|direito à habitação

Habitação, Governo e um espectáculo de ilusionismo

O Governo, com pompa e circunstância, anunciou medidas para alegadamente responder ao problema da habitação, sem garantir o acesso à habitação a quem não encontra uma casa que possa pagar.  

CréditosAntónio Cotrim / Agência Lusa

A arte do ilusionismo é a arte da percepção. Um jogo de enganos que induz no espectador um resultado impossível de se alcançar. Foi mais ou menos isso que o Governo PS fez na passada semana ao anunciar medidas para a habitação. Procurou iludir quem está desesperado, dando a entender que tem resposta a todos os seus anseios, sem na realidade ter nada concreto para os resolver. 

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Parlamento debate diploma para proteger a habitação

O Parlamento debate hoje um diploma do PCP que prevê a criação de um regime para proteger a habitação própria e evitar situações de incumprimento, missão impossível para muitas famílias.

A AIL defende a criação de um seguro de renda, da responsabilidade do senhorio, e de um seguro multi-riscos, da responsabilidade do arrendatário
Créditos / Awol

Em causa está a necessidade de responder a um «problema gravíssimo» gerado pelo aumento das taxas de juro. O debate, anunciado nas jornadas parlamentares dos comunistas, no final de Janeiro, decorre na véspera de uma reunião do Conselho de Ministros dedicada à habitação. 

Entre as medidas do diploma, o PCP propõe que a subida das taxas de juro não tenha como «primeiro impacto» a perda de rendimento das pessoas, devendo antes incidir na «redução das margens de lucro dos bancos».

O PCP quer também que os contratos de habitação possam ser renegociados «na perspectiva de um limite de 35% da taxa de esforço, estendendo o prazo para pagamento a crédito, sem aquelas listas negras e consequências que os bancos depois apontam às pessoas», disse à Lusa o deputado Bruno Dias.

Os comunistas sugerem que os bancos não se possam opôr a que as pessoas entreguem as casas para saldar a dívida. Nos casos em que o imóvel for posteriormente vendido pelo banco a «um preço superior ao considerado aquando da entrega», propõem que haja uma compensação para quem entregou o imóvel.

Em casos limite, para prevenir que as pessoas fiquem sem tecto, o PCP sugere que a lei preveja a possibilidade de manter a habitação a título de arrendamento, podendo depois ser retomado o crédito à habitação.

O objectivo é apresentar medidas concretas e, nalguns casos, retomar práticas e soluções que já existiam com o fim último de acabar com o problema de acesso e dificuldade de manutenção da habitação, que, não sendo de agora, toma proporções cada vez mais preocupantes e são já várias as famílias com filhos que perderam a casa onde viviam, apesar de manterem os seus empregos. A subida especulativa das rendas e das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu, apesar dos lucros milionários arrecadados pela banca. 

Despejos e rendas incomportáveis

Maria Marques e Ana Silva são dois rostos de um problema identificado em sondagens recentes pela esmagadora maioria dos portugueses. Para se chegar à casa de Maria Marques há que furar as filas de turistas que se acumulam para entrar no Castelo de São Jorge.

Forçada a sair pelo senhorio da casa onde morava no bairro da Mouraria, a auxiliar de acção médica teve de recorrer ao apoio de associações para conseguir uma habitação camarária num valor comportado pelo seu salário mínimo.

Na Mouraria pagava de renda 220 euros, valor que continuou a pagar durante os dois anos em que a casa esteve em obras e que a obrigaram a ir viver com colegas. Quando voltou, recebeu uma carta de cessação de contrato: afinal, o senhorio «precisava da casa».

Recusou-se a sair, não tinha para onde ir. Mas o assédio foi mais forte. «Ameaçava mesmo, às vezes até da rua para a janela. "Ainda estás aí? Quando é que sais?" E coisas assim do género. Tinha mesmo medo daquele homem», confessa.

O impacto na sua saúde mental foi «muito grande», tendo mesmo prejudicado o seu emprego, porque não tinha condições para trabalhar.

«Acho que isto vai-me acompanhar o resto da vida», acredita esta mulher de 63 anos, viúva. «Quando surgem pessoas ainda a precisarem de casa – porque isto não acabou, eles a continuam a despejar pessoas –, fico triste, relembro o que passei», diz.

Mudou de bairro, mas a freguesia manteve-se: Santa Maria Maior, «o coração de Lisboa», que reúne os bairros do centro histórico, onde vivem perto de dez mil habitantes, que vêm diminuindo mais ou menos ao ritmo a que aumenta o turismo.

Nascida na Pampilhosa da Serra, Maria foi criada ali perto, onde ainda vive a sua mãe e uns «poucos» vizinhos.

«Esta zona hoje é uma aldeia para aqueles que cá vivem, porque são só dois ou três e, desses dois ou três, dois são idosos e o outro já está a caminho. Os jovens saíram, também foram forçados a sair, alguns já pagavam rendas de 700 e 800 euros, mas tiveram que sair e procurar noutro lado», relata.

