O resultado do levantamento realizado pela Folha de S. Paulo é revelador da insegurança alimentar no país sul-americano e pode estar relacionado com factores como agravamento da inflação, diminuição do rendimento da população e desemprego.
A este propósito, o Portal Vermelho comenta que «nos últimos anos, sob o governo Jair Bolsonaro e com o quadro de pandemia, a fome se espalhou». «O cenário de insegurança alimentar está em alta desde que o Datafolha passou a pesquisar esse tema, em Maio de 2021. Mesmo com os refluxos da crise sanitária e a reabertura da economia, a falta de alimento nos lares brasileiros não retrocedeu», acrescenta.
De acordo com a pesquisa agora realizada, apenas 62% dos brasileiros afirmam ter comida suficiente, enquanto 12% disseram que nas suas casas há comida de sobra.
Segundo o estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, mais de metade dos domicílios brasileiros vivencia algum nível de insegurança alimentar. Cerca de 19 milhões de pessoas passam fome no contexto da pandemia do coronavírus no Brasil. Uma pesquisa realizada em Dezembro de 2020 mostra que, nos três meses anteriores à recolha de dados, mais de 116 milhões de pessoas conviveram com algum grau de insegurança alimentar, não tendo acesso pleno e permanente a alimentos. Isto significa que mais de metade dos domicílios brasileiros sofreu algum tipo de privação. De acordo com o estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), a percentagem de famílias nesta situação era de 55,2%. Destes, refere a pesquisa, 43,4 milhões (20,5% da população) não contavam com alimentos em quantidade suficiente (insegurança alimentar moderada ou grave) e 19,1 milhões (9% da população) estavam a passar fome (insegurança alimentar grave). No relatório apresentado, afirma-se que «a fome no Brasil é um problema histórico, mas houve um momento em que fomos capazes de combatê-la. Entre 2004 e 2013, os resultados da estratégia Fome Zero, aliados a políticas públicas de combate à pobreza e à miséria, se tornaram visíveis». Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2004, 2009 e 2013, registou-se «uma importante redução da insegurança alimentar em todo o país», sendo que, em 2013, «a parcela da população em situação de fome havia caído para 4,2%» – levando a que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) excluísse o Brasil do Mapa da Fome que divulgava periodicamente. A observação é de Kelli Mafort, dirigente do MST, que analisa o agravamento da crise no Brasil e fala do ano que termina, sublinhando que a «prioridade é salvar vidas». A perda de rendimentos das famílias brasileiras e o agravamento da fome no país devem fortalecer a luta pela reforma agrária em 2021. Esta é a avaliação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que este mês lançou o seu Caderno de Formação n.º 53, intitulado A luta de classes no campo e a luta por reforma agrária popular. «Não é uma questão de escolha. É uma questão de necessidade», destaca Kelli Mafort, que faz parte da direcção nacional do movimento. «Com o fim do auxílio de emergência, os índices ligados à pobreza extrema devem aumentar, com a falta de perspectiva de trabalho e rendimento, e a reforma agrária virá com muita força no ano de 2021», prevê a digirente em declarações ao Brasil de Fato. O MST reconhece que a pandemia continua a condicionar a organização popular, uma vez que impede as aglomerações e impõe a necessidade de distanciamento social. Em 2020, as ocupações de terras levadas a cabo pelo movimento foram interrompidas, de modo a evitar a propagação do novo coronavírus entre os camponeses. «Para nós, a prioridade é salvar vidas, aquelas que estão sendo desprezadas pelo governo brasileiro numa campanha negacionista, antivacina», declara Mafort. «Estaremos com os movimentos na rua assim que a vacina [da Covid-19] nos assegurar essa possibilidade», acrescenta. O MST participou em duas disputas frontais com o agronegócio que tiveram repercussão nacional no ano que agora finda. A primeira ocorreu em meados de Agosto, com o despejo violento de duas áreas do acampamento Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio (estado de Minas Gerais), onde viviam sete famílias. A região é ocupada há mais de 20 anos por 450 famílias camponesas, que se notabilizaram pela produção do Café Guaií, um dos líderes da produção agroecológica do MST, informa o portal brasileiro. O principal beneficiário do despejo foi João Faria da Silva, dono da marca Terra Forte e um dos maiores exportadores de café do mundo. «Essa disputa tem uma simbologia interessante, porque são duas produções de café com relações sociais completamente distintas», analisa Mafort. «Por um lado, trabalho