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Manif dos polícias – aproveitamento à custa alheia

O diálogo, a negociação, a persistência e a transparência constituem as balizas dentro das quais o sindicalismo relança a validação do seu projeto dinâmico no enquadramento de uma sociedade democrática.

CréditosAntónio Pedro Santos / Agência Lusa

Numa das muitas iniciativas da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), tive a oportunidade de moderar em 2008 um Seminário sob o tema «Polícia – Profissão de Risco». De entre várias conclusões então tiradas, figurava a exigência da função policial como profissão de risco merecer expressa consagração legal. Como habitualmente e à semelhança de outras, esta reivindicação foi apresentada em tempo útil ao Governo e aos grupos parlamentares. Até hoje o Executivo está em débito para o cumprimento dessa medida, não obstante existir uma Recomendação Parlamentar neste mesmo sentido. De igual jeito, e como consequência da atividade sindical e associativo-profissional policial, pende na atualidade um Projeto de Lei no sentido de ser aprovado o Estatuto da Condição Policial, depois de um Projeto similar ter sido rejeitado na anterior legislatura, por grupos parlamentares, entre os quais, o do partido no poder, e que agora se apresentam solidários com a causa sindical policial.

«ao contrário do entendimento do sr. ministro de Administração Interna, não há sindicalismo responsável. O sindicalismo é sempre responsável, portanto, incompatível com a ultrapassagem da linha vermelha para a sua atuação dentro do parâmetro democrático. De fora fica a arruaça – que pode bem ser o apanágio desses movimentos inorgânicos, não eleitos e anónimos, mas não de sindicatos ou associações profissionais»

Vem esta referência apenas para significar que, de um modo geral, as organizações representativas de profissionais da PSP e da GNR, enquanto unidades eleitas pela respetiva classe, têm sabido ativar-se na busca de soluções para as suas aspirações próprias e legítimas. Porém, este tipo de atividade num Estado de Direito Democrático tem as suas regras. Assim, o diálogo, a negociação, a persistência e a transparência constituem as balizas dentro das quais o sindicalismo relança a validação do seu projeto dinâmico no enquadramento de uma sociedade democrática. É aliás para tanto, que o artigo 55º da Constituição de República reconhece este formato organizativo como a via superior de consciência profissional.

Todavia, à sombra da permissividade da sociedade democrática aparecem movimentos algo abrangentes, que em dado momento e por mais variados motivos, podem demonstrar o “quanto” de sua insatisfação pela situação vivencial, exigindo em simultâneo que o poder político aja mais em conformidade com as expectativas sociais. A sua componente difusa, por vezes radicada no anonimato, é propícia para o cometimento de desregramentos e distúrbios podendo culminar em atos violentos. Só que esta contextualização nada tem a ver com o sindicalismo. Em certos casos, embora possa haver coincidência entre as exigências desses movimentos e as reivindicações dos sindicatos, essa coincidência pode não existir na habitual forma de atuação de uns e outros.

Neste aspeto, e ao contrário do entendimento do sr. ministro de Administração Interna, não há sindicalismo responsável. O sindicalismo é sempre responsável, portanto, incompatível com a ultrapassagem da linha vermelha para a sua atuação dentro do parâmetro democrático. De fora fica a arruaça – que pode bem ser o apanágio desses movimentos inorgânicos, não eleitos e anónimos, mas não de sindicatos ou associações profissionais, cujo comportamento está marcado por cânones de uma justaposição de solução de conflito e nunca pelo afrontamento.

«partindo da ideia de que o sindicalismo em geral pauta a sua conduta no contexto da lei – ter caráter não clandestino, ser fruto de um resultado eleitoral e adotar estatutos publicados, legalmente aprovados, não se vislumbra como uma formação inorgânica, por mais zeros que tenha, possa substituir um sindicato nos seus objetivos e, menos ainda, constituir uma mais valia nas suas finalidades, salvo se enveredar por caminhos que a lei não prevê nem aconselha»

No recente caso da “manif” policial do dia 21 de novembro, e pelo que se conhece das imagens televisivas, as pretensões do denominado Movimento 0, pese embora mantendo o anonimato dos seus dirigentes e da sua forma organizativa, aparentam coincidir com as da ASPP/PSP e da Associação dos Profissionais da Guarda (APG/GNR), que convocaram a manifestação. Ora, partindo da ideia de que o sindicalismo em geral pauta a sua conduta no contexto da lei – ter caráter não clandestino, ser fruto de um resultado eleitoral e adotar estatutos publicados, legalmente aprovados, não se vislumbra como uma formação inorgânica, por mais zeros que tenha, possa substituir um sindicato nos seus objetivos e, menos ainda, constituir uma mais valia nas suas finalidades, salvo se enveredar por caminhos que a lei não prevê nem aconselha. Mais, parece que o Movimento 0 quis viciar toda a filosofia e sentido da manifestação sindical, ao dar o palanquim do discurso (a carrinha da organização da manifestação) a um sr. Deputado que apareceu a fazer a afirmação de que o sindicalismo tradicional (numa implícita alusão à ASPP/PSP e APG/GNR) tinha os seus dias contados, daí decorrendo uma tentativa de desvirtuamento do próprio sentido da manifestação de polícias, que por natureza, tem de ser apartidária. Talvez aqui resida a motivação para colocar os blocos de betão a título preventivo.

No entanto, o melhor que aconteceu foi os organizadores, por esta altura, darem a manifestação por terminada. Ou seja, porem fim a um gesto a todas as luzes provocatório.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AE90)

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