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Marta Martins: «Se não fossem os municípios, não existia acção cultural»

A directora executiva da Artemrede falou ao AbrilAbril sobre o trabalho desenvolvido por este projecto de cooperação cultural, que tem como objectivo qualificar e desenvolver os territórios onde actua.

Créditos / Mais Ribatejo

A Artemrede surgiu a 4 de Janeiro de 2005 com o objectivo de apoiar a programação cultural dos municípios e formar as equipas municipais no terreno. Foram 16 os municípios fundadores. Actualmente, e depois de algumas oscilações, há 17 e uma entidade privada a tecer esta rede onde tudo o que acontece tem que ser feito com as autarquias e ajustado à realidade de cada território.

Que compromissos assumem os municípios associados da Artemrede?

Enquanto membros da rede têm que pagar uma quota anual, participar nos órgãos sociais, na construção dos projectos e na sua implementação, devendo ter recursos humanos e técnicos/logísticos para os implementarem. 

Tudo o que é acolhimento e produção no local é da responsabilidade das equipas municipais e não da Artemrede. Nós desenhamos em conjunto, construímos candidaturas para financiamentos externos, gerimos esses financiamentos, fazemos toda a contratação com todos os agentes, todos os actores, sejam companhias, formadores, mediadores. Mas, quando os projectos chegam ao local, eles são implementados por cada uma das equipas.

Nós não estamos no terreno, a não ser, obviamente, a acompanhar uma ou outra actividade. Um dos ensinamentos do primeiro ano da rede foi que nós não nos queremos substituir às equipas, de todo. Aliás, eu lembro-me que o primeiro director tinha uma frase que repetia muitas vezes: «A Artemrede deve ser invisível», ou seja, dá condições para que os projectos possam acontecer, mas eles são dos municípios.

Nós estamos permanentemente a trabalhar este discurso com as equipas municipais de que os projectos são deles, porque eles são a Artemrede. A Artemrede não é uma equipa executiva que está em Santarém, mas sim o conjunto dos seus municípios. Não seria nada sem eles.

Depois há toda uma dimensão política que existe e é importante. Estamos agora a desenvolver uma iniciativa que nos parece muito importante, e até inédita em Portugal, que é o Compromisso Cultura 2030, e que na verdade foi desencadeado por uma proposta, que vem no nosso plano estratégico, de elaborar uma carta de compromisso da rede. É algo que não existe, temos os estatutos, aquilo que apresenta o que é a rede e compromete os seus municípios perante a rede, mas decidimos que nesse processo de planeamento estratégico era importante existir um documento identitário da rede, que de alguma forma agregasse os princípios e valores que a rede defende no que respeita a políticas culturais locais, incorporando os princípios da Agenda 21 da Cultura e os objectivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030.

Temos feito uma série de workshops com as equipas locais para que possam reflectir sobre em que momento estão na implementação desses princípios. Todos os relatórios que saem de cada workshop têm uma série de considerações que pretendem também mostrar ao poder político qual é a percepção que as suas equipas têm do trabalho que está a ser desenvolvido pelo município. 

Há também um Fórum Político...

Sim, associado a isso vamos fazer o Fórum Político, que este ano vai ter características especiais. Nós todos os anos, desde o plano estratégico de 2015, reafirmamos a dimensão política da rede com este fórum político anual, com esta reunião de autarcas para debater questões de política cultural. Este ano, que é ano de autárquicas, decidimos assumir isto como um momento em que a Artemrede contribui para o debate que antecede as eleições.

Nós gostaríamos de fazer uma conferência presencial, mas devido à pandemia não vamos fazer. Como também não a vamos transformar numa conferência online, decidimos que, de 7 a 11 de Junho, vamos assumir essa semana como o Fórum Político da Artemrede e publicar conteúdos pré-gravados, que serão entrevistas ou debates com diferentes interlocutores, sejam autarcas da rede, programadores, dirigentes, mas também fora da rede, especialistas, pensadores, políticos, sobre determinados temas que nos parece urgente discutir no contexto do debate autárquico, tendo sempre  obviamente a cultura como pilar. O Fórum Político é também uma forma de poder influenciar e contribuir nas decisões de política cultural local. Tem sido muito interessante e todos os autarcas que participam neste encontro/debate, pertencendo a diferentes campos político-partidários, reconhecem que tem sido uma aprendizagem para eles.

O foco continua a ser a democratização do acesso à cultura?

