|Bolívia

Bolívia pede explicações a Espanha e Chile pelas acções de dois deputados

A diplomacia boliviana repudiou a «acção intervencionista» de dois deputados de extrema-direita no país e pediu esclarecimentos aos seus países sobre o «estatuto de observador» que disseram ter.

Membros do grupo parapolicial e paramilitar Resistencia Juvenil de Cochala, surgido durante o golpe de Estado de Novembro de 2019 na Bolívia 
Elementos de um grupo parapolicial e paramilitar em acção na Bolívia (imagem de arquivo) Créditos / la-epoca.com.bo

Em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Bolívia considera «desatinadas» as acções e declarações do deputado espanhol Víctor González Coello (Vox) e do deputado chileno Luis Fernando Sánchez (Partido Republicano), relacionadas com questões que são do foro interno do país, designadamente com a detenção de Luis Fernando Camacho, processado no âmbito do caso Golpe de Estado I.

Através dos canais diplomáticos, o Ministério «pediu à Embaixada do Reino de Espanha e ao Consulado Geral do Chile na Bolívia informação relativa ao "estatuto de observador" que afirmaram ter ambos os deputados publicamente em território nacional», lê-se no documento, divulgado pela Agencia Boliviana de Información (ABI).

O texto repudia ainda a acção dos deputados referidos, que, «sem nenhuma acreditação, assumiram a representação dos seus governos e congressos, o que constitui uma inaceitável ingerência nos assuntos internos da Bolívia».

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Alerta na Venezuela para o avanço do fascismo a nível mundial

Irene León, socióloga equatoriana, chamou a atenção para o avanço da extrema-direita e de correntes fascistas no mundo, como parte da própria necessidade de reestruturação do sistema capitalista.

A Cimeira Internacional contra o Fascismo realizou-se em Caracas de 11 a 13 de Abril 
Créditos / vtv.gob.ve

Em declarações ao jornalista William Urquijo Pascual, da Prensa Latina, a propósito da realização, em Caracas, da Cimeira Internacional contra o Fascismo, a socióloga referiu que a expansão destes posicionamentos políticos extremistas constitui um fenómeno vertiginoso, que se agudizou nos últimos tempos.

«Isto não é retórica, estamos a ver um mundo dividido por esta recomposição da extrema-direita e das suas propostas, e, por outro lado, pela própria necessidade do capitalismo de gerar processos autoritários para se recompor», explicou.

Irene León, que é membro da Rede de Intelectuais e Artistas em Defesa da Humanidade, indicou que as empresas transnacionais, o complexo militar industrial e os grandes consórcios mediáticos assumiram um poder desmesurado no mundo global, um controlo que procuram aumentar através de governos autoritários.

«Obviamente, o capitalismo procura reposicionar-se e só o pode alcançar por via do confisco de qualquer ideia de gestão colectiva, de democracia participativa ou socialismo», disse.

Neste sentido, a socióloga equatoriana referiu que a designada reestruturação do capitalismo surge acompanhada pela reorganização das forças de extrema-direita, por via de uma coordenação que visa criar acções comuns, alertou.

Irene León, socióloga equatoriana que participou na Cimeira Internacional contra o Fascismo, em Caracas / Prensa Latina 

Irene León deu como exemplo a iniciativa que propõe a criação da chamada Iberosfera. «Aí estão partidos como Vox, de Espanha, e outros de extrema-direita da América Latina, que pretendem pôr em marcha um projecto neocolonial, pôr sobre a mesa os valores da colónia actualizados à faceta imperialista», explicou.

Trata-se, segundo a especialista, de movimentos muito obscurantistas em defesa do mundo corporativo e deste novo formato do capitalismo global, que propõe a desconstrução das identidades culturais e nacionais, num fascismo actualizado segundo as regras do século XXI.

Neste cenário, a socióloga equatoriana destacou a importância de reforçar a articulação entre os movimentos democráticos que defendem os direitos dos povos a encontrar as suas próprias formas de organização, de viver a democracia participativa e gerir um projecto económico político soberano.

A este respeito, Irene León valorizou a celebração, na Venezuela, da Cimeira Internacional contra o Fascismo, que reuniu cerca de 200 intelectuais, académicos, activistas políticos e representantes de movimentos sociais provenientes de mais de meia centena de países.

A iniciativa, que decorreu entre 11 e 13 de Abril, foi organizada no âmbito do programa comemorativo do 20.º aniversário da vitória sobre o golpe de Estado contra Hugo Chávez, com um cariz anti-imperialista e contra o expansionismo da NATO.

Os debates centraram-se nas novas caras da extrema-direita, na importância da comunicação alternativa e nas experiências de luta e resistência popular nos novos tempos.

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Esta segunda-feira, os deputados espanhol e chileno de extrema-direita entraram, juntamente com o presidente da organização de extrema-direita boliviana Comité Pro Santa Cruz, Rómulo Calvo, nas instalações do Comando Departamental da Polícia, em Santa Cruz.

Segundo refere a ABI, os três queixaram-se, com «diferentes tons», do recurso à força contra os protestos que exigem a libertação de Luis Fernando Camacho, que se encontra em prisão preventiva – por quatro meses – desde 30 de Dezembro, acusado de ser um dos principais envolvidos no golpe de Estado de 2019 e em factos de violência e morte a ele associados.

«Justificando os ataques e incêndios a mais de duas dezenas de entidades públicas e privadas protagonizados por grupos radicais, tanto González como Sánchez alegaram que estão no país para "recolher informação sobre alegadas violações dos direitos humanos"», indica a ABI.

Políticos questionam acção de deputados estrangeiros e pedem a sua expulsão

Em declarações à rádio Patria Nueva, o vice-ministro do Comércio Externo e Integração, Benjamín Blanco, disse que ambos os deputados não «representam ninguém» porque não tinham qualquer aval dos seus governos ou dos seus parlamentos para exercer funções oficiais no país sul-americano.

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Bolívia: centenas de pessoas exigem justiça para golpista detido

Vítimas do massacre de Senkata e organizações sociais realizaram uma vigília em La Paz exigindo ao Ministério Público «justiça e prisão» para Luis Fernando Camacho, detido esta quarta-feira.

Créditos / Prensa Latina

Centenas de pessoas mobilizaram-se [vídeo] à frente das instalações da Força Especial de Luta contra o Crime (FELCC), aguardando pelas decisões que o Ministério Público tome relativamente ao governador da província de Santa Cruz e reconhecido membro da extrema-direita.

Na cidade de El Alto, indica a Agencia Boliviana de Información (ABI), também houve mobilizações a exigir que o «golpista» responda perante a Justiça pelos massacres de Senkata e Sacaba, bem como por todos aqueles que sofreram a violação dos seus direitos durante o golpe de 2019.

«Estaremos em vigília frente à FELCC até que o Ministério Público cumpra a exigência de justiça, para que Camacho não possa escapar», disse Aldo Michel, advogado do Comité Promotor do Julgamento contra Jeanine Áñez.

Luis Fernando Camacho foi detido ontem na cidade de Santa Cruz e transferido por via aérea para La Paz, onde deve responder pelo caso Golpe de Estado I.

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Condenação de Áñez a dez anos mereceu apreciações variadas na Bolívia

Após a condenação da ex-senadora, algumas vozes referiram-se à pena como «leve». Outras lembraram que ainda falta julgar os massacres e que se abriu caminho para processar os autores intelectuais do golpe.

A senadora de direita Jeanine Áñez proclamou-se presidente interina da Bolívia, mesmo sem existir quorum na Assembleia Legislativa Plurinacional, tal como a Constituição exige
Créditos / elpais.com.uy

Um tribunal de La Paz condenou, por unanimidade, esta sexta-feira, a ex-senadora Jeanine Áñez e os ex-comandantes do Exército e da Polícia Williams Kaliman e Yuri Calderón, respectivamente, a dez anos de prisão.

Num processo designado como Golpe de Estado II, estes eram os três principais acusados da prática dos crimes de incumprimento de deveres e resoluções contrárias à Constituição e às leis, em Novembro de 2019.

No âmbito do mesmo processo, foram condenados os ex-comandantes das Forças Armadas Jorge Elmer Fernández e Sergio Orellana (quatro anos); o ex-comandante do Exército Jorge Pastor Mendieta (três anos) e o ex-chefe do Estado-Maior Flavio Gustavo Arce (dois anos), refere a Agencia Boliviana de Información (ABI).

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Diego Pary: «A OEA foi um dos elementos centrais no golpe de Estado»

O embaixador da Bolívia junto das Nações Unidas reafirmou o papel fulcral de Almagro e do relatório preliminar da OEA sobre as eleições gerais de 2019 na ruptura da ordem constitucional.

Evo Morales durante a conferência de imprensa realizada em La Paz, Bolívia, a 30 de Outubro de 2019.
Evo Morales durante a conferência de imprensa realizada em La Paz, Bolívia, a 30 de Outubro de 2019 CréditosMartin Alipaz / EPA

Entrevistado esta quinta-feira no programa «Primer Plano», da Bolivia TV, Diego Pary recordou a função primordial desempenhada pelo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, antes e depois das eleições gerais de 2019, ganhas pelo Movimento para o Socialismo – Instrumento Político pela Soberania dos Povos (MAS-IPSP).

O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros referiu que foi em torno do relatório preliminar da OEA sobre as eleições que se planeou e executou o golpe de Estado, com o apoio da Polícia e do Exército, da direita boliviana e de grupos violentos.

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Evo Morales alerta o mundo para o golpe de Estado em curso na Bolívia

O presidente da Bolívia, Evo Morales, denunciou que «a democracia está em risco» no seu país, tendo em conta o «golpe de Estado posto em marcha por grupos violentos que atentam» contra a Constituição.

O presidente reeleito da Bolívia, Evo Morales, alertou para o golpe de Estado em curso no país andino-amazónico
Créditos / @evoespueblo

«Irmãs e irmãos, a nossa democracia está em risco em virtude do golpe de Estado posto em marcha por grupos violentos que atentam contra a ordem constitucional», escreveu o chefe de Estado boliviano esta sexta-feira, às 23h26 (hora local), na sua conta de Twitter.

«Denunciamos à comunidade internacional este atentado contra o Estado de Direito», acrescentou Morales na sua conta @evoespueblo, tendo ainda reiterado o apelo ao povo para que «cuide pacificamente da democracia e da CPE [Constituição Política do Estado], de modo a preservar a paz e a vida como bens supremos, acima de qualquer interesse político».

«A unidade do povo será a garantia do bem-estar da Pátria e da paz social», sublinhou o presidente reeleito no passado dia 20 de Outubro, que, segundo a imprensa local, se reuniu ao início da noite na Casa Grande do Povo (sede do Executivo) com membros do seu gabinete.

A situação em La Paz era calma e a Unidade Táctica de Operações Policiais da capital garantia a segurança do centro político do país. Pelas 20h30 (hora local), o ministro boliviano da Defesa, Javier Zavaleta, descartou, em conferência de imprensa, que as Forças Armadas viessem para as ruas, na sequência do «motim» de agentes policiais na cidade de Cochabamba.

Na ocasião, afirmou que prevalecia a «total normalidade» no seio das Forças Armadas nos nove departamentos do país, refere a Prensa Latina.

Governo boliviano insta polícias a dialogar sobre «mal-estar»

Numa outra conferência de imprensa, o ministro do Governo da Bolívia, Carlos Romero, instou esta sexta-feira os grupos de polícias que «manifestaram diversas exigências institucionais» a «manter o diálogo para resolver as suas reivindicações».

O ministro mostrou-se confiante na possibilidade de ultrapassar as divergências pela via do diálogo e descartou a hipótese de o executivo boliviano mandar os militares para as ruas.


Horas antes, o comandante da Polícia boliviana, Yuri Calderón, desmentiu as informações segundo as quais estavam a «ocorrer motins nos quartéis da Polícia», embora tenha reconhecido que existia uma situação de «mal-estar», entre os seus colegas em Cochabamba, contra o comandante departamental – algo que, segundo Calderón, foi resolvido com a mudança de comandante.

De acordo com a informação divulgada pela TeleSur, Calderón afirmou que no resto do país a situação era de normalidade, embora os polícias estivessem a ser alvo de «acosso por parte de civis».

O ministro do Governo desmentiu também as afirmações feitas por Luis Fernando Camacho (agitador anti-Morales, dirigente do Comité Cívico Pro Santa Cruz), segundo as quais existia um plano do governo boliviano para o assassinar. Carlos Romero disse que o seu governo não é desses e que a «paz social é um património histórico do povo boliviano».

Oposição não reconhece resultados eleitorais, atenta contra a democracia, promove a violência

Também em conferência de imprensa, o ministro boliviano das Comunicações, Manuel Canelas, dirigiu ontem fortes críticas à oposição, «por atentar contra a democracia, a paz e a estabilidade, através das suas acções e dos apelos à violência».

Canelas dirigiu-se em particular a Camacho, que «não defende saídas institucionais, mas promove acções violentas, fora do âmbito constitucional, pelas quais não se responsabiliza», tendo como objectivo perpetrar um golpe de Estado, informa a TeleSur.

Disse ainda que Camacho «não está em condições para impor um ultimato ou dizer quando termina o mandato constitucional vigente do presidente Morales», sublinhando que este não se demitirá, por mais que insistam no pedido de renúncia.

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Pary recordou que vários observadores internacionais chegaram ao país por causa das eleições, sendo um deles a OEA. A pedido do Supremo Tribunal Eleitoral, dirigido por Salvador Romero, o governo boliviano assinou um acordo com esse organismo com vista à realização de uma auditoria, com prazos fixos, informa a Agencia Boliviana de Información (ABI).

No entanto, a 7 de Novembro, o chefe de gabinete da OEA comunicou ao executivo boliviano que não podia cumprir o prazo, solicitando uma prorrogação até 13 de Novembro, à qual o governo acedeu.

De forma inesperada, no dia 9, a OEA deu uma conferência de imprensa em que exigiu à Bolívia a realização de novas eleições.

Perante este cenário, o governo do país andino solicitou uma justificação para tal pedido, tendo então a OEA «inventado» um relatório preliminar em três horas, a 9 de Novembro, um documento que depois desapareceu e não coincide com o relatório final, indicou o diplomata, citado pela ABI.

Pary disse que, de forma coordenada, esse relatório preliminar foi divulgado no dia seguinte, 10 de Novembro, precisamente quando os polícias se amotinaram e as Forças Armadas se insubordinaram, exigindo a renúncia do presidente constitucional, Evo Morales.

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Rogelio Mayta: «Sublinhamos o papel nefasto de Almagro na OEA»

Em entrevista concedida ao Página 12, da Argentina, o ministro boliviano dos Negócios Estrangeiros destaca que as relações com os EUA não sofreram alterações significativas com a eleição de Biden.

Rogelio Mayta, ministro dos Negócios Estrangeiros da Bolívia
Créditos / ABI

Rogelio Mayta é aymara, tem 49 anos e um passado marcado pela defesa, como advogado, das vítimas assassinadas em El Alto no massacre conhecido como Outubro Negro, em 2003. Militante do MAS, é hoje o chefe da diplomacia do executivo de Luis Arce.

Depois do golpe de Estado que levou à renúncia de Evo Morales, procura retomar a senda da integração continental que os golpistas desmontaram, num contexto em que os verdugos de Sacaba e Senkata começam a prestar contas à Justiça.

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Senador boliviano pede respeito pelo trabalho da Justiça

Leonardo Loza pediu, esta segunda-feira, que se respeite o trabalho da Justiça na Bolívia no caso do golpe de Estado, pelo qual foi presa e está encarcerada a ex-presidente golpista, Jeanine Áñez.

Familiares de vítimas do massacre de Senkata, em El Alto, perpetrado a 19 de Novembro de 2019
Créditos / ccb.com.bo

«Os quatro meses de investigação, desde Dezembro último, devem servir para aprofundar e esclarecer os 36 mortos no país durante os conflitos sociais de Novembro de 2019», declarou o senador do Movimento para o Socialismo (MAS).

«Então, não houve nenhuma sucessão, autoproclamaram-se e, pior, atropelaram o povo», destacou Loza no programa «El mañanero», do canal de televisão Red Uno.

«A ex-presidente golpista assinou um decreto supremo que deu carta branca ao Exército e à Polícia», acrescentou o senador, lembrando que foi com esse aval que a população de Senkata (La Paz) e Sacaba (Cochabamba) foi massacrada.

Nos últimos dias, Jeanine Áñez, Álvaro Coímbra (ex-ministro da Justiça) e Rodrigo Guzmán (ex-titular da pasta da Energia) foram presos pela presumível «participação nos delitos de terrorismo, sedição e conspiração». Esta segunda-feira, um tribunal decretou quatro meses de prisão preventiva para todos.

Existem também mandados de captura para Yerko Núñez (ex-ministro da Presidência), Arturo Murillo (Interior) e Luis Fernando López (Defesa), bem como para o ex-comandante da Polícia, coronel Yuri Calderón, e o ex-comandante das Forças Armadas, general Williams Kaliman Romero.

Ontem, o Ministério da Justiça apresentou ao Ministério Público quatro propostas de julgamentos por crime de responsabilidade contra Jeanine Áñez e o seu executivo. Os casos estão relacionados com: pedido de empréstimo irregular de 346,7 milhões de dólares ao Fundo Monetário Internacional; prolongamento ilegal da concessão à Fundaempresa por um período de 15 anos; violação dos direitos humanos dos bolivianos residentes no Chile; restrições à liberdade de expressão durante a pandemia, explica a agência ABI.

Perante o anúncio de mobilizações em defesa de Áñez e dos seus ministros, Leonardo Loza reiterou o apelo para que a Justiça possa trabalhar e esclarecer as denúncias sobre os factos ocorridos, nomeadamente, sobre os mortos, os feridos e as detenções ilegais.