«Mesmo assim, eles [os jovens] vêm sempre ensaiar na altura das marchas populares ao seu bairro e, se tivessem possibilidades de voltar, muitos voltavam. (…) Já não há crianças, já não há jovens nos bairros», lamenta.

Em 2018, Maria recebeu as chaves da nova casa junto ao parque infantil onde agora brincam crianças filhas de estrangeiros, alguns já residentes, outros apenas de visita.

Com vista sobre a cidade, Maria aponta um a um os prédios desocupados e inabitados, alguns dos 48 mil que fazem do município de Lisboa o líder dos alojamentos vagos (segundo o «Diagnóstico das Condições Habitacionais Indignas na Área Metropolitana de Lisboa», feito por uma equipa na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa e apresentado recentemente).

Esta paisagem revolta-lhe «as miudezas», diz. À janela da porta com portada que dá para a Rua do Recolhimento, Maria atrai a curiosidade dos turistas. «Não estão à espera que viva aqui gente», comenta.

No concelho da Amadora, a professora do 1.º Ciclo Ana Silva confessa à Lusa que a sua situação habitacional não é «aquilo que mais idealizava» aos 35 anos. «Mas, dadas as circunstâncias, da minha profissão e o salário que tenho, não tenho outra oportunidade a não ser partilhar casa e viver apenas num quarto», lamenta.

Vive num «T2 transformado num T3» no Alto da Brandoa, perto da escola onde está colocada este ano. Solteira, paga 290 euros por um quarto, num apartamento que partilha com outras duas mulheres. 

«Mas, dadas as circunstâncias, da minha profissão e o salário que tenho, não tenho outra oportunidade a não ser partilhar casa e viver apenas num quarto.»

Ana silva

Ana recebe recibo de arrendamento e não tem queixas do senhorio, mas o aumento de renda anunciado para Julho já fez a professora natural de Braga tomar uma decisão quanto ao futuro: «Não vou cá continuar porque, com um salário de 1100 euros, pagar cerca de 350 euros de quarto, acho que já começa a ser lamentável e não suporto esta situação», frisa.

Mas Ana já viveu pior, quando ficou colocada no Algarve, onde teve de deixar a casa alugada nos meses de Verão «porque o preço aumentava cerca de 1500 euros por quinzena».

Chegou a procurar alternativa no parque de campismo, mas, mesmo aí, era «um valor completamente absurdo». Teve a sorte de encontrar uma família que praticou «um preço justo».


Com agência Lusa

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O pacote de medidas anunciado pelo Governo, intitulado «Mais Habitação», tem servido para muito, sem servir para o propósito para o qual devia servir. Serve para aparentar que o Governo tem a habitação como prioridade, serve para garantir que quem lucra com a especulação continuará a lucrar, serve para vender um suposto confronto com a direita quando na Assembleia da República convergem na recusa à resposta do problema e serve para deixar, no essencial, tudo na mesma.

Medidas que não servem para quem realmente precisa, e:

- introduzem novos benefícios fiscais sobre os rendimentos prediais, com particulares benefícios para grupos económicos e grandes detentores de património imobiliário;

- confirmam que o valor das rendas dos novos contratos continuará a subir, para além de manter o essencial da Lei que o governo de Passos Coelho impôs e que levou os preços das rendas até ao limite; 

- propõem uma medida para enfrentar o aumento das taxas de juro, mas possibilita aos bancos continuarem a agravar o valor das prestações, com a promessa de que parte deles será paga com dinheiros públicos;

- mantém o carácter limitado na construção e promoção de habitação pública.

Fossem estas medidas uma clave musical e seriam a clave da especulação, pois não existe combate à bolha do mercado imobiliário, assumindo que os interesses de quem não tem casa ou está em vias de perdê-la são compatíveis com os interesses de quem vive da inflação das rendas e prestações bancárias.

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Custo da habitação é quase metade do salário

Em meados de 2021, o peso dos novos arrendamentos na remuneração representava, em média, 44%. Subida do custo da habitação ameaça, sobretudo, os jovens trabalhadores. 

Créditos / Pixabay

A subida do custo da habitação revela-se um problema cada vez maior na vida dos trabalhadores e das trabalhadoras no nosso país, conclui um estudo da Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens (CIMH), da CGTP-IN. 

De acordo com a análise «Habitação e custo de vida», a que o AbrilAbril teve acesso, a variação anual homóloga dos custos da habitação acelerou 12,2% no terceiro trimestre de 2021. Já o peso do valor dos novos arrendamentos na remuneração representava, em meados de 2021, uma média de 44%, tendo como referência a remuneração mensal bruta declarada à Segurança Social e um alojamento na ordem dos 81 metros quadrados.

O problema dos custos elevados da habitação verifica-se essencialmente nos grandes centros urbanos, tanto ao nível do arrendamento, como da aquisição de casa própria através do recurso a empréstimo bancário

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Parlamento chumba impenhorabilidade de habitação própria

O PS juntou-se hoje ao PSD, CDS-PP, Iniciativa Liberal e Chega para chumbar, no Parlamento, dois projectos de lei que previam a proibição da penhora ou execução da hipoteca de habitação própria.

O PCP defende que as políticas municipais de habitação podem criar condições que permitam fixar população residente e atrair alguns dos que nos últimos anos saíram de Lisboa por falta dessas condições
Créditos / CC-BY-SA-3.0

Em causa estavam diplomas do PCP e do BE que, além dos votos favoráveis das respectivas bancadas, contaram apenas com os do PEV e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira. 

«A perda da habitação por milhares de famílias continua a ser expressão cruel da situação para que foram conduzidas as vidas dos portugueses que, esmagados pelas medidas económicas e sociais tomadas por sucessivos governos, foram empurrados para situações de perda de rendimentos, falência ou insolvência», denuncia o PCP no projecto de lei.

5891

Nos anos de 2013 e 2014, 5891 famílias perderam a habitação devido a processo de penhora

Depois de, na anterior legislatura, o Grupo Parlamentar comunista ter apresentado projectos que fixam restrições às penhoras e execução de hipotecas, o diploma discutido esta manhã na Assembleia da República insistia num conjunto de soluções para o problema da perda da habitação própria e permanente.

O PCP previa a eliminação da possibilidade de penhora ou execução de hipoteca sobre a habitação «quando se comprove a inexistência de rendimentos suficientes para assegurar a subsistência do executado ou do seu agregado familiar, incluindo no âmbito de processos de execução fiscal», e nos casos «em que não seja possível garantir, pela penhora de outros bens ou rendimentos, o pagamento de dois terços do montante em dívida no prazo estabelecido para pagamento do crédito concedido para aquisição do imóvel».


Os comunistas propunham ainda que a venda do imóvel se concretizasse «quando o montante a realizar com essa venda seja superior ao que seria obtido com aquela penhora de outros bens e rendimentos do executado». Neste sentido, João Oliveira, líder parlamentar do PCP, lembrava esta manhã as «centenas e centenas de casos» de pessoas a quem foram retiradas as casas por dívidas à banca, que «depois chega a vender por 10% do valor».

No seu diploma, o BE previa a garantia da «impenhorabilidade da habitação própria e permanente, evitando que este bem possa ser penhorado em processos de execução de dívida».

Os bloquistas reconhecem que «esta problemática é agudizada pela dificuldade em se garantir arrendamento habitacional de longa duração e compatível com os rendimentos das famílias portuguesas em várias cidades do País», evidenciando a necessidade de respostas habitacionais públicas. 

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Para a CIMH, a aceleração de preços cria «graves problemas laborais e sociais», em particular para os jovens trabalhadores, com entrada recente no mercado de trabalho, salários baixos e precariedade no emprego, que vêem cada vez mais adiada a saída da casa dos pais. 

Por outro lado, critica, «não há uma resposta adequada» por parte do Estado, seja ao nível da regulação do mercado de arrendamento, seja na oferta pública.

Entretanto, o custo de vida não pára de aumentar, verificando-se em 2021 um crescimento dos preços de bens (+1,7%) e serviços (+0,6%) mais elevado do que nos dois anos anteriores. 

No que diz respeito ao agregado dos produtos energéticos, cujo peso é significativo nas classes da habitação, água, electricidade, gás e outros combustíveis, e dos transportes, a sua taxa de variação média teve um aumento de -5%, em 2020, para 7,3%, em 2021.

Face à escalada do aumento dos preços, a CIMH exige um Estado regulador nos preços da habitação e noutros bens e serviços essenciais, ao mesmo tempo que alerta para a urgência de proceder ao aumento significativo de todos os salários «para fazer face ao aumento galopante do custo de vida», que tenderá a agravar-se com o escalar da guerra no Leste europeu. 

Depois de «Pobreza no feminino» e «Protecção social e desemprego», este é o terceiro estudo divulgado pela Comissão para a Igualdade da CGTP-IN, no quadro do lançamento da Semana da Igualdade, de 7 a 11 de Março.

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Foi e é uma opção do Governo continuar a manter benefícios fiscais, iludindo com o fim dos vistos Gold. Foi e é uma opção do Governo manter a lei Cristas, iludindo os impactos nefastos desta lei com o Estado a pagar as rendas. Foi e é uma opção do Governo a criação da possibilidade das instituições financeiras oferecerem crédito à habitação a taxa fixa, iludindo a recusa de tocar nas taxas spread. Foi e é uma opção do Governo apenas alocar fundos do PRR para a construção de habitação, iludindo o facto de não se alocarem mais verbas de forma a responder estruturalmente ao problema. 

Surgiram com isto as vozes da encenação. A direita procurou invocar uma bem ensaiada divergência com o Governo com o «direito à propriedade» e (veja-se!) até invocam a Constituição para encetar o ataque, sem nunca dizer que a especulação está salvaguardada. O Governo fez-lhes o favor.

O Governo, independentemente de uma ou outra medida positiva, terá de fazer uma escolha: continuar a submeter-se aos interesses dos grupos económicos e dos especuladores imobiliários ou proteger os inquilinos dos despejos e das subidas de rendas e aprofundar as medidas que garantam o aumento da oferta pública de habitação.

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