|vijay prashad

Trump International Hotel e Torre, Gaza

Os palestinianos não estão a clamar por uma torre dourada. O que eles querem são as suas casas.

CréditosShawn Thew; POOL / EPA

Donald Trump falou aos jornalistas durante mais de três horas no Air Force One, a caminho da Super Bowl em Nova Orleães, no dia 9 de Fevereiro. Não ficou claro para os jornalistas que transmitiram os seus comentários se Trump estava a falar como Presidente dos Estados Unidos, como membro das Nações Unidas ou como magnata do imobiliário. Gaza, disse, é um «local de demolição» que precisa de ser «nivelado» e «reparado». Como Gaza fica no Mar Mediterrâneo, Trump disse que poderia ser transformada numa nova Riviera Francesa. Segundo ele, não se trata da cena de um genocídio, mas sim de «um grande sítio imobiliário». Os Estados Unidos, disse com o seu sorriso presidencial, «vão tomar conta da Faixa de Gaza, e vamos fazer um bom trabalho com ela também».

Ao ouvirem este comentário, os palestinianos de Gaza podem ter imaginado que os Estados Unidos estariam a financiar a reconstrução de Gaza, que foi estimada pelas Nações Unidas em – no mínimo – 53 mil milhões de dólares (o custo depois de Israel ter pulverizado Gaza em 2014 foi de 2,4 mil milhões de dólares). Em 2023, o total da Ajuda ao Desenvolvimento Ultramarino dos EUA foi de 66 mil milhões de dólares e, com os cortes proclamados pelo Presidente Trump, é improvável que os EUA consigam angariar algo próximo da factura para a reconstrução de Gaza. Não havia nada de humanitário nos comentários de Trump sobre a construção da Riviera de Gaza (ou, uma vez que parece ser um presente para Israel, é mais provável que Trump imagine que seja a Riviera Azzah, usando o nome sionista para Gaza, que significa «cidade forte»). O establishment israelita, desde o início desta campanha genocida, tem dito que quer anexar Gaza, o que parece estar de acordo com a visão de Trump de tornar Gaza americana ou desenvolver Gaza como uma estância balnear para turistas americanos e colonos israelitas. Conhecendo Trump, é provável que ele queira reservar uma parte da orla marítima para si próprio e construir um Trump International Hotel and Tower com um casino anexo, só para prevenir.

Gentrificação sionista

Nada disto é uma surpresa, nem estas ideias são originais de Trump. Todo o projecto sionista imagina um Eretz Israel [Terra de Israel] que se estende desde as fronteiras com o Egipto até ao Irão. A escritura imobiliária para isto é uma linha da Bíblia: «À tua descendência dei esta terra, desde o rio do Egipto até ao grande rio Eufrates» (Génesis 15:18). Não é claro a que rio do Egipto se refere esta frase, se ao Nilo ou ao Wadi el-Arish (na Península do Sinai). Mas se o Eufrates for tomado como fronteira, então a terra que os sionistas reivindicam inclui toda a Cisjordânia e Jerusalém, o Líbano, a Jordânia, a Síria e a metade ocidental do Iraque. Há mapas deste tipo que podem ser vistos nos gabinetes dos políticos israelitas de extrema-direita (a 19 de Março [2023], o ministro das Finanças israelita, Bezalel Smotrich, discursou em Paris a partir de um pódio que exibia um mapa de Israel que incluía a Jordânia). Isto é completamente normal no mundo dos colonatos ilegais na Cisjordânia (parte do Território Palestiniano Ocupado, imposto pela ONU), a que os colonos chamam Judeia e Samaria. A sua geografia é diferente, pelo menos desde que o seu guia espiritual Ze'ev Jabotinsky escreveu em A Muralha de Ferro (1923) que os sionistas deviam construir Eretz Israel atrás de uma «muralha de ferro, ou seja, um poder forte na Palestina que não seja susceptível de qualquer pressão árabe».

Trump não é um grande leitor. Provavelmente nunca ouviu falar de Jabotinsky ou de Theodor Herzl. Provavelmente não sabe definir o sionismo. Mas sabe reconhecer uma oportunidade imobiliária quando a vê, e foi assim que entendeu a sua solução para os problemas que Israel enfrenta. No seu primeiro mandato, Trump fez o «acordo do século», os Acordos de Abraão, que levaram uma série de Estados a normalizar as relações com Israel: O Bahrein e os Emirados Árabes Unidos (Setembro de 2020), o Sudão (Outubro de 2020) e Marrocos (Dezembro de 2020). Com o Egipto (1979) e a Jordânia (1994) a terem já feito acordos de paz com Israel, o mapa começou a afastar-se dos palestinianos e a aproximar-se dos israelitas.

«Trump não é um grande leitor. Provavelmente nunca ouviu falar de Jabotinsky ou de Theodor Herzl. Provavelmente não sabe definir o sionismo. Mas sabe reconhecer uma oportunidade imobiliária quando a vê»

Os novos governos do Líbano e da Síria não estão longe de fazer os seus próprios acordos separados, e a Arábia Saudita já disse que iria normalizar com Telavive. Trump é um político “bazaari” (de mercado), que atira para o ar acordos estranhos (para Marrocos, a aceitação da sua ocupação ilegal do Sahara Ocidental) em total desrespeito pelo direito internacional. Agora está a fazer o mesmo com Gaza.

«Penso que é um grande erro permitir que as pessoas – os palestinianos, ou as pessoas que vivem em Gaza – voltem atrás mais uma vez», disse ele no Air Force One. «Não queremos que o Hamas volte atrás», disse Trump. «Os Estados Unidos vão ser donos disso». Não demorou muito para que todos os relatores especiais da ONU assinassem uma carta a condenar os comentários de Trump, apresentando o correcto argumento de que a sua ideia, se implementada, é um crime de guerra. Trump não compreende o direito internacional. Ele pensa como um gentrificador. É isso que tem feito nos Estados Unidos: despejar pessoas comuns e construir edifícios hediondos como um monumento à fabulosa riqueza de poucos. Trump, tal como os colonos ilegais, conduz a gentrificação sionista.

Silêncio

Marwan Bardawil é um engenheiro da Autoridade Palestiniana da Água. Numa conferência de imprensa pouco divulgada em Ramallah, na Palestina, Bardawil disse que 85% das instalações de água e esgotos da Faixa de Gaza foram destruídas pelo genocídio israelita. A reparação e a substituição das instalações de água e de esgotos em Gaza custarão mil milhões de dólares. A poliomielite, que foi erradicada em Gaza há um quarto de século, regressou devido ao colapso do sistema de abastecimento de água.

Os palestinianos estão a ser silenciados à medida que o debate em torno de Gaza se desenrola. Se querem um Trump International Hotel and Tower, isso é com eles, não com Trump ou Netanyahu. Mas eles não estão a clamar por uma torre dourada. O que eles querem são as suas casas. E as suas universidades. E os seus hospitais. E as fotografias dos seus familiares, que agora estão todos mortos.

Artigo republicado no âmbito de uma parceria com a Globetrotter, traduzido e editado pelo AbrilAbril

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui