|Uruguai

Espanha vai extraditar para o Uruguai um médico torturador da ditadura

Carlos Américo Suzacq, radicado em Madrid há décadas, será extraditado para o Uruguai, acusado de participar na «aplicação de tormentos aos detidos» durante a ditadura (1973-1985).

Muitos milhares de pessoas aderiram à mobilização convocada pela associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos em conjunto com outras organizações 
A associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos é uma das organizações que mobilizam a população contra a impunidade do «terrorismo de Estado», no Uruguai CréditosErnesto Ryan / ladiaria.com.uy

Em 2021, o Uruguai reclamou a Espanha a extradição de Carlos Américo Suzacq Fiser, de 72 anos e com uma clínica em Madrid, que foi identificado por testemunhas como um dos médicos que participavam nas torturas cometidas aos detidos num centro de detenção em Montevideu.

Detido desde Julho do ano passado, na sequência de um mandado de captura internacional, accionado pela Justiça uruguaia, Suzacq recebeu ordem de extradição em Janeiro último, após um julgamento realizado na Audiência Nacional espanhola, mas a defesa recorreu.

Ontem, o tribunal espanhol confirmou a extradição, rejeitando o recurso. Os magistrados referiram que, embora o crime contra a humanidade não estivesse tipificado em Espanha até 2004, optam pela extradição devido à «extraordinária gravidade dos factos».

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Uruguai: o terror da ditadura plasmado num mapa interactivo

A busca de memória e verdade tem no portal Sitios de la Memoria Uruguay uma das suas trincheiras. Um recurso didáctico, construído à base de militância, com informação sobre vítimas, verdugos e processos.

Milhares de pessoas participaram na 24.ª Marcha do Silêncio, em Montevideu
Milhares de pessoas participaram na 24.ª Marcha do Silêncio, em Maio de 2019, em Montevideu Créditos / radiouruguay.uy

A punição dos verdugos da última ditadura, no Uruguai, continua a ser um processo lento e parcial, afirma o diário argentino Página 12 na sua edição de ontem. No entanto, a busca de memória e verdade foi criando os seus próprios caminhos, à força de militância.

Um deles plasmou-se no portal Sitios de Memoria Uruguay, onde se pode encontrar um mapa interactivo do país repleto de informação sobre cada lugar onde o terrorismo de Estado deixou a sua marca. «O objectivo do projecto é identificar, visibilizar, ligar e disponibilizar a informação sobre os locais a partir de onde se organizaram e cometeram crimes contra a humanidade», informa a página.

Território minado

Num primeiro momento foram alfinetes num mapa de papel. Esse foi o gérmen do Sitios de Memoria Uruguay, segundo contam ao Página 12 os criadores da página. Estava-se em 2018, no governo do recentemente falecido Tabaré Vázquez. O Congresso uruguaio tinha aprovado uma lei que possibilitava a criação de espaços da memória no país.

«Nessa altura começámos a pensar uma página que concretizasse a possibilidade de um mapeamento e uma geo-referenciação, incorporando informação significativa sobre as lutas por Memória, Verdade e Justiça», refere a investigadora Mariana Risso.

Uma vez traçado o plano, era preciso reunir os materiais. «Existiam muitas fontes dispersas que tinham sistematizado cada uma por seu lado a informação sobre cárceres de presos políticos, centros de detenção clandestinos, uma delas, muito importante, levada a cabo pela central sindical PIT-CNT. Aquilo que fizemos foi incorporar todas essas fontes num espaço interactivo», comenta Rodrigo Barbajo, líder da parte informática do projecto. A página viu a luz pela primeira vez a 1 de Outubro do ano passado.

Os alfinetes digitalizaram-se e agora aparecem como pontos coloridos num mapa virtual. «Uma pessoa pode procurar o seu bairro e descobrir que a poucos quarteirões da sua casa existiu um Centro Clandestino de Detenção e Tortura. Nós localizámos mais de 140 no mapa, quando apenas uns 40 estão identificados no seu lugar físico», conta María Eugenia Sotelo, outra das responsáveis do projecto.

Além disso, pode-se aceder ao ficheiro completo dos 176 uruguaios que continuam desaparecidos, bem como dos 192 que foram assassinados pela violência estatal no Uruguai, na Argentina e noutros países da região. «A maior parte das detenções e desaparecimentos de pessoas de nacionalidade uruguaia deu-se no contexto do Plano Condor, e desapareceram na Argentina», refere Risso. Em breve, o site publicará um apartado especial para as vítimas da acção repressiva coordenada pelas ditaduras do continente.

Outra característica do terrorismo de Estado uruguaio é que muitas das suas vítimas tiveram de atravessar períodos de prisão e torturas prolongados. «Isto fez com que a Amnistia Internacional informasse em 1978 que o Uruguai era o país com mais presos políticos por habitante. Aqui, houve pessoas que estiveram 12 ou 14 anos presas», diz Sotelo. Um deles foi o ex-presidente José «Pepe» Mujica, que, com outros dirigentes do Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros, sofreu tormentos físicos e psicológicos durante 13 anos.

Barreiras contra a verdade

Recolher a informação de fontes tão diversas era e é o grande desafio. Trata-se de informação que na maioria dos casos não está sistematizada. O Uruguai enfrentou múltiplas barreiras para começar a conhecer a verdade sobre os crimes cometidos pela ditadura liderada por Juan María Bordaberry em 1973, bem como sobre a acção ilegal do Estado durante o período que antecedeu o golpe.


«Os entraves judiciais foram sistemáticos e persistentes, apoiados em todos os governos, mais fortemente no período anterior à chegada da Frente Ampla ao poder», aponta Risso. Depois do regresso à democracia, em 1985, os militares uruguaios conseguiram a sua amnistia com a «Ley de Caducidad de la Pretensión Punitiva del Estado», aprovada em 1986 sob ameaça de um novo levantamento militar. «É uma lei sinistra porque ainda obrigava o Poder Judicial a perguntar ao Poder Executivo se podia julgar determinado crime contra a humanidade», defende a investigadora. Houve dois plebiscitos no Uruguai que tentaram acabar com esta lei. O de 1989 teve 42,4% dos votos, e o de 2009 alcançou 47,7%. Ou seja, nenhum conseguiu passar a barreira dos 50% para deitar abaixo a lei.

No entanto, em 2005, durante a primeira presidência de Vázquez, deu-se um primeiro passo para começar a julgar os militares. «O presidente permitiu que se investigassem os desaparecimentos forçados. Depois, em 2011, aprovaram-se leis que na prática acabam por revogar a "Ley de Caducidad"», diz Risso.

Desde 2011, teve início uma enorme reactivação de processos por tortura e prisão prolongada. Até à data, houve 281 processos no Uruguai e foram indiciados e/ou condenados 46 verdugos. Destes, 32 faziam parte das Forças Armadas. Só dois membros do governo civil da ditadura foram condenados. Um deles foi Bordaberry, condenado a 30 anos de prisão. Esteve preso desde 2006 até morrer, em 2011. A lista completa dos processos está disponível na página.

Nos últimos anos, no Uruguai, começou a ganhar maior visibilidade uma retórica militarista. Guido Mannini Ríos, ex-comandante em chefe do Exército, aparece à cabeça deste movimento que nega as atrocidades cometidas durante a ditadura. O seu partido, Cabildo Abierto, integra a Coalición Multicolor que levou à presidência Luis Lacalle Pou, em 2019. «É algo que, se sempre existiu, agora tem uma representação parlamentar muito forte, e no Poder Executivo. O horror tenta sistematicamente ser negado, como uma forma de que os seus executantes possam continuar a ter apoio político-social», defende Risso.

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Argumentaram que – indica a EFE –, tendo em conta as circunstâncias, as da «extraordinária gravidade dos factos», estes são qualificáveis como «crimes contra a humanidade, cuja perseguição e castigo é do interesse de toda a comunidade internacional».

No recurso, a defesa do médico considerava, entre outros aspectos, que fora violado o princípio da legalidade, na medida em que a extradição se baseava em delitos que estariam prescritos.

Critério oscilante

Em Março do ano passado, o mesmo tribunal recusou-se a aprovar a extradição de Fleming Gallo, investigado no Uruguai num processo sobre torturas no centro clandestino de detenção do Corpo de Fuzileiros Navais (Fusna), onde cerca de 50 pessoas, na maioria militantes do Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros e do Grupo de Acção Unificadora, denunciaram ter sofrido torturas entre 1972 e 1985.

Então, a Audiência Nacional espanhola seguiu o critério do Ministério público segundo o qual a extradição não devia ocorrer porque o crime de torturas de que o cidadão uruguaio é acusado prescreveu, segundo a lei espanhola.

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Espanha recusou extradição de uruguaio acusado de torturas na ditadura

A Justiça espanhola impediu a extradição para o Uruguai de Fleming Gallo, acusado da prática de tortura e crimes contra a humanidade, na ditadura (1973-1985), contra militantes de esquerda uruguaios.

Manifestantes participam na Marcha do Silêncio, em Montevideu (imagem de arquivo) CréditosSarah Yanez-Richards / EPA

A Justiça espanhola corroborou a posição apresentada pelo Ministério Público (MP) espanhol em Novembro do ano passado, durante uma audiência em que Fleming Gallo se declarou inocente alegando que estava preso quando foram cometidos os crimes de que é acusado.

O MP expôs que a extradição não devia ocorrer porque o crime de torturas de que o cidadão uruguaio é acusado prescreveu, segundo a lei espanhola.

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Uruguai: o terror da ditadura plasmado num mapa interactivo

A busca de memória e verdade tem no portal Sitios de la Memoria Uruguay uma das suas trincheiras. Um recurso didáctico, construído à base de militância, com informação sobre vítimas, verdugos e processos.

