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O regresso da austeridade

Depois de uma pausa, a austeridade está de volta e em força. Volta a estar em causa o investimento público, empurrando os Estados para soluções público-privadas, para resolver problemas candentes que afetam a vida dos trabalhadores e do povo.

Sede do Banco Central Europeu, em Frankfurt, Alemanha (foto de arquivo) 
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Depois de mais de um ano de árduas negociações (onde certamente terá sido determinante o papel de Portugal e do seu protocandidato a presidente do Conselho…), os ministros das Finanças chegaram a um acordo para restabelecer em 2024 a vigência do Pacto de Estabilidade com regras ditas mais flexíveis. O acordo, já ratificado pelo Parlamento Europeu, com o voto favorável de PS, PSD e CDS, volta a impor a todos os Estados-membros a mesma austeridade, recauchutada agora com mais uma camada de retórica regulamentar, que na prática agrava ainda mais as imposições da União Europeia em matéria orçamental, reforçando os poderes da Comissão Europeia a quem cabe avaliar como, quando e sobre o quê irão incidir as despesas dos governos nacionais.

As regras do défice e da dívida, inscritas no Tratado de Maastricht, foram reforçadas pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento em 1997, que impôs as medidas preventivas e corretivas que tão bem conhecemos por termos sentido os seus efeitos na pele. Com a emergência de crises foi ficando claro que as regras do euro constrangiam de forma inaceitável os governos face às necessidades das suas economias. Entre a resposta à quebra do crescimento económico e o respeito dos limites orçamentais impostos pela Comissão Europeia, a maioria dos Estados-membros viu-se obrigada a «optar» pela segunda, juntando austeridade à crise. Até que chegou a vez da França e da Alemanha. Aí, a coisa piou mais fino e as regras foram suspensas, e ninguém foi castigado. Mas, recentemente, com a crise sanitária da covid-19 e a guerra na Ucrânia, o Pacto de Estabilidade foi novamente suspenso, numa ampla demonstração da sua completa inoperância. Mas a suspensão não poderia durar eternamente.

«O acordo, já ratificado pelo Parlamento Europeu, com o voto favorável de PS, PSD e CDS, volta a impor a todos os Estados-membros a mesma austeridade, recauchutada agora com mais uma camada de retórica regulamentar, que na prática agrava ainda mais as imposições da União Europeia em matéria orçamental (...).»

As negociações que levaram ao fim da suspensão do Pacto de Estabilidade com regras supostamente mais flexíveis decorreu num ambiente singular onde a maioria dos Estados-membros se encontra fora dos limites de Maastricht. O défice orçamental médio dos países do euro é de 3,6%. De acordo com as previsões da Comissão Europeia, dez dos vinte países que partilham o euro como moeda, incluindo França, Itália, Bélgica e Finlândia, ultrapassarão o limite considerado fatídico de 3% em 2024. Da mesma forma, doze países ultrapassaram 60 % da dívida. Sete deles, incluindo Grécia, Bélgica, Itália e França, têm dívidas superiores a 100%. Ou seja, com o fim da suspensão do Pacto de estabilidade, espera-se que a Comissão inicie sem demora vários procedimentos por «défices excessivos» contra certos Estados-membros, incluindo França e Itália. Entretanto, os EUA continuam com uma dívida pública de 125% do PIB e o Japão de 260% do PIB, sem que haja qualquer sinal de pânico.

Vale a pena, no quadro desta anunciada «flexibilização das regras» do euro, perguntar: os limites da dívida (60% do PIB) e do défice (3% do PIB) foram modificados? A resposta é não. Ou seja, um dos cancros do euro, que leva os governos à austeridade em tempos de crise, mantém-se, restringindo assim o normal funcionamento dos estabilizadores automáticos. Tudo o resto é pura retórica, aumentando a complexidade das regras e dando enormes poderes discricionários à Comissão Europeia para avaliar as políticas orçamentais dos governos. Vejamos algumas novidades. De acordo com as novas regras, o ajustamento do défice não deve parar nos 3%, devendo prosseguir até 1,5% para ganhar uma «almofada de segurança».

«Um dos cancros do euro, que leva os governos à austeridade em tempos de crise, mantém-se, restringindo assim o normal funcionamento dos estabilizadores automáticos.»

Para ultrapassar o atual período de juros altos (imposição da França cuja dívida está nos 110% do PIB) apenas será contabilizada a despesa primária, mas só até 2027. Em contrapartida, todos os países «faltosos» deverão apresentar um programa de ajustamento em quatro ou sete anos que será avaliado pela Comissão Europeia. Esta passará a usar como critério fundamental a despesa primária estrutural (descontada dos efeitos do ciclo económico), mas com ampla margem de manobra para avaliar se a despesa abrange as chamadas «reformas estruturais» ou se está dentro dos objetivos estratégicos da União Europeia (entre as quais a defesa…).

Depois de uma pausa, a austeridade está de volta e em força. Volta a estar em causa o investimento público, empurrando os Estados para soluções público-privadas, para resolver problemas candentes que afetam a vida dos trabalhadores e do povo. A partir de um estudo do Bruegel1, estima-se que as imposições das novas regras implicarão em 2025 um corte total na despesa pública de 103 mil milhões de euros ao nível dos países do euro. Relativamente a Portugal, os cortes deverão ser de 459 milhões de euros em 2025 e 200 milhões em 2026, mantendo-se a atual conjuntura. Ora aí está uma boa desculpa do governo para não cumprir com as suas promessas…


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

  • 1. Grupo de reflexão dito «apolítico» que se debruça sobre políticas europeias.

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