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O forte espírito de emancipação palestiniano

No meio da devastação de Gaza, o espírito persistente do povo palestiniano, ou sumud, é exemplificado pelas histórias de prisioneiros políticos como Khalida Jarrar.

Khalida Jarrar, após ter sido libertada de uma prisão israelita, em Junho de 2016Créditos / Peoples Dispatch

É impossível engarrafar esta sensibilidade. Toda a Faixa de Gaza está em ruínas. Milhões de palestinianos enfrentaram o Inverno em tendas improvisadas ou em edifícios em ruínas, com as suas crianças a congelar (algumas morreram congeladas) e a fome a aumentar. O cheiro da vingança israelita está por todo o lado. O som dos tanques e o silêncio aterrador das bombas que caem abalam os nervos até do combatente mais duro. No entanto, as unidades armadas da resistência palestiniana continuam a disparar as suas munições esgotadas contra as tropas israelitas. Ao mesmo tempo, crianças correm entre os destroços tóxicos com bandeiras palestinianas hasteadas.

Actualmente, há um cessar-fogo. Mas este é o ritmo da história palestiniana desde, pelo menos, 1948: ocupação, guerra, cessar-fogo e, por baixo de tudo, a ocupação constante e a ameaça de guerra e, no entanto, o desafio e os sorrisos. No léxico da resistência palestiniana, a palavra sumud, utilizada pela primeira vez na década de 1960 pela Organização de Libertação da Palestina, é tudo: significa desafiar, ser firme, agarrar-se à sua terra apesar da ocupação israelita. É pegar na chave da nossa casa palestiniana anterior a 1948 e erguê-la.

Quando Khalida Jarrar surgiu no meio da multidão de apoiantes, depois de meses nas cruéis masmorras de Israel, disse: «Estou a sair da solitária. Ainda não acredito. Estou um pouco cansada». Jarrar, uma das líderes da Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP), tem entrado e saído das prisões israelitas durante quase toda a sua vida adulta. A sua primeira detenção foi em Março de 1989, quando participou numa marcha para o Dia Internacional da Mulher. Acompanhei o seu percurso dentro e fora da prisão, catalogando a sua angústia quando os seus captores a impediram de estar presente nos funerais do pai (2015), da mãe (2018) e da filha Suha (2021). Jarrar é um dos milhares de palestinianos que estão detidos em prisões israelitas sob «detenção administrativa», um rótulo falso que justifica a prisão por tempo indeterminado sem acusação.

«Actualmente, há um cessar-fogo. Mas este é o ritmo da história palestiniana desde, pelo menos, 1948: ocupação, guerra, cessar-fogo e, por baixo de tudo, a ocupação constante e a ameaça de guerra e, no entanto, o desafio e os sorrisos.»

De cada vez que Jarrar ia para a prisão, o comportamento dos seus captores israelitas era cada vez mais duro. Desta vez, detida durante o genocídio, em Dezembro de 2023, foi colocada numa cela com pouca ventilação e não conseguia respirar com facilidade. O seu marido, Ghassan Jarrar, leu uma declaração sua de Agosto de 2024:

«Morro todos os dias. A cela parece uma caixa minúscula e hermética. A cela está equipada com uma sanita e uma pequena janela por cima, que foi fechada um dia depois de eu ter sido transferida para lá. Não me deixaram qualquer espaço para respirar. Até a chamada vigia da porta da cela estava fechada. Passo a maior parte do tempo sentada junto a uma pequena abertura que me permite respirar. Espero que as horas passem enquanto sufoco na minha cela, na esperança de encontrar moléculas de oxigénio para respirar e sobreviver.»

A histórica dirigente da Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP), Khalida Jarrar, é saudada por familiares quando chega a Ramallah, às primeiras horas do dia 20 de Janeiro de 2025, vinda da prisão militar israelita de Ofer, na cidade de Ramallah, na Cisjordânia ocupada CréditosAlaa Badarneh / EPA

Agora, Jarrar deixa a prisão juntamente com outros 90 prisioneiros palestinianos que foram trocados por três prisioneiros israelitas na primeira parte do acordo de cessar-fogo. As histórias dos prisioneiros são espantosas e revoltantes. Os israelitas prenderam uma jovem palestiniana (Shatha Jarabaa) por ter escrito nas redes sociais sobre a «brutalidade» do genocídio. Outro jovem (Zakaria Zubeidi), do Teatro da Liberdade, em Jenin, foi detido sob suspeita de ser terrorista.

Duas outras mulheres da FPLP, Abla Sa'adat e Maysar Faqih, foram detidas pelos israelitas sem qualquer acusação e mantidas em prisão administrativa, como parte da estratégia geral israelita de impedir os grupos palestinianos de exercerem actividades políticas. O líder da FPLP, Ahmad Sa'adat, está na prisão há décadas e provavelmente só será libertado quando a ocupação terminar. Há décadas que faz parte da agenda israelita enfraquecer a esquerda palestiniana – em especial a FPLP – e, desse modo, reforçar as forças islamistas. Isto permite-lhes fazer crer, falsamente, que se trata de uma guerra contra o islamismo e não de uma campanha brutal para extinguir a nação palestiniana.

É a ocupação

Em Agosto de 2014, soldados israelitas cercaram a casa de Khalida e Ghassan Jarrar. Vieram informar Khalida Jarrar de que estava proibida de sair da sua casa em Ramallah e que tinha de se restringir à cidade de Jericó. «É a ocupação que tem de abandonar a nossa pátria», diz ela aos soldados. Depois, ela e os seus camaradas montaram uma tenda em frente à sede do Conselho Legislativo Palestiniano e aí viveram. Os israelitas tiveram de recuar. Havia demasiada pressão internacional sobre eles.

«As histórias dos prisioneiros são espantosas e revoltantes. Os israelitas prenderam uma jovem palestiniana (Shatha Jarabaa) por ter escrito nas redes sociais sobre a "brutalidade" do genocídio. Outro jovem (Zakaria Zubeidi), do Teatro da Liberdade, em Jenin, foi detido sob suspeita de ser terrorista.»

As pessoas sob ocupação são pessoas presas. Os palestinianos em Jerusalém Oriental, em Gaza e na Cisjordânia – o Território Palestiniano Ocupado, como lhe chamam as Nações Unidas – não têm liberdade de movimentos. Estão enjaulados. Aqueles que querem quebrar a jaula são ainda mais presos nas terríveis condições das prisões israelitas. Não admira, portanto, que Khalida Jarrar tenha sido, de 1993 a 2005, directora da Addameer, uma organização sem fins lucrativos que presta apoio aos prisioneiros. Quando não está numa prisão israelita, tem estado a trabalhar num projecto de investigação para o Instituto Muwatin para a Democracia e os Direitos Humanos da Universidade de Birzeit sobre «As dimensões de classe e de género do movimento dos prisioneiros palestinianos e as suas implicações para o projecto de libertação nacional».

É provável que, daqui a alguns dias, Jarrar saia de casa, faça um discurso e depois volte a trabalhar no seu projecto. Feita de aço e de amor, Jarrar é incansável. Tal como os palestinianos que estão a regressar lentamente às suas casas destruídas em Gaza, procurando fotografias perdidas e os poucos pertences que restam; as raízes que não foram cortadas.


Artigo republicado no âmbito de uma parceria com a Globetrotter, traduzido e editado pelo AbrilAbril

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