Milhares de pessoas participaram na 24.ª Marcha do Silêncio, em Montevideu
Milhares de pessoas participaram na 24.ª Marcha do Silêncio, em Maio de 2019, em Montevideu Créditos / radiouruguay.uy

A punição dos verdugos da última ditadura, no Uruguai, continua a ser um processo lento e parcial, afirma o diário argentino Página 12 na sua edição de ontem. No entanto, a busca de memória e verdade foi criando os seus próprios caminhos, à força de militância.

Um deles plasmou-se no portal Sitios de Memoria Uruguay, onde se pode encontrar um mapa interactivo do país repleto de informação sobre cada lugar onde o terrorismo de Estado deixou a sua marca. «O objectivo do projecto é identificar, visibilizar, ligar e disponibilizar a informação sobre os locais a partir de onde se organizaram e cometeram crimes contra a humanidade», informa a página.

Território minado

Num primeiro momento foram alfinetes num mapa de papel. Esse foi o gérmen do Sitios de Memoria Uruguay, segundo contam ao Página 12 os criadores da página. Estava-se em 2018, no governo do recentemente falecido Tabaré Vázquez. O Congresso uruguaio tinha aprovado uma lei que possibilitava a criação de espaços da memória no país.

«Nessa altura começámos a pensar uma página que concretizasse a possibilidade de um mapeamento e uma geo-referenciação, incorporando informação significativa sobre as lutas por Memória, Verdade e Justiça», refere a investigadora Mariana Risso.

Uma vez traçado o plano, era preciso reunir os materiais. «Existiam muitas fontes dispersas que tinham sistematizado cada uma por seu lado a informação sobre cárceres de presos políticos, centros de detenção clandestinos, uma delas, muito importante, levada a cabo pela central sindical PIT-CNT. Aquilo que fizemos foi incorporar todas essas fontes num espaço interactivo», comenta Rodrigo Barbajo, líder da parte informática do projecto. A página viu a luz pela primeira vez a 1 de Outubro do ano passado.

Os alfinetes digitalizaram-se e agora aparecem como pontos coloridos num mapa virtual. «Uma pessoa pode procurar o seu bairro e descobrir que a poucos quarteirões da sua casa existiu um Centro Clandestino de Detenção e Tortura. Nós localizámos mais de 140 no mapa, quando apenas uns 40 estão identificados no seu lugar físico», conta María Eugenia Sotelo, outra das responsáveis do projecto.

Além disso, pode-se aceder ao ficheiro completo dos 176 uruguaios que continuam desaparecidos, bem como dos 192 que foram assassinados pela violência estatal no Uruguai, na Argentina e noutros países da região. «A maior parte das detenções e desaparecimentos de pessoas de nacionalidade uruguaia deu-se no contexto do Plano Condor, e desapareceram na Argentina», refere Risso. Em breve, o site publicará um apartado especial para as vítimas da acção repressiva coordenada pelas ditaduras do continente.

Outra característica do terrorismo de Estado uruguaio é que muitas das suas vítimas tiveram de atravessar períodos de prisão e torturas prolongados. «Isto fez com que a Amnistia Internacional informasse em 1978 que o Uruguai era o país com mais presos políticos por habitante. Aqui, houve pessoas que estiveram 12 ou 14 anos presas», diz Sotelo. Um deles foi o ex-presidente José «Pepe» Mujica, que, com outros dirigentes do Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros, sofreu tormentos físicos e psicológicos durante 13 anos.

Barreiras contra a verdade

Recolher a informação de fontes tão diversas era e é o grande desafio. Trata-se de informação que na maioria dos casos não está sistematizada. O Uruguai enfrentou múltiplas barreiras para começar a conhecer a verdade sobre os crimes cometidos pela ditadura liderada por Juan María Bordaberry em 1973, bem como sobre a acção ilegal do Estado durante o período que antecedeu o golpe.


«Os entraves judiciais foram sistemáticos e persistentes, apoiados em todos os governos, mais fortemente no período anterior à chegada da Frente Ampla ao poder», aponta Risso. Depois do regresso à democracia, em 1985, os militares uruguaios conseguiram a sua amnistia com a «Ley de Caducidad de la Pretensión Punitiva del Estado», aprovada em 1986 sob ameaça de um novo levantamento militar. «É uma lei sinistra porque ainda obrigava o Poder Judicial a perguntar ao Poder Executivo se podia julgar determinado crime contra a humanidade», defende a investigadora. Houve dois plebiscitos no Uruguai que tentaram acabar com esta lei. O de 1989 teve 42,4% dos votos, e o de 2009 alcançou 47,7%. Ou seja, nenhum conseguiu passar a barreira dos 50% para deitar abaixo a lei.

No entanto, em 2005, durante a primeira presidência de Vázquez, deu-se um primeiro passo para começar a julgar os militares. «O presidente permitiu que se investigassem os desaparecimentos forçados. Depois, em 2011, aprovaram-se leis que na prática acabam por revogar a "Ley de Caducidad"», diz Risso.

Desde 2011, teve início uma enorme reactivação de processos por tortura e prisão prolongada. Até à data, houve 281 processos no Uruguai e foram indiciados e/ou condenados 46 verdugos. Destes, 32 faziam parte das Forças Armadas. Só dois membros do governo civil da ditadura foram condenados. Um deles foi Bordaberry, condenado a 30 anos de prisão. Esteve preso desde 2006 até morrer, em 2011. A lista completa dos processos está disponível na página.

Nos últimos anos, no Uruguai, começou a ganhar maior visibilidade uma retórica militarista. Guido Mannini Ríos, ex-comandante em chefe do Exército, aparece à cabeça deste movimento que nega as atrocidades cometidas durante a ditadura. O seu partido, Cabildo Abierto, integra a Coalición Multicolor que levou à presidência Luis Lacalle Pou, em 2019. «É algo que, se sempre existiu, agora tem uma representação parlamentar muito forte, e no Poder Executivo. O horror tenta sistematicamente ser negado, como uma forma de que os seus executantes possam continuar a ter apoio político-social», defende Risso.

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No que respeita ao crime contra a humanidade, a Procuradoria afirmou que é reconhecido em Espanha desde 2004, entendendo que não deve ser aplicado retroactivamente, refere o jornal uruguaio La Diaria. Ou seja, a Justiça espanhola não reconheceu o carácter imprescritível dos crimes contra a humanidade.

Segundo indica a fonte, no final de Fevereiro, a decisão judicial foi comunicada ao procurador uruguaio especializado em Crimes contra a Humanidade, Ricardo Perciballe.

Agora, a defesa de Gallo pondera processar o Estado uruguaio pelo tempo que passou em prisão preventiva à espera do final do processo de extradição. Gallo foi detido em Abril do ano passado na região de Huesca, em Aragão.

Reconhecido como torturador por vítimas do terrorismo de Estado

Gallo é investigado no seu país num processo sobre torturas no centro clandestino de detenção do Corpo de Fuzileiros Navais (Fusna), onde cerca de 50 pessoas, na maioria militantes do Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros e do Grupo de Acção Unificadora, denunciaram ter sofrido torturas entre 1972 e 1985.

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Ampla rejeição no Uruguai da libertação de repressores na ditadura

A associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos repudia o projecto de lei do partido Cabildo Abierto que permite libertar torturadores e outros condenados por graves crimes na ditadura.

Milhares de pessoas participaram na 24.ª Marcha do Silêncio, em Montevideu
Créditos / radiouruguay.uy

O porta-voz da associação, Ignacio Errandonea, qualificou o projecto como imoral, «pensando nos nossos filhos e netos», e disse que «é aberrante estabelecer o precedente de que aqui não se passa nada perante os crimes que cometeram».

Ao mesmo tempo, «eles sabem onde estão os nossos familiares e não o dizem», acrescentou, no contexto de uma conferência de imprensa que deu na sede parlamentar do país sul-americano.

A proposta do partido de direita Cabildo Abierto, membro da Coalición Multicolor que apoia o presidente Luis Lacalle Pou, deu entrada na Comissão de Constituição e Legislação do Senado, defendendo formalmente a transferência de presos com 65 anos para o regime de prisão domiciliária, informa a Prensa Latina.

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Familiares de desaparecidos no Uruguai exigem fim da impunidade

A associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos acusa as Forças Armadas de ocultar informação sobre atrocidades cometidas na ditadura (1973-85), ao apresentar novos documentos.

A associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos denuncia a impunidade dos militares que perdura no Uruguai e afirma que existe um poder paralelo ao democrático, o dos «generais que amparam a tortura e os crimes da ditadura»
Créditos / Prensa Latina

Um coronel preso por crimes na ditadura do Uruguai admitiu ter matado e torturado, e confirmou um voo clandestino com prisioneiros na Argentina que estavam desaparecidos, segundo documentos oficiais divulgados na sexta-feira passada.

«Tive de matar e matei e não me arrependo. Tive de torturar e torturei», disse o coronel reformado Gilberto Vázquez num Tribunal de Honra militar em 2006 e cujas actas foram agora reveladas, informa a agência AFP. «Perco muitas noites de sono ao lembrar-me dos tipos que matei à paulada, mas não me arrependo», acrescentou Vázquez, que foi condenado, há 14 anos, pelo homicídio de 28 uruguaios capturados em 1976 na Argentina.

Os autos do processo foram obtidos pela organização Mães e Familiares de Presos Uruguaios Desaparecidos, que os disponibilizou ao Senado. Entretanto, o organismo teve acesso a um segundo pacote de documentos, na sequência de um pedido efectuado ao Ministério da Defesa, deferido pelo ministro da tutela.

Neste segundo pacote, aparece uma carta de Gilberto Vázquez em que este admite ter sido felicitado por altas patentes militares por ter «executado numerosas pessoas, sequestrado e oprimido em vários países», revelaram representantes do organismo, esta terça-feira, numa conferência de imprensa em Montevideu.

Por isso, os Familiares dos Presos Desaparecidos pediram ao sistema político que dê «sinais claros» de que «os militares devem prestar contas à Justiça».

«Os nossos familiares continuam a ser sequestrados pelos militares»

O Tribunal de Honra Militar declarou Gilberto Vázquez culpado «por ter ofendido a honra [das Forças Armadas]», mas «não por todas as atrocidades que confessou no tribunal e na carta assinada», disse o porta-voz da associação, Ignacio Errandonea.