«Almagro não tem autoridade para se pronunciar sobre a Bolívia»

Em declarações à imprensa, o procurador Pablo Gutiérrez afirmou que o Ministério Público da Bolívia garante o respeito pelos direitos dos investigados no âmbito do processo do golpe de Estado e lembrou que as notificações e mandados de captura emitidos fazem parte das suas atribuições e competências.

Sublinhando a legalidade de todo o processo relacionado com «a ruptura da legalidade em 2019», acrescentou que alguns dos indivíduos visados pelas notificações fugiram do país e que o processo não constitui uma forma «perseguição política», mas, sim, uma «investigação promovida na sequência de uma denúncia», informa a Prensa Latina.

Numa conferência de imprensa anterior, o ministro do Interior, Eduardo del Castillo, também afirmara que «o governo boliviano não persegue ninguém politicamente»; pelo contrário, a sua pretensão é procurar a justiça.

Entretanto, em resposta ao comunicado da Organização dos Estados Americanos (OEA) que ontem pediu a libertação de Áñez e dos ex-ministros presos, o secretário-executivo da Aliança Bolivariana para os Povs da Nossa América – Tratado de Comércio dos Povos (ALBA-TCP), Sacha Llorentti, escreveu na sua conta de Twitter que Luis Almagro, secretário-geral da OEA, «não tem autoridade moral para se pronunciar sobre o que se passa na Bolívia».

«Os povos da Nossa América sabem que ele é co-responsável pelo golpe de Estado, cúmplice dos massacres e que foi suporte do governo de facto na Bolívia», denunciou.

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Golpistas presos na Bolívia
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Questionado pelo jornalista Gustavo Veiga, do diário argentino Página 12, sobre o que opina da detenção recente da ex-presidente golpista Jeannine Áñez e de alguns ministros da ditadura, Mayta sublinhou que o «processo está nas mãos da Justiça boliviana», que a «queixa foi apresentada ao Ministério Público há vários meses e decorreu de modo normal». Acrescentou que, «ao executivo, cabe-lhe gerar um ambiente no qual esse processo possa seguir os seus trâmites normais».

Sobre o alegado envolvimento britânico no golpe de Estado de 2019, divulgado, entre outros media, pelo dailymaverick.co.za, que apresentaram certos documentos desclassificados do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, Rogelio Mayta disse que o embaixador britânico foi chamado, tendo-lhe sido solicitado que explicasse a situação às autoridades bolivianas, por escrito.

No passado dia 12, chegou ao Ministério boliviano dos Negócios Estrangeiros uma nota escrita, em resposta ao requerimento, e agora está-se na fase de avaliar a informação «para saber se é satisfatória ou não». Mayta disse que a notícia «caiu muito mal em vários sectores» da sociedade boliviana, tendo havido algumas organizações sociais a pedir a expulsão do diplomata britânico. Sublinhou, no entanto, que, «enquanto Estado vamos lidar com o assunto com muita prudência», seguindo «o que estabelecem as regras do direito internacional».

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De massacre em massacre, golpistas bolivianos deixam claro ao que vêm

A forte repressão sobre os manifestantes que, em El Alto, exigiam a renúncia de Jeanine Áñez segue-se à «carta branca» dada ao Exército, à militarização das ruas, às ameaças crescentes aos eleitos pelo MAS.

A perseguição golpista atinge manifestantes nas ruas que exigem democracia e a renúncia da «autoproclamada» Jeanine Áñez
Créditos / Página 12

A repressão policial e militar alentada pelos golpistas bolivianos esteve na origem de um novo massacre, esta terça-feira, em Senkata, na cidade de El Alto (Área Metropolitana de La Paz). O saldo preliminar da Defensoría del Pueblo [Provedoria de Justiça] apontava para três mortos e mais de três dezenas de feridos.

Esta quarta-feira, o jornalista Fernando Ortega Zabala afirmou no Twitter ter visto cinco mortos, ontem, na capela do Bairro 25 de Julho, em Senkata. «Agora há seis. Não sei quantos há na morgue. Vi 11 mortos. Diz-se que há pessoas que não aparecem», alertou.

Este massacre ocorre depois do que teve lugar este fim-de-semana, também levado a cabo por polícias e militares, em Sacaba, nos arredores de Cochabamba, sobre manifestantes que também exigiam democracia e a renúncia da «autoproclamada» presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez. Ali, foram mortas mais de uma dezena de pessoas.

Ontem, 12 tanquetes do Exército, apoiadas por helicópteros militares, entraram nas instalações de distribuição de carburantes de Senkata, que se encontravam cercadas há cerca de uma semana por habitantes da localidade e camponeses de todas as províncias do departamento de La Paz, em protesto contra o governo golpista boliviano, liderado pela «autoproclamada», indica a Prensa Latina, precisando que dali saíram 45 camiões cisterna com gasolina.

«Os militares chegaram e dispararam. Não vieram em paz», disse uma das manifestantes, citada pela fonte. O médico Aiver Huaranca contou que as forças policiais e militares nem sequer respeitaram o seu uniforme, uma vez que, quando prestava os primeiros socorros a um dos feridos, os agentes dispararam contra ele.

As manifestações e os cortes de estrada em protesto contra o golpe de Estado contra o governo de Evo Morales prosseguiram na zona de El Alto mesmo depois da operação de repressão. Da mesma forma, registaram-se mobilizações para condenar o golpe de Estado e exigir a renúncia de Jeanine Áñez em La Paz, Potosí, Cochabamba e noutros pontos do país.

Criação do inimigo interno e criminalização do MAS

Numa peça publicada ontem no diário Página 12, o jornalista argentino Marco Teruggi alerta para a «construção do inimigo interno» por parte de Arturo Murillo, ministro do governo fake da Bolívia.

Com tal discurso, o governo golpista visa «vitimizar-se e legitimar a acção repressiva» da Polícia e das Forças Armadas, que viram reforçada a verba que lhes é destinada com um pacote extra de 4,8 milhões de dólares e cujos membros ficaram isentos de responsabilidade penal nas operações que levam a cabo – por via do decreto 4078, cuja revogação foi solicitada pela Provedoria de Justiça e pelo Movimento para o Socialismo (MAS), ao considerar que se trata de uma «carta branca» para matar bolivianos.


Com a construção de um «inimigo interno», lembra o jornalista argentino, Murillo pretende também negar as responsabilidades dos golpistas nos assassinatos do golpe (não fomos nós, foram eles) e criar a suspeita de que o governo golpista boliviano poderia ser alvo de ataques armados que teriam como autores intelectuais os membros do MAS, ou seja, aqueles que apoiam Evo Morales.

Entretanto, os golpistas, que afirmam que são governo de forma transitória, que pretendem «pacificar o país» através de novas eleições e da nomeação de novas autoridades eleitorais, enfrentam o problema da maioria parlamentar do MAS no Senado e na Assembleia.

Neste contexto, Murillo já anunciou a criação de um «órgão especial no Ministério Público» que tem como fito perseguir eleitos do MAS, por, alegadamente, promoverem «a subversão e a sublevação». Ou seja, antes de se quererem legitimar pela via eleitoral os golpistas parecem querer garantir os caminhos necessários à perseguição, para arredar os incómodos da frente.

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No que respeita à Organização dos Estados Americanos (OEA), o ministro disse que a Bolívia quer ter uma presença forte em vários cenários e organismos, incluindo a OEA, sobre a qual o seu país possui «uma visão mais bem crítica» em função da «má experiência com a missão de observação eleitoral e a auditoria eleitoral levada a cabo em 2019». «Sublinhamos o papel nefasto de Luis Almagro como seu secretário-geral», afirmou.

Quanto às relações com os EUA, depois da mudança de Trump por Biden, frisou que, «até ao momento não houve nenhuma alteração significativa», e vincou o posicionamento do país andino-amazónico em prol de «relações construtivas e positivas com todos os países» do mundo, incluindo os Estados Unidos. «Sempre respeitando a soberania boliviana, e é aí que estamos, um pouco de braços abertos para estreitar laços», disse.

Lamentou, no entanto, que isso dependa mais da vontade dos EUA, «porque têm maus antecedentes, levam a cabo ingerências políticas, procuram ter um certo nível de controlo sobre determinados aspectos de interesse regional ou de determinados países». «Há um monte de provas e documentos desclassificados que nos mostram isso nas últimas décadas», acrescentou.

«Mais ainda, na nossa memória recente há governos de facto, governos militares que tivemos aqui, na América Latina, que foram motivados por acções dos EUA. Apesar disso, estamos dispostos a gerar relações construtivas e positivas», insistindo que a bola está «mais no campo dos Estados Unidos que no nosso».

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Governo boliviano promove reactivação da indústria do lítio

Com o golpe apoiado pelos EUA, a Bolívia interrompeu o processo de industrialização do lítio que iniciara pela mão da empresa nacionalizada YLB. O governo de Luis Arce está a reactivar todo esse processo.

Salar de Uyuni
Créditos / infraroi.com.br

Marcelo Gonzales tomou posse, esta segunda-feira, como novo presidente executivo da empresa Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB), tendo como missão reactivar o processo de industrialização de um recurso estratégico para o desenvolvimento do país andino-amazónico, informa a agência ABI.

Gonzales, que tem uma larga trajectória neste sector e na YLB, foi empossado pelo ministro boliviano dos Hidrocarbonetos e Energia, Franklin Molina, que na sua intervenção destacou os passos importantes dados pelo governo do ex-presidente Evo Morales para criar a indústria do lítio com soberania e parcerias internacionais.

Molina considerou importante a articulação da política energética, «porque o lítio permitirá o desenvolvimento económico do país e das regiões produtoras», tendo em conta o seu «elevado valor acrescentado e a procura de baterias de lítio a nível internacional».

Afirmou ainda que se trata de um grande desafio, uma vez que a indústria esteve praticamente parada um ano, com a intervenção do governo golpista liderado por Jeanine Áñez.

Por seu lado, o novo presidente executivo da YLB agradeceu a confiança nele depositada e afirmou que a empresa possui os recursos humanos qualificados e necessários para «entrar na etapa de industrialização do lítio» e dar sequência ao foi estabelecido até Outubro de 2019, indica a Prensa Latina.

Marcelo Gonzales precisou que entre os principais projectos se contam a construção de otras unidades industriais, como as de ião lítio e cátodos nos salares de Coipasa Uyuni (departamento de Oruro) e Pastos Grandes (Potosí).

As actividades de produção na unidade industrial de cloreto de potássio e da unidade semi-industrial de carboneto de lítio foram travadas pelo governo golpista de Jeanine Áñez, na sequência do golpe de Estado que levou Evo Morales a renunciar ao cargo, em Novembro de 2019.

Maiores reservas conhecidas de lítio

Mais de 50% dos depósitos de lítio a nível mundial encontram-se no chamado Triângulo do Lítio – Argentina, Bolívia e Chile – e é nos desertos montanhosos da Bolívia – o Salar de Uyuni – que existem as maiores reservas conhecidas de lítio.

O governo de Morales assumiu uma posição de cautela com estas reservas de lítio, deixando claro que o precioso recurso não devia ser entregue às multinacionais, que os lucros deviam partilhados com o povo boliviano e que qualquer acordo deveria passar pela Comibol, a empresa mineira nacional, e com aYLB, a empresa nacional de lítio.

Com Evo Morales, o objectivo era não a exportação da matéria-prima, mas assumir o processo de industrialização no país – algo que já estava a avançar, com YLB a fabricar baterias de lítio e mesmo um carro eléctrico, em parceria com a empresa alemã ACISA.

É esse processo, travado pelo governo golpista, que o governo de Luis Arce procura reactivar, colocando os recursos naturais ao serviço do país para erradicar a pobreza e aumentar a soberania.

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Questionado sobre o que opina sobre agências norte-americanas que actuam na América Latina, como a USAID, a NED, ou mesmo a CIA e a DEA, Rogelio Mayta foi claro: «É claro que são tão negativas e execráveis como a acção do próprio Estado», que «apenas tendem a camuflar ou procurar esconder a acção ou os interesses que determina um Estado ou potência hegemónica como foram os Estados Unidos». E lembrou que, em 2008, «se teve de expulsar gradualmente uma agência supostamente anti-drogas como a DEA e, depois, a USAID». «Já as conhecemos e rejeitamo-as.»

Defendeu ainda que o mundo está a mudar e que hoje é multipolar ou tripolar, «já que a Federação Russa e a China têm pesos específicos».

O actual presidente da Bolívia, Luis Arce, quando era ministro da Economia de Evo Morales, tinha uma posição muito clara sobre a defesa dos recursos naturais do país, como o lítio – lembra o jornalista Gustavo Veiga. Questionado o prosseguimento dessa política, Rogelio Mayta disse que, «mais que uma posição política de um governo, se trata se um desígnio constitucional» e que «os recursos naturais são dos bolivianos».

O propósito do actual executivo é fazer com que os benefícios desses recursos cheguem ao povo, que não saiam do país com as transnacionais, como acontecia antes. «Isso não quer dizer que estejamos fechados ao investimento externo, a estabelecer relações que nos permitam melhorar a exploração dos nossos recursos, mas, como defendemos há mais de uma década, não como estrangeiros na nossa própria terra, mas, sim, com um papel de parceiros, de iguais», frisou.

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A estes factos juntaram-se as acções de extrema violência por parte de grupos paramilitares que apoiavam o golpe de Estado e o discurso da oposição, que encontrou um eixo para atiçar a agitação social e a desestabilização.

Entretanto, a narrativa da fraude ganhou apoio entre alguns governos, que não reconheceram a vitória de Evo Morales nas urnas. «Isto é uma evidência clara de que o relatório de auditoria da OEA foi e é um dos elementos centrais para o golpe de Estado no país, porque tudo estava planeado, organizado», afirmou.

Com as suas acções, Almagro não só prejudicou a democracia boliviana, mas em toda a região, sublinhou o embaixador junto das Nações Unidas.

Neste sentido, destacou o posicionamento de vários ex-presidentes e personalidades da região que questionaram a ingerência e o intervencionismo de Almagro e dos Estados Unidos da América nos assuntos internos da Bolívia.

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Em declarações à imprensa, o ministro boliviano da Justiça, Iván Lima, afirmou que foi dado um «primeiro passo na recuperação da memória, verdade e justiça; nunca mais um golpe de Estado no país».

Considerou ainda inadmissível, num contexto em que se procura preservar a independência da Justiça, o pedido de intervenção e «ingerência no país», realizado por Carlos Mesa, do partido Comunidad Ciudadana (direita), para que a União Europeia e outros organismos internacionais garantissem que o derrube de Evo Morales foi uma «sucessão».

Para Evo Morales, a sentença é «benigna»

Na sua conta de Twitter, Evo Morales, ex-presidente boliviano, afirmou que «dez anos de prisão é uma pena benigna em relação ao dano que [Áñez e os seus cúmplices] causaram à democracia».

Também o advogado norte-americano Thomas Becker disse que a pena de dez anos de prisão para Jeanine Áñez «é pouco». Em declarações à Bolivia TV, afirmou, ainda assim, que é «justo e importante», para fazer «justiça às vítimas do golpe de Estado de Novembro de 2019».

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Relatório confirma a violação de direitos humanos no golpe de Estado na Bolívia

O presidente boliviano recebeu o relatório elaborado pelo Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI) e anunciou que o seu governo vai agir para reparar as vítimas e fazer justiça.

A perseguição golpista atinge manifestantes nas ruas que exigem democracia e a renúncia da «autoproclamada» Jeanine Áñez
Créditos / Página 12

Luis Arce destacou esta terça-feira que o informe do GIEI reafirma que no golpe de Estado de 2019 houve graves violações dos direitos humanos, e foram cometidos massacres e execuções extrajudiciais por parte do governo golpista.

Durante uma cerimónia celebrada no Auditório do Banco Central, o chefe de Estado vincou o compromisso do seu executivo com a procura da verdade histórica e com a justiça, referindo-se às vítimas de acções de violência e outras violações dos direitos humanos ocorridas no país entre 1 de Setembro e 31 de Dezembro de 2019, informa a TeleSur.

Arce recebeu o relatório elaborado pelo GIEI sobre estes factos, no qual são amplamente documentadas as acções de violência durante o golpe de Estado (em que foram mortas 38 pessoas e várias centenas ficaram feridas) e são formuladas mais de três dezenas de recomendações.

O presidente boliviano agradeceu aos especialistas pelo contributo para a verdade, tendo reafirmado que será feita justiça, respeitando o ordenamento jurídico e os processos legais, e sublinhando que o seu governo assume o compromisso de implementar as recomendações.

Medidas a tomar para garantir justiça

A este respeito, anunciou a criação de uma comissão ao mais alto nível para proceder ao censo das vítimas e à sua reparação integral, e disse que será revogado o Decreto Supremo 4461, o que permitirá julgar efectivos das forças de segurança envolvidos nos factos.

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O silêncio: a pior resposta do Estado português

Seria de bom-tom que os portugueses soubessem o que têm a dizer as principais autoridades do Estado sobre as atrocidades que estão a ser cometidas na Bolívia e no Chile. O silêncio é a mais indigna das atitudes.

Encontro do Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, e do Secretário de Estado norte-americano Michael Pompeo, em Washington, Junho de 2018.
Créditos / US Department of State

O chefe de Estado e o governo da República Portuguesa estão em silêncio perante as atrocidades contra a democracia e os direitos humanos praticadas na Bolívia e no Chile. Em circunstâncias onde o poder neoliberal se vê forçado a mostrar a sua verdadeira face ditatorial para evitar a aplicação plena da democracia, com todas as suas consequências, as principais figuras do Estado português escolhem o silêncio, talvez a maneira mais indigna de se identificarem com a crueldade do sistema – ao mesmo tempo que ignoram a Constituição da República.

