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Teatro Griot leva à cena «O riso dos necrófagos»

Estreia esta terça-feira na Culturgest, em Lisboa, a peça que pretende acrescentar novas vozes à violência colonial e aos povos africanos colonizados.

Ensaio da peça «O Riso dos Necrófagos» do Teatro Griot, Lisboa, 15 de Abril de 2021
CréditosAntónio Cotrim / Agência Lusa

O ponto de partida de «O riso dos necrófagos» é um acontecimento da história recente de São Tomé e Príncipe, o Massacre de Batepá, ocorrido a 3 de Fevereiro de 1953, após uma revolta dos trabalhadores contra a exploração dos colonos portugueses nas roças de cacau e café.

Na repressão desta revolta, ordenada pelo ex-governador Carlos Gorgulho, morreram 1032 pessoas, na versão são-tomense, e entre uma e duas centenas, na versão portuguesa da época. Actualmente, este acontecimento é assinalado no país como o Dia dos Mártires da Liberdade e é feriado nacional.

Zia Soares, a encenadora, explicou à Lusa que, juntamente com o músico Xullaji, foram recolher, na ilha africana, elementos sobre o massacre. «Não fui à procura de uma narrativa histórica e cronológica, mas do que é que tinha ficado, que relatos tinham ficado, que gestuários, que sons é que a aquela ilha tem, como é que aquelas pessoas se movimentam», disse.

Em palco estão nove intérpretes e o ambiente é de estrangulamento e de morte, segundo palavras da encenadora, que afirma que «todo o espectáculo transita numa atmosfera de asfixia, durante uma hora e tal, e essa asfixia faz parte de um gestuário de violência colonial e que se mantém até hoje. Até hoje, pessoas negras são asfixiadas todos os dias no mundo, seja aqui em Portugal, seja nos EUA».

Metade da peça é feita de performance coreografada, sem texto, por Benvindo Fonseca, Binete Undonque, Daniel Martinho, Lucília Raimundo, Mick Trovoada, Neusa Trovoada, Vera Cruz, Xullaji e Zia Soares.

O texto é co-assinado pela encenadora e pela escritora Conceição Lima, e inclui registos da autora Alda Espírito Santo, contemporânea dos acontecimentos de 1953.

«Há um ambiente de morte e de violência constante, mas há um pensamento, uma reflexão desse estado de morte que não é um estado de derrota, mas de transformação, de ir para outro lugar», aponta Zia Soares, que revela ainda que «o que estamos a fazer é produzir memória, porque a nossa memória foi interrompida, de uma forma violenta, imposta. Houve uma narrativa [dos povos africanos colonizados] que foi interrompida e houve uma narrativa que foi imposta pelo colonizador. A minha memória certamente é muito mais curta do que a tua e por isso mesmo eu tenho uma necessidade maior de produzir memória no presente para o futuro. É disto também que este espectáculo trata».

A peça assinala a reabertura das artes de palco da Culturgest, no âmbito do plano de desconfinamento, cujas restrições também afectaram a companhia. «Estamos a trabalhar mais dois meses e tal e o orçamento não alargou. Felizmente esta equipa está dedicada a levar o espectáculo até ao fim e tem a possibilidade de poder continuar a trabalhar nele apesar de não estar a ser remunerada», sublinhou Zia Soares.

O Teatro Griot vai ainda iniciar o trabalho de uma nova produção que deverá estrear-se em Janeiro de 2022 no Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa.


Com agência Lusa

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