«Onde está a honra dos generais? A resposta do comando foi que se comunicaria oportunamente, quando a sua obrigação era denunciar imediatamente à Justiça. Estes generais continuam a esconder os factos à Justiça e hoje continuam a reclamar porque estes crimes caducaram porque passou muito tempo e são velhinhos», denunciou o dirigente.


Errandonea destacou que as Forças Armadas queriam combater estes documentos e que a «Justiça deve investigar tudo, a fundo». «Entendemos que o mais grave de tudo o que foi revelado nestes processos é o ocultamento, por parte das Forças Armadas, de todos os crimes que cometeram, o continuar a esconder os nossos familiares, porque, hoje em dia, os nossos familiares continuam a ser sequestrados pelos militares», frisou Errandonea, citado por La Diaria.

O porta-voz denunciou que, desde o fim da ditadura, houve sempre um poder paralelo ao democrático e que «os generais de agora continuam a amparar a impunidade e os crimes da ditadura».

Por seu lado, Elena Zaffaroni, outra dirigente da associação, lamentando a impunidade dos militares, que perdura e «nos envergonha», sublinhou a persistência da denúncia, bem como a tomada de consciência crescente entre as gerações mais novas.

Convidou ainda todos a participar numa concentração, esta sexta-feira, às 18h00, na Praça Libertad, na capital uruguaia, «com as fotos dos nossos desaparecidos», pelo fim da impunidade, pela verdade e por justiça.

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No entanto, a Frente Amplio, na oposição, denunciou que o verdadeiro objectivo deste projecto de lei é beneficiar 20 ex-militares que cometeram crimes contra a humanidade, algo que Eduardo Lust, deputado do Cabildo Abierto, viria a confirmar.

Por seu lado, Baldemar Tarocco, membro da Crysol, associação de ex-presos políticos uruguaios, afirmou que a proposta vai contra as normas internacionais sobre direitos humanos e sobre crimes sem amnistias.

Referiu que a prisão domiciliária já existe no Código Penal uruguaio e lembrou que, por questões de saúde, três conhecidos homicidas e torturadores, além de outros 14 imputados, se encontram nesse regime.

Relatores da ONU manifestam preocupação ao governo do Uruguai

Cinco relatores da Organização das Nações Unidas (ONU) ligados a questões dos direitos humanos enviaram uma carta ao executivo uruguaio manifestando «profunda preocupação» relativamente ao projecto de lei do partido Cabildo Abierto, por considerar que é «incompatível» com «as obrigações internacionais do Uruguai em matéria de direitos humanos», indica o jornal ladiaria.com.uy.

Essa incompatibilidade fundamenta-se no facto de a proposta beneficiar especialmente dezenas de processados e condenados por crimes contra a humanidade cometidos na ditadura (1973-1985) e que cumprem actualmente penas de prisão.

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No Uruguai, lembrança da ditadura e da luta, a 48 anos do golpe de Estado

A propósito dos 48 anos da instauração da ditadura no Uruguai, o PIT-CNT evocou a greve geral de então, em que trabalhadores e estudantes se posicionaram face ao «novo avanço do terrorismo de Estado».

Trabalhadores uruguaios mobilizados contra «os tempos que aí vinham»; a associação Crysol de ex-presos políticos afirma que os trabalhadores perderam 50% do seu poder de compra com a ditadura 
Créditos / PIT-CNT

A 27 de Junho de 1973, o presidente eleito do Uruguai, Juan María Bordaberry, decretou a dissolução do Parlamento, com o apoio das Forças Armadas, e a data marca o início da ditadura cívico-militar que se prolongou até 1985 no país sul-americano.

O golpe de Estado foi «mais um passo» no «autoritarismo» que existia no país desde 1968, afirma o Plenário Intersindical dos Trabalhadores – Convenção Nacional dos Trabalhadores (PIT-CNT) numa declaração comemorativa, sublinhando que, no período que antecedeu o golpe, o movimento popular «levou a cabo várias estratégias para fazer frente» à «acção ilegítima do Estado», em que se incluía a prática da tortura, desaparecimentos, detenções sem intervenção do Poder Judicial, homicídios, o exílio político ou o desterro da vida social.

A central destaca o papel do movimento sindical organizado em torno da outrora Convenção Nacional dos Trabalhadores e da Federação dos Estudantes do Uruguai, em conjunto com organizações sociais e alguns partidos políticos, «face ao novo avanço do terrorismo de Estado».

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Familiares de desaparecidos no Uruguai exigem fim da impunidade

A associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos acusa as Forças Armadas de ocultar informação sobre atrocidades cometidas na ditadura (1973-85), ao apresentar novos documentos.

A associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos denuncia a impunidade dos militares que perdura no Uruguai e afirma que existe um poder paralelo ao democrático, o dos «generais que amparam a tortura e os crimes da ditadura»
Créditos / Prensa Latina

Um coronel preso por crimes na ditadura do Uruguai admitiu ter matado e torturado, e confirmou um voo clandestino com prisioneiros na Argentina que estavam desaparecidos, segundo documentos oficiais divulgados na sexta-feira passada.

«Tive de matar e matei e não me arrependo. Tive de torturar e torturei», disse o coronel reformado Gilberto Vázquez num Tribunal de Honra militar em 2006 e cujas actas foram agora reveladas, informa a agência AFP. «Perco muitas noites de sono ao lembrar-me dos tipos que matei à paulada, mas não me arrependo», acrescentou Vázquez, que foi condenado, há 14 anos, pelo homicídio de 28 uruguaios capturados em 1976 na Argentina.

Os autos do processo foram obtidos pela organização Mães e Familiares de Presos Uruguaios Desaparecidos, que os disponibilizou ao Senado. Entretanto, o organismo teve acesso a um segundo pacote de documentos, na sequência de um pedido efectuado ao Ministério da Defesa, deferido pelo ministro da tutela.

Neste segundo pacote, aparece uma carta de Gilberto Vázquez em que este admite ter sido felicitado por altas patentes militares por ter «executado numerosas pessoas, sequestrado e oprimido em vários países», revelaram representantes do organismo, esta terça-feira, numa conferência de imprensa em Montevideu.

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«Os nossos familiares continuam a ser sequestrados pelos militares»

O Tribunal de Honra Militar declarou Gilberto Vázquez culpado «por ter ofendido a honra [das Forças Armadas]», mas «não por todas as atrocidades que confessou no tribunal e na carta assinada», disse o porta-voz da associação, Ignacio Errandonea.

«Onde está a honra dos generais? A resposta do comando foi que se comunicaria oportunamente, quando a sua obrigação era denunciar imediatamente à Justiça. Estes generais continuam a esconder os factos à Justiça e hoje continuam a reclamar porque estes crimes caducaram porque passou muito tempo e são velhinhos», denunciou o dirigente.


Errandonea destacou que as Forças Armadas queriam combater estes documentos e que a «Justiça deve investigar tudo, a fundo». «Entendemos que o mais grave de tudo o que foi revelado nestes processos é o ocultamento, por parte das Forças Armadas, de todos os crimes que cometeram, o continuar a esconder os nossos familiares, porque, hoje em dia, os nossos familiares continuam a ser sequestrados pelos militares», frisou Errandonea, citado por La Diaria.

O porta-voz denunciou que, desde o fim da ditadura, houve sempre um poder paralelo ao democrático e que «os generais de agora continuam a amparar a impunidade e os crimes da ditadura».

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Para o PIT-CNT, a greve geral foi «uma resposta adequada e justa aos tempos que estavam para vir», em que se intensificou a política de terrorismo Estado que havia precedido o golpe: «milhares de prisões ilegítimas, torturas, assassinatos, desaparecimentos, crimes sexuais, apropriação de menores, exílio», explica.

Hoje, 35 anos depois do primeiro governo democrático, ainda se «luta por verdade, justiça, memória e reparação integral», nota a central sindical uruguaia no seu portal.

Sobre a campanha de recolha de assinaturas, num contexto de emergência sanitária, para levar a referendo 135 artigos da Lei de Urgente Consideração, promovida pelo governo de direita, o PIT-CNT afirma que se trata de um «novo capítulo de resistência face à instalação de inovadoras formas de autoritarismo estatal».

Associação de ex-presos políticos: ditadura deixou um «legado funesto»

A Crysol, associação de ex-presos políticos uruguaios, afirma que o regime da ditadura deixou um «legado funesto» para a sociedade, com «enorme incidência na realidade nacional, no plano judicial e político, mas também no económico».

A nível económico, a Crysol refere o aumento das despesas orçamentais com as Forças Armadas, a partir 1972, bem como o sistema de reformas e pensões dos militares, «privilegiado» e «amplamente deficitário», que só em 2020 custou 500 milhões de dólares.

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Novamente questionado o posicionamento dos militares uruguaios sobre a ditadura

Com o 20 de Maio à porta, familiares de desaparecidos e Instituição Nacional de Direitos Humanos (INDH) abordam o «silêncio» dos militares sobre a repressão na ditadura (1973-1985).

Milhares de pessoas participaram na 24.ª Marcha do Silêncio, em Montevideu
Créditos / radiouruguay.uy

O presidente da INDH do Uruguai, Wilder Tayler, defendeu que «militares subalternos silenciam elementos sobre os detidos desaparecidos na ditadura por temerem perder as reformas».

Tayler referiu-se a esse «obstáculo» para a principal tarefa do organismo – dar com o paradeiro de cerca de 200 vítimas da ditadura no país – os desaparecidos –, no âmbito da operação Condor apoiada pelos Estados Unidos contra opositores de esquerda em vários regimes na América do Sul.

Em declarações ao programa «Mejor hablar», da rádio M24, Tayler afirmou que a estrutura das Forças Armadas está repleta de gente (de guardas a enfermeiros e a choferes) que se encontrava perto dos detidos desaparecidos.

