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Quem é que rouba, o ladrão ou o especulador?

É triste que um assaltante de bancos tenha mais de revolucionário do que alguém que se diz de esquerda.

Ricardo Robles com a coordenadora do BE, Catarina Martins. O vereador na Câmara Municipal de Lisboa leva a proposta de manutenção das refeições escolares nas mãos de empresas privadas à reunião da autarquia de 21 de Junho.
CréditosTiago Petinga / Agência LUSA

Durante vários anos, esteve preso em Monsanto o «Solitário». Entre 1993 e 2007, Jaime Giménez Arbe assaltou cerca de 30 bancos até ser detido na Figueira da Foz. Depois de os roubar, passava largas temporadas em Cuba onde passava os dias a fumar charutos e a beber rum. Define-se anti-capitalista e diz que nunca roubou ninguém. «Sou expropriador de bancos», escreveu na sua biografia1. Não é o protótipo de um revolucionário mas, sejamos sérios, viveu acima das suas possibilidades sem nunca ter tocado com um dedo na mais-valia de um único trabalhador.

No filme Bonnie and Clyde, os famosos assaltantes norte-americanos, interpretados por Warren Beatty e Faye Dunaway, encontram alguns camponeses despejados da sua casa durante a Grande Depressão e juntos disparam contra o anúncio de venda. No fundo, roubavam os agentes financeiros da especulação.

Às vezes, parece que estamos tão longe dos tempos em que discutíamos como devia ser o homem novo que ainda há quem ache que não é assim tão mau dizer-se de esquerda e comprar um prédio por 300 mil euros para depois o vender por 5,7 milhões. «Si queremos un modelo de hombre, un modelo de hombre que no pertenece a este tiempo, un modelo de hombre que pertenece al futuro, ¡de corazón digo que ese modelo sin una sola mancha en su conducta, sin una sola mancha en su actitud, sin una sola mancha en su actuación, ese modelo es el Che!», afirmou Fidel Castro há pouco mais de meio século no primeiro discurso depois da morte do guerrilheiro argentino.

Noutros tempos, ainda antes da Comuna de Paris, a pequena-burguesia recriminava o operariado que não se queria fazer representar no parlamento francês pelas classes, na altura, em ascensão.

Uma das principais consequências da derrota do bloco socialista europeu foi a perda de consciência de classe e o avanço das ideias reformistas.

Jerónimo de Sousa, um operário metalúrgico, afirmou que faz política não para se servir a si próprio mas para servir os trabalhadores e o povo. Se é verdade que Ricardo Robles nada fez de ilegal, também é verdade que o secretário-geral do PCP tampouco. Ou seja, dentro da legalidade há espaço para a desonestidade e para a honestidade. Mas na ilegalidade também. Não é por acaso que uma das séries espanholas de maior sucesso envolve um grupo de mulheres e homens que roubam a Casa da Moeda. Em La Casa de Papel, o elemento de classe está sempre presente, assim como o discurso contra o capitalismo. Não é por acaso que celebram o feito cantando a Bella Ciao, o hino da resistência antifascista italiana. Não sabemos se uma produção cinematográfica em que o protagonista fosse um especulador de noite e vereador defensor da habitação para todos de dia teria o mesmo êxito. Mas é triste que um assaltante de bancos tenha mais de revolucionário do que alguém que se diz de esquerda.

  • 1. Me llaman El Solitario. Autobiografía de un expropiador de bancos, Publicado pela conhecida editorial basca Txalaparta, pode ser encontrado aqui.

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