A uma semana do lançamento dos 107 mísseis da «tríplice aliança» contra a Síria, e ouvidos os diferentes pronunciamentos posteriores de dirigentes dos agressores e agredidos, e espectadores de bancada, concertando tudo com o caso Skripal – o acto falhado preparatório destes bombardeamentos – importa rebobinar tudo, para sublinhar alguns factos.
A primeira questão que se nos ocorre é que os EUA, o Reino Unido e os grupos terroristas que têm apoiado, na guerra que decorre há mais de sete anos contra a Síria, perderam essa guerra. Restam algumas bolsas de resistência ao avanço do exército sírio e um problema de ocupação militar de alguns pontos por recursos bélicos da França, dos EUA e da Turquia (esta a pretexto do combate às FDS, aliás YPG, aliás PKK, apoiadas pela França). Tudo indica, face aos magros resultados obtidos com este bombardeamento, que o que estas potências procuraram foi mostrar algum «músculo» numa batalha perdida, dar algum alento aos comentadores que há anos tornaram a Síria a linha vermelha da sua inteligência.
A segunda é que as acusações invocadas para esta acção não foram provadas, tudo indicando que estamos perante duas encenações semelhantes às de Colin Powell, em 2003, quando este utilizou acusações falsas, invocando a posse de armas de destruição maciça pelo Iraque, para justificar a invasão deste país.
O enforcamento de Saddam Hussein foi transmitido urbi et orbi, como os serviços secretos norte-americanos tinham feito antes com o assassinato de Nicolae Ceausescu e fizeram depois com Muammar Khadafi – os quais, com as responsabilidades que lhes pudessem ter sido atribuídas, deveriam ter tido direito a julgamentos justos. O Iraque, depois o Afeganistão, as «primaveras árabes» no norte de África tornaram-se, pela mão dos EUA e da NATO, num processo de guerra permanente que não parou e que se iria estender à Síria e Irão, para depois seguir para a Rússia e antigas repúblicas asiáticas federadas na então URSS.
O desenho deste projecto está feito em documentos oficiais dos EUA, e perante ele, cada vez menos invocam uma suposta «teoria da conspiração».
A terceira tem a ver com as acusações, em si mesmas. No primeiro caso à Rússia e no segundo à Síria e à Rússia.
No caso Skripal, quer o laboratório militar de Porton Down quer a Organização para a Proibição de Armas Químicas (em inglês OPCW) não identificaram o agente químico responsável pelo envenenamento. O laboratório suíço Spiez, de referência mundial, consultado pela OPCW, identificou-o como sendo o BZ, produzido nos EUA e no Reino Unido e utilizado por países da NATO, e nunca produzido na Rússia ou, antes, na URSS.
No caso do bombardeamento em Duma, a acusação foi feita pelos «capacetes brancos» – que organizaram cenas do que teria ocorrido e as passaram nos media de todo o mundo. Segundo eles teria sido cloro o gás utilizado. Os dirigentes dos EUA, Reino Unido e França assinaram por baixo. Na véspera dos ataques, quando Trump parecia hesitante e a valorizar preferencialmente os esforços diplomáticos, e Macron aparecia decidido a atacar, o representante permanente da Síria nas Nações Unidas Bashar al-Jaafari disse que o governo sírio ia facilitar o acesso da equipa da OPCW a qualquer ponto a que quisessem ir em Duma - bairro de Goutha Oriental onde a França invocou ter sido usado o gás Cloro. O diplomata disse que a OPCW informou o governo sírio que enviaria uma equipa à Síria, cujos membros chegariam na quinta e na sexta-feira (dias 12 e 13 de Abril). Os militares russos especialistas no reconhecimento destes gases (são vários os que poderão ser usados ilegalmente) tinham dois dias antes declarado não ter encontrado pessoas que tivessem estado envolvidas no incidente nem terem reconhecido a presença destes gases.
À inspecção a ser feita pela OPCW preferiram os seus representantes no Conselho de Segurança optar por uma “inspecção independente”, que revelava desconfiança em relação à OPCW, e que foi vetada pela Rússia. O bombardeamento a instalações onde supostamente seriam fabricadas armas químicas, provavelmente, impediu que pudessem ser agora inspeccionadas.
Mais «provas irrefutáveis» a serem refutadas no futuro, como as do Iraque?
A quarta questão tem a ver com uma atitude assumida nas investigações criminais resumida na resposta à pergunta «a quem aproveita o crime?». Seria incompreensível que a Síria, que estava a vencer esta guerra, fosse recorrer a tal crime, ao mesmo tempo que tem estado a recuperar habitantes de Ghouta e a deixar sair para outros pontos do país os terroristas de quatro diferentes grupos que mantinham esses habitantes reféns? Inverosímil, diria Poirot.
A quinta questão é a consequência que o agravamento dos conflitos vão ter para relações internacionais já tensas, onde sanções anteriores e as expulsões de diplomatas vieram ao arrepio de uma influência pacificadora e de procura de desanuviamento e cooperação económica de vantagens mútuas para que a Rússia estava a contribuir no Médio Oriente. Para além do papel até mais vasto que, nestas direcções, a China está a ter e contra a qual os EUA procuram atiçar uma guerra comercial.
A sexta, a necessidade que EUA, Inglaterra e França têm de fazer prova de vida, desproporcionada, numa época histórica em que a sua influência, à escala universal, se reduziu em diferentes vertentes, e em que a solidez do apoio interno dos seus cidadãos tem decaído face às políticas antissociais que têm realizado. Gastaram muitos milhões de dólares com os bombardeamentos, terão ferido umas dezenas de pessoas, mas ficaram mais isolados.
A sétima, a projecção mundial que Macron foi construindo de si mesmo e que agora, assumindo-se como comandante-em-chefe das forças atacantes, chegou às épicas declarações de ter sido pessoalmente responsável pela alteração na recente posição de Trump de sair da Síria, o que a Casa Branca desmentiu hoje.
E uma oitava, entre outras possíveis, foram as lamentáveis afirmações de Macelo Rebelo de Sousa e Santos Silva, desprestigiantes para o nosso país, de assumirem as «dores» dos «aliados e amigos» e as suas provas «irrefutáveis» – que daqui a uns anos se revelarão inexistentes como as do Iraque em 2003, através dos media que agora os apoiaram – fruto das pulsões obsessivo-compulsivas das hipocondrias imperialistas.
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