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Familiares de desaparecidos no Uruguai exigem fim da impunidade

A associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos acusa as Forças Armadas de ocultar informação sobre atrocidades cometidas na ditadura (1973-85), ao apresentar novos documentos.

A associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos denuncia a impunidade dos militares que perdura no Uruguai e afirma que existe um poder paralelo ao democrático, o dos «generais que amparam a tortura e os crimes da ditadura»
Créditos / Prensa Latina

Um coronel preso por crimes na ditadura do Uruguai admitiu ter matado e torturado, e confirmou um voo clandestino com prisioneiros na Argentina que estavam desaparecidos, segundo documentos oficiais divulgados na sexta-feira passada.

«Tive de matar e matei e não me arrependo. Tive de torturar e torturei», disse o coronel reformado Gilberto Vázquez num Tribunal de Honra militar em 2006 e cujas actas foram agora reveladas, informa a agência AFP. «Perco muitas noites de sono ao lembrar-me dos tipos que matei à paulada, mas não me arrependo», acrescentou Vázquez, que foi condenado, há 14 anos, pelo homicídio de 28 uruguaios capturados em 1976 na Argentina.

Os autos do processo foram obtidos pela organização Mães e Familiares de Presos Uruguaios Desaparecidos, que os disponibilizou ao Senado. Entretanto, o organismo teve acesso a um segundo pacote de documentos, na sequência de um pedido efectuado ao Ministério da Defesa, deferido pelo ministro da tutela.

Neste segundo pacote, aparece uma carta de Gilberto Vázquez em que este admite ter sido felicitado por altas patentes militares por ter «executado numerosas pessoas, sequestrado e oprimido em vários países», revelaram representantes do organismo, esta terça-feira, numa conferência de imprensa em Montevideu.

Por isso, os Familiares dos Presos Desaparecidos pediram ao sistema político que dê «sinais claros» de que «os militares devem prestar contas à Justiça».

«Os nossos familiares continuam a ser sequestrados pelos militares»

O Tribunal de Honra Militar declarou Gilberto Vázquez culpado «por ter ofendido a honra [das Forças Armadas]», mas «não por todas as atrocidades que confessou no tribunal e na carta assinada», disse o porta-voz da associação, Ignacio Errandonea.

«Onde está a honra dos generais? A resposta do comando foi que se comunicaria oportunamente, quando a sua obrigação era denunciar imediatamente à Justiça. Estes generais continuam a esconder os factos à Justiça e hoje continuam a reclamar porque estes crimes caducaram porque passou muito tempo e são velhinhos», denunciou o dirigente.


Errandonea destacou que as Forças Armadas queriam combater estes documentos e que a «Justiça deve investigar tudo, a fundo». «Entendemos que o mais grave de tudo o que foi revelado nestes processos é o ocultamento, por parte das Forças Armadas, de todos os crimes que cometeram, o continuar a esconder os nossos familiares, porque, hoje em dia, os nossos familiares continuam a ser sequestrados pelos militares», frisou Errandonea, citado por La Diaria.

O porta-voz denunciou que, desde o fim da ditadura, houve sempre um poder paralelo ao democrático e que «os generais de agora continuam a amparar a impunidade e os crimes da ditadura».

Por seu lado, Elena Zaffaroni, outra dirigente da associação, lamentando a impunidade dos militares, que perdura e «nos envergonha», sublinhou a persistência da denúncia, bem como a tomada de consciência crescente entre as gerações mais novas.

Convidou ainda todos a participar numa concentração, esta sexta-feira, às 18h00, na Praça Libertad, na capital uruguaia, «com as fotos dos nossos desaparecidos», pelo fim da impunidade, pela verdade e por justiça.

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«Sabia-se tudo e nos centros de detenção também, mas o que acontece é que são bastante impermeáveis ao fornecimento de informação, devido ao espírito de corpo, à ideologia ou ao receio da estrutura hierárquica», destacou, citado pela Prensa Latina.

Considerou que, se é bastante difícil pensar em procurar arquivos em todas as instalações do Estado, poder-se-ia pensar em procurá-los nas unidades militares onde houve bases do Órgão Coordenador de Operações Anti-subversivas (OCOA), o que «já limita bastante o raio».

No que respeita aos arquivos recentemente encontrados em instalações militares, que foram entregues ao organismo pelo presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, e pelo ministro da Defesa, Javier García, disse que não trazem elementos que possam alterar o curso das investigações sobre detidos desaparecidos.

Familiares de desaparecidos também reclamam informação militar

Um representante da associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos durante a ditadura (1973-1985) sublinhou, no passado fim-de-semana, a falta de respostas do governo às iniciativas propostas com vista ao esclarecimento daquela etapa da história recente do país.

Há aproximadamente um ano, a associação pediu ao executivo que começasse a procurar no Comando da Região Militar Um um arquivo do OCOA, de modo a esclarecer questões sobre os desaparecidos.

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Justiça italiana condena 24 envolvidos na Operação Condor

Entre os condenados figuram políticos, ex-chefes de Estado e militares ligados ao assassinato, tortura e desaparecimento de italianos no Chile, Peru, Uruguai e Bolívia nos anos 70 e 80.

Milhares de pessoas na Marcha do Silêncio, em Montevideu CréditosSarah Yanez-Richards / EPA

A Justiça italiana condenou, esta segunda-feira, a prisão perpétua 24 envolvidos na Operação Condor. Entre os condenados estão ex-chefes de Estado, ministros e figuras destacadas dos serviços militares e de segurança de Bolívia, Chile, Peru e Uruguai, acusados de sequestrar e assassinar 23 cidadãos de origem italiana que viviam em países sul-americanos nas décadas de 1970 e 1980, informa a Agência Brasil.

A chamada Operação Condor foi uma estratégia político-militar da CIA em coordenação com ditaduras do Cone Sul, levada a cabo nos anos 70 e 80 do século passado com o propósito de coordenar a repressão sobre a oposição a essas ditaduras – no Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai – e eliminar os adversários políticos (dirigentes de partidos de esquerda, sindicalistas, manifestantes, entre outros).

Com a decisão ontem tomada, o Tribunal de Apelação de Roma alterou a sentença de primeira instância, proferida em 2017, de acordo com a qual oito réus eram condenados a prisão perpétua e 19 eram absolvidos, por delitos prescritos.

O processo teve início há 20 anos, em 1999, com a denúncia, formulada em Itália, de familiares de desaparecidos. Inicialmente, a investigação incluía 140 pessoas, mas problemas burocráticos ligados à morte de muitos dos suspeitos reduziram o número de réus, refere a Agência Brasil.

Um dos condenados é o ex-militar uruguaio Jorge Néstor Troccoli, que foi o único a comparecer ao julgamento, uma vez que também tem nacionalidade italiana e reside no país transalpino desde 2007, quando fugiu do Uruguai, depois de ter confessado o seu envolvimento em torturas.


Troccoli, chefe do serviço de inteligência do Corpo de Fuzileiros Navais do Uruguai, foi acusado de ligação ao aparelho de repressão argentino, com o qual executava o planeamento de assassinatos. Em Abril deste ano, o governo uruguaio enviou à Justiça italiana informações de acordo com as quais Troccoli teria participado na organização de um voo que levou ao desaparecimento de 22 uruguaios.

Em primeira instância foram condenadas a pena perpétua o ditador boliviano Luis García Meza, falecido em Abril de 2018, e o seu ministro do Interior, Luis Arce Gómez. Também o antigo presidente peruano Francisco Morales Bermúdez, o seu primeiro-ministro, Pedro Richter Prada, falecido em Julho de 2017, o ex-militar peruano Germán Ruiz. Ainda os chilenos Hernán Ramírez e Rafael Ahumada Valderrama, e o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros uruguaio Juan Carlos Blanco.

A estes, juntam-se agora os ex-militares chilenos Pedro Octavio Espinoza Bravo, Daniel Aguirre Mora, Carlos Luco Astroza, Orlando Moreno Vásquez e Manuel Abraham Vásquez Chauan, indica o Resumen Latinoamericano.

Foram também condenados os ex-militares uruguaios José Ricardo Arab, José Nino Gavazzo, Juan Carlos Larcebeau, Pedro Antonio Mato, Luis Alfredo Maurente, Ricardo José Medina, Ernesto Avelino Ramas Pereira, José Sande Lima, Jorge Alberto Silveira, Ernesto Soca e Gilberto Vázquez.

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O familiar defendeu que ali existia informação, na medida em que o OCOA centralizava todas as operações de repressão de outras unidades, por vezes policiais, principalmente em Montevideu e Canelones.

De acordo com o semanário Brecha, o silêncio presidencial ao pedido feito pelo familiar pode ficar a dever-se às reacções que provocou nos diversos níveis das Forças Armadas.

«O problema da documentação sobre o terrorismo de Estado é tão hermético como um pacto de silêncio dos oficiais envolvidos», disse, acrescentando que o governo, mesmo com vontade de avançar, «não tem, pelo menos agora, força suficiente para derrubar muros».

A 20 de Maio, 26.ª Marcha do Silêncio

Em contexto de pandemia de Covid-19, a 26.ª edição da Marcha do Silêncio, que se realizou pela primeira vez em 1996, assume um formato mais virtual, mas também com «corredores» nas ruas de Montevideu, e tem como lema «Onde estão? Não ao silêncio nem à impunidade. Memória, Verdade e Justiça».

Organizada pela associação Mães e Familiares de Uruguaios Detidos e Desaparecidos, a Marcha do Silêncio também se realiza noutros pontos do país austral e evoca os assassinatos, perpetrados a 20 de Maio de 1976 em Buenos Aires, do senador da Frente Ampla Zelmar Michelini, do deputado do Partido Nacional Héctor Gutiérrez Ruiz e de Rosario Barredo e William Whitelaw, bem como o desaparecimento do comunista Manuel Liberoff, a 19 de Maio de 1976, também na capital argentina.

