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Decisão do BCE não alivia famílias

Apesar do elevado impacto social e económico, o Banco Central Europeu insiste na manutenção das elevadas taxas de juro, não tendo sequer discutido a hipótese de descida. Famílias vão continuar em asfixia. 

Sede do Banco Central Europeu, em Frankfurt, Alemanha (foto de arquivo) 
Créditos

Mais de um milhão de famílias, em Portugal, vão continuar a ser afectadas pelo brutal aumento dos custos dos empréstimos à habitação, graças a dez aumentos consecutivos da taxa directora por parte do Banco Central Europeu (BCE), que ontem decidiu, pela segunda vez, mantê-las inalteradas. A primeira vez aconteceu em Outubro, tendo movimentos, como o Porta a Porta, considerado uma «péssima decisão», dado o estrangulamento financeiro de quem paga casa ao banco.

Na conferência de imprensa, após reunião do Conselho de Governadores, esta quinta-feira, Christine Lagarde foi peremptória a afirmar que a possibilidade de efectuar uma descida das taxas de juro nem sequer tinha sido abordada. Hoje, o Governador do Banco de Portugal, que, apesar do agravamento das condições sociais e económicas no nosso país, acata obedientemente a política do BCE, defendeu que a questão central sobre as taxas de juro não é se vai existir um corte, mas quando será.

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BCE continua a ameaçar direito à habitação

O Banco Central Europeu (BCE) sobe as taxas de juro para o valor mais alto dos últimos 15 anos, tornando insuportável o pagamento da mensalidade ao banco para a esmagadora maioria das famílias. 

Christine Lagarde durante a conferência de imprensa a 8 de Setembro. 
CréditosRONALD WITTEK / EPA

O BCE decidiu subir as suas taxas de juro directoras em 50 pontos base, colocando a taxa de juro das principais operações de refinanciamento em 3%. Esta foi a quinta subida consecutiva e, apesar do garrote sentido pelas famílias, confrontadas com um violento aumento do custo de vida, o banco central indicou que tenciona aprovar um novo aumento de 50 pontos base na sua reunião de Março.

Em conferência de imprensa realizada após a reunião, esta quinta-feira, a presidente da instituição, Christine Lagarde, referiu que a decisão do Conselho do BCE sobre os aumentos deste e do próximo mês tiveram «um amplo consenso», alegando que são necessários aumentos mais significativos das taxas de juro para que a inflação, em parte gerada pelas opções tomadas pela União Europeia, regresse à meta de 2% fixada pelo BCE.

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A inflação não é igual para todos

Na economia não há buracos negros. Se uns perdem, outros ganham na proporção inversa e a inflação não é exceção.

CréditosNuno Veiga / Agência Lusa

A inflação está na ordem do dia. Na União Europeia e em Portugal, ouvem-se mais uma vez os burocratas de serviço, travestidos de peritos em ciência económica, a clamar por uma contenção salarial. O argumento falacioso assenta basicamente na guerra da Ucrânia e no seu caráter temporário. Mais cedo ou mais tarde, a coisa volta à normalidade, com a inflação nos 2% como manda o BCE, e, nos entretantos, os trabalhadores perdem mais uma boa fatia do seu rendimento.

Sucede que na economia, não há buracos negros. Se uns perdem, outros ganham na proporção inversa. E a inflação não é exceção. Do lado dos que ganham, temos as grandes empresas que beneficiam da alta de preços mantendo os custos de produção, e acumulando assim os tais lucros anormais de que se fala. Outro ganhador é o Estado, que beneficia com receitas fiscais acrescidas, designadamente a partir do IVA que incide sobre os preços inflacionados. Fala-se num acréscimo de 10 mil milhões de euros a mais relativamente ao que estava orçamentado. Este número estará um pouco acima dos dados da OCDE que atribuem um acréscimo de receita de 0,6% por cada ponto percentual de inflação acima do previsto. Mas a inflação (não compensada) beneficia igualmente o estado por via da dívida pública. Voltaremos a este ganho que é significativo num próximo artigo.

Os perdedores são, no fundamental, os trabalhadores e suas famílias. Mas mesmo deste lado, a inflação não atinge todas as famílias por igual. Como iremos ver, as médias tanto do lado da inflação como do lado do rendimento, escondem um padrão de desigualdade que não pode ser desvalorizado. Com base nos dados do INE, vamos decompor o cabaz de preços que serve de referência para o cálculo da inflação e verificar que nem todos os produtos evoluem da mesma maneira. Vamos ver depois que a composição do cabaz de consumo varia dos agregados mais ricos para os agregados mais pobres. Cruzando os dados, vamos verificar que a perda de poder de compra que decorre da inflação é mais pesada junto dos agregados mais pobres.