«Todos sabemos o quão loquazes são, por exemplo, o chefe de Estado e o ministro dos Negócios Estrangeiros. Essa veia comunicadora que lhes permite ter as palavras certas nos momentos certos para a comunicação social certa é de tal maneira expressiva e expectável que nos permite dispor de elementos para compreender os conteúdos dos seus silêncios sem uma exagerada margem de erro»

Na Bolívia, depois do golpe com todos os velhos ingredientes político-militares, a repressão fascista com matizes racistas avança através do país e não poupa sequer os senadores eleitos que constituem a maioria absoluta do Senado. No Chile, a repressão do pinochetista Sebastián Piñera castiga cruelmente o levantamento popular que exige uma Constituição democrática e uma vida digna. A tudo isto as principais figuras do Estado português dizem nada. Respondem com um longo e profundo silêncio como se não lhes coubesse ter opinião própria e fossem obrigadas a respeitar o não menos profundo e longo silêncio da União Europeia. Tentemos decifrar o enigma – que tem, certamente, um eminente significado político.

Todos sabemos o quão loquazes são, por exemplo, o chefe de Estado e o ministro dos Negócios Estrangeiros. Essa veia comunicadora que lhes permite ter as palavras certas nos momentos certos para a comunicação social certa é de tal maneira expressiva e expectável que nos permite dispor de elementos para compreender os conteúdos dos seus silêncios sem uma exagerada margem de erro.

Na Bolívia deu-se um golpe de Estado – ainda há quem tenha pudor em qualificar assim o que está a acontecer – que derrubou e exilou o presidente eleito com mais de 47% dos votos e o fez substituir por uma senadora de uma força minoritária no Senado – que teve de usurpar dois cargos de uma assentada: o de presidente do Senado e o de chefe do Estado.

Na sequência do processo, que atropela as mais elementares normas democráticas porque não foi apresentada, até ao momento, qualquer prova de viciação dos resultados eleitorais, as forças militares e policiais entregam-se a orgias de violência, especialmente contra as camadas mais desfavorecidas, as comunidades indígenas dos campos bolivianos, precisamente as que formaram a base social maioritária que sustentou as administrações progressistas, soberanistas e anti-neoliberais de Evo Morales.

Uma informação sobre o teor fascista e selectivo da vaga repressiva, e que talvez possa interessar ao aparentemente desinformado ministro Santos Silva, decorre do conteúdo do decreto emanado pela presidente usurpadora, Jeanine Añez, e que no seu artigo terceiro estipula que «o pessoal das Forças Armadas que participe nas operações de restauração da ordem e de estabilidade política ficará isento de responsabilidade criminal quando, no cumprimento das suas funções constitucionais, actuarem em legítima defesa ou estado de necessidade».

Uma medida de encorajamento ao tiro livre que tem a sua equivalente jurídica – os golpistas bolivianos informaram-se da prática de lawfare com quem de direito, por exemplo a corte de Bolsonaro – na proposta da presidência para constituir «um aparelho especial» da Procuradoria que permita prender os senadores do Movimento para o Socialismo (MAS) que promovam «a subversão e a sublevação», ou seja, para meter na cadeia, no limite, a maioria absoluta do Senado.

Estas pinceladas abreviadas sobre a situação na Bolívia permitem deduzir que haveria matéria capaz de puxar pela palavra fácil do chefe de Estado, do ministro dos Negócios Estrangeiros, do próprio primeiro-ministro.

Correspondência no Chile

As principais figuras do Estado português permanecem igualmente silenciosas sobre o que se passa no Chile.

E o que se passa no Chile é um imenso e pacífico levantamento popular, torpedeado por fenómenos de banditismo accionados para tentar retirar legitimidade à revolta e servir de manobra de diversão para a comunicação mainstream, contra o sistema de ditadura económica herdado do regime terrorista de Pinochet.

Sebastián Piñera, presidente em exercício e admirador confesso de Pinochet, tem recorrido à violência repressiva e ao manobrismo político para se manter, comportamento em que arrastou grande parte da oposição num processo que visa estabelecer uma «nova» Constituição em que o essencial do regime continue inalterado.

Obviamente, também no Chile os mecanismos democráticos continuam a sofrer maus-tratos. Talvez interesse ao ministro Santos Silva conhecer a sádica tendência criminosa de Piñera manifestada através do aparelho repressivo: usa munições de borracha, sim, mas disparadas contra os olhos dos manifestantes. Os casos de cegueira e outros problemas de visão daí decorrentes elevam-se a cerca de 230. Muito compatível com o respeito pelos direitos humanos.

Mutismo quase absoluto

Apesar destas circunstâncias muito graves, a Presidência da República e o governo de Portugal entendem que não há razões para se pronunciarem.

É verdade que a União Europeia também está em silêncio. Será por isso que Lisboa também nada diz?

No entanto, a Constituição Portuguesa tem particularidades explícitas em matéria de soberania, respeito pelos direitos dos povos e os direitos humanos que não se encontram em outras leis fundamentais dos parceiros europeus.

«na óptica ministerial o caso [da Bolívia] é grave; transformou-se até numa situação atípica de risco elevado. […] Então, das duas uma: ou o silêncio é cúmplice com as atrocidades que estão a passar-se; ou o governo só tem margem de manobra, em termos de vínculos internacionais, para saudar a reimplantação do fascismo neoliberal – preferindo, desta feita, defender-se com o mutismo»

Nada exigiria que o silêncio comunitário impusesse o silêncio lusitano; pelo contrário, a soberania portuguesa tal como é estipulada na Constituição exige que as autoridades do Estado tomem posições por si próprias, sem estarem à espera dos «aliados».

Mas não. Ao que parece continua a prevalecer o complexo de bom aluno.

É verdade que foi dita uma coisa sobre a Bolívia: os portugueses «devem evitar qualquer deslocação» a esse país, aconselhou o portal do Ministério dos Negócios Estrangeiros no dia 11 de Novembro1; e, no dia 14, uma fonte da Secretaria de Estado de Negócios Estrangeiros fez notar à agência Lusa que é «muito raro» o Ministério fazer recomendações deste tipo2 .

Portanto, na óptica ministerial o caso é grave; transformou-se até numa situação atípica de risco elevado. Mais uma razão para assumir uma posição política capaz de ajudar a população a compreender a situação.

Então, das duas uma: ou o silêncio é cúmplice com as atrocidades que estão a passar-se; ou o governo só tem margem de manobra, em termos de vínculos internacionais, para saudar a reimplantação do fascismo neoliberal – preferindo, desta feita, defender-se com o mutismo.


Talvez porque em situação anterior optou por pronunciar-se e ficou com um trambolho político nas mãos chamado Juan Guaidó. O Estado português, a exemplo de várias potências da União Europeia, mas não a comunidade em si, identificou-se com o golpe na Venezuela que tinha como objectivo instalar organizações e figuras fascistas no governo. E fê-lo pondo em risco a situação de centenas e centenas de milhares de portugueses que vivem na Venezuela, ao contrário do que aconteceu agora com escassas dezenas que vivem na Bolívia. Que merecem todo o respeito, tornando procedente a advertência governamental. Uma atenção que, por maioria de razão, deveria ter estado sempre no espírito do governo em relação à Venezuela

Deduz-se que o governo de Lisboa tem consciência de se ter saído muito mal na Venezuela, pelo que tentará agora evitar catástrofe política idêntica. Tal como em Caracas, identificar-se-á com a usurpação do poder em La Paz mas acha melhor não dar sinal de si, fingir-se de morto, a não ser quando puder fazê-lo com a cobertura dos «nossos parceiros e aliados».

Um pau de dois bicos

O chefe de Estado, por seu lado, poderia dizer de sua justiça sobre os acontecimentos na Bolívia e no Chile, porque teve até um contexto internacional em que tal viria a propósito: a visita oficial a Itália.

Mas não; preferiu glosar o mote da NATO como entidade «defensiva» e amiga «dos desfavorecidos», como gosta de dizer o seu anfitrião de ocasião, o presidente italiano. Seguir nesse rumo até à Bolívia, porém, seria traiçoeiro: ao elogiar a NATO, Marcelo Rebelo de Sousa fez a apologia da organização que formou operacionalmente os militares decisivos para o golpe em La Paz e agora têm mãos livres para espalhar o terror fascista.

Abordar a situação na Bolívia neste contexto deixaria o presidente mal na fotografia, mesmo sendo reconhecida a sua habilidade para dar a volta a casos intrincados em termos de comunicação. O silêncio revelou algum pudor mas agride os princípios em que assenta a Constituição da República em termos de respeito pela democracia e pela liberdade dos povos.

Tudo menos o silêncio

Perante o que está a acontecer na Bolívia e no Chile, os democratas sintonizados com a Constituição da República, os princípios democráticos, a soberania e o respeito pelas direitos humanos só podem assumir uma posição: denunciar e condenar o golpe, a repressão e o manobrismo utilizado para iludir os resultados de eleições legítimas e as reivindicações populares.

Não existem dúvidas sobre quem são os agressores e os agredidos, os golpistas e as vítimas, de que lado está a legitimidade e como se impõe a trafulhice criminosa.

Mas também na Venezuela o cenário é muito claro, como aliás o fascismo sob o poder na Ucrânia, e o governo não deixou de dizer de sua justiça – ignorando os princípios democráticos.

Ao assumir agora o silêncio sobre situações dramáticas que vitimam populações carenciadas, o governo da República Portuguesa parece ter mudado de táctica na sua estratégia de cumplicidade com casos de usurpação da democracia.

Na verdade, o que está em causa, tanto na Bolívia, como no Chile, como na Venezuela é a alternativa entre a democracia com todas as suas consequências e a ditadura neoliberal.

Não é difícil perceber de que lado estão o chefe de Estado e o governo da República. O silêncio é apenas uma defesa tornada recomendável perante o indisfarçável complexo de Guaidó.

Ainda assim seria de bom-tom que os portugueses soubessem o que têm a dizer realmente as principais autoridades do Estado sobre as atrocidades à democracia e os direitos humanos que, nos dias que correm, estão a ser cometidas na Bolívia e no Chile. Porque o silêncio é a mais indigna das atitudes.

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Seguindo a sugestão do GIEI, o chefe de Estado acrescentou que será desestruturada toda a organização parapolicial e grupos irregulares criados como forças de repressão paralelas ao Estado e que durante o golpe de Estado agiram como forças de choque contra os protestos populares.

Também instou o Ministério Público a implementar aquilo que o relatório recomenda e a Assembleia Legislativa a aprovar o mais brevemente possível o julgamento por crimes de responsabilidade, de modo a determinar a autoria, as responsabilidades e sanções das graves violações aos direitos humanos, refere a fonte.

Garantir a imprescritibilidade dos casos de violações dos direitos humanos

Patricia Tappatá Valdez foi a representante do GIEI que teve a cargo a apresentação do relatório, fazendo uma leitura resumida dos resultados da investigação.

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Investigação mostra cumplicidade da comunicação social com golpe na Bolívia

O estudo dos jornalistas bolivianos Susana Bejarano e Fernando Molina evidencia a cumplicidade de influentes meios de comunicação do país com o golpe de Estado de Novembro de 2019, refere a Prensa Latina.

Familiares de vítimas do massacre de Senkata, em El Alto, perpetrado a 19 de Novembro de 2019
Créditos / ccb.com.bo

A investigação, ainda não publicada e a que a agência cubana teve acesso, analisa o apoio declarado de vários órgãos de comunicação, com uma linha marcadamente de direita, ao golpe e ao governo golpista que se lhe seguiu.

Os dois jornalistas mostram que determinados diários assumiram uma linha de activismo político a favor das acções violentas levadas a cabo pela direita boliviana, apoiada por militares e polícias, para tirar do poder o presidente Evo Morales e o Movimento para o Socialismo (MAS).

Na sequência da renúncia de Morales, instalou-se no país andino-amazónico um governo ilegítimo liderado pela autoproclamada Jeanine Áñez, que essa imprensa apoiou fervorosamente desde o início, com o propósito de o legitimar e de neutralizar qualquer crítica ao modo como foi constituído.

Bejerano e Molina referem a campanha sistemática que um desses diários em particular empreendeu para eliminar as ligações de Áñez ao golpe de Estado, bem como as tentativas repetidas de criminalizar a oposição, sobretudo o MAS, e de apresentar a acção do novo governo como pacificadora, num país que a direita tinha mergulhado no caos e na violência.

Justificação da repressão

O apoio mediático ao governo golpista chegou ao ponto de justificar sistematicamente a repressão e a perseguição política, apontam os investigadores, que dão como exemplo a cobertura dos massacres de Senkata e Sacaba, nos quais, de acordo com as conclusões preliminares de uma comissão parlamentar, foram mortas pelo menos 37 pessoas que exigiam democracia e o regresso de Evo Morales, que se exilou no México e depois na Argentina.

De acordo com o estudo – a que a Prensa Latina teve acesso –, em ambos os casos o discurso da comunicação social vitimizou as forças de segurança, procurando fazer crer que, ao dispararem, estavam a responder ao fogo dos manifestantes.


«Não faleceram polícias nem militares em Sacaba», esclarecem os autores do estudo, referindo que um jornal, num artigo intitulado «Fuego cruzado entre cocaleros y FF.AA. deja al menos seis muertos», afirmou sem provas que os manifestantes tinham «armas de fogo e outros objectos letais».

No que respeita a Senkata, em El Alto, os órgãos de comunicação deram conta, igualmente sem provas, da utilização de dinamite por parte dos grevistas, para assim justificarem o uso da força contra um acto de terrorismo e um atentado.

Outro exemplo do apoio da comunicação social dominante ao governo golpista foi a cobertura quase nula dos grandes protestos anti-governamentais que foram ocorrendo ao longo do ano. Os principais canais de TV, que deram ampla cobertura aos protestos contra a alegada fraude do MAS nas eleições de 2019 (uma versão, hoje, mais que desmontada), deram curtas informações sobre as manifestações anti-Áñez, refere a agência cubana com base na investigação.

Em muitos casos, referem Susana Bejarano e Fernando Molina, descreveram os protagonistas das manifestações como membros de «hordas» e «turbas», visando minimizar o impacto das mobilizações e apontá-los como «inimigos da ordem e da constitucionalidade».

A Prensa Latina não indica se o estudo se detém na «secção internacional» da cobertura mediática, que mereceria extensas e aprofundadas abordagens.

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Disse que os membros do GIEI não duvidam em qualificar como massacres aquilo que se passou em Sacaba e Senkata, e instou o Estado boliviano a garantir a justiça para todas as vítimas, dando prioridade aos casos de violência sexual e de género, bem como a assegurar a imprescritibilidade dos casos de violações dos direitos humanos.

A investigação dos especialistas internacionais do GIEI durou oito meses, durante os quais foram entrevistadas 400 pessoas e analisados mais de 120 mil expedientes. Também foram ouvidos depoimentos de representantes de instituições, de organizações sociais e de testemunhas presenciais das acções de violência.

Na cerimónia de apresentação, esta terça-feira, intervieram ainda Gregoria Siles Villaroel e Gloria Quisbert Ticona, que integram as associações de vítimas dos massacres de Sacaba (Chapare, 15 de Novembro de 2019) e Senkata (El Alto, 19 de Novembro de 2019), respectivamente. Ambas afirmaram que exigem justiça, não vingança.

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Lembrou, além disso, que o veredicto do tribunal diz apenas respeito ao processo inconstitucional da transição de Áñez e que ainda há um julgamento pendente, relativo aos massacres e às violações dos direitos humanos perpetrados pelo regime golpista.

«Dez anos é muito pouco para aquilo que se passou; mas dez anos para esta transição talvez seja justo, porque o outro julgamento é sobre os massacres, sobre a violência, as execuções sumárias, execuções extra-judiciais», disse Becker à Bolivia TV.

Um «avanço importante»

Falando para a mesma cadeia de TV, a ex-ministra Teresa Morales disse que, para lá do número de anos que a sentença dita, o importante é que deixa claro que houve um golpe de Estado.

Partindo daí, defendeu que, agora, «devem ser indiciados os autores intelectuais da interrupção da ordem democrática: Luis Fernando Camacho, Carlos Mesa, Samuel Doria Medina e Tuto Quiroga».

«Os autores intelectuais foram os que levaram Áñez a interromper a ordem constitucional», disse, insistindo no seu processamento judicial.

Por seu lado, Jorge Richter, porta-voz da Presidência, destacou, em entrevista à Kawsachun Coca, que a sentença contra Áñez e as antigas altas chefias militares estabelece de forma clara que, nos dias 10, 11 e 12 de Novembro de 2019, a Constituição Política do Estado foi violada, com o apoio da Polícia e das Forças Armadas, para levar a cabo um golpe de Estado e constituir um governo golpista.

Richter referiu que este processo apenas julgou «uma questão pontual» e que constitui «um avanço importante», embora «pareça insuficiente» perante «tanta indignação pelas ofensas» realizadas.

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Para Michel, trata-se de um momento de viragem da Justiça na Bolívia, pois passaram 17 meses desde que o governador de Santa Cruz foi chamado a depor no âmbito do processo Golpe de Estado I, tendo gozado de impunidade até agora, o que levou a que cometesse outros crimes.

Neste caso, Camacho é investigado como o principal promotor do derrube do governo constitucional do então presidente Evo Morales e das suas consequências, nomeadamente os massacres de Sacaba e Senkata.

Entre as provas existentes contra ele, figura a sua própria confissão num vídeo que circula nas redes sociais e que foi exibido nos canais nacionais de televisão, no qual Camacho conta ao seu círculo de amigos como, através do seu pai, conspirou com chefias policiais e militares para levar a cabo o golpe.

Advogado de acusação pede prisão preventiva

Questionado pelo Ministério Público, Fernando Camacho remeteu-se ao silêncio e, indica a ABI, espera que, na audiência preliminar, seja decidido se exerce o direito à defesa em liberdade ou na cadeia.

O advogado de acusação, Jorge Nina, já disse que pedirá a prisão preventiva para o principal acusado pelos «factos de violência e morte de 2019», ligados ao golpe de Estado e à tomada do poder por Jeanine Áñez.