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Os militares mantiveram um papel de destaque no Uruguai durante o governo do presidente Julio María Sanguinetti, afirma a Crysol, dando como exemplo disso a Lei da Caducidade de 1986, que impediu que membros da instituição armada fossem julgados como «criminosos» por acções cometidas na ditadura.

«Quase 200 detidos desaparecidos. 200 assassinados. Milhares de presos políticos e exilados. A ditadura cívico-militar deixou um saldo trágico para o país inteiro em matéria de violações dos direitos humanos mas também noutras esferas da vida. Os trabalhadores perderam 50% do poder de compra dos seus salários. Uma enorme massa de dinheiro foi destinada às arcas dos grupos económicos poderosos, os "malla de oro" da época, que apoiaram o processo», sublinha a associação.

Também a propósito do 48.º aniversário do golpe de Estado que instaurou a ditadura no Uruguai, a associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos publicou um vídeo editado pelo Colectivo Catalejo, com os lemas «Nunca mais» e «Onde estão?».

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Embora concordem com a necessidade da tomada de «medidas urgentes para proteger a saúde e a segurança das pessoas que se encontram detidas ou reclusas» no contexto da emergência sanitária, sublinham que estas medidas não devem violar os padrões internacionais de direitos humanos, que «proíbem a aplicação de perdões ou benefícios de execução da pena aos responsáveis por violações sérias dos direitos humanos e graves do direito internacional humanitário, o crime de genocídio e os crimes contra a humanidade».

A carta, que será incluída no relatório que será apresentado ao Conselho dos Direitos Humanos da ONU, é assinada pelo relator especial sobre a promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não repetição; o Grupo de Trabalho sobre os Desaparecimentos Forçados ou Involuntários; o relator especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias; a relatora especial sobre o direito de toda a pessoa ao usufruto do mais alto nível possível de saúde física e mental, e o relator especial sobre a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

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Sobre Fleming Gallo pesa a acusação de ter operado num gabinete de uma agência interna do Fusna conhecida como La Computadora, dirigida por Juan Carlos Larcebeau, já falecido, e pelo capitão de navio Jorge Tróccoli, recentemente condenado pela Justiça italiana no processo Plano Condor.

La Computadora, que funcionava no Porto de Montevideu, encarregava-se de processar informação proveniente das torturas sobre militantes e organizações de esquerda. Gallo, que também é investigado no âmbito de outros dois processos ligados ao Fusna, iniciados em 2011, foi reconhecido por diversas vítimas do terrorismo de Estado como um dos executores directos dos suplícios.

Fleming Julio Gallo Sconamiglio foi detido em 1976 numa operação contra o Partido Comunista do Uruguai, em que militava. Depois de ceder na tortura, Gallo começou a colaborar com os esbirros da ditadura e traiu os seus camaradas, de tal modo que, segundo refere a agência uy.press, teve participação activa nos interrogatórios a vários deles.

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No que respeita ao crime contra a humanidade, a Procuradoria afirmou, há um ano, que era reconhecido em Espanha desde 2004 e que não devia ser aplicado retroactivamente. Ou seja, não reconheceu o carácter imprescritível dos crimes contra a humanidade. Agora, defendeu outro critério e aprovou a extradição.

O papel de Suzacq

O procurador uruguaio especializado em Crimes contra a Humanidade, Ricardo Perciballe, disse à imprensa que há testemunhos de cerca de quatro dezenas de vítimas que identificaram Carlos Américo Suzacq no regimento do Exército onde estiveram detidas, o Sexto de Cavalaria. Ali, Suzacq «controlava até onde se podia aplicar os tormentos aos detidos», refere o periódico argentino Página 12.

Localizado no bairro de Piedras Blancas, no Norte de Montevideu, o regimento funcionou entre 1972 e 1984 como centro de detenção e tortura de detidos sob custódia do Exército e do Organismo Coordenador de Operações Anti-subversivas (OCOA).

Elena Zaffaroni, actual dirigente da associação Mães e Familiares de Detidos Desaparecidos, foi presa juntamente com o seu marido, Luis Eduardo González González, militante do Partido Comunista Revolucionário e estudante de Medicina desaparecido desde Dezembro de 1974, e esteve presa naquele centro.

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Lutando contra a impunidade, familiares de desaparecidos no Uruguai não desistem

Com o 20 de Maio e a Marcha do Silêncio à porta, Elena Zaffaroni, das Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos, alertou para a falta de resposta do Estado e a «cultura institucional de impunidade».

Elena Zaffaroni, ex-presa política e dirigente da associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos 
CréditosMeri Parrado / Caras y Caretas

Zaffaroni, hoje com 73 anos, foi presa na madrugada de 13 de Dezembro de 1974, estando grávida de quatro meses, juntamente com o seu companheiro, Luis Eduardo Chiqui González, militante do Partido Comunista Revolucionário que viu pela última vez a 24 de Dezembro daquele ano.

O seu período de cativeiro acabaria em 1976 mas a sua luta prolongou-se no tempo, contra a impunidade e pelo direito dos familiares e da sociedade uruguaia a saberem o destino dos presos desparecidos.

Em entrevista à revista Caras y Caretas, falou do alcance que a Marcha do Silêncio hoje tem, do «abraço» que os membros da associação Mães e Familiares sentem de muita gente de várias gerações, que fizeram sua a causa de insistir na busca dos desaparecidos da ditadura (1973-1985) e na procura da verdade e da justiça, face a um Estado que, nos 37 anos de democracia, não «assumiu as suas responsabilidades».

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No Uruguai, lembrança da ditadura e da luta, a 48 anos do golpe de Estado

A propósito dos 48 anos da instauração da ditadura no Uruguai, o PIT-CNT evocou a greve geral de então, em que trabalhadores e estudantes se posicionaram face ao «novo avanço do terrorismo de Estado».

Trabalhadores uruguaios mobilizados contra «os tempos que aí vinham»; a associação Crysol de ex-presos políticos afirma que os trabalhadores perderam 50% do seu poder de compra com a ditadura 
Créditos / PIT-CNT

A 27 de Junho de 1973, o presidente eleito do Uruguai, Juan María Bordaberry, decretou a dissolução do Parlamento, com o apoio das Forças Armadas, e a data marca o início da ditadura cívico-militar que se prolongou até 1985 no país sul-americano.

O golpe de Estado foi «mais um passo» no «autoritarismo» que existia no país desde 1968, afirma o Plenário Intersindical dos Trabalhadores – Convenção Nacional dos Trabalhadores (PIT-CNT) numa declaração comemorativa, sublinhando que, no período que antecedeu o golpe, o movimento popular «levou a cabo várias estratégias para fazer frente» à «acção ilegítima do Estado», em que se incluía a prática da tortura, desaparecimentos, detenções sem intervenção do Poder Judicial, homicídios, o exílio político ou o desterro da vida social.

A central destaca o papel do movimento sindical organizado em torno da outrora Convenção Nacional dos Trabalhadores e da Federação dos Estudantes do Uruguai, em conjunto com organizações sociais e alguns partidos políticos, «face ao novo avanço do terrorismo de Estado».

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Familiares de desaparecidos no Uruguai exigem fim da impunidade

A associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos acusa as Forças Armadas de ocultar informação sobre atrocidades cometidas na ditadura (1973-85), ao apresentar novos documentos.

A associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos denuncia a impunidade dos militares que perdura no Uruguai e afirma que existe um poder paralelo ao democrático, o dos «generais que amparam a tortura e os crimes da ditadura»
Créditos / Prensa Latina

Um coronel preso por crimes na ditadura do Uruguai admitiu ter matado e torturado, e confirmou um voo clandestino com prisioneiros na Argentina que estavam desaparecidos, segundo documentos oficiais divulgados na sexta-feira passada.

«Tive de matar e matei e não me arrependo. Tive de torturar e torturei», disse o coronel reformado Gilberto Vázquez num Tribunal de Honra militar em 2006 e cujas actas foram agora reveladas, informa a agência AFP. «Perco muitas noites de sono ao lembrar-me dos tipos que matei à paulada, mas não me arrependo», acrescentou Vázquez, que foi condenado, há 14 anos, pelo homicídio de 28 uruguaios capturados em 1976 na Argentina.

Os autos do processo foram obtidos pela organização Mães e Familiares de Presos Uruguaios Desaparecidos, que os disponibilizou ao Senado. Entretanto, o organismo teve acesso a um segundo pacote de documentos, na sequência de um pedido efectuado ao Ministério da Defesa, deferido pelo ministro da tutela.

Neste segundo pacote, aparece uma carta de Gilberto Vázquez em que este admite ter sido felicitado por altas patentes militares por ter «executado numerosas pessoas, sequestrado e oprimido em vários países», revelaram representantes do organismo, esta terça-feira, numa conferência de imprensa em Montevideu.

Por isso, os Familiares dos Presos Desaparecidos pediram ao sistema político que dê «sinais claros» de que «os militares devem prestar contas à Justiça».

«Os nossos familiares continuam a ser sequestrados pelos militares»

O Tribunal de Honra Militar declarou Gilberto Vázquez culpado «por ter ofendido a honra [das Forças Armadas]», mas «não por todas as atrocidades que confessou no tribunal e na carta assinada», disse o porta-voz da associação, Ignacio Errandonea.

«Onde está a honra dos generais? A resposta do comando foi que se comunicaria oportunamente, quando a sua obrigação era denunciar imediatamente à Justiça. Estes generais continuam a esconder os factos à Justiça e hoje continuam a reclamar porque estes crimes caducaram porque passou muito tempo e são velhinhos», denunciou o dirigente.


Errandonea destacou que as Forças Armadas queriam combater estes documentos e que a «Justiça deve investigar tudo, a fundo». «Entendemos que o mais grave de tudo o que foi revelado nestes processos é o ocultamento, por parte das Forças Armadas, de todos os crimes que cometeram, o continuar a esconder os nossos familiares, porque, hoje em dia, os nossos familiares continuam a ser sequestrados pelos militares», frisou Errandonea, citado por La Diaria.