Isto tem sido uma evolução ao longo dos anos. No início, a Artemrede estava mais focada na democratização do acesso à cultura ou à oferta cultural, estimulando a programação em rede de objectos artísticos que na maioria eram produzidos noutros locais. Entretanto, foi evoluindo para um outro objectivo, que é o da democracia cultural.

Não só promover a oferta cultural nesses territórios, essas equipas neste momento já estão em condições de o fazer sozinhas e a programação em rede já é uma parte residual do nosso trabalho, mas sobretudo desenvolver projectos que partem do território, que podem ter protagonistas que vêm de outros territórios, mas que são desenvolvidos com a população ou mesmo com agentes culturais locais, a partir daquilo que é o território e da sua espeficidade. Porque o território da Artemrede é muito distinto e nós temos sempre em conta essa diversidade.

« A Artemrede não é uma equipa executiva que está em Santarém, mas sim o conjunto dos seus municípios. Não seria nada sem eles.»

marta mARTINS

Há projectos que fazem sentido nuns territórios e não fazem noutros, e há um grande risco de as redes caírem na homogeneização da actividade que acontece no Sobral de Monte Agraço, em Almada, no Barreiro, em Abrantes. E nós combatemos essa homogeneização. Obviamente que há projectos que envolvem diferentes municípios, é por isso que é uma rede, mas são ajustados às especificidades de cada território. Nem todos os municípios estão em todos os projectos, porque para alguns o interesse é, por exemplo, trabalhar as questões da arte e da inclusão social, outros querem sobretudo centrar-se no desenvolvimento de projectos artísticos que envolvem as comunidades, outros estão muito interessados na internacionalização ou no trabalho com projectos europeus, outros querem sobretudo formação.

Neste momento, a Artemrede é uma série de mosaicos, e não apenas uma actividade única, como era no início, que envolvia toda a gente, e onde todos tinham formação e programação. Temos que ir acompanhando, desafiando, mas respeitando sempre as especificidades dos municípios.

Já falaste várias vezes de projectos, um dos mais emblemáticos é o Festival Manobras, que arrancou em Abril.

Neste momento temos 14 municípios envolvidos neste projecto, e vai mudando ao longo dos anos. O Festival Manobras é a evolução da Festa da Marioneta, que era um momento do ano em que congregávamos vários espectáculos de marionetas. Não era um festival, era um momento de programação em que vários municípios acolhiam esses espectáculos. Agora o festival é multidisciplinar, é verdade que continua centrado nas marionetas, mas é um festival que já cruza com muitas outras disciplinas, das artes de rua, do novo circo, da dança, e que tem efectivamente conquistado público ao longo dos anos. O festival tem mais implantação nos municípios do Centro, devido à questão do financiamento, mas os outros quiseram sempre associar-se com um ou dois espectáculos.


Outro interessante é o dos «Visionários». Se, por um lado, a Artemrede forma profissionais, este projecto parece ter o propósito de formar públicos.

É uma estratégia de desenvolvimento do público, que tem a ver também com aquela perspectiva da democracia cultural de que estava a falar há pouco e que implica necessariamente promover também a participação cultural dos cidadãos, não apenas como espectadores passivos, mas como agentes criadores. 

Os «Visionários» têm sido uma iniciativa muito inspiradora e quando desafiámos os municípios a embarcar neste desafio estávamos com muitos receios de que isto pudesse morrer na praia. Mas foi muito interessante, houve logo alguns municípios que decidiram abraçar esta ideia e neste momento temos dez municípios com grupos de visionários, que vai muito além daquilo que esperava. 

Como surgiu a ideia?

Os «Visionários» são inspirados nos Visionari italianos, uma ideia do director do Festival Kilowatt. Na verdade, agora já existem visionários espalhados por toda a Itália e existe um projecto europeu liderado por esse festival, chamado «Be Spectative», do qual também fazemos parte. Financiado pelo programa Europa Criativa, este projecto assenta também nesta ideia de as pessoas poderem participar nos processos de criação e programação artística dos seus territórios.

Nós estamos a desenvolver esta iniciativa desde 2017 e, entretanto, desde 2018 fazemos parte do projecto «Be Spectative». Os grupos de visionários são grupos de espectadores, são pessoas sem uma ligação profissional ao meio artístico, o que é muito importante para não existirem hierarquias dentro do grupo, que se encontram regularmente para ver propostas de espectáculos de artes performativas em vídeo. Depois discutem em conjunto as suas impressões sobre aquilo que estão a ver e decidem quais são as que querem ver programadas, seja no seu teatro, seja, por exemplo, para o Festival Manobras. 

