Além da perda de profissionais, que são agora 16 mil, e de ter deixado de prestar atendimento a 7,7 milhões de pessoas, o número de municípios abrangidos pelo programa também diminuiu – de 4058 para menos de 3800. Estes dados, divulgados pelo Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), foram apresentados ao ex-presidente Lula da Silva por cerca de 40 profissionais da saúde membros do «Mais Médicos», que denunciaram o ataque de que o programa está a ser alvo e o seu potencial desmantelamento.
O encontro, que ocorreu no fim da semana passada no Recife, capital de Pernambuco, integrou-se nas iniciativas da «Caravana Lula pelo Brasil», no âmbito da qual o ex-presidente tem realizado um périplo pelo Nordeste, desde 16 de Agosto.
Antes da instituição do programa, em 2013, pelo governo da então presidente Dilma Rousseff, em cinco estados brasileiros havia menos de um médico para cada mil habitantes e 700 municípios não tinham acesso a nenhum médico de atendimento básico. Com o «Mais Médicos», a prestação de cuidados no atendimento básico do Sistema Único de Saúde (SUS) foi extensamente ampliada: mais de 18 mil médicos passaram a atender a população de 4058 municípios, cobrindo 72,8% das cidades brasileiras, além de 34 distritos sanitários indígenas (DSEI), revela o Brasil de Fato.
Pese embora as muitas críticas dos sectores conservadores, sobretudo por ter trazido centenas de médicos cubanos – um contingente que actua em regiões de difícil acesso, nos distritos indígenas e em municípios com altos índices de pobreza –, o programa chegou a beneficiar 64 milhões de brasileiros, sendo aprovado por 90% dos utentes, segundo indicou uma pesquisa da Universidade de Minas Gerais.
Ameaças e ataques
Apesar do êxito do «Mais Médicos» nos três primeiros anos de existência, as ameaças começaram a surgir ainda antes do afastamento de Dilma Roussef. Em Maio de 2016, Ricardo Barros, o ainda não empossado ministro da Saúde do governo Temer, anunciou a intenção de afastar os estrangeiros do programa. Já em Abril deste ano, o ministro do Planeamento, Dyogo de Oliveira, alterou a lei de financiamento do programa, eliminando a obrigatoriedade de lhe destinar 3,3 mil milhões de reais, ficando agora sujeito às «contingências de recursos». Os médicos já denunciam atrasos no pagamento dos salários.
Eulâmpio Dantas, supervisor do «Mais Médicos» em Patos, no estado da Paraíba, afirma que o desmantelamento já está em curso, «através de cortes no orçamento e da diminuição de números de profissionais do programa. Tentou-se até cancelar o contrato com os cubanos, porém, quando viram que a população se ia revoltar, refizeram o contrato. É uma batalha, porque é uma política que deu certo, que a população carente que precisa de saúde aprova», disse ao Brasil de Fato.
Dantas, que é militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), revela que o estado da Paraíba conta com 182 médicos do «Mais Médicos». «Hoje há médicos em comunidades onde nunca existiram, onde o médico ia uma vez por mês ou menos. A população sente esse impacto e esse é um dos principais factores que fazem com que esse governo não tenha realizado o desmantelamento por completo», afirmou.
Prestação de cuidados básicos
Um dos objectivos principais do «Mais Médicos» é evitar que problemas de saúde que podem ser facilmente tratados sejam motivo de internamento e complicações. «Isso faz com que o hospital diminua a sobrecarga, com que muitas doenças evitáveis não cheguem aos hospitais», explicou Dantas. A mesma ideia foi defendida por Aristóteles Cardona, médico da Família e Comunidade e professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco: segundo as estatísticas, o atendimento primário consegue resolver 80% a 85% dos problemas da população, salientou.
Cardona, que esteve presente na reunião com Lula, é supervisor do programa e trabalha na zona rural da cidade de Petrolina, em Pernambuco, que, segundo afirmou, foi um dos estados mais beneficiados pelo «Mais Médicos», com 953 médicos enviados. «Boa parte do estado, não só no sertão, sofria muito com a falta de médicos nas unidades de saúde da família. Logo de cara, com a chegada de centenas de médicos, houve um impacto muito positivo. Até hoje o que mantém o programa da forma como a gente conhece é a aprovação da população», disse.
Proximidade
A aproximação entre médico e paciente é outro dos elementos que distinguem e valorizam o programa, como sublinhou a médica Roberta Correia de Miranda, que também participou na reunião com Lula. «É a possibilidade de se ter acesso à saúde, doutor em casa, alguém que cuide de toda a sua família, chamando-te pelo nome, olhando-te no olho e perguntando o que você sente», disse.
Essa diferença no tratamento foi confirmada pela missionária Maria Aurieta Duarte Xenofonte, que trabalha desde 1974 com a população do bairro periférico de Brasília Teimosa, no Recife. Aurieta acompanhou toda a estruturação do bairro – realizada após uma visita de Lula, em 2003 –, antes formado por centenas de palafitas e marcado pela falta de saneamento básico. O «Mais Médicos» completou essa transformação.
A médica Correia de Miranda alertou ainda para a diminuição de medicamentos e o fim do «Farmácia Popular» – anunciado por Temer em Julho deste ano –, um programa que oferece medicamentos gratuitos ou um desconto que pode ir até 90%.
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