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Uma casa que nos lê

A reabilitação da Casa Grande de Romarigães, onde viveu o igualmente grande Aquilino Ribeiro, em Paredes de Coura, tardou mas prova o potencial do investimento autárquico no sector cultural.

O humorista Ricardo Araújo Pereira participou na sessão de inauguração da Casa Grande de Romarigães, em Paredes de Coura, a 29 de Julho de 2023. O espaço, onde viver. no século XX, o presidente Bernardino Machado e o escritor Aquilino Ribeiro, é cenário de um dos mais importantes romances da literatura portuguesa, de Aquilino, sendo hoje, após vários anos ao abandono, um centro de literatura e cultura. 
Créditos / Diário do Minho

Após muito se ter falado e discutido acerca da necessidade dos profundos restauros, físicos e funcionais, da Quinta do Amparo (Paredes de Coura), inspiração de uma das obras maiores da literatura portuguesa do século XX – A Casa Grande de Romarigães (1957) - de Aquilino Ribeiro, a autarquia inaugura, a pretexto dos 60 anos da morte do autor, em 1963, o Pólo Cultural que evoca o escritor e a sua superlativa obra. Firmando-se, assim, Paredes de Coura no mapa, enquanto «território literário».

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Mário de Carvalho: «Nem tudo o que vem de antes é clássico»

O escritor, que acaba de lançar o seu livro de memórias «De Maneira que é Claro», um conjunto de pequenos relances, aleatórios, da sua vida, revela ao AbrilAbril que não se mostra preocupado com o futuro dos grandes clássicos da literatura.

Mário de Carvalho 
Créditos / Mário de Carvalho

«A questão é que os meus alunos de Oxford, de Cambridge, os de Genebra e de Harvard já não sabem o que significa ‘Roncevaux’. A próxima edição terá de trazer uma nota de rodapé, que destrói completamente o propósito da palava», lamentava-se George Steiner, numa entrevista ao programa holandês, O Belo e a Consolação. «No tempo do Ernest Hemingway, com a sua vasta audiência, era um romance muito popular, em que se podia assumir que Roncevaux era tudo o que era preciso dizer».

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Mário de Carvalho vence Grande Prémio de Crónica Literária

O escritor Mário de Carvalho é o vencedor do Grande Prémio de Crónica e Dispersos Literários, da Associação Portuguesa de Escritores (APE), com o livro O que eu ouvi na barrica das maçãs.

Mário de Carvalho
CréditosJoão Relvas / Agência LUSA

O Grande Prémio de Literatura Crónica e Dispersos Literários APE/Câmara Municipal de Loulé foi atribuído por unanimidade do júri, constituído por Cândido Oliveira Martins, Carlos Albino Guerreiro e Paula Mendes Coelho.

O júri justificou a escolha deste livro de Mário de Carvalho, O que eu ouvi na barrica das maçãs, editado pela Porto Editora, por estabelecer a «plena conjugação com a linha característica do género da crónica na tradição literária portuguesa», o que o fez destacar-se entre o «conjunto das obras apresentadas a concurso».

O prémio destina-se a galardoar anualmente uma obra em português, de autor português, publicada em livro e em primeira edição em Portugal. Em edições anteriores, este prémio já distinguiu os autores José Tolentino Mendonça, Rui Cardoso Martins, Mário Cláudio e Pedro Mexia.

O que eu ouvi na barrica das maçãs reúne algumas crónicas do escritor, escolhidas e agrupadas em quatro actos, que testemunham um largo campo de assuntos, abordagens, dimensões e estilos, através de eras e lugares.

O título é retirado de A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson, e servira já para titular a rubrica quinzenal de crónicas do escritor, no jornal Público, uma das fontes de alguns dos textos que compõem o livro.

Sobre as crónicas incluídas nesta obra, o jornalista Francisco Belard, que assina o prefácio, realça que nelas coexistem «o erudito e o vernáculo com os plebeísmos, tal como os refúgios culturais não isolam [Mário de Carvalho] das conversas de táxi».

Nascido em Lisboa em 1944 e licenciado em Direito, Mário de Carvalho é um dos antifascistas que estiveram presos na cadeia política da Fortaleza de Peniche.


Com agência Lusa

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Roncevaux é um lugar de passagem nos Pirenéus, no País Basco, onde terá sido morto o cavaleiro Rolando com os seus paladinos, atraiçoados quando retornavam a França na traseira do exército de Carlos Magno. Esta história deu origem ao primeiro romance de cavalaria que nos chega aos dias de hoje, A Canção de Rolando.

O AbrilAbril conversou com o escritor Mário de Carvalho sobre o papel que os clássicos da Literatura ainda podem desempenhar nos dias de hoje.

As notas de rodapé limitam, de alguma forma, a experiência de leitura de um texto literário? Não será inevitável que textos com várias centenas de anos percam alguma da sua actualidade?

As notas de rodapé (desde que criteriosas) podem ser um auxiliar de leitura importante. Esclarecem sobre personagens, situações, cronologias e outros elementos que podem ser fundamentais para uma plena compreensão do texto. A actualidade acrescenta sempre qualquer coisa aos textos mais antigos. Se algo se perdeu com o correr os anos, algo se ganha também com uma experiência de leitura acrescida.

Não pode também demonstrar que algumas formas de expressão, estéticas, morais, formais, estão ultrapassadas? O etnomusicólogo Anthony Seeger considera inevitável que todas as formas de expressão cultural acabem por se tornar irrelevantes, que "morram" de certa forma..

A arte não morre. Não cabe, em termos artísticos, a linguagem automobilística da 'ultrapassagem'. Certas formas vêm ao de cima em certas épocas, são mais ou menos apreciadas, comentadas e vistas, mas, no fundo continuam lá, ao dispor de quem as procure.

Assumindo que a literatura nunca foi uma forma de expressão massificada como é hoje a música ou o cinema, cada Português compra, em média, pouco mais de um livro por ano, não lendo mais do que isso no mesmo período. Terá chegado ao fim o tempo dos clássicos?

Nem tudo o que vem de antes é clássico. Quando se fala em "clássico" queremos sobretudo significar aqueles textos de referência, de especial qualidade literária, que marcam uma época e que são indispensáveis para a nossa formação intelectual. E se (outra questão…) os portugueses lêem pouco, isso terá que ver com o descaso da grande comunicação social, com o bombardeamento de anúncios, numa sofreguidão da compra e venda, que não deixa lugar á reflexão e ao prazer estético.

Autores como o Aquilino Ribeiro, que andou esquecido durante umas décadas, exigem um grande compromisso por parte do leitor... O prazer estético da Grande Casa de Romarigães e das Terras do Demo conseguirá enfrentar essa «sofreguidão»?

Não creio que Aquilino tenha estado tão esquecido como isso. Continuou sempre a ser lido e apreciado por bons leitores da Língua Portuguesa. Nem sempre foi o caso dos comentadores de jornal, cujo escasso alcance o omitia. Daí, do silêncio duma alheada comunicação social, a tal impressão de 'esquecimento'. Mas parece – espero não estar enganado – haver agora, por aí, uma nova geração mais informada, mais a par da nossa secular literatura.

Como é que uma geração formada nas redes sociais, que desenvolveu uma forma muito própria de se relacionar na internet, através de vídeo, imagem e som, uma sociedade do momento, dedicada quase exclusivamente ao fugaz, pode recuperar o interesse pelas velhas e universais verdades da literatura clássica?

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Mário de Carvalho: Não se deve perder de vista um mundo mais justo e solidário

O escritor alerta para as «tremendas transformações» que o mundo está a sofrer, em que se assiste à recuperação de pontos de vista que se pensavam «completamente ultrapassados».

Mário de Carvalho
CréditosJoão Relvas / Agência LUSA

A «reactivação do nazismo» é uma das preocupações expressas pelo escritor, numa conversa com José Jorge Letria, colocada no livro Mário de Carvalho: Nem Um Dia sem Uma Linha, da colecção «O Fio da Memória» publicada pela Guerra & Paz.

