A Seleção brasileira foi sempre um território de comunhão, de exaltação e de promoção de uma igualdade bem difícil de encontrar em qualquer outra área da vida no Brasil. Também por isso, a camisola verde e amarela sempre transportou consigo esse peso e significado de poder transformar a vida e entregar um mundo melhor. Num Brasil de enormes tensões sociais e dividido numa batalha política onde uma das partes procurou polarizar todo e qualquer gesto público, a seleção de futebol arriscou-se a perder relevância, por incapacidade de representar a enorme diversidade que constitui a verdadeira essência do brasileiro. Um risco demasiado alto e demasiado trágico.
Com a camisola da seleção brasileira de futebol, o negro encontrou um caminho para ser aceite como figura nacional. Se Artur Friedenreich, filho de um comerciante alemão e de uma lavadeira negra brasileira, ainda foi impedido, nos anos 20 do século passado, de representar o seu país, fruto da lei racial do presidente Epitáfio Pessoa, Leónidas da Silva representou a negritude brasileira com a seleção em 34 e 38, sendo ele a grande figura da equipa nesta segunda ocasião. Mas entre tantos que, com os anos, lhe foram sucedendo, Pelé, o enorme Pelé, transformou significativamente o espaço mediático da seleção, não só pela forma como, para além do Brasil, transportou a imagem da sua liderança, no futebol, no entretenimento ou na publicidade, tornando-se numa referência dessa possibilidade que se abria para todos os não privilegiados da terra brasileira.
A camisola verde e amarela deu espaço ao negro, ao mulato, ao pobre, ao desfavorecido, ao homem do interior, dando voz a todos aqueles que são tão brasileiros como qualquer outro. Era esse risco que se corria, que se sentia, no receio de ser interpretado sob a luz de uma nova verdade que queria transformar a camisola da Seleção na imagem dos brancos e ricos. Por isso não deixou de ser uma verdadeira dádiva do futebol ver Richarlison ser titular e marcar os primeiros golos do Brasil neste Mundial. Das suas origens humildes construiu-se como jogador, no América Mineiro e no Fluminense, viajando depois para Inglaterra, onde tem subido na escala da Premier League até representar no Tottenham. Mas evidencia-se, também, como voz e símbolo, associando-se a causas sociais e intervindo na luta contra o racismo.
Desde 1994 que a Seleção brasileira, em Mundiais, se apresenta com uma maioria de negros no seu elenco. Desde sempre que o futebol foi, e continua a ser, o grande elevador social disponível para todos os jovens, de todas as origens, em terras brasileiras. Sem qualquer dúvida que na sua cultura é também esta prática desportiva central na forma de definir uma identidade, tal a maneira como esta transcorre para o cinema, para a música, para a arte. Também por isso a camisola verde e amarela tem que ser de todos, um símbolo de liberdade e de poder do povo, uma carta para o mundo de um país que cresceu para ser mais forte, quanto mais se abriu para a diversidade em que se formava. Também por isso, sempre que uma camisola verde e amarela sobe ao campo, devemos lembrar-nos que é uma camisola que se define como liberdade.
Uma outra realidade
O Japão venceu o seu grupo e defronta a Croácia na outra partida dos oitavos-de-final que tem lugar hoje. Se todos, no dia do sorteio, definimos o destino dos japoneses, a equipa nipónica insistiu em demonstrar-se como uma outra realidade. Sendo certo que parte dos seus jogadores atuam na Europa e que são reconhecidos entre os melhores, não deixou de causar enorme surpresa a forma como bateram a Alemanha, que acabou por ficar de fora da prova, e a Espanha, que ainda se mantém como favorita. Num Mundial disputado em território asiático e com um recorde batido de três equipas dessa Confederação presentes nas rondas a eliminar, parecem ser os japoneses a seleção que pode levar mais longe a representação deste continente.
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