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Deputados e sectores populares exigem justiça para os golpistas na Bolívia

Eleitos e activistas bolivianos denunciam que os agentes políticos que promoveram a ruptura constitucional não responderam perante a Justiça e criam obstáculos ao avanço do processo.

A perseguição golpista atinge manifestantes nas ruas que exigem democracia e a renúncia da «autoproclamada» Jeanine Áñez (imagem de arquivo) 
Créditos / Página 12

A ex-presidente golpista Jeanine Áñez foi recentemente condenada a dez anos de cadeia num processo designado como Golpe de Estado II e aquilo que alguns eleitos e populares agora exigem é o avanço do caso conhecido como Golpe de Estado I.

Trata-se de fazer com que Áñez e aqueles que a acompanharam no seu período de governação, entre 2019 e 2020, bem como outros agentes políticos, responsáveis pelo golpe de Estado contra Evo Morales, sejam julgados pelos «crimes de terrorismo e conspiração», informa a Agencia Boliviana de Información (ABI).

Aldo Michel, coordenador do Comité Promotor do julgamento contra Áñez, disse esta quinta-feira que, apesar das chicanas processuais, juízes e procuradores «têm de se colocar em sintonia com o clamor popular, das vítimas, dos sectores sociais, do povo boliviano».

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Condenação de Áñez a dez anos mereceu apreciações variadas na Bolívia

Após a condenação da ex-senadora, algumas vozes referiram-se à pena como «leve». Outras lembraram que ainda falta julgar os massacres e que se abriu caminho para processar os autores intelectuais do golpe.

A senadora de direita Jeanine Áñez proclamou-se presidente interina da Bolívia, mesmo sem existir quorum na Assembleia Legislativa Plurinacional, tal como a Constituição exige
Créditos / elpais.com.uy

Um tribunal de La Paz condenou, por unanimidade, esta sexta-feira, a ex-senadora Jeanine Áñez e os ex-comandantes do Exército e da Polícia Williams Kaliman e Yuri Calderón, respectivamente, a dez anos de prisão.

Num processo designado como Golpe de Estado II, estes eram os três principais acusados da prática dos crimes de incumprimento de deveres e resoluções contrárias à Constituição e às leis, em Novembro de 2019.

No âmbito do mesmo processo, foram condenados os ex-comandantes das Forças Armadas Jorge Elmer Fernández e Sergio Orellana (quatro anos); o ex-comandante do Exército Jorge Pastor Mendieta (três anos) e o ex-chefe do Estado-Maior Flavio Gustavo Arce (dois anos), refere a Agencia Boliviana de Información (ABI).

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Diego Pary: «A OEA foi um dos elementos centrais no golpe de Estado»

O embaixador da Bolívia junto das Nações Unidas reafirmou o papel fulcral de Almagro e do relatório preliminar da OEA sobre as eleições gerais de 2019 na ruptura da ordem constitucional.

Evo Morales durante a conferência de imprensa realizada em La Paz, Bolívia, a 30 de Outubro de 2019.
Evo Morales durante a conferência de imprensa realizada em La Paz, Bolívia, a 30 de Outubro de 2019 CréditosMartin Alipaz / EPA

Entrevistado esta quinta-feira no programa «Primer Plano», da Bolivia TV, Diego Pary recordou a função primordial desempenhada pelo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, antes e depois das eleições gerais de 2019, ganhas pelo Movimento para o Socialismo – Instrumento Político pela Soberania dos Povos (MAS-IPSP).

O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros referiu que foi em torno do relatório preliminar da OEA sobre as eleições que se planeou e executou o golpe de Estado, com o apoio da Polícia e do Exército, da direita boliviana e de grupos violentos.

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Evo Morales alerta o mundo para o golpe de Estado em curso na Bolívia

O presidente da Bolívia, Evo Morales, denunciou que «a democracia está em risco» no seu país, tendo em conta o «golpe de Estado posto em marcha por grupos violentos que atentam» contra a Constituição.

O presidente reeleito da Bolívia, Evo Morales, alertou para o golpe de Estado em curso no país andino-amazónico
Créditos / @evoespueblo

«Irmãs e irmãos, a nossa democracia está em risco em virtude do golpe de Estado posto em marcha por grupos violentos que atentam contra a ordem constitucional», escreveu o chefe de Estado boliviano esta sexta-feira, às 23h26 (hora local), na sua conta de Twitter.

«Denunciamos à comunidade internacional este atentado contra o Estado de Direito», acrescentou Morales na sua conta @evoespueblo, tendo ainda reiterado o apelo ao povo para que «cuide pacificamente da democracia e da CPE [Constituição Política do Estado], de modo a preservar a paz e a vida como bens supremos, acima de qualquer interesse político».

«A unidade do povo será a garantia do bem-estar da Pátria e da paz social», sublinhou o presidente reeleito no passado dia 20 de Outubro, que, segundo a imprensa local, se reuniu ao início da noite na Casa Grande do Povo (sede do Executivo) com membros do seu gabinete.

A situação em La Paz era calma e a Unidade Táctica de Operações Policiais da capital garantia a segurança do centro político do país. Pelas 20h30 (hora local), o ministro boliviano da Defesa, Javier Zavaleta, descartou, em conferência de imprensa, que as Forças Armadas viessem para as ruas, na sequência do «motim» de agentes policiais na cidade de Cochabamba.

Na ocasião, afirmou que prevalecia a «total normalidade» no seio das Forças Armadas nos nove departamentos do país, refere a Prensa Latina.

Governo boliviano insta polícias a dialogar sobre «mal-estar»

Numa outra conferência de imprensa, o ministro do Governo da Bolívia, Carlos Romero, instou esta sexta-feira os grupos de polícias que «manifestaram diversas exigências institucionais» a «manter o diálogo para resolver as suas reivindicações».

O ministro mostrou-se confiante na possibilidade de ultrapassar as divergências pela via do diálogo e descartou a hipótese de o executivo boliviano mandar os militares para as ruas.


Horas antes, o comandante da Polícia boliviana, Yuri Calderón, desmentiu as informações segundo as quais estavam a «ocorrer motins nos quartéis da Polícia», embora tenha reconhecido que existia uma situação de «mal-estar», entre os seus colegas em Cochabamba, contra o comandante departamental – algo que, segundo Calderón, foi resolvido com a mudança de comandante.

De acordo com a informação divulgada pela TeleSur, Calderón afirmou que no resto do país a situação era de normalidade, embora os polícias estivessem a ser alvo de «acosso por parte de civis».

O ministro do Governo desmentiu também as afirmações feitas por Luis Fernando Camacho (agitador anti-Morales, dirigente do Comité Cívico Pro Santa Cruz), segundo as quais existia um plano do governo boliviano para o assassinar. Carlos Romero disse que o seu governo não é desses e que a «paz social é um património histórico do povo boliviano».

Oposição não reconhece resultados eleitorais, atenta contra a democracia, promove a violência

Também em conferência de imprensa, o ministro boliviano das Comunicações, Manuel Canelas, dirigiu ontem fortes críticas à oposição, «por atentar contra a democracia, a paz e a estabilidade, através das suas acções e dos apelos à violência».

Canelas dirigiu-se em particular a Camacho, que «não defende saídas institucionais, mas promove acções violentas, fora do âmbito constitucional, pelas quais não se responsabiliza», tendo como objectivo perpetrar um golpe de Estado, informa a TeleSur.

Disse ainda que Camacho «não está em condições para impor um ultimato ou dizer quando termina o mandato constitucional vigente do presidente Morales», sublinhando que este não se demitirá, por mais que insistam no pedido de renúncia.

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Pary recordou que vários observadores internacionais chegaram ao país por causa das eleições, sendo um deles a OEA. A pedido do Supremo Tribunal Eleitoral, dirigido por Salvador Romero, o governo boliviano assinou um acordo com esse organismo com vista à realização de uma auditoria, com prazos fixos, informa a Agencia Boliviana de Información (ABI).

No entanto, a 7 de Novembro, o chefe de gabinete da OEA comunicou ao executivo boliviano que não podia cumprir o prazo, solicitando uma prorrogação até 13 de Novembro, à qual o governo acedeu.

De forma inesperada, no dia 9, a OEA deu uma conferência de imprensa em que exigiu à Bolívia a realização de novas eleições.

Perante este cenário, o governo do país andino solicitou uma justificação para tal pedido, tendo então a OEA «inventado» um relatório preliminar em três horas, a 9 de Novembro, um documento que depois desapareceu e não coincide com o relatório final, indicou o diplomata, citado pela ABI.

Pary disse que, de forma coordenada, esse relatório preliminar foi divulgado no dia seguinte, 10 de Novembro, precisamente quando os polícias se amotinaram e as Forças Armadas se insubordinaram, exigindo a renúncia do presidente constitucional, Evo Morales.

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Rogelio Mayta: «Sublinhamos o papel nefasto de Almagro na OEA»

Em entrevista concedida ao Página 12, da Argentina, o ministro boliviano dos Negócios Estrangeiros destaca que as relações com os EUA não sofreram alterações significativas com a eleição de Biden.

Rogelio Mayta, ministro dos Negócios Estrangeiros da Bolívia
Créditos / ABI

Rogelio Mayta é aymara, tem 49 anos e um passado marcado pela defesa, como advogado, das vítimas assassinadas em El Alto no massacre conhecido como Outubro Negro, em 2003. Militante do MAS, é hoje o chefe da diplomacia do executivo de Luis Arce.

Depois do golpe de Estado que levou à renúncia de Evo Morales, procura retomar a senda da integração continental que os golpistas desmontaram, num contexto em que os verdugos de Sacaba e Senkata começam a prestar contas à Justiça.

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Senador boliviano pede respeito pelo trabalho da Justiça

Leonardo Loza pediu, esta segunda-feira, que se respeite o trabalho da Justiça na Bolívia no caso do golpe de Estado, pelo qual foi presa e está encarcerada a ex-presidente golpista, Jeanine Áñez.

Familiares de vítimas do massacre de Senkata, em El Alto, perpetrado a 19 de Novembro de 2019
Créditos / ccb.com.bo

«Os quatro meses de investigação, desde Dezembro último, devem servir para aprofundar e esclarecer os 36 mortos no país durante os conflitos sociais de Novembro de 2019», declarou o senador do Movimento para o Socialismo (MAS).

«Então, não houve nenhuma sucessão, autoproclamaram-se e, pior, atropelaram o povo», destacou Loza no programa «El mañanero», do canal de televisão Red Uno.

«A ex-presidente golpista assinou um decreto supremo que deu carta branca ao Exército e à Polícia», acrescentou o senador, lembrando que foi com esse aval que a população de Senkata (La Paz) e Sacaba (Cochabamba) foi massacrada.

Nos últimos dias, Jeanine Áñez, Álvaro Coímbra (ex-ministro da Justiça) e Rodrigo Guzmán (ex-titular da pasta da Energia) foram presos pela presumível «participação nos delitos de terrorismo, sedição e conspiração». Esta segunda-feira, um tribunal decretou quatro meses de prisão preventiva para todos.

Existem também mandados de captura para Yerko Núñez (ex-ministro da Presidência), Arturo Murillo (Interior) e Luis Fernando López (Defesa), bem como para o ex-comandante da Polícia, coronel Yuri Calderón, e o ex-comandante das Forças Armadas, general Williams Kaliman Romero.

Ontem, o Ministério da Justiça apresentou ao Ministério Público quatro propostas de julgamentos por crime de responsabilidade contra Jeanine Áñez e o seu executivo. Os casos estão relacionados com: pedido de empréstimo irregular de 346,7 milhões de dólares ao Fundo Monetário Internacional; prolongamento ilegal da concessão à Fundaempresa por um período de 15 anos; violação dos direitos humanos dos bolivianos residentes no Chile; restrições à liberdade de expressão durante a pandemia, explica a agência ABI.

Perante o anúncio de mobilizações em defesa de Áñez e dos seus ministros, Leonardo Loza reiterou o apelo para que a Justiça possa trabalhar e esclarecer as denúncias sobre os factos ocorridos, nomeadamente, sobre os mortos, os feridos e as detenções ilegais.

«Almagro não tem autoridade para se pronunciar sobre a Bolívia»

Em declarações à imprensa, o procurador Pablo Gutiérrez afirmou que o Ministério Público da Bolívia garante o respeito pelos direitos dos investigados no âmbito do processo do golpe de Estado e lembrou que as notificações e mandados de captura emitidos fazem parte das suas atribuições e competências.

Sublinhando a legalidade de todo o processo relacionado com «a ruptura da legalidade em 2019», acrescentou que alguns dos indivíduos visados pelas notificações fugiram do país e que o processo não constitui uma forma «perseguição política», mas, sim, uma «investigação promovida na sequência de uma denúncia», informa a Prensa Latina.

Numa conferência de imprensa anterior, o ministro do Interior, Eduardo del Castillo, também afirmara que «o governo boliviano não persegue ninguém politicamente»; pelo contrário, a sua pretensão é procurar a justiça.

Entretanto, em resposta ao comunicado da Organização dos Estados Americanos (OEA) que ontem pediu a libertação de Áñez e dos ex-ministros presos, o secretário-executivo da Aliança Bolivariana para os Povs da Nossa América – Tratado de Comércio dos Povos (ALBA-TCP), Sacha Llorentti, escreveu na sua conta de Twitter que Luis Almagro, secretário-geral da OEA, «não tem autoridade moral para se pronunciar sobre o que se passa na Bolívia».

«Os povos da Nossa América sabem que ele é co-responsável pelo golpe de Estado, cúmplice dos massacres e que foi suporte do governo de facto na Bolívia», denunciou.

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Golpistas presos na Bolívia
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Questionado pelo jornalista Gustavo Veiga, do diário argentino Página 12, sobre o que opina da detenção recente da ex-presidente golpista Jeannine Áñez e de alguns ministros da ditadura, Mayta sublinhou que o «processo está nas mãos da Justiça boliviana», que a «queixa foi apresentada ao Ministério Público há vários meses e decorreu de modo normal». Acrescentou que, «ao executivo, cabe-lhe gerar um ambiente no qual esse processo possa seguir os seus trâmites normais».

Sobre o alegado envolvimento britânico no golpe de Estado de 2019, divulgado, entre outros media, pelo dailymaverick.co.za, que apresentaram certos documentos desclassificados do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, Rogelio Mayta disse que o embaixador britânico foi chamado, tendo-lhe sido solicitado que explicasse a situação às autoridades bolivianas, por escrito.

No passado dia 12, chegou ao Ministério boliviano dos Negócios Estrangeiros uma nota escrita, em resposta ao requerimento, e agora está-se na fase de avaliar a informação «para saber se é satisfatória ou não». Mayta disse que a notícia «caiu muito mal em vários sectores» da sociedade boliviana, tendo havido algumas organizações sociais a pedir a expulsão do diplomata britânico. Sublinhou, no entanto, que, «enquanto Estado vamos lidar com o assunto com muita prudência», seguindo «o que estabelecem as regras do direito internacional».

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De massacre em massacre, golpistas bolivianos deixam claro ao que vêm

A forte repressão sobre os manifestantes que, em El Alto, exigiam a renúncia de Jeanine Áñez segue-se à «carta branca» dada ao Exército, à militarização das ruas, às ameaças crescentes aos eleitos pelo MAS.

A perseguição golpista atinge manifestantes nas ruas que exigem democracia e a renúncia da «autoproclamada» Jeanine Áñez
Créditos / Página 12

A repressão policial e militar alentada pelos golpistas bolivianos esteve na origem de um novo massacre, esta terça-feira, em Senkata, na cidade de El Alto (Área Metropolitana de La Paz). O saldo preliminar da Defensoría del Pueblo [Provedoria de Justiça] apontava para três mortos e mais de três dezenas de feridos.

Esta quarta-feira, o jornalista Fernando Ortega Zabala afirmou no Twitter ter visto cinco mortos, ontem, na capela do Bairro 25 de Julho, em Senkata. «Agora há seis. Não sei quantos há na morgue. Vi 11 mortos. Diz-se que há pessoas que não aparecem», alertou.

Este massacre ocorre depois do que teve lugar este fim-de-semana, também levado a cabo por polícias e militares, em Sacaba, nos arredores de Cochabamba, sobre manifestantes que também exigiam democracia e a renúncia da «autoproclamada» presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez. Ali, foram mortas mais de uma dezena de pessoas.

Ontem, 12 tanquetes do Exército, apoiadas por helicópteros militares, entraram nas instalações de distribuição de carburantes de Senkata, que se encontravam cercadas há cerca de uma semana por habitantes da localidade e camponeses de todas as províncias do departamento de La Paz, em protesto contra o governo golpista boliviano, liderado pela «autoproclamada», indica a Prensa Latina, precisando que dali saíram 45 camiões cisterna com gasolina.

«Os militares chegaram e dispararam. Não vieram em paz», disse uma das manifestantes, citada pela fonte. O médico Aiver Huaranca contou que as forças policiais e militares nem sequer respeitaram o seu uniforme, uma vez que, quando prestava os primeiros socorros a um dos feridos, os agentes dispararam contra ele.

As manifestações e os cortes de estrada em protesto contra o golpe de Estado contra o governo de Evo Morales prosseguiram na zona de El Alto mesmo depois da operação de repressão. Da mesma forma, registaram-se mobilizações para condenar o golpe de Estado e exigir a renúncia de Jeanine Áñez em La Paz, Potosí, Cochabamba e noutros pontos do país.

Criação do inimigo interno e criminalização do MAS

Numa peça publicada ontem no diário Página 12, o jornalista argentino Marco Teruggi alerta para a «construção do inimigo interno» por parte de Arturo Murillo, ministro do governo fake da Bolívia.

Com tal discurso, o governo golpista visa «vitimizar-se e legitimar a acção repressiva» da Polícia e das Forças Armadas, que viram reforçada a verba que lhes é destinada com um pacote extra de 4,8 milhões de dólares e cujos membros ficaram isentos de responsabilidade penal nas operações que levam a cabo – por via do decreto 4078, cuja revogação foi solicitada pela Provedoria de Justiça e pelo Movimento para o Socialismo (MAS), ao considerar que se trata de uma «carta branca» para matar bolivianos.


