Este é o título de um livro de Pedro Nogueira Ramos, sobre o mau uso e abuso das estatísticas em Portugal, e que assenta que nem uma luva sobre o artigo de opinião que Luís Aguiar-Conraria escreveu no passado dia 21 de Agosto no jornal Público. Um artigo a que chamou «Que força é essa?». A escolha do título da belíssima composição de Sérgio Godinho de incitação à revolta contra a exploração do trabalhador fica sempre bem quando se quer dar uma de esquerda, mas tem muito pouco a ver com o seu conteúdo.
Percebe-se que o autor não gosta deste Governo e da solução política que permitiu a sua viabilização e por isso, apesar de tudo aquilo de muito diferente, em termos de distribuição de rendimento, que foi possível alcançar nos últimos quatro anos, ele consegue ver neles a continuação das políticas de rendimentos prosseguidas pelo PS com José Sócrates e pelo PSD/CDS com Passos Coelho. É preciso na verdade andar muito distraído para não ver a diferença.
Que um qualquer leigo em matérias económicas diga isso já é grave; que um professor de uma Escola Pública de Economia o sublinhe é gravíssimo e é um puro exercício de miopia económica.
É impressionante como todos avanços conseguidos em tão pouco tempo, apesar das muitas resistências do governo PS e da vontade contrária de PSD/CDS – com a subida do salário mínimo nacional, com a reposição dos salários e o descongelamento de carreiras na Administração Pública, com os descongelamentos das reformas e pensões e os seus aumentos mais acentuados nas pensões mínimas, com a redução da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho –, são pura simplesmente ignorados e, em vez disso, sublinha-se a ideia de que o peso do rendimento do trabalho no rendimento total em Portugal tem vindo a cair nas últimas décadas. Nesse exercício podia o autor, com apoio dos dados do INE e do Eurostat ir mais atrás e verificar como essa distribuição do rendimento é ainda muito mais desfavorável se a comparação for feita com o período a seguir à Revolução.
Esse foi o resultado dos muitos anos de governos de direita e de política de direita, que governaram o nosso País a partir do 1.º Governo constitucional e, por isso mesmo, têm importância acrescida e deveriam ser claramente sublinhados os avanços obtidos com a solução política implementada a partir dos resultados das últimas eleições legislativas.
A actual legislatura, por muito que o pensamento dominante neoliberal procure ocultá-lo, ficará na história politica e económica dos últimos 45 anos após a Revolução de Abril de 74 como o período de quatro anos em que foi possível travar e até mesmo inverter um conjunto de políticas que visavam o agravamento na distribuição do rendimento e que se vinham paulatinamente acentuando ao longo das últimas décadas.
«A actual legislatura, por muito que o pensamento dominante neoliberal procure ocultá-lo, ficará na história politica e económica dos últimos 45 anos após a Revolução de Abril de 74 como o período de quatro anos em que foi possível travar e até mesmo inverter um conjunto de políticas que visavam o agravamento na distribuição do rendimento»
Luís Aguiar-Conraria queria diluir todos os avanços obtidos nestes últimos quatro anos, comparativamente com o período negro do governo PSD/CDS e da intervenção da troika que o antecedeu. Por isso, alargou a sua análise a um período bem superior (2004 a 2017) e, em vez de utilizar os dados já disponíveis para 2018 das Contas Nacionais do INE, referentes ao peso dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional, preferiu socorrer-se da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e das suas estimativas sobre o peso dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional até 2017, porque essas estimativas serviam melhor os seus intentos.
Como bem saberá o autor deste artigo de opinião, a metodologia utilizada pela OIT nestas suas estimativas difere dos cálculos do INE e do Eurostat, porque adiciona ao peso das remunerações do trabalho no PIB uma estimativa da parte dos rendimentos dos trabalhadores independentes que pode ser considerada como remuneração do trabalho e que nas Contas Nacionais integra os chamados rendimentos mistos. Dessa forma a OIT, no caso português, aumenta o peso dos rendimentos do trabalho no PIB entre 15 a 10 pontos percentuais ao longo dos 13 anos (2004 a 2017) para que apresenta resultados, comparativamente aos dados divulgados pelo INE e o Eurostat. É discutível que assim seja; de qualquer das formas, os próprios cálculos da OIT mostram que o peso das remunerações do trabalho no PIB, depois de ter caído 5,6% entre 2004 e 2010, caiu 8,9% entre 2011 e 2015, para nos dois últimos anos (2016 e 2017) se ter mantido praticamente inalterado. Já de acordo com os dados do INE e da Eurostat, esse peso, depois de ter aumentado 1,2% no período 2004 a 2010, caiu 4,7% no período de 2011 a 2015 e cresceu 2,2% nos últimos três anos.
Luís Aguiar-Conraria não conseguiu ver esses avanços visíveis até a olho nu, mas em contrapartida conseguiu ver o apoio de toda a esquerda parlamentar ao governo socialista a capitular no combate às rendas excessivas, quando o que efectivamente aconteceu foi que o PS se apoiou no PSD para essa capitulação, com o voto contra dos partidos à sua esquerda.
Lido o título e o conteúdo deste artigo de opinião, o que me vem à memória é a história do lobo que, para atacar o rebanho, se disfarçou com pele de cordeiro.
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