O título escolhido é inspirado numa máxima atribuída ao escritor latino Plínio, o Velho, «nem um dia sem uma linha», que Mário de Carvalho utilizou para se referir ao seu método de trabalho.

Face às «tremendas transformações» e aos sinais da recuperação de conceitos «completamente postos de lado», «alguns dos quais [que] não são contrariados», Mário de Carvalho afirma: «bater-me-ia pela manutenção duma Europa democrática forte.»

Carvalho, autor de romances como Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde (1994), que lhe valeu quatro prémios literários, diz que nunca se deve «perder de vista o horizonte dum mundo mais fraterno, justo e solidário».

Na opinião de Letria, Mário de Carvalho é «um dos mais importantes escritores das últimas décadas», referindo que a política o «seduziu» cedo, tendo sido criado numa família de ideais republicanos, que nunca o quis ver vestido, quando aluno do Liceu Gil Vicente, em Lisboa, com a farda da Mocidade Portuguesa, organização juvenil da ditadura de Salazar.

Sobre a conversa, agora vertida em letra de forma, Letria adianta, num texto introdutório, que se «fala da vida, da política e dos livros com a mesma serenidade ponderada com que sempre falou das coisas que marcaram a sua vida como cidadão e autor».

Mário de Carvalho estreou-se literariamente em 1981, com o livro Contos da Sétima Esfera, ao qual se seguiu, em 1982, outro livro de contos, Casos do Beco das Sardinheiras. O seu primeiro romance, O Livro Grande de Tebas, Navio e Mariana (1982), valeu-lhe o Prémio Cidade de Lisboa.

O autor, com 74 anos, tem editados 30 títulos, entre ensaios, contos, novelas e romances.


Com agência Lusa

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Em primeiro lugar, entrando em contacto com elas, ultrapassando a sonegação que lhes é feita de uma abundante fonte de enriquecimento cultural. Por outro lado, tem-se demonstrado como os novos meios de comunicação podem ser, por um lado, um poderoso estímulo à descoberta e à leitura dos clássicos, por outro, eles próprios, beneficiários de ideias, argumentos, personagens, que um lastro histórico lhes oferece.

Que nomes da literatura portuguesa do séc. XX considera serem imprecindíveis para o nosso cânone? Já aqui mencionámos Aquilino Ribeiro...

José Cardoso Pires, Maria Velho da Costa, José Saramago, Nuno Bragança, Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira...

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O Minho faz parte da geografia sentimental e literária de um escritor andarilho, que muito se confundiu com os lugares por onde passou e escreveu, e marcou com o seu inigualável apuro literário e lexical.

Nascido a 13 de Setembro de 1885, no Carregal da Tabosa, concelho de Sernancelhe, traçou com palavras as Beiras, suas paisagens, seus bichedos, suas gentes, e seus modos de falar, lendas e costumes (em Terras do Demo ou O Malhadinhas). Depois do liceu em Lamego, a adolescência apanha-o muito contrariado no seminário de Beja, onde sofreu penosamente tal degredo e se tornou fortemente anticlerical. Já em Lisboa, e longe de um ambiente sombrio e obsoleto, refugia-se na leitura como num outro convento, bem mais aprazível, sem muros, sem detestáveis sinetas e missais. Tão arrojado na literatura como na política, adere à causa republicana e à Carbonária, o que lhe valeu, por duas vezes, a prisão e também, por duas vezes, o exílio, em Paris e na Alemanha.

Já sócio da Academia de Ciências de Lisboa, o escritor publica em 1958 o famoso romance Quando os Lobos Uivam, duplamente celebrado pelo conteúdo e pelo inacreditável processo salazarento que se lhe moveu. É pronunciado como arguido pelo crime de abuso de liberdade de expressão, sujeito ao vexame dos interrogatórios, à afronta das mesquinhas diligências processuais. Candidato ao prémio Nobel e apoiado massivamente por um grupo de intelectuais e figuras públicas indignados, o processo é arquivado pelo já mais do que bolorento regime.  No Brasil já saía um livro em defesa de Aquilino: Quando os Lobos Julgam, a Justiça Uiva. Escritor sem medo é, aos 74 anos, um dos promotores da campanha de outro homem sem medo, o general Humberto Delgado .

