O Banco Central Europeu (BCE) anunciou para janeiro de 2025 o fim do seu programa de expansão quantitativa («Quantitative Easing»). Vira-se uma página na política monetária da União Europeia, dirão uns, com a interrupção dos instrumentos «não convencionais», chamados eufemisticamente assim para esconder uma enorme entorse aos princípios da ortodoxia financeira apregoados aos quatros ventos pelos defensores da moeda única. Mas estes não conseguem esconder o essencial: o BCE foi criado, existe e continuará a existir para servir os grandes interesses do capital financeiro que domina o mundo e a União Europeia.
Muito influenciado pelo ordoliberalismo alemão, que prescreve uma economia de mercado supervisionada por uma forte intervenção do Estado para garantir um funcionamento «competitivo e eficiente» dos mercados, o estatuto e as regras de funcionamento do euro atribuem ao BCE um papel de cúpula do sistema e uma função neutra, meramente técnica e apolítica, com um objetivo exclusivo de manter a inflação abaixo dos 2%. Contudo, em 2015, com o sistema capitalista em risco de ruir, as regras apresentadas como imutáveis foram rapidamente esquecidas, dando lugar aos ditos «instrumentos não convencionais». Em vez de cumprir o seu papel de simples fornecedor de liquidez ao sistema bancário, o BCE iniciou em 2015 um gigantesco programa de compra de ativos, renegando o seu mandato e contrariando todos os compêndios do neoliberalismo. Faz o que eu digo, não olhes para o que eu faço…
«O BCE foi criado, existe e continuará a existir para servir os grandes interesses do capital financeiro que domina o mundo e a União Europeia.»
O programa de expansão quantitativa foi lançado em 2015 pelo BCE como resposta urgente perante uma União Europeia estagnada economicamente, cuja situação era ainda agravada por novas ameaças de instabilidade ao nível das dívidas soberanas e enormes dúvidas sobre a saúde da banca privada, ainda encharcada de produtos tóxicos. Uma tempestade perfeita que colocava em risco a sobrevivência do sistema capitalista e que obrigou a entrada em cena dos principais bancos centrais de todo o mundo com toda a sua panóplia de instrumentos convencionais e não convencionais. Só na União Europeia, e como é visível no gráfico da Figura 1, o BCE adquiriu no mercado de capitais uma quantia estratosférica de 2,6 bilhões de euros de ativos (20% do PIB da União Europeia) entre 2015 e 2024, multiplicando o seu balanço por 16. Uma vez que não pode emprestar dinheiro diretamente ao Estado, o BCE recorreu ao mercado secundário para comprar títulos de dívida pública (mas também de empresas) aos bancos, que depois usaram esta liquidez para voltar a investir na bolsa e estancar o esvaziamento da bolha financeira.
A moeda é, acima de tudo, uma construção social. Constitui um bem público e, como tal, deveria ser gerido socialmente, isto é, em benefício da sociedade no seu todo através de uma gestão democrática.
«Uma vez que não pode emprestar dinheiro diretamente ao Estado, o BCE recorreu ao mercado secundário para comprar títulos de dívida pública (mas também de empresas) aos bancos, que depois usaram esta liquidez para voltar a investir na bolsa e estancar o esvaziamento da bolha financeira.»
Infelizmente, com a emergência do neoliberalismo dos anos oitenta que alimentou o processo de integração económica da União Europeia e de criação da moeda única, a política monetária foi privatizada com o exclusivo da oferta de moeda entregue nas mãos da banca privada. O programa de expansão quantitativa, que chega agora ao fim, possivelmente até à próxima crise, revela-nos duas coisas. Em primeiro lugar, fica claro que a União Europeia e o euro foram criados para servir o capital financeiro em detrimento dos interesses dos trabalhadores e dos povos. Em segundo lugar, os meios colossais colocados à disposição do grande capital ao longo desta última década expõem a hipocrisia daqueles que, de forma sistemática, advogam a falta de fundos para acudir às necessidades mais básicas da sociedade. Há meios, sim senhor, mas para que estes cheguem onde é necessário são necessárias outras políticas e um outro modelo de sociedade.
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