O porta-voz denunciou que, desde o fim da ditadura, houve sempre um poder paralelo ao democrático e que «os generais de agora continuam a amparar a impunidade e os crimes da ditadura».

Por seu lado, Elena Zaffaroni, outra dirigente da associação, lamentando a impunidade dos militares, que perdura e «nos envergonha», sublinhou a persistência da denúncia, bem como a tomada de consciência crescente entre as gerações mais novas.

Convidou ainda todos a participar numa concentração, esta sexta-feira, às 18h00, na Praça Libertad, na capital uruguaia, «com as fotos dos nossos desaparecidos», pelo fim da impunidade, pela verdade e por justiça.

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Para o PIT-CNT, a greve geral foi «uma resposta adequada e justa aos tempos que estavam para vir», em que se intensificou a política de terrorismo Estado que havia precedido o golpe: «milhares de prisões ilegítimas, torturas, assassinatos, desaparecimentos, crimes sexuais, apropriação de menores, exílio», explica.

Hoje, 35 anos depois do primeiro governo democrático, ainda se «luta por verdade, justiça, memória e reparação integral», nota a central sindical uruguaia no seu portal.

Sobre a campanha de recolha de assinaturas, num contexto de emergência sanitária, para levar a referendo 135 artigos da Lei de Urgente Consideração, promovida pelo governo de direita, o PIT-CNT afirma que se trata de um «novo capítulo de resistência face à instalação de inovadoras formas de autoritarismo estatal».

Associação de ex-presos políticos: ditadura deixou um «legado funesto»

A Crysol, associação de ex-presos políticos uruguaios, afirma que o regime da ditadura deixou um «legado funesto» para a sociedade, com «enorme incidência na realidade nacional, no plano judicial e político, mas também no económico».

A nível económico, a Crysol refere o aumento das despesas orçamentais com as Forças Armadas, a partir 1972, bem como o sistema de reformas e pensões dos militares, «privilegiado» e «amplamente deficitário», que só em 2020 custou 500 milhões de dólares.

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Novamente questionado o posicionamento dos militares uruguaios sobre a ditadura

Com o 20 de Maio à porta, familiares de desaparecidos e Instituição Nacional de Direitos Humanos (INDH) abordam o «silêncio» dos militares sobre a repressão na ditadura (1973-1985).

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O presidente da INDH do Uruguai, Wilder Tayler, defendeu que «militares subalternos silenciam elementos sobre os detidos desaparecidos na ditadura por temerem perder as reformas».

Tayler referiu-se a esse «obstáculo» para a principal tarefa do organismo – dar com o paradeiro de cerca de 200 vítimas da ditadura no país – os desaparecidos –, no âmbito da operação Condor apoiada pelos Estados Unidos contra opositores de esquerda em vários regimes na América do Sul.

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Familiares de desaparecidos no Uruguai exigem fim da impunidade

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A associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos denuncia a impunidade dos militares que perdura no Uruguai e afirma que existe um poder paralelo ao democrático, o dos «generais que amparam a tortura e os crimes da ditadura»
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Um coronel preso por crimes na ditadura do Uruguai admitiu ter matado e torturado, e confirmou um voo clandestino com prisioneiros na Argentina que estavam desaparecidos, segundo documentos oficiais divulgados na sexta-feira passada.

«Tive de matar e matei e não me arrependo. Tive de torturar e torturei», disse o coronel reformado Gilberto Vázquez num Tribunal de Honra militar em 2006 e cujas actas foram agora reveladas, informa a agência AFP. «Perco muitas noites de sono ao lembrar-me dos tipos que matei à paulada, mas não me arrependo», acrescentou Vázquez, que foi condenado, há 14 anos, pelo homicídio de 28 uruguaios capturados em 1976 na Argentina.

Os autos do processo foram obtidos pela organização Mães e Familiares de Presos Uruguaios Desaparecidos, que os disponibilizou ao Senado. Entretanto, o organismo teve acesso a um segundo pacote de documentos, na sequência de um pedido efectuado ao Ministério da Defesa, deferido pelo ministro da tutela.

Neste segundo pacote, aparece uma carta de Gilberto Vázquez em que este admite ter sido felicitado por altas patentes militares por ter «executado numerosas pessoas, sequestrado e oprimido em vários países», revelaram representantes do organismo, esta terça-feira, numa conferência de imprensa em Montevideu.

Por isso, os Familiares dos Presos Desaparecidos pediram ao sistema político que dê «sinais claros» de que «os militares devem prestar contas à Justiça».

«Os nossos familiares continuam a ser sequestrados pelos militares»

O Tribunal de Honra Militar declarou Gilberto Vázquez culpado «por ter ofendido a honra [das Forças Armadas]», mas «não por todas as atrocidades que confessou no tribunal e na carta assinada», disse o porta-voz da associação, Ignacio Errandonea.

«Onde está a honra dos generais? A resposta do comando foi que se comunicaria oportunamente, quando a sua obrigação era denunciar imediatamente à Justiça. Estes generais continuam a esconder os factos à Justiça e hoje continuam a reclamar porque estes crimes caducaram porque passou muito tempo e são velhinhos», denunciou o dirigente.


Errandonea destacou que as Forças Armadas queriam combater estes documentos e que a «Justiça deve investigar tudo, a fundo». «Entendemos que o mais grave de tudo o que foi revelado nestes processos é o ocultamento, por parte das Forças Armadas, de todos os crimes que cometeram, o continuar a esconder os nossos familiares, porque, hoje em dia, os nossos familiares continuam a ser sequestrados pelos militares», frisou Errandonea, citado por La Diaria.

O porta-voz denunciou que, desde o fim da ditadura, houve sempre um poder paralelo ao democrático e que «os generais de agora continuam a amparar a impunidade e os crimes da ditadura».

Por seu lado, Elena Zaffaroni, outra dirigente da associação, lamentando a impunidade dos militares, que perdura e «nos envergonha», sublinhou a persistência da denúncia, bem como a tomada de consciência crescente entre as gerações mais novas.

Convidou ainda todos a participar numa concentração, esta sexta-feira, às 18h00, na Praça Libertad, na capital uruguaia, «com as fotos dos nossos desaparecidos», pelo fim da impunidade, pela verdade e por justiça.

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«Sabia-se tudo e nos centros de detenção também, mas o que acontece é que são bastante impermeáveis ao fornecimento de informação, devido ao espírito de corpo, à ideologia ou ao receio da estrutura hierárquica», destacou, citado pela Prensa Latina.

Considerou que, se é bastante difícil pensar em procurar arquivos em todas as instalações do Estado, poder-se-ia pensar em procurá-los nas unidades militares onde houve bases do Órgão Coordenador de Operações Anti-subversivas (OCOA), o que «já limita bastante o raio».

No que respeita aos arquivos recentemente encontrados em instalações militares, que foram entregues ao organismo pelo presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, e pelo ministro da Defesa, Javier García, disse que não trazem elementos que possam alterar o curso das investigações sobre detidos desaparecidos.

Familiares de desaparecidos também reclamam informação militar

Um representante da associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos durante a ditadura (1973-1985) sublinhou, no passado fim-de-semana, a falta de respostas do governo às iniciativas propostas com vista ao esclarecimento daquela etapa da história recente do país.

Há aproximadamente um ano, a associação pediu ao executivo que começasse a procurar no Comando da Região Militar Um um arquivo do OCOA, de modo a esclarecer questões sobre os desaparecidos.

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Justiça italiana condena 24 envolvidos na Operação Condor

Entre os condenados figuram políticos, ex-chefes de Estado e militares ligados ao assassinato, tortura e desaparecimento de italianos no Chile, Peru, Uruguai e Bolívia nos anos 70 e 80.

Milhares de pessoas na Marcha do Silêncio, em Montevideu CréditosSarah Yanez-Richards / EPA

A Justiça italiana condenou, esta segunda-feira, a prisão perpétua 24 envolvidos na Operação Condor. Entre os condenados estão ex-chefes de Estado, ministros e figuras destacadas dos serviços militares e de segurança de Bolívia, Chile, Peru e Uruguai, acusados de sequestrar e assassinar 23 cidadãos de origem italiana que viviam em países sul-americanos nas décadas de 1970 e 1980, informa a Agência Brasil.

A chamada Operação Condor foi uma estratégia político-militar da CIA em coordenação com ditaduras do Cone Sul, levada a cabo nos anos 70 e 80 do século passado com o propósito de coordenar a repressão sobre a oposição a essas ditaduras – no Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai – e eliminar os adversários políticos (dirigentes de partidos de esquerda, sindicalistas, manifestantes, entre outros).

Com a decisão ontem tomada, o Tribunal de Apelação de Roma alterou a sentença de primeira instância, proferida em 2017, de acordo com a qual oito réus eram condenados a prisão perpétua e 19 eram absolvidos, por delitos prescritos.

O processo teve início há 20 anos, em 1999, com a denúncia, formulada em Itália, de familiares de desaparecidos. Inicialmente, a investigação incluía 140 pessoas, mas problemas burocráticos ligados à morte de muitos dos suspeitos reduziram o número de réus, refere a Agência Brasil.

Um dos condenados é o ex-militar uruguaio Jorge Néstor Troccoli, que foi o único a comparecer ao julgamento, uma vez que também tem nacionalidade italiana e reside no país transalpino desde 2007, quando fugiu do Uruguai, depois de ter confessado o seu envolvimento em torturas.


Troccoli, chefe do serviço de inteligência do Corpo de Fuzileiros Navais do Uruguai, foi acusado de ligação ao aparelho de repressão argentino, com o qual executava o planeamento de assassinatos. Em Abril deste ano, o governo uruguaio enviou à Justiça italiana informações de acordo com as quais Troccoli teria participado na organização de um voo que levou ao desaparecimento de 22 uruguaios.