Alguns visionários só escolhem para o Manobras, só vêem espectáculos que encaixem no conceito do festival e depois programam. Também decidem em que espaço e para que público-alvo aquele espectáculo vai ser dirigido. Há outros visionários que escolhem para uma iniciativa local, por exemplo as festas do concelho ou outro tipo de iniciativa. Tem sido mesmo muito interessante porque temos grupos com pessoas de perfis muito distintos, desde professores, médicos, um padre, um polícia, estudantes, domésticas e várias pessoas reformadas.

No âmbito do projecto «Be Spectative», que reúne organizações culturais de 15 países, cada organização tem o seu grupo de visionários, ou mais do que um, como é o caso da Artemrede, que participa neste projecto com os municípios de Lisboa (Marvila), Sesimbra e Pombal. Quando a Artemrede participa num projecto fá-lo sempre com alguns municípios.

Entretanto, está a surgir o «Territórios Pertinentes», com artistas como Capicua e Omiri.

Foi uma candidatura ao anúncio da Programação Cultural em Rede, que surgiu no ano passado. Nós só conseguimos concorrer ao [Programa Operacional] Centro 2020. Também temos municípios no Alentejo e na Área Metropolitana de Lisboa (AML), mas a gestão dos fundos é sempre diferente de região para região, e, nesses territórios, as comunidades intermunicipais e a AML decidiram canalizar [o financiamento] de outra forma. Chamamos-lhe «Territórios Pertinentes», que é um conceito com o qual nos identificamos e que na verdade é aquilo que a Artemrede é. Os territórios da Artemrede são pertinentes porque querem trabalhar em conjunto, a pertinência da rede é essa, então por isso chamamos ao projecto «Territórios Pertinentes», porque agrega municípios como Sobral de Monte Agraço, que fica às portas de Lisboa, até Pombal e Abrantes. 

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Propostas do Governo podem aumentar assimetrias, critica Artemrede

A Artemrede, que agrega 16 municípios, afirma que algumas das medidas propostas pela tutela para a reabertura das salas de espectáculo «inviabilizarão» a programação cultural em várias localidades.

Créditos / Artemrede

Na sequência da divulgação aos promotores e responsáveis do sector, por parte do Ministério da Cultura, de um projecto de manual de procedimentos no âmbito do plano do regresso à actividade, a partir de 1 de Junho, a Artemrede denuncia que algumas das medidas propostas «inviabilizarão a programação cultural em vários pontos do País» e são «omissas em questões relevantes para a segurança e confiança das equipas técnicas, artísticas e público». 

Os 16 municípios que integram a estrutura observam que «a fruição e participação culturais serão determinantes para um regresso gradual à normalidade e para promover a confiança e a coesão social».

Neste sentido, salientam que é preciso «aprofundar a reflexão e o diálogo sobre esta matéria, sob pena de se estarem a impor medidas desajustadas à maioria dos espaços e a tornar incomportável o funcionamento dos mesmos», desta feita aumentando «as assimetrias já existentes na fruição e participação culturais no País».

No documento enviado esta semana ao Ministério liderado por Graça Fonseca, a Artemrede aponta caminhos diferentes para algumas das medidas enunciadas no projecto que o Governo deu a conhecer no passado dia 15 de Maio. Quanto à lotação das salas, a Artemrede regista que o «mais sensato seria definir uma percentagem de ocupação máxima, permitindo que cada espaço defina o seu modelo cumprindo sempre as regras de segurança impostas pela Direcção-Geral da Saúde (DGS)».

Nalguns casos, a Artemrede defende também a utilização obrigatória de máscaras por parte dos espectadores durante os espectáculos (e não apenas à entrada), tal como a manutenção mensal dos aparelhos de ar condicionado e que só sejam permitidos sistemas que garantam a insuflação a 100% de ar novo.

A Artemrede regista ainda que «deviam ser aprofundadas as questões relativas às equipas técnicas (som, luz, direcção de cena, entre outras)» e que o documento do Ministério «é omisso na gestão das entradas e saídas dos espectadores, nomeadamente a permanência destes em foyers, que, nalguns casos, são espaços exíguos e onde não será possível manter a distância de segurança».

Quanto aos espectáculos ao ar livre, onde a tutela prevê, por exemplo, que a cada espectador deverá caber um espaço de 20 metros quadrados, a estrutura liderada por Marta Martins afirma que as propostas da tutela não se adequam à realização de eventos de pequena e média dimensão, pondo mesmo em causa a sua realização.