Com a construção de um «inimigo interno», lembra o jornalista argentino, Murillo pretende também negar as responsabilidades dos golpistas nos assassinatos do golpe (não fomos nós, foram eles) e criar a suspeita de que o governo golpista boliviano poderia ser alvo de ataques armados que teriam como autores intelectuais os membros do MAS, ou seja, aqueles que apoiam Evo Morales.

Entretanto, os golpistas, que afirmam que são governo de forma transitória, que pretendem «pacificar o país» através de novas eleições e da nomeação de novas autoridades eleitorais, enfrentam o problema da maioria parlamentar do MAS no Senado e na Assembleia.

Neste contexto, Murillo já anunciou a criação de um «órgão especial no Ministério Público» que tem como fito perseguir eleitos do MAS, por, alegadamente, promoverem «a subversão e a sublevação». Ou seja, antes de se quererem legitimar pela via eleitoral os golpistas parecem querer garantir os caminhos necessários à perseguição, para arredar os incómodos da frente.

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No que respeita à Organização dos Estados Americanos (OEA), o ministro disse que a Bolívia quer ter uma presença forte em vários cenários e organismos, incluindo a OEA, sobre a qual o seu país possui «uma visão mais bem crítica» em função da «má experiência com a missão de observação eleitoral e a auditoria eleitoral levada a cabo em 2019». «Sublinhamos o papel nefasto de Luis Almagro como seu secretário-geral», afirmou.

Quanto às relações com os EUA, depois da mudança de Trump por Biden, frisou que, «até ao momento não houve nenhuma alteração significativa», e vincou o posicionamento do país andino-amazónico em prol de «relações construtivas e positivas com todos os países» do mundo, incluindo os Estados Unidos. «Sempre respeitando a soberania boliviana, e é aí que estamos, um pouco de braços abertos para estreitar laços», disse.

Lamentou, no entanto, que isso dependa mais da vontade dos EUA, «porque têm maus antecedentes, levam a cabo ingerências políticas, procuram ter um certo nível de controlo sobre determinados aspectos de interesse regional ou de determinados países». «Há um monte de provas e documentos desclassificados que nos mostram isso nas últimas décadas», acrescentou.

«Mais ainda, na nossa memória recente há governos de facto, governos militares que tivemos aqui, na América Latina, que foram motivados por acções dos EUA. Apesar disso, estamos dispostos a gerar relações construtivas e positivas», insistindo que a bola está «mais no campo dos Estados Unidos que no nosso».

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Governo boliviano promove reactivação da indústria do lítio

Com o golpe apoiado pelos EUA, a Bolívia interrompeu o processo de industrialização do lítio que iniciara pela mão da empresa nacionalizada YLB. O governo de Luis Arce está a reactivar todo esse processo.

Salar de Uyuni
Créditos / infraroi.com.br

Marcelo Gonzales tomou posse, esta segunda-feira, como novo presidente executivo da empresa Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB), tendo como missão reactivar o processo de industrialização de um recurso estratégico para o desenvolvimento do país andino-amazónico, informa a agência ABI.

Gonzales, que tem uma larga trajectória neste sector e na YLB, foi empossado pelo ministro boliviano dos Hidrocarbonetos e Energia, Franklin Molina, que na sua intervenção destacou os passos importantes dados pelo governo do ex-presidente Evo Morales para criar a indústria do lítio com soberania e parcerias internacionais.

Molina considerou importante a articulação da política energética, «porque o lítio permitirá o desenvolvimento económico do país e das regiões produtoras», tendo em conta o seu «elevado valor acrescentado e a procura de baterias de lítio a nível internacional».

Afirmou ainda que se trata de um grande desafio, uma vez que a indústria esteve praticamente parada um ano, com a intervenção do governo golpista liderado por Jeanine Áñez.

Por seu lado, o novo presidente executivo da YLB agradeceu a confiança nele depositada e afirmou que a empresa possui os recursos humanos qualificados e necessários para «entrar na etapa de industrialização do lítio» e dar sequência ao foi estabelecido até Outubro de 2019, indica a Prensa Latina.

Marcelo Gonzales precisou que entre os principais projectos se contam a construção de otras unidades industriais, como as de ião lítio e cátodos nos salares de Coipasa Uyuni (departamento de Oruro) e Pastos Grandes (Potosí).

As actividades de produção na unidade industrial de cloreto de potássio e da unidade semi-industrial de carboneto de lítio foram travadas pelo governo golpista de Jeanine Áñez, na sequência do golpe de Estado que levou Evo Morales a renunciar ao cargo, em Novembro de 2019.

Maiores reservas conhecidas de lítio

Mais de 50% dos depósitos de lítio a nível mundial encontram-se no chamado Triângulo do Lítio – Argentina, Bolívia e Chile – e é nos desertos montanhosos da Bolívia – o Salar de Uyuni – que existem as maiores reservas conhecidas de lítio.

O governo de Morales assumiu uma posição de cautela com estas reservas de lítio, deixando claro que o precioso recurso não devia ser entregue às multinacionais, que os lucros deviam partilhados com o povo boliviano e que qualquer acordo deveria passar pela Comibol, a empresa mineira nacional, e com aYLB, a empresa nacional de lítio.

Com Evo Morales, o objectivo era não a exportação da matéria-prima, mas assumir o processo de industrialização no país – algo que já estava a avançar, com YLB a fabricar baterias de lítio e mesmo um carro eléctrico, em parceria com a empresa alemã ACISA.

É esse processo, travado pelo governo golpista, que o governo de Luis Arce procura reactivar, colocando os recursos naturais ao serviço do país para erradicar a pobreza e aumentar a soberania.

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Questionado sobre o que opina sobre agências norte-americanas que actuam na América Latina, como a USAID, a NED, ou mesmo a CIA e a DEA, Rogelio Mayta foi claro: «É claro que são tão negativas e execráveis como a acção do próprio Estado», que «apenas tendem a camuflar ou procurar esconder a acção ou os interesses que determina um Estado ou potência hegemónica como foram os Estados Unidos». E lembrou que, em 2008, «se teve de expulsar gradualmente uma agência supostamente anti-drogas como a DEA e, depois, a USAID». «Já as conhecemos e rejeitamo-as.»

Defendeu ainda que o mundo está a mudar e que hoje é multipolar ou tripolar, «já que a Federação Russa e a China têm pesos específicos».

O actual presidente da Bolívia, Luis Arce, quando era ministro da Economia de Evo Morales, tinha uma posição muito clara sobre a defesa dos recursos naturais do país, como o lítio – lembra o jornalista Gustavo Veiga. Questionado o prosseguimento dessa política, Rogelio Mayta disse que, «mais que uma posição política de um governo, se trata se um desígnio constitucional» e que «os recursos naturais são dos bolivianos».

O propósito do actual executivo é fazer com que os benefícios desses recursos cheguem ao povo, que não saiam do país com as transnacionais, como acontecia antes. «Isso não quer dizer que estejamos fechados ao investimento externo, a estabelecer relações que nos permitam melhorar a exploração dos nossos recursos, mas, como defendemos há mais de uma década, não como estrangeiros na nossa própria terra, mas, sim, com um papel de parceiros, de iguais», frisou.

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A estes factos juntaram-se as acções de extrema violência por parte de grupos paramilitares que apoiavam o golpe de Estado e o discurso da oposição, que encontrou um eixo para atiçar a agitação social e a desestabilização.

Entretanto, a narrativa da fraude ganhou apoio entre alguns governos, que não reconheceram a vitória de Evo Morales nas urnas. «Isto é uma evidência clara de que o relatório de auditoria da OEA foi e é um dos elementos centrais para o golpe de Estado no país, porque tudo estava planeado, organizado», afirmou.

Com as suas acções, Almagro não só prejudicou a democracia boliviana, mas em toda a região, sublinhou o embaixador junto das Nações Unidas.

Neste sentido, destacou o posicionamento de vários ex-presidentes e personalidades da região que questionaram a ingerência e o intervencionismo de Almagro e dos Estados Unidos da América nos assuntos internos da Bolívia.

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Em declarações à imprensa, o ministro boliviano da Justiça, Iván Lima, afirmou que foi dado um «primeiro passo na recuperação da memória, verdade e justiça; nunca mais um golpe de Estado no país».

Considerou ainda inadmissível, num contexto em que se procura preservar a independência da Justiça, o pedido de intervenção e «ingerência no país», realizado por Carlos Mesa, do partido Comunidad Ciudadana (direita), para que a União Europeia e outros organismos internacionais garantissem que o derrube de Evo Morales foi uma «sucessão».

Para Evo Morales, a sentença é «benigna»

Na sua conta de Twitter, Evo Morales, ex-presidente boliviano, afirmou que «dez anos de prisão é uma pena benigna em relação ao dano que [Áñez e os seus cúmplices] causaram à democracia».

Também o advogado norte-americano Thomas Becker disse que a pena de dez anos de prisão para Jeanine Áñez «é pouco». Em declarações à Bolivia TV, afirmou, ainda assim, que é «justo e importante», para fazer «justiça às vítimas do golpe de Estado de Novembro de 2019».

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Relatório confirma a violação de direitos humanos no golpe de Estado na Bolívia

O presidente boliviano recebeu o relatório elaborado pelo Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI) e anunciou que o seu governo vai agir para reparar as vítimas e fazer justiça.

A perseguição golpista atinge manifestantes nas ruas que exigem democracia e a renúncia da «autoproclamada» Jeanine Áñez
Créditos / Página 12

Luis Arce destacou esta terça-feira que o informe do GIEI reafirma que no golpe de Estado de 2019 houve graves violações dos direitos humanos, e foram cometidos massacres e execuções extrajudiciais por parte do governo golpista.

Durante uma cerimónia celebrada no Auditório do Banco Central, o chefe de Estado vincou o compromisso do seu executivo com a procura da verdade histórica e com a justiça, referindo-se às vítimas de acções de violência e outras violações dos direitos humanos ocorridas no país entre 1 de Setembro e 31 de Dezembro de 2019, informa a TeleSur.

Arce recebeu o relatório elaborado pelo GIEI sobre estes factos, no qual são amplamente documentadas as acções de violência durante o golpe de Estado (em que foram mortas 38 pessoas e várias centenas ficaram feridas) e são formuladas mais de três dezenas de recomendações.

O presidente boliviano agradeceu aos especialistas pelo contributo para a verdade, tendo reafirmado que será feita justiça, respeitando o ordenamento jurídico e os processos legais, e sublinhando que o seu governo assume o compromisso de implementar as recomendações.

Medidas a tomar para garantir justiça

A este respeito, anunciou a criação de uma comissão ao mais alto nível para proceder ao censo das vítimas e à sua reparação integral, e disse que será revogado o Decreto Supremo 4461, o que permitirá julgar efectivos das forças de segurança envolvidos nos factos.

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O silêncio: a pior resposta do Estado português

Seria de bom-tom que os portugueses soubessem o que têm a dizer as principais autoridades do Estado sobre as atrocidades que estão a ser cometidas na Bolívia e no Chile. O silêncio é a mais indigna das atitudes.

Encontro do Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, e do Secretário de Estado norte-americano Michael Pompeo, em Washington, Junho de 2018.
Créditos / US Department of State

O chefe de Estado e o governo da República Portuguesa estão em silêncio perante as atrocidades contra a democracia e os direitos humanos praticadas na Bolívia e no Chile. Em circunstâncias onde o poder neoliberal se vê forçado a mostrar a sua verdadeira face ditatorial para evitar a aplicação plena da democracia, com todas as suas consequências, as principais figuras do Estado português escolhem o silêncio, talvez a maneira mais indigna de se identificarem com a crueldade do sistema – ao mesmo tempo que ignoram a Constituição da República.

«Todos sabemos o quão loquazes são, por exemplo, o chefe de Estado e o ministro dos Negócios Estrangeiros. Essa veia comunicadora que lhes permite ter as palavras certas nos momentos certos para a comunicação social certa é de tal maneira expressiva e expectável que nos permite dispor de elementos para compreender os conteúdos dos seus silêncios sem uma exagerada margem de erro»

Na Bolívia, depois do golpe com todos os velhos ingredientes político-militares, a repressão fascista com matizes racistas avança através do país e não poupa sequer os senadores eleitos que constituem a maioria absoluta do Senado. No Chile, a repressão do pinochetista Sebastián Piñera castiga cruelmente o levantamento popular que exige uma Constituição democrática e uma vida digna. A tudo isto as principais figuras do Estado português dizem nada. Respondem com um longo e profundo silêncio como se não lhes coubesse ter opinião própria e fossem obrigadas a respeitar o não menos profundo e longo silêncio da União Europeia. Tentemos decifrar o enigma – que tem, certamente, um eminente significado político.

Todos sabemos o quão loquazes são, por exemplo, o chefe de Estado e o ministro dos Negócios Estrangeiros. Essa veia comunicadora que lhes permite ter as palavras certas nos momentos certos para a comunicação social certa é de tal maneira expressiva e expectável que nos permite dispor de elementos para compreender os conteúdos dos seus silêncios sem uma exagerada margem de erro.

Na Bolívia deu-se um golpe de Estado – ainda há quem tenha pudor em qualificar assim o que está a acontecer – que derrubou e exilou o presidente eleito com mais de 47% dos votos e o fez substituir por uma senadora de uma força minoritária no Senado – que teve de usurpar dois cargos de uma assentada: o de presidente do Senado e o de chefe do Estado.

Na sequência do processo, que atropela as mais elementares normas democráticas porque não foi apresentada, até ao momento, qualquer prova de viciação dos resultados eleitorais, as forças militares e policiais entregam-se a orgias de violência, especialmente contra as camadas mais desfavorecidas, as comunidades indígenas dos campos bolivianos, precisamente as que formaram a base social maioritária que sustentou as administrações progressistas, soberanistas e anti-neoliberais de Evo Morales.

Uma informação sobre o teor fascista e selectivo da vaga repressiva, e que talvez possa interessar ao aparentemente desinformado ministro Santos Silva, decorre do conteúdo do decreto emanado pela presidente usurpadora, Jeanine Añez, e que no seu artigo terceiro estipula que «o pessoal das Forças Armadas que participe nas operações de restauração da ordem e de estabilidade política ficará isento de responsabilidade criminal quando, no cumprimento das suas funções constitucionais, actuarem em legítima defesa ou estado de necessidade».

Uma medida de encorajamento ao tiro livre que tem a sua equivalente jurídica – os golpistas bolivianos informaram-se da prática de lawfare com quem de direito, por exemplo a corte de Bolsonaro – na proposta da presidência para constituir «um aparelho especial» da Procuradoria que permita prender os senadores do Movimento para o Socialismo (MAS) que promovam «a subversão e a sublevação», ou seja, para meter na cadeia, no limite, a maioria absoluta do Senado.

Estas pinceladas abreviadas sobre a situação na Bolívia permitem deduzir que haveria matéria capaz de puxar pela palavra fácil do chefe de Estado, do ministro dos Negócios Estrangeiros, do próprio primeiro-ministro.

Correspondência no Chile

As principais figuras do Estado português permanecem igualmente silenciosas sobre o que se passa no Chile.

E o que se passa no Chile é um imenso e pacífico levantamento popular, torpedeado por fenómenos de banditismo accionados para tentar retirar legitimidade à revolta e servir de manobra de diversão para a comunicação mainstream, contra o sistema de ditadura económica herdado do regime terrorista de Pinochet.

Sebastián Piñera, presidente em exercício e admirador confesso de Pinochet, tem recorrido à violência repressiva e ao manobrismo político para se manter, comportamento em que arrastou grande parte da oposição num processo que visa estabelecer uma «nova» Constituição em que o essencial do regime continue inalterado.

Obviamente, também no Chile os mecanismos democráticos continuam a sofrer maus-tratos. Talvez interesse ao ministro Santos Silva conhecer a sádica tendência criminosa de Piñera manifestada através do aparelho repressivo: usa munições de borracha, sim, mas disparadas contra os olhos dos manifestantes. Os casos de cegueira e outros problemas de visão daí decorrentes elevam-se a cerca de 230. Muito compatível com o respeito pelos direitos humanos.

Mutismo quase absoluto

Apesar destas circunstâncias muito graves, a Presidência da República e o governo de Portugal entendem que não há razões para se pronunciarem.

É verdade que a União Europeia também está em silêncio. Será por isso que Lisboa também nada diz?

No entanto, a Constituição Portuguesa tem particularidades explícitas em matéria de soberania, respeito pelos direitos dos povos e os direitos humanos que não se encontram em outras leis fundamentais dos parceiros europeus.

«na óptica ministerial o caso [da Bolívia] é grave; transformou-se até numa situação atípica de risco elevado. […] Então, das duas uma: ou o silêncio é cúmplice com as atrocidades que estão a passar-se; ou o governo só tem margem de manobra, em termos de vínculos internacionais, para saudar a reimplantação do fascismo neoliberal – preferindo, desta feita, defender-se com o mutismo»

Nada exigiria que o silêncio comunitário impusesse o silêncio lusitano; pelo contrário, a soberania portuguesa tal como é estipulada na Constituição exige que as autoridades do Estado tomem posições por si próprias, sem estarem à espera dos «aliados».

Mas não. Ao que parece continua a prevalecer o complexo de bom aluno.

É verdade que foi dita uma coisa sobre a Bolívia: os portugueses «devem evitar qualquer deslocação» a esse país, aconselhou o portal do Ministério dos Negócios Estrangeiros no dia 11 de Novembro1; e, no dia 14, uma fonte da Secretaria de Estado de Negócios Estrangeiros fez notar à agência Lusa que é «muito raro» o Ministério fazer recomendações deste tipo2 .

Portanto, na óptica ministerial o caso é grave; transformou-se até numa situação atípica de risco elevado. Mais uma razão para assumir uma posição política capaz de ajudar a população a compreender a situação.