Tabela 1 : Despesa média das famílias (em %) com base no inquérito ao consumo do INE, e respetiva inflação.
 1º quintil2º quintil3º quintil4º quintil5º quintilInflação
Produtos alimentares e bebidas não alcoólicas19,2016,9015,7014,0011,0015,34
Vestuário e calçado2,502,903,103,504,20-1,57
Habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis35,1034,3032,8031,6029,6014,92

Neste primeiro quadro colocámos em evidência o peso relativo das três principais categorias de bens essenciais que mais pesam no orçamento das famílias. Como seria de esperar, os produtos alimentares e os custos de habitação representam uma parcela maior nas famílias do primeiro quintil, que são as mais pobres.1

Podemos igualmente ver, na última coluna, que a inflação não foi a mesma nas várias categorias de bens. Apesar de termos uma inflação média homóloga em agosto de 8,94%, os preços dos bens alimentares, que representam uma maior proporção da despesa dos agregados mais pobres, aumentou bastante mais, tal como os custos associados à habitação.

Com estes dados, usámos os valores da despesa dos agregados nos diferentes quintis e aplicámos os valores da inflação homóloga da Tabela 1 para calcular as perdas de rendimento em euros e depois calcular as perdas relativas de cada estrato. Só à conta daquelas três categorias de bens essenciais, as famílias mais pobres perdem cerca de 970 euros anuais. As famílias com maiores rendimentos perdem mais em valor absoluto, mas são menos penalizadas em termos relativos. Conforme pode ser visto no gráfico, as quebras de rendimento real em termos relativos são de 8,14% nas famílias do primeiro quartil. No lado oposto, verificamos que a quebra é de 6,04%.

Tabela 2 : Perdas monetárias em função da inflação.
 1º quintil2º quintil3º quintil4º quintil5º quintil
Despesa total anual média por agregado11 911,12 €15 395,12 €19 630,00 €24 414,00 €34 115,12 €
Perda de rendimento em euros- 969,92 €- 1 179,96 €- 1 423,86 €- 1 661,95 €- 2 059,80 €
Perda relativa-8,14%-7,66%-7,25%-6,81%-6,04%

Confirmam-se aqui três coisas. Em primeiro lugar, as perdas de rendimentos são significativas. Note-se que aqui apenas contabilizamos três categorias de bens. Associando as outras, as perdas são ainda maiores. Em segundo lugar, as perdas de rendimento causadas pela inflação afetam de forma mais severa as famílias mais pobres porque os bens essenciais são aqueles onde a subida de preços é maior. Em terceiro lugar, confirma-se que as medidas propostas pelo governo ficam muito aquém do necessário para compensar as perdas dos trabalhadores e das famílias. Três boas razões para participar nas manifestações da CGTP, em Lisboa e no Porto, no próximo dia 15 de outubro!


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

  • 1. Os quintis são obtidos dividindo as famílias em cinco fatias iguais e ordenadas das mais pobres às mais ricas. Os primeiros 20% são os mais pobres, o segundo grupo de 20% são mais remediados, e assim até aos últimos 20% que são as famílias mais ricas.
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Neste sentido, Lagarde, com um vencimento anual acima de 400 mil euros, não exclui a possibilidade de novos aumentos das taxas de juro ao longo de 2023, encarecendo o crédito das famílias, e são mais de um milhão e 400 mil os empréstimos à habitação no nosso país, mas prejudicando também a dívida pública e as empresas. Este cenário de dificuldades contrasta com o aumento extraordinário dos lucros da banca, de que é exemplo o Santander, que ontem divulgou um crescimento de 90% em 2022 face ao ano anterior, tendo registado um lucro de 568,5 milhões de euros. Esta sexta-feira foi a vez de o BPI anunciar lucros de 365 milhões de euros, um aumento de 19% face a 2021. 

Apesar disso, a estratégia do BCE é acatada obedientemente pelo Banco de Portugal e pelo Governo de António Costa, que se tem recusado a implementar medidas para controlar a inflação, como a fixação dos preços do cabaz de bens essenciais e o aumento dos salários. Enquanto isso, a Deco tem vindo a denunciar que, apesar das regras aprovadas pelo Executivo no final de 2022, há bancos que estão a dificultar a renegociação do crédito à habitação. 

O BCE já aumentou as taxas de juro em 250 pontos base desde o Verão passado. Tendo em conta os vários indexantes utilizados, o novo aumento aprovado pelo BCE, simulou recentemente o ECO, conduz a aumentos da prestação mensal em Fevereiro entre mais de 73 euros e perto de 300 euros, para créditos de 150 mil euros a 30 anos, com um spread de 1%.  

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Entretanto, a crise da habitação vai engrossando o número de pessoas sem-abrigo, e tem impactos também nas pequenas e médias empresas e no financiamento de países como Portugal, já que vêem os custos agravados.  

Numa reacção à decisão do BCE, os deputados do PCP no Parlamento Europeu insistem, num comunicado divulgado hoje, que é «imperativo e urgente» que a subida das taxas de juro de referência, que permanecem em 4,5%, seja revertida, salientando que, no imediato, «deverá ser a banca, e não as famílias, a suportar o impacto dos aumentos já decididos». 

Além de não tocar nas causas de fundo da inflação, acrescentam, a política monetária do BCE «continua a favorecer a banca e o grande capital financeiro», cujos lucros, em Portugal, rondam em média os 12 milhões de euros por dia. 

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