|Porta a Porta

Programa do Governo «satisfaz plenamente»… os interesses da banca

O movimento Porta a Porta defende que o programa do Governo responde apenas aos interesses da banca, dos fundos imobiliários e dos grandes proprietários, penalizando quem precisa de casa para viver. 

Porto 
CréditosManuel Fernando Araújo / Agência Lusa

«Ao contrário do que querem fazer crer com uma narrativa bafienta, carregada de prepotência e arrogância, que destila ódio, confronto, raiva e sobretudo desprezo por quem precisa de Casa para Viver, a concretizar-se, agravará brutalmente a situação que vivemos», lê-se num comunicado do Porta a Porta, muito crítico sobre o programa do Governo, que começa hoje a ser debatido na Assembleia da República. 

A verdade é que o executivo de Montenegro quer acabar com as poucas medidas que representavam um alívio para os arrendatários, e que considera «erradas», como o congelamento das rendas, voltando estas a ficar ao critério dos senhorios. Recordando o crescimento dos contratos de arrendamento no último trimestre de 2023, comparativamente ao ano anterior, os activistas realçam que o Governo «mente despudoradamente» quando diz que há falta de confiança no mercado para colocar imóveis no arrendamento. 

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Programa de Governo é tão mau que ainda não doi, mas vai fazer doer (muito)

Foi hoje apresentado o Programa de Governo. Sem prejuízo de uma análise mais aprofundada, numa primeira leitura consegue identificar-se o retrocesso como marca indelével do Governo da AD. Do trabalho à Habitação, o ataque é claro.  

CréditosJoão Relvas / Agência Lusa

Só os mais ingénuos esperariam um programa diferente. Durante a campanha, a AD disse ao que vinha e o Programa de Governo espelha exactamente aquilo que estava contido no seu programa eleitoral - a linha de continuidade do governo PSD/CDS-PP/Troika. 

Nas várias áreas, fica patente o retrocesso e a satisfação das vontades dos grandes grupos económicos. Naturalmente que a avaliação deve ser mais aprofundada, mas uma análise preliminar consegue logo identificar as opções contidas num programa assente no ataque aos direitos do povo e dos trabalhadores e nos benefícios dados ao grande capital.  

Trabalho 

O ponto sobre os salários e o trabalho é onde se torna mais claro a quem serve o Governo. O grande capital revanchista, não satisfeito com tudo o que o governo de maioria absoluta do PS lhe dava, viu neste novo Governo a maneira de ver vingadas todas as suas pretensões. 

O Governo liderado por Luís Montenegro, ao longo do documento, sempre que aborda aumentos de salários (tanto do mínimo, como do médio) opta por alimentar a narrativa falaciosa da produtividade, dando a entender que os rendimentos só podem ser aumentados se esta última aumentar. A realidade desmente essa narrativa, até porque é facil comprovar que a produtividade tem aumentado e os salários não têm acompanhado esse mesmo ritmo. 

Assim como o PS, o Governo compromete-se com um Salário Mínimo Nacional de 1000 euros em 2028. Ou seja, colocar daqui a quatro anos o mesmo valor que actualmente é já praticado em Espanha. É por via do SMN que o Governo instrumentaliza a aproximação ao Salário Médio como se tal não fosse culpa dos ataques à legislação laboral e da caducidade da contratação colectiva. 

É neste sentido que o Governo é mais vocal na satisfação dos interesses do grande capital. Pegando nos baixos salários, instrumentalizando as reivindicações dos trabalhadores, e conjugando estes elementos com a composição do tecido empresarial português (constatando que as micro-empresas representam 90% do mesmo), o Governo abre a porta à revisão da legislação laboral. 

Diz o Programa de Governo que o tecido empresarial «está fortemente dependente das convenções coletivas de âmbito profissional e de sector de actividade» e que «a legislação laboral continua firmemente ancorada nos modelos tradicionais de trabalho, tendo dificuldade em enfrentar os desafios do trabalho na era digital». A vontade é evidente.

A questão vai mais longe. O Programa de Governo diz que «a Concertação Social, parceiro imprescindível de qualquer acção governativa na área social e laboral, não tem sido adequadamente valorizada nos últimos anos», não diz é para quem. 

Fica tudo claro quando o Governo apresenta uma proposta desenhada pela CIP: «Aumentar a produtividade com medidas como a isenção de contribuições e impostos sobre prémios de produtividade por desempenho no valor de até 6% da remuneração base anual (correspondendo, dessa forma, a um 15º mês, quando aplicado), até à diminuição da carga fiscal sobre as empresas». 