Em primeira instância foram condenadas a pena perpétua o ditador boliviano Luis García Meza, falecido em Abril de 2018, e o seu ministro do Interior, Luis Arce Gómez. Também o antigo presidente peruano Francisco Morales Bermúdez, o seu primeiro-ministro, Pedro Richter Prada, falecido em Julho de 2017, o ex-militar peruano Germán Ruiz. Ainda os chilenos Hernán Ramírez e Rafael Ahumada Valderrama, e o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros uruguaio Juan Carlos Blanco.

A estes, juntam-se agora os ex-militares chilenos Pedro Octavio Espinoza Bravo, Daniel Aguirre Mora, Carlos Luco Astroza, Orlando Moreno Vásquez e Manuel Abraham Vásquez Chauan, indica o Resumen Latinoamericano.

Foram também condenados os ex-militares uruguaios José Ricardo Arab, José Nino Gavazzo, Juan Carlos Larcebeau, Pedro Antonio Mato, Luis Alfredo Maurente, Ricardo José Medina, Ernesto Avelino Ramas Pereira, José Sande Lima, Jorge Alberto Silveira, Ernesto Soca e Gilberto Vázquez.

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O familiar defendeu que ali existia informação, na medida em que o OCOA centralizava todas as operações de repressão de outras unidades, por vezes policiais, principalmente em Montevideu e Canelones.

De acordo com o semanário Brecha, o silêncio presidencial ao pedido feito pelo familiar pode ficar a dever-se às reacções que provocou nos diversos níveis das Forças Armadas.

«O problema da documentação sobre o terrorismo de Estado é tão hermético como um pacto de silêncio dos oficiais envolvidos», disse, acrescentando que o governo, mesmo com vontade de avançar, «não tem, pelo menos agora, força suficiente para derrubar muros».

A 20 de Maio, 26.ª Marcha do Silêncio

Em contexto de pandemia de Covid-19, a 26.ª edição da Marcha do Silêncio, que se realizou pela primeira vez em 1996, assume um formato mais virtual, mas também com «corredores» nas ruas de Montevideu, e tem como lema «Onde estão? Não ao silêncio nem à impunidade. Memória, Verdade e Justiça».

Organizada pela associação Mães e Familiares de Uruguaios Detidos e Desaparecidos, a Marcha do Silêncio também se realiza noutros pontos do país austral e evoca os assassinatos, perpetrados a 20 de Maio de 1976 em Buenos Aires, do senador da Frente Ampla Zelmar Michelini, do deputado do Partido Nacional Héctor Gutiérrez Ruiz e de Rosario Barredo e William Whitelaw, bem como o desaparecimento do comunista Manuel Liberoff, a 19 de Maio de 1976, também na capital argentina.

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Os militares mantiveram um papel de destaque no Uruguai durante o governo do presidente Julio María Sanguinetti, afirma a Crysol, dando como exemplo disso a Lei da Caducidade de 1986, que impediu que membros da instituição armada fossem julgados como «criminosos» por acções cometidas na ditadura.

«Quase 200 detidos desaparecidos. 200 assassinados. Milhares de presos políticos e exilados. A ditadura cívico-militar deixou um saldo trágico para o país inteiro em matéria de violações dos direitos humanos mas também noutras esferas da vida. Os trabalhadores perderam 50% do poder de compra dos seus salários. Uma enorme massa de dinheiro foi destinada às arcas dos grupos económicos poderosos, os "malla de oro" da época, que apoiaram o processo», sublinha a associação.

Também a propósito do 48.º aniversário do golpe de Estado que instaurou a ditadura no Uruguai, a associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos publicou um vídeo editado pelo Colectivo Catalejo, com os lemas «Nunca mais» e «Onde estão?».

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No princípio, nos anos 80, «as mães procuravam os seus filhos, as esposas os seus companheiros, os seus irmãos e era, como início, o desespero pelas suas vidas», disse. Depois, veio um «manto de silêncio» e a nível legislativo procurou-se «encerrar o assunto», «fazer com que não houvesse uma condenação».

Então, frisou, ficou apenas um grupo de três ou quatro mães a reunir-se porque cada um foi à sua vida. Por isso, considera «espectacular» a adesão paulatina das pessoas, sublinhando que «o coração desta luta é a entrega dos desaparecidos, a procura dos arquivos que contêm a informação, em vez dos papéis provenientes do Ministério da Defesa, que não ajudam muito».

Elena Zaffaroni enfatizou a importância do acesso aos arquivos existentes, porque aquilo a que a associação pôde aceder confirma que existiu uma «operação institucional, que os desaparecimentos se deram no quadro do terrorismo de Estado, em detenções massivas da população mas também selectivas», sem que se saiba por que os altos comandos seleccionaram aqueles.

 Questionada pela Caras y Caretas sobre a existência de «documentos ocultos» sobre as vítimas, a ex-presa política manifestou essa convicção e lembrou a metodologia dos aparelhos da repressão da ditadura, que tudo anotava, bem como o facto de determinados arquivos terem «dado à costa» nos últimos anos.

Zaffaroni afirmou que nenhum dos presidentes da democracia lhes conseguiu estes arquivos. «Deixou de ser um assunto dos familiares apenas e entende-se que é um tema do presente, da qualidade da democracia, que diz respeito e nos condiciona a todos», disse.

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Reclamam no Uruguai acesso a arquivos militares da ditadura

A associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos reclamou, terça-feira, o acesso a arquivos militares recentemente encontrados e com informação sobre actividades repressivas na ditadura.

Milhares de pessoas participam na Marcha do Silêncio celebrada em 2019, em Montevideu CréditosSarah Yanez-Richards / EPA

No fim-de-semana passado, o Ministério uruguaio da Defesa revelou que tinham sido encontrados arquivos militares com informações sobre a repressão, na base de artilharia número cinco de Montevideu, que funcionou como centro de detenção de presos políticos e onde estiveram detidas cerca de 100 pessoas.

De acordo com diário El País, a que a agência Prensa Latina faz referência, as informações, posteriores ao golpe de Estado de 1973, estão contidas em cinco livros e dois dossiês, e dizem respeito a ordens e investigações de pessoas, ao Serviço de Informação e Defesa (SID) e ao Órgão Coordenador de Operações Anti-subversivas (OCOA).

Referiu a mesma fonte que os documentos, previamente digitalizados, iriam ser entregues, ainda ontem, ao presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, e ao ministro da Defesa, Javier García, bem como ao procurador-geral, Jorge Díaz, e à Instituição Nacional de Direitos Humanos (INDH).

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Familiares de desaparecidos no Uruguai exigem fim da impunidade

A associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos acusa as Forças Armadas de ocultar informação sobre atrocidades cometidas na ditadura (1973-85), ao apresentar novos documentos.

A associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos denuncia a impunidade dos militares que perdura no Uruguai e afirma que existe um poder paralelo ao democrático, o dos «generais que amparam a tortura e os crimes da ditadura»
Créditos / Prensa Latina

Um coronel preso por crimes na ditadura do Uruguai admitiu ter matado e torturado, e confirmou um voo clandestino com prisioneiros na Argentina que estavam desaparecidos, segundo documentos oficiais divulgados na sexta-feira passada.

«Tive de matar e matei e não me arrependo. Tive de torturar e torturei», disse o coronel reformado Gilberto Vázquez num Tribunal de Honra militar em 2006 e cujas actas foram agora reveladas, informa a agência AFP. «Perco muitas noites de sono ao lembrar-me dos tipos que matei à paulada, mas não me arrependo», acrescentou Vázquez, que foi condenado, há 14 anos, pelo homicídio de 28 uruguaios capturados em 1976 na Argentina.

Os autos do processo foram obtidos pela organização Mães e Familiares de Presos Uruguaios Desaparecidos, que os disponibilizou ao Senado. Entretanto, o organismo teve acesso a um segundo pacote de documentos, na sequência de um pedido efectuado ao Ministério da Defesa, deferido pelo ministro da tutela.

Neste segundo pacote, aparece uma carta de Gilberto Vázquez em que este admite ter sido felicitado por altas patentes militares por ter «executado numerosas pessoas, sequestrado e oprimido em vários países», revelaram representantes do organismo, esta terça-feira, numa conferência de imprensa em Montevideu.

Por isso, os Familiares dos Presos Desaparecidos pediram ao sistema político que dê «sinais claros» de que «os militares devem prestar contas à Justiça».

«Os nossos familiares continuam a ser sequestrados pelos militares»

O Tribunal de Honra Militar declarou Gilberto Vázquez culpado «por ter ofendido a honra [das Forças Armadas]», mas «não por todas as atrocidades que confessou no tribunal e na carta assinada», disse o porta-voz da associação, Ignacio Errandonea.

«Onde está a honra dos generais? A resposta do comando foi que se comunicaria oportunamente, quando a sua obrigação era denunciar imediatamente à Justiça. Estes generais continuam a esconder os factos à Justiça e hoje continuam a reclamar porque estes crimes caducaram porque passou muito tempo e são velhinhos», denunciou o dirigente.


Errandonea destacou que as Forças Armadas queriam combater estes documentos e que a «Justiça deve investigar tudo, a fundo». «Entendemos que o mais grave de tudo o que foi revelado nestes processos é o ocultamento, por parte das Forças Armadas, de todos os crimes que cometeram, o continuar a esconder os nossos familiares, porque, hoje em dia, os nossos familiares continuam a ser sequestrados pelos militares», frisou Errandonea, citado por La Diaria.

O porta-voz denunciou que, desde o fim da ditadura, houve sempre um poder paralelo ao democrático e que «os generais de agora continuam a amparar a impunidade e os crimes da ditadura».

Por seu lado, Elena Zaffaroni, outra dirigente da associação, lamentando a impunidade dos militares, que perdura e «nos envergonha», sublinhou a persistência da denúncia, bem como a tomada de consciência crescente entre as gerações mais novas.

Convidou ainda todos a participar numa concentração, esta sexta-feira, às 18h00, na Praça Libertad, na capital uruguaia, «com as fotos dos nossos desaparecidos», pelo fim da impunidade, pela verdade e por justiça.

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Cabe-lhes verificar a importância dos escritos encontrados, que abrangem o período entre 1972 e 1976, para ligar nomes, operações ou investigações e proceder da forma que entenderem adequada.