Então, das duas uma: ou o silêncio é cúmplice com as atrocidades que estão a passar-se; ou o governo só tem margem de manobra, em termos de vínculos internacionais, para saudar a reimplantação do fascismo neoliberal – preferindo, desta feita, defender-se com o mutismo.


Talvez porque em situação anterior optou por pronunciar-se e ficou com um trambolho político nas mãos chamado Juan Guaidó. O Estado português, a exemplo de várias potências da União Europeia, mas não a comunidade em si, identificou-se com o golpe na Venezuela que tinha como objectivo instalar organizações e figuras fascistas no governo. E fê-lo pondo em risco a situação de centenas e centenas de milhares de portugueses que vivem na Venezuela, ao contrário do que aconteceu agora com escassas dezenas que vivem na Bolívia. Que merecem todo o respeito, tornando procedente a advertência governamental. Uma atenção que, por maioria de razão, deveria ter estado sempre no espírito do governo em relação à Venezuela

Deduz-se que o governo de Lisboa tem consciência de se ter saído muito mal na Venezuela, pelo que tentará agora evitar catástrofe política idêntica. Tal como em Caracas, identificar-se-á com a usurpação do poder em La Paz mas acha melhor não dar sinal de si, fingir-se de morto, a não ser quando puder fazê-lo com a cobertura dos «nossos parceiros e aliados».

Um pau de dois bicos

O chefe de Estado, por seu lado, poderia dizer de sua justiça sobre os acontecimentos na Bolívia e no Chile, porque teve até um contexto internacional em que tal viria a propósito: a visita oficial a Itália.

Mas não; preferiu glosar o mote da NATO como entidade «defensiva» e amiga «dos desfavorecidos», como gosta de dizer o seu anfitrião de ocasião, o presidente italiano. Seguir nesse rumo até à Bolívia, porém, seria traiçoeiro: ao elogiar a NATO, Marcelo Rebelo de Sousa fez a apologia da organização que formou operacionalmente os militares decisivos para o golpe em La Paz e agora têm mãos livres para espalhar o terror fascista.

Abordar a situação na Bolívia neste contexto deixaria o presidente mal na fotografia, mesmo sendo reconhecida a sua habilidade para dar a volta a casos intrincados em termos de comunicação. O silêncio revelou algum pudor mas agride os princípios em que assenta a Constituição da República em termos de respeito pela democracia e pela liberdade dos povos.

Tudo menos o silêncio

Perante o que está a acontecer na Bolívia e no Chile, os democratas sintonizados com a Constituição da República, os princípios democráticos, a soberania e o respeito pelas direitos humanos só podem assumir uma posição: denunciar e condenar o golpe, a repressão e o manobrismo utilizado para iludir os resultados de eleições legítimas e as reivindicações populares.

Não existem dúvidas sobre quem são os agressores e os agredidos, os golpistas e as vítimas, de que lado está a legitimidade e como se impõe a trafulhice criminosa.

Mas também na Venezuela o cenário é muito claro, como aliás o fascismo sob o poder na Ucrânia, e o governo não deixou de dizer de sua justiça – ignorando os princípios democráticos.

Ao assumir agora o silêncio sobre situações dramáticas que vitimam populações carenciadas, o governo da República Portuguesa parece ter mudado de táctica na sua estratégia de cumplicidade com casos de usurpação da democracia.

Na verdade, o que está em causa, tanto na Bolívia, como no Chile, como na Venezuela é a alternativa entre a democracia com todas as suas consequências e a ditadura neoliberal.

Não é difícil perceber de que lado estão o chefe de Estado e o governo da República. O silêncio é apenas uma defesa tornada recomendável perante o indisfarçável complexo de Guaidó.

Ainda assim seria de bom-tom que os portugueses soubessem o que têm a dizer realmente as principais autoridades do Estado sobre as atrocidades à democracia e os direitos humanos que, nos dias que correm, estão a ser cometidas na Bolívia e no Chile. Porque o silêncio é a mais indigna das atitudes.

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Seguindo a sugestão do GIEI, o chefe de Estado acrescentou que será desestruturada toda a organização parapolicial e grupos irregulares criados como forças de repressão paralelas ao Estado e que durante o golpe de Estado agiram como forças de choque contra os protestos populares.

Também instou o Ministério Público a implementar aquilo que o relatório recomenda e a Assembleia Legislativa a aprovar o mais brevemente possível o julgamento por crimes de responsabilidade, de modo a determinar a autoria, as responsabilidades e sanções das graves violações aos direitos humanos, refere a fonte.

Garantir a imprescritibilidade dos casos de violações dos direitos humanos

Patricia Tappatá Valdez foi a representante do GIEI que teve a cargo a apresentação do relatório, fazendo uma leitura resumida dos resultados da investigação.

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Investigação mostra cumplicidade da comunicação social com golpe na Bolívia

O estudo dos jornalistas bolivianos Susana Bejarano e Fernando Molina evidencia a cumplicidade de influentes meios de comunicação do país com o golpe de Estado de Novembro de 2019, refere a Prensa Latina.

Familiares de vítimas do massacre de Senkata, em El Alto, perpetrado a 19 de Novembro de 2019
Créditos / ccb.com.bo

A investigação, ainda não publicada e a que a agência cubana teve acesso, analisa o apoio declarado de vários órgãos de comunicação, com uma linha marcadamente de direita, ao golpe e ao governo golpista que se lhe seguiu.

Os dois jornalistas mostram que determinados diários assumiram uma linha de activismo político a favor das acções violentas levadas a cabo pela direita boliviana, apoiada por militares e polícias, para tirar do poder o presidente Evo Morales e o Movimento para o Socialismo (MAS).

Na sequência da renúncia de Morales, instalou-se no país andino-amazónico um governo ilegítimo liderado pela autoproclamada Jeanine Áñez, que essa imprensa apoiou fervorosamente desde o início, com o propósito de o legitimar e de neutralizar qualquer crítica ao modo como foi constituído.

Bejerano e Molina referem a campanha sistemática que um desses diários em particular empreendeu para eliminar as ligações de Áñez ao golpe de Estado, bem como as tentativas repetidas de criminalizar a oposição, sobretudo o MAS, e de apresentar a acção do novo governo como pacificadora, num país que a direita tinha mergulhado no caos e na violência.

Justificação da repressão

O apoio mediático ao governo golpista chegou ao ponto de justificar sistematicamente a repressão e a perseguição política, apontam os investigadores, que dão como exemplo a cobertura dos massacres de Senkata e Sacaba, nos quais, de acordo com as conclusões preliminares de uma comissão parlamentar, foram mortas pelo menos 37 pessoas que exigiam democracia e o regresso de Evo Morales, que se exilou no México e depois na Argentina.

De acordo com o estudo – a que a Prensa Latina teve acesso –, em ambos os casos o discurso da comunicação social vitimizou as forças de segurança, procurando fazer crer que, ao dispararem, estavam a responder ao fogo dos manifestantes.


«Não faleceram polícias nem militares em Sacaba», esclarecem os autores do estudo, referindo que um jornal, num artigo intitulado «Fuego cruzado entre cocaleros y FF.AA. deja al menos seis muertos», afirmou sem provas que os manifestantes tinham «armas de fogo e outros objectos letais».

No que respeita a Senkata, em El Alto, os órgãos de comunicação deram conta, igualmente sem provas, da utilização de dinamite por parte dos grevistas, para assim justificarem o uso da força contra um acto de terrorismo e um atentado.

Outro exemplo do apoio da comunicação social dominante ao governo golpista foi a cobertura quase nula dos grandes protestos anti-governamentais que foram ocorrendo ao longo do ano. Os principais canais de TV, que deram ampla cobertura aos protestos contra a alegada fraude do MAS nas eleições de 2019 (uma versão, hoje, mais que desmontada), deram curtas informações sobre as manifestações anti-Áñez, refere a agência cubana com base na investigação.

Em muitos casos, referem Susana Bejarano e Fernando Molina, descreveram os protagonistas das manifestações como membros de «hordas» e «turbas», visando minimizar o impacto das mobilizações e apontá-los como «inimigos da ordem e da constitucionalidade».

A Prensa Latina não indica se o estudo se detém na «secção internacional» da cobertura mediática, que mereceria extensas e aprofundadas abordagens.

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Disse que os membros do GIEI não duvidam em qualificar como massacres aquilo que se passou em Sacaba e Senkata, e instou o Estado boliviano a garantir a justiça para todas as vítimas, dando prioridade aos casos de violência sexual e de género, bem como a assegurar a imprescritibilidade dos casos de violações dos direitos humanos.

A investigação dos especialistas internacionais do GIEI durou oito meses, durante os quais foram entrevistadas 400 pessoas e analisados mais de 120 mil expedientes. Também foram ouvidos depoimentos de representantes de instituições, de organizações sociais e de testemunhas presenciais das acções de violência.

Na cerimónia de apresentação, esta terça-feira, intervieram ainda Gregoria Siles Villaroel e Gloria Quisbert Ticona, que integram as associações de vítimas dos massacres de Sacaba (Chapare, 15 de Novembro de 2019) e Senkata (El Alto, 19 de Novembro de 2019), respectivamente. Ambas afirmaram que exigem justiça, não vingança.

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Lembrou, além disso, que o veredicto do tribunal diz apenas respeito ao processo inconstitucional da transição de Áñez e que ainda há um julgamento pendente, relativo aos massacres e às violações dos direitos humanos perpetrados pelo regime golpista.

«Dez anos é muito pouco para aquilo que se passou; mas dez anos para esta transição talvez seja justo, porque o outro julgamento é sobre os massacres, sobre a violência, as execuções sumárias, execuções extra-judiciais», disse Becker à Bolivia TV.

Um «avanço importante»

Falando para a mesma cadeia de TV, a ex-ministra Teresa Morales disse que, para lá do número de anos que a sentença dita, o importante é que deixa claro que houve um golpe de Estado.

Partindo daí, defendeu que, agora, «devem ser indiciados os autores intelectuais da interrupção da ordem democrática: Luis Fernando Camacho, Carlos Mesa, Samuel Doria Medina e Tuto Quiroga».

«Os autores intelectuais foram os que levaram Áñez a interromper a ordem constitucional», disse, insistindo no seu processamento judicial.

Por seu lado, Jorge Richter, porta-voz da Presidência, destacou, em entrevista à Kawsachun Coca, que a sentença contra Áñez e as antigas altas chefias militares estabelece de forma clara que, nos dias 10, 11 e 12 de Novembro de 2019, a Constituição Política do Estado foi violada, com o apoio da Polícia e das Forças Armadas, para levar a cabo um golpe de Estado e constituir um governo golpista.

Richter referiu que este processo apenas julgou «uma questão pontual» e que constitui «um avanço importante», embora «pareça insuficiente» perante «tanta indignação pelas ofensas» realizadas.

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Também se referiu aos obstáculos que os participantes no golpe de Estado de Novembro de 2019 colocam para atrasar ou impedir o desenrolar do processo, como não se apresentar nas audiências em que têm de depor.

Recentemente – explica a ABI –, um advogado apresentou uma petição à Procuradoria de La Paz para que o processo penal passasse também a considerar diversos agentes políticos da direita e extrema-direita, responsáveis pelo golpe ou por factos sangrentos a ele associados, como Carlos Mesa, Jorge Quiroga, Luis Fernando Camacho, Waldo Albarracín, Israel Alanoca e Samuel Doria Medina.

Sergio de la Zerda, deputado eleito por Cochabamba, considerou adequada esta petição, uma vez que «Áñez não agiu sozinha».

«Recordemos, de forma clara, as declarações do Senhor Mesa opondo-se a que fosse constituída uma verdadeira substituição constitucional [para evitar a usurpação]», declarou De la Zerda.

Em declarações à rádio Fides, o deputado lembrou ainda que Camacho admitiu «que o seu pai comprou polícias e militares para que não controlassem as mobilizações, enquanto Tuto Quiroga deu ordens ao Exército sem estar capacitado para tal».

Só um assessor de Carlos Mesa depôs

Esta quarta-feira, a Procuradoria de La Paz ouviu o depoimento de um assessor do ex-presidente Carlos Mesa, Ricardo Paz, que admitiu ter participado na reunião de 10 de Novembro de 2019, na Universidade Católica Boliviana, na qual foi decidido o golpe de Estado contra Evo Morales, indica a TeleSur.

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Bancada do MAS pede celeridade no julgamento de paramilitares bolivianos

O líder da bancada do Movimento para o Socialismo (MAS) exigiu celeridade, esta terça-feira, no julgamento de quatro membros de um grupo extremista indiciados por acções perpetradas durante o golpe de Estado.

Membros do grupo parapolicial e paramilitar Resistencia Juvenil de Cochala, surgido durante o golpe de Estado de Novembro de 2019 na Bolívia 
Créditos / la-epoca.com.bo

«A acusação que foi feita, nós aplaudimo-la e pedimos bastante celeridade para que este caso chegue ao seu término. Os que cometeram crimes […] têm de ser punidos», afirmou o deputado Gualberto Arispe, citado pela Agencia Boliviana de Información (ABI).

Num comunicado recente, o Ministério do Interior informou que Yassir Molina, Milena Sotto, Mario Antonio Bascopé e Fabio Alejandro Bascopé, membros da organização paramilitar Resistencia Juvenil Cochala (RJC), foram notificados das acusações – atentar contra a segurança interna, destruir bens do Estado e uma série de excessos e humilhações perpetrados na execução do golpe de Estado, em Novembro de 2019, e durante o regime golpista de Jeanine Áñez.

No próximo dia 6 de Junho, terão oportunidade de apresentar a sua defesa, no início de um julgamento oral público, revela a mesma fonte.

Grupos de choque deste grupo paramilitar e racista, com o rosto tapado, agrediram e raptaram, a 6 de Novembro de 2019, a presidente do município de Vinto, Patricia Arce, que foi levada até Huayculli, em Quillacollo (Cochabamba), onde a insultaram, lhe cortaram o cabelo e lhe atiraram tinta para cima.

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Relatório confirma a violação de direitos humanos no golpe de Estado na Bolívia

O presidente boliviano recebeu o relatório elaborado pelo Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI) e anunciou que o seu governo vai agir para reparar as vítimas e fazer justiça.

A perseguição golpista atinge manifestantes nas ruas que exigem democracia e a renúncia da «autoproclamada» Jeanine Áñez
Créditos / Página 12

Luis Arce destacou esta terça-feira que o informe do GIEI reafirma que no golpe de Estado de 2019 houve graves violações dos direitos humanos, e foram cometidos massacres e execuções extrajudiciais por parte do governo golpista.

Durante uma cerimónia celebrada no Auditório do Banco Central, o chefe de Estado vincou o compromisso do seu executivo com a procura da verdade histórica e com a justiça, referindo-se às vítimas de acções de violência e outras violações dos direitos humanos ocorridas no país entre 1 de Setembro e 31 de Dezembro de 2019, informa a TeleSur.

Arce recebeu o relatório elaborado pelo GIEI sobre estes factos, no qual são amplamente documentadas as acções de violência durante o golpe de Estado (em que foram mortas 38 pessoas e várias centenas ficaram feridas) e são formuladas mais de três dezenas de recomendações.

O presidente boliviano agradeceu aos especialistas pelo contributo para a verdade, tendo reafirmado que será feita justiça, respeitando o ordenamento jurídico e os processos legais, e sublinhando que o seu governo assume o compromisso de implementar as recomendações.

Medidas a tomar para garantir justiça

A este respeito, anunciou a criação de uma comissão ao mais alto nível para proceder ao censo das vítimas e à sua reparação integral, e disse que será revogado o Decreto Supremo 4461, o que permitirá julgar efectivos das forças de segurança envolvidos nos factos.

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O silêncio: a pior resposta do Estado português

Seria de bom-tom que os portugueses soubessem o que têm a dizer as principais autoridades do Estado sobre as atrocidades que estão a ser cometidas na Bolívia e no Chile. O silêncio é a mais indigna das atitudes.

Encontro do Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, e do Secretário de Estado norte-americano Michael Pompeo, em Washington, Junho de 2018.
Créditos / US Department of State

O chefe de Estado e o governo da República Portuguesa estão em silêncio perante as atrocidades contra a democracia e os direitos humanos praticadas na Bolívia e no Chile. Em circunstâncias onde o poder neoliberal se vê forçado a mostrar a sua verdadeira face ditatorial para evitar a aplicação plena da democracia, com todas as suas consequências, as principais figuras do Estado português escolhem o silêncio, talvez a maneira mais indigna de se identificarem com a crueldade do sistema – ao mesmo tempo que ignoram a Constituição da República.

«Todos sabemos o quão loquazes são, por exemplo, o chefe de Estado e o ministro dos Negócios Estrangeiros. Essa veia comunicadora que lhes permite ter as palavras certas nos momentos certos para a comunicação social certa é de tal maneira expressiva e expectável que nos permite dispor de elementos para compreender os conteúdos dos seus silêncios sem uma exagerada margem de erro»

Na Bolívia, depois do golpe com todos os velhos ingredientes político-militares, a repressão fascista com matizes racistas avança através do país e não poupa sequer os senadores eleitos que constituem a maioria absoluta do Senado. No Chile, a repressão do pinochetista Sebastián Piñera castiga cruelmente o levantamento popular que exige uma Constituição democrática e uma vida digna. A tudo isto as principais figuras do Estado português dizem nada. Respondem com um longo e profundo silêncio como se não lhes coubesse ter opinião própria e fossem obrigadas a respeitar o não menos profundo e longo silêncio da União Europeia. Tentemos decifrar o enigma – que tem, certamente, um eminente significado político.

Todos sabemos o quão loquazes são, por exemplo, o chefe de Estado e o ministro dos Negócios Estrangeiros. Essa veia comunicadora que lhes permite ter as palavras certas nos momentos certos para a comunicação social certa é de tal maneira expressiva e expectável que nos permite dispor de elementos para compreender os conteúdos dos seus silêncios sem uma exagerada margem de erro.