Importa recordar que esta foi a proposta apresentada pelo patronato aquando da renegociação do Acordo de Rendimentos no passado ano. O Governo assume assim que é um mero fantoche do patronato e está pronto para fazer tudo o que for necessário para intensificar a exploração de depauperar o Estado com os benefícios fiscais às grandes empresas.

Habitação

Mais uma vez, o Governo diz ao que vem. Certo é que o programa «Mais Habitação» não dava as respostas necessárias ao problema em questão, mas o revanchismo do Governo fica bem espelhado neste campo.

«A aposta ideológica em medidas restritivas que limitam e colidem com o direito de propriedade, que colocam uns contra outros, que limitam a iniciativa económica privada, que reduzem o investimento privado e cooperativo, e que apostam em exclusivo em promessas falhadas de Habitação Pública, deixam o Estado sozinho e incapaz de garantir um impulso ao mercado de habitação que garanta o acesso para todos», pode ler-se no Programa, sobre o «Mais Habitação». Nunca é dito que satisfazia grande parte das reivindicações dos grandes proprietários. 

Se relativamente ao Turismo, o Governo diz que irá «eliminar de imediato a Contribuição Extraordinária sobre o Alojamento Local, a caducidade das licenças anteriores ao programa Mais Habitação, e revendo simultaneamente as limitações legais impostas pelo Governo socialista», sobre a Habitação é prometida uma «injecção no mercado, quase-automática, dos imóveis e solos públicos devolutos ou subutilizados; a criação de um «regime Excepcional e temporário de eliminação ou Redução dos Custos Tributários em obras de construção ou reabilitação em imóveis destinados a habitação permanente»; e a criação de uma «programa de Parcerias Público-Privadas para a construção e reabilitação em larga escala».

O Governo procura mais uma vez satisfazer os interesses dos grupos económicos, colocando o Estado a oferecer tudo e mais alguma coisa. A solução da direita passa por borlas fiscais, subsidiar com dinheiros públicos os interesses privados e oferecer tudo o que possa oferecer para agradar os interesses grandes interesses do sector imobiliário. Não deixa de ser curioso que as palavras «especulação imobiliária» nunca aparecem no documento. 

Educação

Aquando da apresentação da composição do Governo e da sua urgência, ficou patente o desrespeito pelo sector da Educação, acabando com o Ministérios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, integrando-o no Ministério da Educação, Ciência e Inovação, e nem lhe conferindo uma Secretaria de Estado. 

Ao ler o Programa de Governo entende-se que o foco passará por reduzir o financiamento público às Instituições de Ensino Superior: «A estratégia de diferenciação do sistema de ensino superior deve ser aprofundada através do reforço da sua autonomia e da diversificação das fontes de financiamento».

Naturalmente que transferindo a sua responsabilidade para os grandes grupos económicos não é necessário nem um ministério nem uma secretaria de Estado. A visão de mercantilização do Ensino Superior é bastante óbvia. Prevê o Governo «encorajar a participação de representantes do setor empresarial nos conselhos consultivos das instituições de Ensino Superior e de Investigação»; «avaliar o reforço dos incentivos fiscais para empresas que investem em programas de I&D em parceria com instituições de Ensino Superior»; «potenciar o regime de mecenato às instituições de ensino superior públicas; e «fomentar a criação de cátedras de índole empresarial que promovam uma forte ligação entre a Instituição de Ensino Superior e de Investigação e as empresas».

Ainda na área da Educação, mas na questão da Escola Pública, o desrespeito pelos docentes é notória. Se por um lado há a promessa da «recuperação integral do tempo de serviço perdido dos professores, a ser implementada ao longo da Legislatura, à razão de 20% ao ano», em nenhum ponto há uma promessa clara de melhoria dos rendimentos dos mesmos. 

A AD promete sim, instrumentalizado as revindicações dos docentes, «criar uma dedução em sede de IRS das despesas de alojamento dos professores que se encontrem deslocados a mais de 70 km da sua área de residência» e criar um «programa de emergência para atrair novos Professores» que passa por «promover as horas extra dos professores, de forma temporária e facultativa».