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A candidatura vai estender-se até 2022 e nós decidimos usar este financiamento para desafiar os artistas a criar projectos a partir destes territórios e com estas pessoas. Temos alguns projectos que se destacam mais, mas também o espectáculo «Meio no Meio», que vai estrear em Junho e é o culminar de um projecto financiado pelo Programa Partis e que trabalha com comunidades vulneráveis de Almada, Barreiro, Lisboa e Moita, dirigido pelo Vítor Hugo Pontes, e que agora está no processo de residência. Além de ser apresentado nestes quatro municípios co-produtores, vai ser também apresentado em Alcobaça e Sobral de Monte Agraço, graças ao financiamento do «Territórios Pertinentes», exactamente para estimular este contacto entre diferentes projectos e diferentes municípios. 

Mas temos então os projectos de criação, esses são mesmo encomendas, que são um desafio à Capicua, para trabalhar com grupos corais de Abrantes e de Torres Vedras, e ela desafiou o Nerve, que é um artista de Constância, para trabalhar o repertório destes grupos. A Capicua vai escrever letras a partir do que são as histórias, as memórias e as conversas que vai ter com as pessoas que fazem parte do grupo, e portanto vai renovar aquele repertório a partir do universo daquelas pessoas. Tudo isso depois vai dar origem a um concerto do grupo, não da Capicua. 

O projecto maior do «Territórios Pertinentes» vai a 12 municípios, chama-se «A Feira» e é um projecto da Companhia Radar 360. Desafiámo-los a criar um projecto a partir das feiras e dos mercados locais, então eles vão falar com pessoas ligadas a essas feiras, mas também com artesãos, produtores locais, e depois recriar uma feira de circo contemporâneo, que cruza também outras disciplinas, como as artes de rua, a dança, o vídeo. O processo vai começar agora em Junho e só estreia em Março ou Abril do próximo ano. 

E temos também o Omiri, que é o músico Vasco Ribeiro Casais. Ele já fez este projecto nalguns sítios, mas é sempre um espectáculo novo porque ele faz a recolha de músicas e de cantores tradicionais locais, não profissionais, e depois cruza com música electrónica, o que resulta num espectáculo muito interessante, muito inovador. O trabalho final vai resultar num CD com essas músicas, que vai ficar disponível para ser adquirido e distribuído pelas pessoas que participaram. 

Existe ainda uma encomenda à pianista Joana Gama, que vai trabalhar com escolas de alguns concelhos sobre as questões da sustentabilidade ambiental, no projecto «As artes estão à escuta». Mas este ano temos também o Qubim, que é uma co-produção com a Circolando e com a Trupe Fandanga. É um espectáculo de novo circo e de artes de rua, que vai já integrar o Festival Manobras e é o primeiro espectáculo do «Territórios Pertinentes».

Que papel têm os municípios na dinamização cultural do território?

Se não fossem os municípios, não existia acção cultural em muitos territórios. Há muita actividade cultural incrível que existe a partir de estruturas independentes e que algumas são financiadas pelo Ministério da Cultura, e muitas não são. Muitas são financiadas pelos próprios municípios. A acção cultural dos municípios tem sido imprescindível para que as pessoas possam ter o tal acesso universal à cultura, que se assim não fosse, não existiria. 

«Os territórios da Artemrede são pertinentes porque querem trabalhar em conjunto, a pertinência da rede é essa» 

Marta Martins 

O que falha muito, e isto tem sido uma grande bandeira nossa, é uma maior articulação entre o Estado central e as autarquias para que esse acesso à cultura realmente seja garantido. Porque há uma desresponsabilização do Governo relativamente a essa coesão territorial no acesso à cultura e as iniciativas que existem são iniciativas de pouco alcance, na verdade. Não vão resolver as assimetrias regionais que existem, apesar de por vezes terem isso no seu discurso ou na sua intenção. E acho que deveria existir uma articulação robusta, forte, sempre em diálogo com as autarquias porque, mais uma vez, quem conhece o território é quem está no local. As autarquias e não só, as estruturas, os agentes locais, tudo o que faz parte do ecossistema cultural local, não é quem está no Palácio da Ajuda, e parece-me que é esse diálogo que falta. 

Falta diálogo e investimento.