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100 anos da «Seara Nova» em exposição itinerante

A revista foi fundada por Aquilino Ribeiro, Augusto Casimiro, Azeredo Perdigão, Câmara Reys, Faria de Vasconcelos, Ferreira de Macedo, Francisco Correia, Jaime Cortesão, Raul Brandão e Raul Proença.

Capa de um número da revista Seara Nova
Créditos / Gulbenkian

A Seara Nova foi fundada em 15 de Outubro de 1921, criando um espaço de reflexão que mobilizasse à acção, durante o longo e, por vezes, conturbado percurso de resistência ao fascismo e que procurasse também contribuir para elevar o país, ética e culturalmente.

Com o objectivo de dar a conhecer a história da fundação, os
fundadores, os directores e colaboradores ao longo
dos anos, a intervenção política, as polémicas que se travaram nas páginas da revista, a censura e o seu impacto, a revista promove uma exposição itinerante, sob o lema «Seara Nova – 100 anos de Acção e Pensamento Crítico». A inauguração será no dia 20 de Maio em Setúbal, às 18h00, na Galeria Municipal do Onze, seguindo-se a inauguração da exposição plástica «O lápis não rasga o papel», na Biblioteca Municipal de Setúbal.

Esta exposição ficará aberta ao público até 4 de Junho, para de seguida continuar a sua digressão pelo país, passando por Santarém e terminando em Lisboa.

Para além da exposição histórica, haverá todos os dias, na Galeria e na Biblioteca, a projecção do documentário «Há 100 anos,  a Seara Nova», realizado por Diana Andringa.

No dia 28 de Maio, será realizado um colóquio intitulado «Seara Nova -100 anos», organizado pelo Centro de Estudos Bocageanos e que terá como oradores, Risoleta C. Pinto Pedro, Pedro Martins, Álvaro Arranja e Daniel Pires.

Estas comemorações são da responsabilidade da Comissão Promotora do Centenário, que integra, entre outros, o director da Seara Nova, Luiz Madeira Lopes, Luís Andrade (Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa), coordenador do Conselho Científico do Centenário e Catarina Pires, jornalista e membro do conselho redactorial.

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Era um cosmopolita, um cidadão do mundo que nunca perdeu as graças do campo, e do linguajar das terras. Provam-no os mais de 70 títulos da sua vasta obra, onde os géneros se cruzam, e a criatividade linguística e lexical encontram um expoente notável. Aquilino Ribeiro foi, após o 25 de Abril, reintegrado, a título póstumo, na Biblioteca Nacional, condecorado com a Ordem da Liberdade e homenageado, aquando do seu centenário, pelo Ministério da Cultura. E em Setembro de 2007, por votação unânime da Assembleia da República, o seu corpo foi depositado no Panteão Nacional.

Quanto à importância da Casa Grande de Romarigães, a geografia sentimental e literária portuguesa encontram aí um espaço quase mítico. Morada de Bernardino Machado (3.º e 8.º Presidente da República) e também do próprio escritor que casara, entretanto, com a sua filha, em 1929, quando ambos se encontravam em Paris, no exílio, a casa inspirou um dos romances mais notáveis da literatura portuguesa, considerada unanimemente a obra-prima de Aquilino, publicada em 1957, e que se desenrola ao longo de três séculos de História. A obra oferece à literatura portuguesa o mais assombroso e estudado incipit: «O vento, que é um pincha-no-crivo devasso e curioso, penetrou na camarata, bufou, deu um abanão. O estarim parecia deserto. Não senhor, alguém dormia meio encurvado, cabeça para fora do seu decúbito, que se agitou molemente. Volveu a soprar. Buliu-lhe a veste, deu mesmo um estalido em sua tela semi-rígida e imobilizou-se. Outro sopro. Desta vez o pinhão, como um pretinho da Guiné de tanga a esvoaçar, libertou-se da cela e pulou no espaço. Que paraquedista!».

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