Na Bolívia deu-se um golpe de Estado – ainda há quem tenha pudor em qualificar assim o que está a acontecer – que derrubou e exilou o presidente eleito com mais de 47% dos votos e o fez substituir por uma senadora de uma força minoritária no Senado – que teve de usurpar dois cargos de uma assentada: o de presidente do Senado e o de chefe do Estado.

Na sequência do processo, que atropela as mais elementares normas democráticas porque não foi apresentada, até ao momento, qualquer prova de viciação dos resultados eleitorais, as forças militares e policiais entregam-se a orgias de violência, especialmente contra as camadas mais desfavorecidas, as comunidades indígenas dos campos bolivianos, precisamente as que formaram a base social maioritária que sustentou as administrações progressistas, soberanistas e anti-neoliberais de Evo Morales.

Uma informação sobre o teor fascista e selectivo da vaga repressiva, e que talvez possa interessar ao aparentemente desinformado ministro Santos Silva, decorre do conteúdo do decreto emanado pela presidente usurpadora, Jeanine Añez, e que no seu artigo terceiro estipula que «o pessoal das Forças Armadas que participe nas operações de restauração da ordem e de estabilidade política ficará isento de responsabilidade criminal quando, no cumprimento das suas funções constitucionais, actuarem em legítima defesa ou estado de necessidade».

Uma medida de encorajamento ao tiro livre que tem a sua equivalente jurídica – os golpistas bolivianos informaram-se da prática de lawfare com quem de direito, por exemplo a corte de Bolsonaro – na proposta da presidência para constituir «um aparelho especial» da Procuradoria que permita prender os senadores do Movimento para o Socialismo (MAS) que promovam «a subversão e a sublevação», ou seja, para meter na cadeia, no limite, a maioria absoluta do Senado.

Estas pinceladas abreviadas sobre a situação na Bolívia permitem deduzir que haveria matéria capaz de puxar pela palavra fácil do chefe de Estado, do ministro dos Negócios Estrangeiros, do próprio primeiro-ministro.

Correspondência no Chile

As principais figuras do Estado português permanecem igualmente silenciosas sobre o que se passa no Chile.

E o que se passa no Chile é um imenso e pacífico levantamento popular, torpedeado por fenómenos de banditismo accionados para tentar retirar legitimidade à revolta e servir de manobra de diversão para a comunicação mainstream, contra o sistema de ditadura económica herdado do regime terrorista de Pinochet.

Sebastián Piñera, presidente em exercício e admirador confesso de Pinochet, tem recorrido à violência repressiva e ao manobrismo político para se manter, comportamento em que arrastou grande parte da oposição num processo que visa estabelecer uma «nova» Constituição em que o essencial do regime continue inalterado.

Obviamente, também no Chile os mecanismos democráticos continuam a sofrer maus-tratos. Talvez interesse ao ministro Santos Silva conhecer a sádica tendência criminosa de Piñera manifestada através do aparelho repressivo: usa munições de borracha, sim, mas disparadas contra os olhos dos manifestantes. Os casos de cegueira e outros problemas de visão daí decorrentes elevam-se a cerca de 230. Muito compatível com o respeito pelos direitos humanos.

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Apesar destas circunstâncias muito graves, a Presidência da República e o governo de Portugal entendem que não há razões para se pronunciarem.

É verdade que a União Europeia também está em silêncio. Será por isso que Lisboa também nada diz?

No entanto, a Constituição Portuguesa tem particularidades explícitas em matéria de soberania, respeito pelos direitos dos povos e os direitos humanos que não se encontram em outras leis fundamentais dos parceiros europeus.

«na óptica ministerial o caso [da Bolívia] é grave; transformou-se até numa situação atípica de risco elevado. […] Então, das duas uma: ou o silêncio é cúmplice com as atrocidades que estão a passar-se; ou o governo só tem margem de manobra, em termos de vínculos internacionais, para saudar a reimplantação do fascismo neoliberal – preferindo, desta feita, defender-se com o mutismo»

Nada exigiria que o silêncio comunitário impusesse o silêncio lusitano; pelo contrário, a soberania portuguesa tal como é estipulada na Constituição exige que as autoridades do Estado tomem posições por si próprias, sem estarem à espera dos «aliados».

Mas não. Ao que parece continua a prevalecer o complexo de bom aluno.

É verdade que foi dita uma coisa sobre a Bolívia: os portugueses «devem evitar qualquer deslocação» a esse país, aconselhou o portal do Ministério dos Negócios Estrangeiros no dia 11 de Novembro1; e, no dia 14, uma fonte da Secretaria de Estado de Negócios Estrangeiros fez notar à agência Lusa que é «muito raro» o Ministério fazer recomendações deste tipo2 .

Portanto, na óptica ministerial o caso é grave; transformou-se até numa situação atípica de risco elevado. Mais uma razão para assumir uma posição política capaz de ajudar a população a compreender a situação.

Então, das duas uma: ou o silêncio é cúmplice com as atrocidades que estão a passar-se; ou o governo só tem margem de manobra, em termos de vínculos internacionais, para saudar a reimplantação do fascismo neoliberal – preferindo, desta feita, defender-se com o mutismo.


Talvez porque em situação anterior optou por pronunciar-se e ficou com um trambolho político nas mãos chamado Juan Guaidó. O Estado português, a exemplo de várias potências da União Europeia, mas não a comunidade em si, identificou-se com o golpe na Venezuela que tinha como objectivo instalar organizações e figuras fascistas no governo. E fê-lo pondo em risco a situação de centenas e centenas de milhares de portugueses que vivem na Venezuela, ao contrário do que aconteceu agora com escassas dezenas que vivem na Bolívia. Que merecem todo o respeito, tornando procedente a advertência governamental. Uma atenção que, por maioria de razão, deveria ter estado sempre no espírito do governo em relação à Venezuela

Deduz-se que o governo de Lisboa tem consciência de se ter saído muito mal na Venezuela, pelo que tentará agora evitar catástrofe política idêntica. Tal como em Caracas, identificar-se-á com a usurpação do poder em La Paz mas acha melhor não dar sinal de si, fingir-se de morto, a não ser quando puder fazê-lo com a cobertura dos «nossos parceiros e aliados».

Um pau de dois bicos

O chefe de Estado, por seu lado, poderia dizer de sua justiça sobre os acontecimentos na Bolívia e no Chile, porque teve até um contexto internacional em que tal viria a propósito: a visita oficial a Itália.

Mas não; preferiu glosar o mote da NATO como entidade «defensiva» e amiga «dos desfavorecidos», como gosta de dizer o seu anfitrião de ocasião, o presidente italiano. Seguir nesse rumo até à Bolívia, porém, seria traiçoeiro: ao elogiar a NATO, Marcelo Rebelo de Sousa fez a apologia da organização que formou operacionalmente os militares decisivos para o golpe em La Paz e agora têm mãos livres para espalhar o terror fascista.

Abordar a situação na Bolívia neste contexto deixaria o presidente mal na fotografia, mesmo sendo reconhecida a sua habilidade para dar a volta a casos intrincados em termos de comunicação. O silêncio revelou algum pudor mas agride os princípios em que assenta a Constituição da República em termos de respeito pela democracia e pela liberdade dos povos.

Tudo menos o silêncio

Perante o que está a acontecer na Bolívia e no Chile, os democratas sintonizados com a Constituição da República, os princípios democráticos, a soberania e o respeito pelas direitos humanos só podem assumir uma posição: denunciar e condenar o golpe, a repressão e o manobrismo utilizado para iludir os resultados de eleições legítimas e as reivindicações populares.

Não existem dúvidas sobre quem são os agressores e os agredidos, os golpistas e as vítimas, de que lado está a legitimidade e como se impõe a trafulhice criminosa.

Mas também na Venezuela o cenário é muito claro, como aliás o fascismo sob o poder na Ucrânia, e o governo não deixou de dizer de sua justiça – ignorando os princípios democráticos.

Ao assumir agora o silêncio sobre situações dramáticas que vitimam populações carenciadas, o governo da República Portuguesa parece ter mudado de táctica na sua estratégia de cumplicidade com casos de usurpação da democracia.

Na verdade, o que está em causa, tanto na Bolívia, como no Chile, como na Venezuela é a alternativa entre a democracia com todas as suas consequências e a ditadura neoliberal.

Não é difícil perceber de que lado estão o chefe de Estado e o governo da República. O silêncio é apenas uma defesa tornada recomendável perante o indisfarçável complexo de Guaidó.

Ainda assim seria de bom-tom que os portugueses soubessem o que têm a dizer realmente as principais autoridades do Estado sobre as atrocidades à democracia e os direitos humanos que, nos dias que correm, estão a ser cometidas na Bolívia e no Chile. Porque o silêncio é a mais indigna das atitudes.

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Seguindo a sugestão do GIEI, o chefe de Estado acrescentou que será desestruturada toda a organização parapolicial e grupos irregulares criados como forças de repressão paralelas ao Estado e que durante o golpe de Estado agiram como forças de choque contra os protestos populares.

Também instou o Ministério Público a implementar aquilo que o relatório recomenda e a Assembleia Legislativa a aprovar o mais brevemente possível o julgamento por crimes de responsabilidade, de modo a determinar a autoria, as responsabilidades e sanções das graves violações aos direitos humanos, refere a fonte.

Garantir a imprescritibilidade dos casos de violações dos direitos humanos

Patricia Tappatá Valdez foi a representante do GIEI que teve a cargo a apresentação do relatório, fazendo uma leitura resumida dos resultados da investigação.

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Investigação mostra cumplicidade da comunicação social com golpe na Bolívia

O estudo dos jornalistas bolivianos Susana Bejarano e Fernando Molina evidencia a cumplicidade de influentes meios de comunicação do país com o golpe de Estado de Novembro de 2019, refere a Prensa Latina.

Familiares de vítimas do massacre de Senkata, em El Alto, perpetrado a 19 de Novembro de 2019
Créditos / ccb.com.bo

A investigação, ainda não publicada e a que a agência cubana teve acesso, analisa o apoio declarado de vários órgãos de comunicação, com uma linha marcadamente de direita, ao golpe e ao governo golpista que se lhe seguiu.

Os dois jornalistas mostram que determinados diários assumiram uma linha de activismo político a favor das acções violentas levadas a cabo pela direita boliviana, apoiada por militares e polícias, para tirar do poder o presidente Evo Morales e o Movimento para o Socialismo (MAS).

Na sequência da renúncia de Morales, instalou-se no país andino-amazónico um governo ilegítimo liderado pela autoproclamada Jeanine Áñez, que essa imprensa apoiou fervorosamente desde o início, com o propósito de o legitimar e de neutralizar qualquer crítica ao modo como foi constituído.

Bejerano e Molina referem a campanha sistemática que um desses diários em particular empreendeu para eliminar as ligações de Áñez ao golpe de Estado, bem como as tentativas repetidas de criminalizar a oposição, sobretudo o MAS, e de apresentar a acção do novo governo como pacificadora, num país que a direita tinha mergulhado no caos e na violência.

Justificação da repressão

O apoio mediático ao governo golpista chegou ao ponto de justificar sistematicamente a repressão e a perseguição política, apontam os investigadores, que dão como exemplo a cobertura dos massacres de Senkata e Sacaba, nos quais, de acordo com as conclusões preliminares de uma comissão parlamentar, foram mortas pelo menos 37 pessoas que exigiam democracia e o regresso de Evo Morales, que se exilou no México e depois na Argentina.

De acordo com o estudo – a que a Prensa Latina teve acesso –, em ambos os casos o discurso da comunicação social vitimizou as forças de segurança, procurando fazer crer que, ao dispararem, estavam a responder ao fogo dos manifestantes.


«Não faleceram polícias nem militares em Sacaba», esclarecem os autores do estudo, referindo que um jornal, num artigo intitulado «Fuego cruzado entre cocaleros y FF.AA. deja al menos seis muertos», afirmou sem provas que os manifestantes tinham «armas de fogo e outros objectos letais».

No que respeita a Senkata, em El Alto, os órgãos de comunicação deram conta, igualmente sem provas, da utilização de dinamite por parte dos grevistas, para assim justificarem o uso da força contra um acto de terrorismo e um atentado.

Outro exemplo do apoio da comunicação social dominante ao governo golpista foi a cobertura quase nula dos grandes protestos anti-governamentais que foram ocorrendo ao longo do ano. Os principais canais de TV, que deram ampla cobertura aos protestos contra a alegada fraude do MAS nas eleições de 2019 (uma versão, hoje, mais que desmontada), deram curtas informações sobre as manifestações anti-Áñez, refere a agência cubana com base na investigação.

Em muitos casos, referem Susana Bejarano e Fernando Molina, descreveram os protagonistas das manifestações como membros de «hordas» e «turbas», visando minimizar o impacto das mobilizações e apontá-los como «inimigos da ordem e da constitucionalidade».

A Prensa Latina não indica se o estudo se detém na «secção internacional» da cobertura mediática, que mereceria extensas e aprofundadas abordagens.

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Disse que os membros do GIEI não duvidam em qualificar como massacres aquilo que se passou em Sacaba e Senkata, e instou o Estado boliviano a garantir a justiça para todas as vítimas, dando prioridade aos casos de violência sexual e de género, bem como a assegurar a imprescritibilidade dos casos de violações dos direitos humanos.

A investigação dos especialistas internacionais do GIEI durou oito meses, durante os quais foram entrevistadas 400 pessoas e analisados mais de 120 mil expedientes. Também foram ouvidos depoimentos de representantes de instituições, de organizações sociais e de testemunhas presenciais das acções de violência.

Na cerimónia de apresentação, esta terça-feira, intervieram ainda Gregoria Siles Villaroel e Gloria Quisbert Ticona, que integram as associações de vítimas dos massacres de Sacaba (Chapare, 15 de Novembro de 2019) e Senkata (El Alto, 19 de Novembro de 2019), respectivamente. Ambas afirmaram que exigem justiça, não vingança.

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Nesse mesmo dia, elementos deste grupo atacaram uma marcha de mulheres com saias «polleras» que se concentraram na praça principal de Cochabamba em protesto contra as acções golpistas.

De motorizada, cercaram-nas, atiraram-lhes com gás lacrimogéneo, perseguiram-nas, agarraram-nas pelos cabelos e agrediram-nas no chão, revela a Agencia Plurinacional de Comunicación.

Dois dias depois, a 8 de Novembro, na sequência do motim policial ocorrido em Cochabamba, os chamados «motoqueiros» da RJC cercaram a sede das seis federações sindicais do Trópico e incendiaram-na.

O partido Creemos, do golpista Luis Fernando Camacho e actual governador da província de Santa Cruz, criticou o comunicado do Ministério do Interior e saiu em defesa dos dirigentes da Resistencia Juvenil Cochala, cujo indiciamento afirma ser uma «perseguição política».

Por seu lado, o governo questionou essa «defesa» de um «grupo irregular» que veio à tona num momento de ruptura da ordem constitucional e contribuiu para agudizar a crise política, refere a ABI.

O ex-secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos Paulo Abrão elogiou as acções do governo boliviano, que está a dar cumprimento às recomendações do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI) para desmantelar a RJC.

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Ricardo Paz foi o único de uma série de intimados que se dirigiu à Procuradoria para depor, na fase instrutória do processo.

«Os agentes internos e externos do golpe de 2019» tiveram uma participação activa, a nível intelectual e material, frisou o deputado Héctor Arce, que considera «inaceitável» que Carlos Mesa, Doria Medina, Camacho e Albarracín não tenham respondido à Justiça até ao momento.

Numa outra ocasião, o ministro boliviano da Justiça, Iván Lima, denunciou que os «parceiros» políticos de Áñez estão a impedir o avanço da investigação do processo Golpe de Estado I com «chicanas, demoras injustificadas» e um presumível «abuso do sistema processual».

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Em declarações à imprensa, Nina recordou que o mandado de detenção executado esta quarta-feira não é recente e que a defesa do detido estava a par de crimes como terrorismo.

Entretanto, depois de sectores da oposição terem afirmado que a detenção de Camacho era um «sequestro», a Procuradoria-Geral esclareceu, em comunicado, que Camacho foi detido no contexto de um mandado emitido pela Procuradoria Departamental de La Paz.

Se, em La Paz e El Alto, as mobilizações a favor da justiça têm sido pacíficas, em Santa Cruz, após a detenção de Camacho, houve uma «onda de violência» por parte de sectores da extrema-direita, com ataques ao edifício e veículos da Procuradoria Departamental [vídeo], e ao Comando Departamental da Polícia, e o incêndio do edifício da Direcção de Apoio à Prevenção do Consumo de Drogas, Controlo do Tráfico Ilícito de Substâncias Controladas e Coca Excedentária, refere a fonte.

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«Vêm sem nenhuma autorização, sem nenhuma autoridade, meter-se nas nossas instituições, repreender as nossas autoridades e isso é uma ingerência nos assuntos internos, isso não pode ser aceitável», afirmou o vice-ministro, lembrando que, no caso do deputado espanhol, militante do Vox, não é a primeira vez que visita a Bolívia, já ali tendo estado durante o governo golpista de Áñez, em 2019 e 2020.

Por seu lado, Deysi Choque, deputada do Movimento para o Socialismo (MAS), considerou uma «falta de respeito» e uma «ingerência» a atitude de um estrangeiro num país que deixou de ser uma colónia de Espanha há dois séculos e que não é o pátio das traseiras de nenhuma potência.

À Bolivia TV, disse que se está perante um caso de violação da independência e da soberania, tendo solicitado ao governo de Luis Arce que declare imediatamente o espanhol González persona non grata e o expulse do país.

Polícia detém 19 pessoas na posse de material explosivo em Santa Cruz

Agentes da Força Especial de Luta contra o Crime (FELCC) prenderam 19 pessoas ligadas a acções de violência e confrontos nas imediações do edifício do Comando Departamental da Polícia de Santa Cruz, informou esta terça-feira o director departamental da força contra o crime, Julio César Cossio.