Saúde

Mais uma vez nada de novo já que o que se encontra no Programa do Governo já se encontrava no programa eleitoral da AD. Ardilosamente, várias são as referência a um «Sistema Nacional de Saúde», uma forma de esvaziar o Serviço Nacional de Saúde e integrar os grupos de saúde privados na definição de políticas públicas.

Nunca surge um compromisso com a real resolução do Serviço Nacional de Saúde, mas é dito que só «uma a articulação entre toda a capacidade instalada no Sistema de Saúde conseguirá responder às necessidades em saúde de forma eficaz, eficiente, previsível e sustentável». A tal articulação passará por manter os problemas estruturais do SNS enquanto os negócios privados da doença recebem subsídios para realizar aquilo que poderia ser realizado pelo Público.

Neste sector o Governo foge a medidas concretas de resposta ao SNS e apresenta uma promessa abstrata: «Propor o Plano de Emergência do SNS e o seu modelo de implementação, nos primeiros 60 dias do mandato. Este plano de emergência visa garantir que os tempos máximos de resposta são garantidos, para consultas de especialidade, e cirurgias e meios complementares de diagnóstico e terapêutica». 

Sobre as reivindicações dos profissionais, o Governo apenas promete «criar um Plano de Motivação dos Profissionais de Saúde, de forma a valorizar autonomamente todos os recursos humanos envolvidos na prestação dos cuidados de saúde às pessoas, em especial no SNS», mas nunca diz o que é esse Plano.

O Programa de Governo é um verbo de encher. 

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E «mente», também, «quando coloca o problema nos contratos anteriores a 1990», e que são menos de 150 mil, num mercado que ascende a cerca de um milhão de contratos, somando-se o facto de estes contratos serem titulados por uma população extremamente idosa e de parcos recursos. «Nem os mais idosos, ao contrário do que tanta papagueou na campanha, este Governo poupa», critica o Porta a Porta, reforçando a necessidade de regular o preço das rendas e travar os despejos.

O movimento insiste que quem vive em casa arrendada precisa de preços mais baixos e contratos mais longos na sua duração, e não a «intensificação das políticas que nos trouxeram até aqui». Neste sentido, critica a revogação das medidas relacionadas com o alojamento local. «O que precisamos é da revogação imediata das licenças de alojamento turístico nas zonas de grande pressão e carências habitacionais e a integração imediata no mercado de arrendamento», defende. 

«Os jovens, assim como todos os que vivem e trabalham em Portugal, para comprarem casa, antes demais, precisam de salários dignos e a redução das taxas de juro (ver caixa lateral) e sobre isto o Governo nada diz, nem nada fará. O logro do IMT não resolve a situação», alerta.

A quem precisa de casa para viver, «tudo é imposto», a quem especula com a habitação, «tudo é dado e facilitado», repara o movimento, censurando o Governo do PSD e do CDS-PP por fazer prevalecer o direito de propriedade sobre o direito à habitação. 

Também merecedoras de críticas são as parceria público-privadas propostas para a habitação, transferindo para os privados o património do Estado, «isto é, entregar aos grupos económicos, aquilo que deviam ser os imóveis e terrenos para desenvolver a habitação pública, com requalificação e gestão pública». 

Para o Porta a Porta, mais do que a liberalização do solo e nova construção, que até agora tem dado preferência ao mercado de luxo, é preciso habitar as 723 215 casas vagas no nosso país (12,1% do total de fogos). «Temos 1,4 casas disponíveis por família, o que nos coloca no topo desta métrica na OCDE, "o país com maior rácio de casa por família"», apesar de haver «cada vez mais famílias a morar na rua e na incerteza, o que demonstra a falácia desta narrativa», constata. Acresce ainda a redução do IVA na construção, que, refere o movimento, «apenas beneficiará as grandes construtoras e os fundos imobiliários, e, mais uma vez, descapitaliza o Estado que devia estar a investir em Habitação Pública e a exigir rácios de habitação acessível».

Com a ampla maioria de direita, «composta por PSD, CDS, IL, Chega e vários sectores do PS», o programa do Governo «satisfaz plenamente os interesses da banca, dos fundos imobiliários, dos grandes proprietários e senhorios», e põe em causa o direito à habitação, sustenta o Porta a Porta. «É contrário ao artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa, que consagra o Direito à Habitação, e contrário à Lei de Bases da Habitação». A concretizar-se, acrescenta, «será criminoso», por colocar «mais pessoas a viver na incerteza e insegurança» e agravar as condições precárias em que muitas famílias já hoje se encontram. 

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