Claro. Mas seria importante ter essa visão política do que é que se quer para o território no que respeita ao acesso à cultura. O que é que se quer? Quais são as metas? Quais são os objectivos? Que indicadores vamos usar para medir se esses objectivos estão a ser cumpridos? Qual é o calendário de execução e qual é o orçamento para isso, e depois ter um plano claro, a longo prazo, para cumprir então esses objectivos. O que existem são medidas avulsas, como a Rede de Teatros, que mais uma vez é ir buscar uma ideia do século XX para responder a desafios que são do século XXI.

A Rede de Teatros seria uma iniciativa muito importante nos anos 90, acho que agora estamos a ser muito simplistas e provavelmente a dedicar uma grande parte do orçamento do Ministério da Cultura a algo que não vai resolver os problemas de assimetrias regionais, sobretudo porque ancora numa ideia de teatro que é uma ideia gasta, que não corresponde àquilo que é a realidade do nosso território e que vai excluir desse financiamento uma série de municípios que não têm condições para alcançar os critérios que foram instituídos num determinado diploma. E, mais uma vez, vai beneficiar aqueles que já têm alguns recursos e, portanto, onde já existe actividade cultural, porque já há teatros com determinadas condições, dimensões e orçamento, e aqueles que não tinham vão continuar a ficar de fora. 

«O que existem são medidas avulsas, como a Rede de Teatros, que mais uma vez é ir buscar uma ideia do século XX para responder a desafios que são do século XXI.»

Marta Martins

E na verdade pergunto-me, e perguntamo-nos muitas vezes na Artemrede e já o afirmámos publicamente, se essa deveria ser a solução, se financiar os teatros é a medida certa para garantir que existe essa acção cultural forte, ampla e em todo o território. Se é por aí, se não poderia ser financiar outro tipo de projectos, outro tipo também de projectos de cooperação. Porque não estimular que existam projectos de cooperação cultural em determinados territórios? A Artemrede é um exemplo, mas que não necessita de ser replicado, podem existir outros exemplos de redes ou de projectos de cooperação entre municípios, entre municípios e entidades privadas ou públicas, que tenham objectivos claros de dinamização daquele território. E que esses projectos, sim, é que poderiam ser apoiados, e poderiam incluir teatros ou não incluir.

Neste momento há bibliotecas que são centros culturais com, se calhar, até melhores condições de apresentação de espectáculos do que alguns teatros. Ou mesmo municípios que não têm teatros e onde a acção cultural é muito forte porque usam outro tipo de espaços, espaços não convencionais, a rua, para que a actividade cultural aconteça. E porque não financiar projectos assim, diferentes de território para território e, mais uma vez, ajustados às especificidades de cada território, aos seus agentes locais, em vez de traçar a régua e esquadro o que é que faz sentido em Mértola, em Bragança ou em Santarém. 

Também aqui se sente falta da regionalização?

O grande problema é as decisões serem tomadas de uma forma centralista, sem conhecer o território. E serem tomadas a estes diferentes níveis. Ao nível central, em que realmente há um desconhecimento sobre quais são os recursos locais e quais são os interesses e as necessidades do território. Ou então são tomadas ao nível local, em que por vezes também existe uma decisão micro, e não existe esse meio termo.

Esse nível de decisão regional parece-me que seria muito importante para ter uma visão de um território mais alargado. Tomar decisões macro, mas mais ajustadas àquele território em concreto. Todas estas organizações que entretanto vão sendo criadas para realmente responder a essa necessidade, mas nunca respondendo de uma forma muito eficaz, desde as comunidades intermunicipais, às áreas metropolitanas, mesmo as comissões de coordenação e desenvolvimento regional. A  questão é que, nalguns casos, falta-lhes poder de decisão, mas faltam-lhes também equipas capazes de responder às competências que lhes são atribuídas. Por exemplo, esta questão da gestão dos fundos é um caso flagrante para o qual andamos a chamar a atenção há vários anos.

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Política cultural lisboeta vai ser mais democrática

A proposta dos vereadores do PCP na Câmara de Lisboa para a criação do Conselho Municipal da Cultura é um «importante passo» para a democratização das políticas culturais. 

A arte da calçada portuguesa nasceu em Lisboa
Créditos / NiT

De acordo com o documento aprovado na reunião de Câmara, da passada quinta-feira, o Conselho Municipal de Cultura deverá ter um papel relevante na definição e realização da política cultural, permitindo auscultar a cidade de forma «mais activa».