análogo à escravidão, expropriação de terras, de direitos. Por outro, o Café Guaií, que representa a agroecologia, que brota de uma luta pela divisão de terras, contra o machismo». O MST considera que o governador Romeu Zema (Novo), que autorizou o uso da força contra o acampamento, representa os mesmos interesses de Bolsonaro, e que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi subserviente ao projecto do agronegócio ao autorizar o despejo em plena pandemia. O segundo episódio de grande repercussão foi protagonizado pelo secretário de Assuntos Fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Nabhan Garcia. A Força Nacional foi enviada para assentamentos do MST no Sul da Bahia sem a autorização do governador do estado, Rui Costa (PT), e voltou sem alcançar o seu objectivo, depois de questionada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). «Na prática, o que eles tentam é dividir e cooptar as famílias», avalia Mafort. «Dessas duas acções, ficou a lição de muita resistência e organização da nossa base e de muita mobilização da sociedade brasileira, com forte apoio internacional nos dois episódios», disse. O ano de 2020 fica também marcado pela solidariedade, sendo que o MST doou quase 4000 toneladas de alimentos da agricultura familiar para famílias em situação de vulnerabilidade social. Só no estado do Paraná (Sul do Brasil), foram doadas 442 toneladas de alimentos, oriundos da produção de 52 acampamentos e 121 assentamentos da reforma agrária. «A solidariedade se impôs como uma necessidade, e os movimentos populares foram os primeiros a perceber isso, antes do Estado ou de qualquer empresa», lembra a dirigente do MST. «Os nossos alimentos encontraram panelas vazias, numa situação desesperadora», sublinhou. Plano Emergencial da Reforma Agrária Popular, lançado pelo MST em Junho, estabelece como medida urgente, por exemplo, a expropriação de terras de evasores fiscais para assentamento de famílias camponesas. O documento também propõe o uso de terras próximas a centros urbanos, em parceria com municípios, para produção de alimentos, garantindo terra, trabalho, tecto e alimentos saudáveis para famílias empobrecidas e criando um «cinturão verde» em torno das cidades. Em 9 de Dezembro último, o MST registou uma Acção de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no STF, em que questiona a paralisação dos 413 processos de desapropriação e aquisição de terras para reforma agrária ao início do governo Bolsonaro, e pede a destinação de terras públicas para a reforma agrária, como previsto na Constituição brasileira. «O ano de 2021 vai ser muito difícil, do ponto de vista dos embates que teremos. E, com certeza, a sociedade brasileira poderá contar com o MST, seja nas acções de solidariedade – que não pararam por nenhum dia e vão continuar –, seja nos trabalhos de base, organizando o povo para lutar e derrotar esse projecto de morte», afirmou Mafort. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Mas o êxito alcançado na «garantia do direito humano à alimentação adequada e saudável foi anulado», revela o estudo. «Os números actuais são mais do que o dobro dos observados em 2009», precisa. O retrocesso mais acentuado deu-se nos últimos dois anos. Entre 2013 e 2018, a insegurança alimentar grave teve um crescimento de 8% ao ano. Entre 2018 e 2020, a aceleração foi ainda mais intensa: a fome aumentou 27,6% ao ano. De acordo com a pesquisa, que abrangeu 2180 domicílios nas cinco regiões do país, em áreas urbanas e rurais, a insegurança alimentar cresceu em todo o Brasil, com especial incidência nas regiões Norte e Nordeste, que registam índices de insegurança alimentar acima dos 60% e 70%, respectivamente. Já a insegurança alimentar grave (fome) esteve presente em 18,1% dos lares do Norte e em 13,8% do Nordeste. Renato Maluf, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, especialista em segurança alimentar e coordenador Rede PENSSAN, afirma não existirem indícios de que a situação melhorou este ano. «Temos todas as razões para achar que nesses primeiros meses do ano a situação se agravou», disse, em declarações ao Brasil de Fato. Para o especialista, nenhum dos factores que influenciam a segurança alimentar das famílias melhorou nos últimos meses, nomeadamente a garantia de emprego e o rendimento, cada vez mais debilitados. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em Janeiro havia cerca de 14,3 milhões de pessoas desempregadas no Brasil, o que significa um aumento de 19,8% num ano. O país sul-americano iniciou 2021 atingindo um número recorde de desempregados. No trimestre encerrado em Janeiro, eram 14,272 milhões, mais 211 mil em relação a Outubro de 2020, mas com um acréscimo de 2,35 milhões (19,8%) face a igual trimestre do ano anterior, quando o desemprego atingia 11,9 milhões de brasileiros, segundo o IBGE. Os dados foram divulgados esta quarta-feira e fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do instituto referido. Embora a taxa de desemprego (14,2%) tenha ficado praticamente estável por comparação com o trimestre anterior, encerrado em Outubro, cresceu três pontos num ano e é a mais elevada para este período – um trimestre até Janeiro – alguma vez registada pelo Instituto. O organismo responsável pelas estatísticas indicou igualmente que o contingente de pessoas com trabalho aumentou 2%, alcançando agora 86,025 milhões. Por comparação com o trimestre encerrado em Outubro, foram mais 1,725 milhão de pessoas integradas no mercado de trabalho, informa o Brasil de Fato. Segundo a fonte, esse aumento verifica-se sobretudo em função da população com vínculo informal, ou seja, de pessoas que trabalham de forma autónoma ou sem contrato de trabalho. O número de trabalhadores empregados nestas condições no sector privado cresceu 3,6% no trimestre encerrado em Janeiro face ao trimestre imediatamente anterior, o que representa um aumento de 339 mil pessoas. Já os trabalhadores por conta própria aumentaram 4,8% no mesmo período (mais 826 mil pessoas). Assim, segundo os dados divulgados pelo IBGE, a taxa de trabalhadores informais no Brasil no trimestre encerrado em Janeiro foi de 39,7%. O número de desempregados desencorajados – trabalhadores que não procuraram trabalho, mas que estão disponíveis para trabalhar – foi estimado em 5,9 milhões, o maior número registado desde o início da série histórica da pesquisa, em 2012. Em relação a igual período do ano passado, registou-se um aumento de 25,6% de desempregados desencorajados (mais 1,2 milhão). Ainda segundo o IBGE, os subutilizados (pessoas que gostariam de trabalhar mais) são agora 32,380 milhões. A taxa de subutilização é de 29%, face a 29,5% no trimestre anterior e a 23,2% há um ano. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. «Outro indicador indirecto é verificar como aumentaram as manifestações de preocupação em relação à fome e as acções de solidariedade. Então, seja pelo agravamento dos determinantes, seja pela maior presença do tema nos debates públicos, tudo nos leva a crer que a situação só fez piorar», frisou. Para travar o aumento da fome no Brasil, Renato Maluf aponta que é preciso retomar de imediato o auxílio de emergência, com valor suficiente para que o apoio ao sustento das famílias seja efectivo. «Esse auxílio que o governo está retomando essa semana não vai dar para muita coisa», alertou. Além disso, entende ser necessário trabalhar politicamente com vista à retomada do emprego e preservação dos pequenos negócios. A longo prazo, Maluf defende que serão precisas iniciativas mais fortes nas políticas de abastecimento. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Mais de 19 milhões de pessoas passam fome no Brasil com a pandemia
Um problema histórico, mas que chegou a ser combatido eficazmente
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Agravamento da fome deve reforçar luta pela reforma agrária no Brasil
Lutas com maior repercussão em 2020
Solidariedade no terreno
Luta pela reforma agrária
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Nada indica que a situação tenha melhorado
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Brasil regista número recorde de desempregados
Quase seis milhões de desencorajados
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A situação é mais grave para quem não tem emprego e para as camadas mais pobres da população: falta comida a 42% dos desempregados e a 38% dos que ganham até dois salários mínimos (2424 reais ou 437,5 euros).
Por regiões, o problema tem maior incidência no Nordeste (32%) e no Norte (30%). No Sul e no Sudeste, regiões mais ricas, a escassez de comida atinge 24% e 22% dos habitantes, respectivamente.
De acordo com a pesquisa Datafolha, a preocupação central dos brasileiros é o custo dos alimentos, o que encontra razão de ser no aumento dos preços, na precariedade laboral, nos baixos salários e nas incertezas que rondam o ambiente político e económico.
A Folha de S. Paulo lembra ainda que «33 milhões de pessoas passam fome no País, segundo apontou a segunda edição do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil – um patamar semelhante ao que havia sido registrado há três décadas».
Outro dado apontado pelo jornal é que numa «cidade como São Paulo, a renda dos 5% mais pobres não é suficiente para comprar dois pratos feitos ou um quilo de carne por mês».
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