Para Elena Zaffaroni, uma das dirigentes da associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos, os documentos encontrados confirmam que, desde o regresso à democracia, em 1985, «a informação existe», sendo que «continua espalhada por todos os quartéis que operaram durante a ditadura».

Zaffaroni defendeu que as Forças Armadas têm de mudar de atitude e exigir às suas unidades que «façam aparecer tudo quanto permita chegar ao fundo» do passado recente e fazer justiça.

A revelação destes documentos agora encontrados ocorreu 11 dias antes do 20 de Maio, data em que habitualmente se realiza a Marcha do Silêncio, para reivindicar a verdade sobre o paradeiro dos presos desaparecidos e o que se passou na ditadura. Este ano, a marcha terá um formato virtual, devido à incidência da pandemia de Covid-19.

Arquivos militares estão a ser avaliados

O procurador-geral do Uruguai, Jorge Díaz, revelou que os documentos militares sobre a ditadura contêm informação valiosa sobre crimes perpetrados nesse contexto.

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Uruguai: o terror da ditadura plasmado num mapa interactivo

A busca de memória e verdade tem no portal Sitios de la Memoria Uruguay uma das suas trincheiras. Um recurso didáctico, construído à base de militância, com informação sobre vítimas, verdugos e processos.

Milhares de pessoas participaram na 24.ª Marcha do Silêncio, em Montevideu
Milhares de pessoas participaram na 24.ª Marcha do Silêncio, em Maio de 2019, em Montevideu Créditos / radiouruguay.uy

A punição dos verdugos da última ditadura, no Uruguai, continua a ser um processo lento e parcial, afirma o diário argentino Página 12 na sua edição de ontem. No entanto, a busca de memória e verdade foi criando os seus próprios caminhos, à força de militância.

Um deles plasmou-se no portal Sitios de Memoria Uruguay, onde se pode encontrar um mapa interactivo do país repleto de informação sobre cada lugar onde o terrorismo de Estado deixou a sua marca. «O objectivo do projecto é identificar, visibilizar, ligar e disponibilizar a informação sobre os locais a partir de onde se organizaram e cometeram crimes contra a humanidade», informa a página.

Território minado

Num primeiro momento foram alfinetes num mapa de papel. Esse foi o gérmen do Sitios de Memoria Uruguay, segundo contam ao Página 12 os criadores da página. Estava-se em 2018, no governo do recentemente falecido Tabaré Vázquez. O Congresso uruguaio tinha aprovado uma lei que possibilitava a criação de espaços da memória no país.

«Nessa altura começámos a pensar uma página que concretizasse a possibilidade de um mapeamento e uma geo-referenciação, incorporando informação significativa sobre as lutas por Memória, Verdade e Justiça», refere a investigadora Mariana Risso.

Uma vez traçado o plano, era preciso reunir os materiais. «Existiam muitas fontes dispersas que tinham sistematizado cada uma por seu lado a informação sobre cárceres de presos políticos, centros de detenção clandestinos, uma delas, muito importante, levada a cabo pela central sindical PIT-CNT. Aquilo que fizemos foi incorporar todas essas fontes num espaço interactivo», comenta Rodrigo Barbajo, líder da parte informática do projecto. A página viu a luz pela primeira vez a 1 de Outubro do ano passado.

Os alfinetes digitalizaram-se e agora aparecem como pontos coloridos num mapa virtual. «Uma pessoa pode procurar o seu bairro e descobrir que a poucos quarteirões da sua casa existiu um Centro Clandestino de Detenção e Tortura. Nós localizámos mais de 140 no mapa, quando apenas uns 40 estão identificados no seu lugar físico», conta María Eugenia Sotelo, outra das responsáveis do projecto.

Além disso, pode-se aceder ao ficheiro completo dos 176 uruguaios que continuam desaparecidos, bem como dos 192 que foram assassinados pela violência estatal no Uruguai, na Argentina e noutros países da região. «A maior parte das detenções e desaparecimentos de pessoas de nacionalidade uruguaia deu-se no contexto do Plano Condor, e desapareceram na Argentina», refere Risso. Em breve, o site publicará um apartado especial para as vítimas da acção repressiva coordenada pelas ditaduras do continente.

Outra característica do terrorismo de Estado uruguaio é que muitas das suas vítimas tiveram de atravessar períodos de prisão e torturas prolongados. «Isto fez com que a Amnistia Internacional informasse em 1978 que o Uruguai era o país com mais presos políticos por habitante. Aqui, houve pessoas que estiveram 12 ou 14 anos presas», diz Sotelo. Um deles foi o ex-presidente José «Pepe» Mujica, que, com outros dirigentes do Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros, sofreu tormentos físicos e psicológicos durante 13 anos.

Barreiras contra a verdade

Recolher a informação de fontes tão diversas era e é o grande desafio. Trata-se de informação que na maioria dos casos não está sistematizada. O Uruguai enfrentou múltiplas barreiras para começar a conhecer a verdade sobre os crimes cometidos pela ditadura liderada por Juan María Bordaberry em 1973, bem como sobre a acção ilegal do Estado durante o período que antecedeu o golpe.


«Os entraves judiciais foram sistemáticos e persistentes, apoiados em todos os governos, mais fortemente no período anterior à chegada da Frente Ampla ao poder», aponta Risso. Depois do regresso à democracia, em 1985, os militares uruguaios conseguiram a sua amnistia com a «Ley de Caducidad de la Pretensión Punitiva del Estado», aprovada em 1986 sob ameaça de um novo levantamento militar. «É uma lei sinistra porque ainda obrigava o Poder Judicial a perguntar ao Poder Executivo se podia julgar determinado crime contra a humanidade», defende a investigadora. Houve dois plebiscitos no Uruguai que tentaram acabar com esta lei. O de 1989 teve 42,4% dos votos, e o de 2009 alcançou 47,7%. Ou seja, nenhum conseguiu passar a barreira dos 50% para deitar abaixo a lei.

No entanto, em 2005, durante a primeira presidência de Vázquez, deu-se um primeiro passo para começar a julgar os militares. «O presidente permitiu que se investigassem os desaparecimentos forçados. Depois, em 2011, aprovaram-se leis que na prática acabam por revogar a "Ley de Caducidad"», diz Risso.

Desde 2011, teve início uma enorme reactivação de processos por tortura e prisão prolongada. Até à data, houve 281 processos no Uruguai e foram indiciados e/ou condenados 46 verdugos. Destes, 32 faziam parte das Forças Armadas. Só dois membros do governo civil da ditadura foram condenados. Um deles foi Bordaberry, condenado a 30 anos de prisão. Esteve preso desde 2006 até morrer, em 2011. A lista completa dos processos está disponível na página.

Nos últimos anos, no Uruguai, começou a ganhar maior visibilidade uma retórica militarista. Guido Mannini Ríos, ex-comandante em chefe do Exército, aparece à cabeça deste movimento que nega as atrocidades cometidas durante a ditadura. O seu partido, Cabildo Abierto, integra a Coalición Multicolor que levou à presidência Luis Lacalle Pou, em 2019. «É algo que, se sempre existiu, agora tem uma representação parlamentar muito forte, e no Poder Executivo. O horror tenta sistematicamente ser negado, como uma forma de que os seus executantes possam continuar a ter apoio político-social», defende Risso.

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Em declarações à imprensa, disse que se apercebeu do facto depois de uma primeira leitura e que a avaliação vai prosseguir, para depois atribuir provas à Procuradoria especializada em crimes contra a humanidade imprescritíveis e a outras autoridades processuais, indica a Prensa Latina.

Por seu lado, o presidente da INDH, Wilder Tayler, referiu-se aos militares reformados que continuam sem comunicar aquilo que sabem sobre o período da ditadura (1973-1985).

Considerou apressado dizer que existe uma mudança de atitude por parte das Forças Armadas, porque, se assim fosse, «fariam um apelo público para que os militares retirados que têm algum tipo de informação a providenciassem voluntariamente e não nos obrigassem a investigá-la», disse.

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Sobre algumas condenações existentes, disse que há «sentenças interessantes», mas que «a Justiça tem de ser sobre toda a operação, porque não foram actos individuais, embora existam perpetradores individuais».

«A detenção, a tortura, o desaparecimento foram uma política de um Estado ditatorial comandada por instituições repressoras onde continuaram os mesmos exactamente como até agora», afirmou, referindo-se sobretudo ao Exército, de onde provém o senador Manini, do Cabildo Abierto (extrema-direita).

Sobre a actuação deste partido «da apologia do golpe de Estado», sentado no Parlamento, a questionar os crimes contra a humanidade e a pôr em causa uma série avanços alcançados em termos de direitos humanos, Zaffaroni diz que as culpas são dos governantes que, desde 1985 até à data, confiaram na impunidade, condenaram os uruguaios a essa impunidade, «a de acreditar que se ia mudar ou avançar […] sem verdade e justiça».

A Marcha do Silêncio existe porque são necessárias respostas e para que «a sociedade não naturalize a impunidade». «É preciso mudar isto», defendeu Elena Zaffaroni.

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«O papel de Suzacq era, por exemplo, reanimar os detidos quando sofriam uma paragem cardíaca durante as torturas», disse Zaffaroni ao Página 12.

De acordo com a dirigente da associação de familiares dos 192 desaparecidos durante a ditadura, anos mais tarde uma outra vítima soube que Suzacq ia ao Uruguai todos os fins de ano para estar com a família e que residia em Madrid, onde tinha uma clínica de medicina.

Investigando na lista telefónica espanhola, procuraram médicos com o seu apelido e conseguiram dar com ele, que reconheceu ter estado no «Sexto de Cavalaria» na época, mas disse nada saber sobre o desaparecimento de González e desligou o telefone.

Esperando que se concretize a extradição, Zaffaroni sublinhou que «é muito importante que os envolvidos venham e prestem depoimentos no Uruguai, para tratar todas as questões que ficaram por resolver».

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