O modelo de funcionamento ainda não foi discutido, mas o gabinete dos vereadores comunistas na Câmara de Lisboa salienta num comunicado que a nova estrutura «terá como objectivo colaborar na articulação da estratégia cultural municipal», contribuindo para a melhoria das condições de acesso às produções culturais, mas também para a defesa do património cultural e preservação do património imaterial.

«É necessário responder aos desafios da sociedade actual, investindo na participação activa das associações na vida cívica e cultural da cidade, através das estruturas consultivas, garantindo a promoção de um diálogo plural que incrementará a promoção e dinamização da cultura», lê-se na nota.

Os eleitos do PCP sublinham que, com a aprovação desta proposta, «deu-se um importante passo para a democratização das políticas culturais na cidade de Lisboa». Recordam ainda que esta foi uma das medidas do programa eleitoral com que se apresentaram às autárquicas de 2017, por entenderem que a Cultura «deve ser um dos principais factores de desenvolvimento» da cidade de Lisboa». 

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Na verdade, quem gere estes recursos, analisa as candidaturas e depois faz toda a gestão do financiamento para a cultura são técnicos sem competências na área, porque foram-lhes transferidas estas competências que eles não tinham, mas as equipas destes organismos não foram reforçadas.

Seria muito importante que isto fosse encarado de uma forma clara e decisiva. Se realmente estas entidades vão ter determinadas competências na área da cultura, então que sejam reforçadas em termos de equipas, porque senão, aquilo em que os fundos depois se materializam é algo que não é muito interessante para os territórios, porque de facto quem analisa se aquela candidatura ou projecto tem qualidade, se cumpre os objectivos daquele financiamento, se depois tem todo um processo de avaliação, de monitorização, são equipas que depois não têm essa competência para analisar.

Falaste do Compromisso Cultura 2030. Que outros projectos têm a curto/médio prazo?

Estamos também agora a arrancar com um projecto europeu muito ambicioso, de quatro anos, que se chama «Stronger Peripheries: A Southern Coalition», que é liderado pela Artemrede. É um projecto de grande escala, financiado pelo programa Europa Criativa e que envolve 14 organizações do Sul da Europa, sendo este «Sul» um conceito político e não geográfico. 

 A ideia é, por um lado, desconstruir as ideias de Norte e Sul, de centro e de periferia, o que é que isso significa, quais são as relações de poder que existem entre estas dicotomias, o que é que nos aproxima enquanto organizações culturais que trabalham em territórios periféricos e do sul e leste da Europa, que obstáculos é que encontramos que não se encontram noutros territórios e que soluções é que encontramos para os ultrapassar, e como são as políticas culturais do sul da Europa, se são diferentes das do norte, e como é que as políticas culturais podem influenciar as práticas artísticas participativas, e o inverso. 

«(...) o projecto tem também uma parte de capacitação, vai ter uma série de acções de formação para os profissionais de cultura do Sul da Europa e vai desenvolver projectos de criação, sempre ancorados em práticas artísticas participativas (...)»

Marta Martins

Para além de ter toda essa dimensão de reflexão e de debate político sobre o que é o Sul, o projecto tem também uma parte de capacitação, vai ter uma série de acções de formação para os profissionais de cultura do Sul da Europa e vai desenvolver projectos de criação, sempre ancorados em práticas artísticas participativas, 12 projectos de criação que vão ser então desenvolvidos através de residências ao longo destes quatro anos. Toda esta parte da dimensão política vai também basear-se em duas grandes conferências e numa publicação que vai congregar todos os resultados, tudo aquilo que é a aprendizagem do projecto durante estes quatro anos. 

Temos 11 organizações culturais e três universidades, que vão ter um papel muito importante nesta fase de investigação e de reflexão e de produção de conhecimento. Nós temos a participar neste projecto sete municípios, é um projecto em que conseguimos agregar mais municípios da Artemrede e que vai ter um impacto muito importante na actividade da Artemrede nos próximos quatro anos e também no seu posicionamento nacional. Mas os municípios também participam de diferentes formas, temos municípios que participam só nalgumas acções de capacitação e depois acolhem o espectáculo que resultar destes processos de criação, outros que participam em todo o processo de acolher as residências, participar como co-produtor no espectáculo, escolher o artista que será produzido, participar numa série de acções de capacitação e em reuniões, etc. 

Este é o primeiro projecto de uma rede a que chamamos «Southern Coalition», que é uma rede de organizações culturais do Sul da Europa e que pretendemos que depois continue. Aliás, durante o projecto temos a intenção de começar já a fazer contactos com novos membros para que esta rede viva para além dos quatro anos do primeiro projecto.

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