb, e do Mini Teater, em Liubliana.
Já agora, fique ainda a saber que Rei Lear está em cena no São João, no Porto, numa coprodução Ensemble – Sociedade de Actores / Teatro Municipal de Bragança / Teatro Nacional de S. João. A encenação é de Rogério de Carvalho.
Mas, se gosta de dança, registe: a 2 de Julho, às 19h, a Companhia Nacional de Bailado estará no Rivoli, no Porto, apresentando Carnaval, espectáculo construído a partir de «Carnaval dos Animais», de Camille Saint-Saëns (1835-1921), exemplo de música programática, composta em 1886. A coreografia é de Victor Hugo Pontes.
Lisboa, por seu lado, acolhe nova edição do Festival do Silêncio (mais de 130 atividades de acesso gratuito, em vários espaços do Cais do Sodré, até 3 de Julho). O destaque vai para o tributo a Ana Hatherly (notável poeta experimental e artista plástica – além de ensaísta – que há cerca de um ano nos deixou), com o ciclo «Anagrama da Escrita», comissariado por Manuel Portela (Universidade de Coimbra). O ciclo inclui leituras encenadas de poemas (galeria Boavista, dia 3, 16h); duas performances (dia 2, 17h, na Rua das Gaivotas, 6) e ainda a exposição coletiva «ReAnagramas», na Fundação Portuguesa das Comunicações.
Ah, sim, imagens em movimento em Lisboa, livros em Braga, e um punhado de sugestões de leitura
Companheiro de Godard, Truffaut, Rohmer, Chabrol, nos Cahiers do Cinéma, Jacques Rivette é um dos protagonistas da «nouvelle vague» e um nome maior do moderno cinema europeu. Na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, entre 4 e 8 de Julho, poderá ver alguns dos seus filmes emblemáticos. Mas, debaixo do braço, leve um livro para ler: no metro, na paragem do autocarro, no café, enquanto espera…
Deixo-lhe, por isso, e a terminar, meia dúzia de sugestões de leitura, daquelas a que o mainstream mediático nem sempre quer dar atenção: o segundo romance de Ana Margarida de Carvalho (Prémio de Romance e Novela APE/DGLAB 2013), Não se pode morar nos olhos de um gato (Teorema, 2016); e os romances Jacarandá (Teodolito, 2015), de Francisco Duarte Mangas, e Gennaro Clean, mafioso sem mácula (Esfera do Caos, 2016), de Romeu Cunha Reis. Diria: três daqueles novelistas a cuja escrita, de qualidade, a história social, económica e política nunca é estranha. E ainda bem. O mesmo se pode dizer da monumental e fascinante – não a perca – edição dos Papéis da Prisão: apontamentos, diário, correspondência (1962-1971), (Caminho, 2015), de Luandino Vieira.
De um poeta estreado em 1971, Vergílio Alberto Vieira, conheça a bela edição da sua súmula: Todo o trabalho toda a pena: Obra poética (Crescente Branco, 2016). Tempo de revisitar uma voz de timbre próprio que a história da poesia portuguesa dos últimos cinquenta anos certamente não ignorará.
Já agora, quem rumar ao norte – ou quem morar no Minho – fique sabendo que, de 1 a 17 de Julho, na Avenida Central, decorre a Feira do Livro de Braga, que envolve um diversificado e estimulante programa paralelo de exposições, recitais, lançamentos de livros e actividades para crianças.
Por último, em ano de comemoração dos cem anos do movimento Dada, experimente ler Dada: história de uma subversão (Antígona, 2015), de Henri Béhar e Michel Carassou, tradução de José Miranda Justo. Boa ocasião, talvez, para uma necessária (re)aprendizagem do sentido crítico, nesta Europa em crise (também aquela de onde emergiu Dada estava em crise, em 1916). Uma Europa garroteada por um sistema sócio-económico e político cada vez menos tolerável. Que o diga quem trabalha, quem não tem emprego, quem se vê na obrigação de emigrar. Que o diga quem não desiste de sonhar um mundo melhor.
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