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Deputados e sectores populares exigem justiça para os golpistas na Bolívia

Eleitos e activistas bolivianos denunciam que os agentes políticos que promoveram a ruptura constitucional não responderam perante a Justiça e criam obstáculos ao avanço do processo.

A perseguição golpista atinge manifestantes nas ruas que exigem democracia e a renúncia da «autoproclamada» Jeanine Áñez (imagem de arquivo) 
Créditos / Página 12

A ex-presidente golpista Jeanine Áñez foi recentemente condenada a dez anos de cadeia num processo designado como Golpe de Estado II e aquilo que alguns eleitos e populares agora exigem é o avanço do caso conhecido como Golpe de Estado I.

Trata-se de fazer com que Áñez e aqueles que a acompanharam no seu período de governação, entre 2019 e 2020, bem como outros agentes políticos, responsáveis pelo golpe de Estado contra Evo Morales, sejam julgados pelos «crimes de terrorismo e conspiração», informa a Agencia Boliviana de Información (ABI).

Aldo Michel, coordenador do Comité Promotor do julgamento contra Áñez, disse esta quinta-feira que, apesar das chicanas processuais, juízes e procuradores «têm de se colocar em sintonia com o clamor popular, das vítimas, dos sectores sociais, do povo boliviano».

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Condenação de Áñez a dez anos mereceu apreciações variadas na Bolívia

Após a condenação da ex-senadora, algumas vozes referiram-se à pena como «leve». Outras lembraram que ainda falta julgar os massacres e que se abriu caminho para processar os autores intelectuais do golpe.

A senadora de direita Jeanine Áñez proclamou-se presidente interina da Bolívia, mesmo sem existir quorum na Assembleia Legislativa Plurinacional, tal como a Constituição exige
Créditos / elpais.com.uy

Um tribunal de La Paz condenou, por unanimidade, esta sexta-feira, a ex-senadora Jeanine Áñez e os ex-comandantes do Exército e da Polícia Williams Kaliman e Yuri Calderón, respectivamente, a dez anos de prisão.

Num processo designado como Golpe de Estado II, estes eram os três principais acusados da prática dos crimes de incumprimento de deveres e resoluções contrárias à Constituição e às leis, em Novembro de 2019.

No âmbito do mesmo processo, foram condenados os ex-comandantes das Forças Armadas Jorge Elmer Fernández e Sergio Orellana (quatro anos); o ex-comandante do Exército Jorge Pastor Mendieta (três anos) e o ex-chefe do Estado-Maior Flavio Gustavo Arce (dois anos), refere a Agencia Boliviana de Información (ABI).

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Diego Pary: «A OEA foi um dos elementos centrais no golpe de Estado»

O embaixador da Bolívia junto das Nações Unidas reafirmou o papel fulcral de Almagro e do relatório preliminar da OEA sobre as eleições gerais de 2019 na ruptura da ordem constitucional.

Evo Morales durante a conferência de imprensa realizada em La Paz, Bolívia, a 30 de Outubro de 2019.
Evo Morales durante a conferência de imprensa realizada em La Paz, Bolívia, a 30 de Outubro de 2019 CréditosMartin Alipaz / EPA

Entrevistado esta quinta-feira no programa «Primer Plano», da Bolivia TV, Diego Pary recordou a função primordial desempenhada pelo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, antes e depois das eleições gerais de 2019, ganhas pelo Movimento para o Socialismo – Instrumento Político pela Soberania dos Povos (MAS-IPSP).

O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros referiu que foi em torno do relatório preliminar da OEA sobre as eleições que se planeou e executou o golpe de Estado, com o apoio da Polícia e do Exército, da direita boliviana e de grupos violentos.

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Evo Morales alerta o mundo para o golpe de Estado em curso na Bolívia

O presidente da Bolívia, Evo Morales, denunciou que «a democracia está em risco» no seu país, tendo em conta o «golpe de Estado posto em marcha por grupos violentos que atentam» contra a Constituição.

O presidente reeleito da Bolívia, Evo Morales, alertou para o golpe de Estado em curso no país andino-amazónico
Créditos / @evoespueblo

«Irmãs e irmãos, a nossa democracia está em risco em virtude do golpe de Estado posto em marcha por grupos violentos que atentam contra a ordem constitucional», escreveu o chefe de Estado boliviano esta sexta-feira, às 23h26 (hora local), na sua conta de Twitter.

«Denunciamos à comunidade internacional este atentado contra o Estado de Direito», acrescentou Morales na sua conta @evoespueblo, tendo ainda reiterado o apelo ao povo para que «cuide pacificamente da democracia e da CPE [Constituição Política do Estado], de modo a preservar a paz e a vida como bens supremos, acima de qualquer interesse político».

«A unidade do povo será a garantia do bem-estar da Pátria e da paz social», sublinhou o presidente reeleito no passado dia 20 de Outubro, que, segundo a imprensa local, se reuniu ao início da noite na Casa Grande do Povo (sede do Executivo) com membros do seu gabinete.

A situação em La Paz era calma e a Unidade Táctica de Operações Policiais da capital garantia a segurança do centro político do país. Pelas 20h30 (hora local), o ministro boliviano da Defesa, Javier Zavaleta, descartou, em conferência de imprensa, que as Forças Armadas viessem para as ruas, na sequência do «motim» de agentes policiais na cidade de Cochabamba.

Na ocasião, afirmou que prevalecia a «total normalidade» no seio das Forças Armadas nos nove departamentos do país, refere a Prensa Latina.

Governo boliviano insta polícias a dialogar sobre «mal-estar»

Numa outra conferência de imprensa, o ministro do Governo da Bolívia, Carlos Romero, instou esta sexta-feira os grupos de polícias que «manifestaram diversas exigências institucionais» a «manter o diálogo para resolver as suas reivindicações».

O ministro mostrou-se confiante na possibilidade de ultrapassar as divergências pela via do diálogo e descartou a hipótese de o executivo boliviano mandar os militares para as ruas.


Horas antes, o comandante da Polícia boliviana, Yuri Calderón, desmentiu as informações segundo as quais estavam a «ocorrer motins nos quartéis da Polícia», embora tenha reconhecido que existia uma situação de «mal-estar», entre os seus colegas em Cochabamba, contra o comandante departamental – algo que, segundo Calderón, foi resolvido com a mudança de comandante.

De acordo com a informação divulgada pela TeleSur, Calderón afirmou que no resto do país a situação era de normalidade, embora os polícias estivessem a ser alvo de «acosso por parte de civis».

O ministro do Governo desmentiu também as afirmações feitas por Luis Fernando Camacho (agitador anti-Morales, dirigente do Comité Cívico Pro Santa Cruz), segundo as quais existia um plano do governo boliviano para o assassinar. Carlos Romero disse que o seu governo não é desses e que a «paz social é um património histórico do povo boliviano».

Oposição não reconhece resultados eleitorais, atenta contra a democracia, promove a violência

Também em conferência de imprensa, o ministro boliviano das Comunicações, Manuel Canelas, dirigiu ontem fortes críticas à oposição, «por atentar contra a democracia, a paz e a estabilidade, através das suas acções e dos apelos à violência».

Canelas dirigiu-se em particular a Camacho, que «não defende saídas institucionais, mas promove acções violentas, fora do âmbito constitucional, pelas quais não se responsabiliza», tendo como objectivo perpetrar um golpe de Estado, informa a TeleSur.

Disse ainda que Camacho «não está em condições para impor um ultimato ou dizer quando termina o mandato constitucional vigente do presidente Morales», sublinhando que este não se demitirá, por mais que insistam no pedido de renúncia.

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Pary recordou que vários observadores internacionais chegaram ao país por causa das eleições, sendo um deles a OEA. A pedido do Supremo Tribunal Eleitoral, dirigido por Salvador Romero, o governo boliviano assinou um acordo com esse organismo com vista à realização de uma auditoria, com prazos fixos, informa a Agencia Boliviana de Información (ABI).

No entanto, a 7 de Novembro, o chefe de gabinete da OEA comunicou ao executivo boliviano que não podia cumprir o prazo, solicitando uma prorrogação até 13 de Novembro, à qual o governo acedeu.

De forma inesperada, no dia 9, a OEA deu uma conferência de imprensa em que exigiu à Bolívia a realização de novas eleições.

Perante este cenário, o governo do país andino solicitou uma justificação para tal pedido, tendo então a OEA «inventado» um relatório preliminar em três horas, a 9 de Novembro, um documento que depois desapareceu e não coincide com o relatório final, indicou o diplomata, citado pela ABI.

Pary disse que, de forma coordenada, esse relatório preliminar foi divulgado no dia seguinte, 10 de Novembro, precisamente quando os polícias se amotinaram e as Forças Armadas se insubordinaram, exigindo a renúncia do presidente constitucional, Evo Morales.

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Rogelio Mayta: «Sublinhamos o papel nefasto de Almagro na OEA»

Em entrevista concedida ao Página 12, da Argentina, o ministro boliviano dos Negócios Estrangeiros destaca que as relações com os EUA não sofreram alterações significativas com a eleição de Biden.

Rogelio Mayta, ministro dos Negócios Estrangeiros da Bolívia
Créditos / ABI

Rogelio Mayta é aymara, tem 49 anos e um passado marcado pela defesa, como advogado, das vítimas assassinadas em El Alto no massacre conhecido como Outubro Negro, em 2003. Militante do MAS, é hoje o chefe da diplomacia do executivo de Luis Arce.

Depois do golpe de Estado que levou à renúncia de Evo Morales, procura retomar a senda da integração continental que os golpistas desmontaram, num contexto em que os verdugos de Sacaba e Senkata começam a prestar contas à Justiça.

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Senador boliviano pede respeito pelo trabalho da Justiça

Leonardo Loza pediu, esta segunda-feira, que se respeite o trabalho da Justiça na Bolívia no caso do golpe de Estado, pelo qual foi presa e está encarcerada a ex-presidente golpista, Jeanine Áñez.

Familiares de vítimas do massacre de Senkata, em El Alto, perpetrado a 19 de Novembro de 2019
Créditos / ccb.com.bo

«Os quatro meses de investigação, desde Dezembro último, devem servir para aprofundar e esclarecer os 36 mortos no país durante os conflitos sociais de Novembro de 2019», declarou o senador do Movimento para o Socialismo (MAS).

«Então, não houve nenhuma sucessão, autoproclamaram-se e, pior, atropelaram o povo», destacou Loza no programa «El mañanero», do canal de televisão Red Uno.

«A ex-presidente golpista assinou um decreto supremo que deu carta branca ao Exército e à Polícia», acrescentou o senador, lembrando que foi com esse aval que a população de Senkata (La Paz) e Sacaba (Cochabamba) foi massacrada.

Nos últimos dias, Jeanine Áñez, Álvaro Coímbra (ex-ministro da Justiça) e Rodrigo Guzmán (ex-titular da pasta da Energia) foram presos pela presumível «participação nos delitos de terrorismo, sedição e conspiração». Esta segunda-feira, um tribunal decretou quatro meses de prisão preventiva para todos.

Existem também mandados de captura para Yerko Núñez (ex-ministro da Presidência), Arturo Murillo (Interior) e Luis Fernando López (Defesa), bem como para o ex-comandante da Polícia, coronel Yuri Calderón, e o ex-comandante das Forças Armadas, general Williams Kaliman Romero.

Ontem, o Ministério da Justiça apresentou ao Ministério Público quatro propostas de julgamentos por crime de responsabilidade contra Jeanine Áñez e o seu executivo. Os casos estão relacionados com: pedido de empréstimo irregular de 346,7 milhões de dólares ao Fundo Monetário Internacional; prolongamento ilegal da concessão à Fundaempresa por um período de 15 anos; violação dos direitos humanos dos bolivianos residentes no Chile; restrições à liberdade de expressão durante a pandemia, explica a agência ABI.

Perante o anúncio de mobilizações em defesa de Áñez e dos seus ministros, Leonardo Loza reiterou o apelo para que a Justiça possa trabalhar e esclarecer as denúncias sobre os factos ocorridos, nomeadamente, sobre os mortos, os feridos e as detenções ilegais.

«Almagro não tem autoridade para se pronunciar sobre a Bolívia»

Em declarações à imprensa, o procurador Pablo Gutiérrez afirmou que o Ministério Público da Bolívia garante o respeito pelos direitos dos investigados no âmbito do processo do golpe de Estado e lembrou que as notificações e mandados de captura emitidos fazem parte das suas atribuições e competências.

Sublinhando a legalidade de todo o processo relacionado com «a ruptura da legalidade em 2019», acrescentou que alguns dos indivíduos visados pelas notificações fugiram do país e que o processo não constitui uma forma «perseguição política», mas, sim, uma «investigação promovida na sequência de uma denúncia», informa a Prensa Latina.

Numa conferência de imprensa anterior, o ministro do Interior, Eduardo del Castillo, também afirmara que «o governo boliviano não persegue ninguém politicamente»; pelo contrário, a sua pretensão é procurar a justiça.

Entretanto, em resposta ao comunicado da Organização dos Estados Americanos (OEA) que ontem pediu a libertação de Áñez e dos ex-ministros presos, o secretário-executivo da Aliança Bolivariana para os Povs da Nossa América – Tratado de Comércio dos Povos (ALBA-TCP), Sacha Llorentti, escreveu na sua conta de Twitter que Luis Almagro, secretário-geral da OEA, «não tem autoridade moral para se pronunciar sobre o que se passa na Bolívia».

«Os povos da Nossa América sabem que ele é co-responsável pelo golpe de Estado, cúmplice dos massacres e que foi suporte do governo de facto na Bolívia», denunciou.

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Golpistas presos na Bolívia
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Questionado pelo jornalista Gustavo Veiga, do diário argentino Página 12, sobre o que opina da detenção recente da ex-presidente golpista Jeannine Áñez e de alguns ministros da ditadura, Mayta sublinhou que o «processo está nas mãos da Justiça boliviana», que a «queixa foi apresentada ao Ministério Público há vários meses e decorreu de modo normal». Acrescentou que, «ao executivo, cabe-lhe gerar um ambiente no qual esse processo possa seguir os seus trâmites normais».

Sobre o alegado envolvimento britânico no golpe de Estado de 2019, divulgado, entre outros media, pelo dailymaverick.co.za, que apresentaram certos documentos desclassificados do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, Rogelio Mayta disse que o embaixador britânico foi chamado, tendo-lhe sido solicitado que explicasse a situação às autoridades bolivianas, por escrito.

No passado dia 12, chegou ao Ministério boliviano dos Negócios Estrangeiros uma nota escrita, em resposta ao requerimento, e agora está-se na fase de avaliar a informação «para saber se é satisfatória ou não». Mayta disse que a notícia «caiu muito mal em vários sectores» da sociedade boliviana, tendo havido algumas organizações sociais a pedir a expulsão do diplomata britânico. Sublinhou, no entanto, que, «enquanto Estado vamos lidar com o assunto com muita prudência», seguindo «o que estabelecem as regras do direito internacional».

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De massacre em massacre, golpistas bolivianos deixam claro ao que vêm

A forte repressão sobre os manifestantes que, em El Alto, exigiam a renúncia de Jeanine Áñez segue-se à «carta branca» dada ao Exército, à militarização das ruas, às ameaças crescentes aos eleitos pelo MAS.

A perseguição golpista atinge manifestantes nas ruas que exigem democracia e a renúncia da «autoproclamada» Jeanine Áñez
Créditos / Página 12

A repressão policial e militar alentada pelos golpistas bolivianos esteve na origem de um novo massacre, esta terça-feira, em Senkata, na cidade de El Alto (Área Metropolitana de La Paz). O saldo preliminar da Defensoría del Pueblo [Provedoria de Justiça] apontava para três mortos e mais de três dezenas de feridos.

Esta quarta-feira, o jornalista Fernando Ortega Zabala afirmou no Twitter ter visto cinco mortos, ontem, na capela do Bairro 25 de Julho, em Senkata. «Agora há seis. Não sei quantos há na morgue. Vi 11 mortos. Diz-se que há pessoas que não aparecem», alertou.

Este massacre ocorre depois do que teve lugar este fim-de-semana, também levado a cabo por polícias e militares, em Sacaba, nos arredores de Cochabamba, sobre manifestantes que também exigiam democracia e a renúncia da «autoproclamada» presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez. Ali, foram mortas mais de uma dezena de pessoas.

Ontem, 12 tanquetes do Exército, apoiadas por helicópteros militares, entraram nas instalações de distribuição de carburantes de Senkata, que se encontravam cercadas há cerca de uma semana por habitantes da localidade e camponeses de todas as províncias do departamento de La Paz, em protesto contra o governo golpista boliviano, liderado pela «autoproclamada», indica a Prensa Latina, precisando que dali saíram 45 camiões cisterna com gasolina.

«Os militares chegaram e dispararam. Não vieram em paz», disse uma das manifestantes, citada pela fonte. O médico Aiver Huaranca contou que as forças policiais e militares nem sequer respeitaram o seu uniforme, uma vez que, quando prestava os primeiros socorros a um dos feridos, os agentes dispararam contra ele.

As manifestações e os cortes de estrada em protesto contra o golpe de Estado contra o governo de Evo Morales prosseguiram na zona de El Alto mesmo depois da operação de repressão. Da mesma forma, registaram-se mobilizações para condenar o golpe de Estado e exigir a renúncia de Jeanine Áñez em La Paz, Potosí, Cochabamba e noutros pontos do país.

Criação do inimigo interno e criminalização do MAS

Numa peça publicada ontem no diário Página 12, o jornalista argentino Marco Teruggi alerta para a «construção do inimigo interno» por parte de Arturo Murillo, ministro do governo fake da Bolívia.

Com tal discurso, o governo golpista visa «vitimizar-se e legitimar a acção repressiva» da Polícia e das Forças Armadas, que viram reforçada a verba que lhes é destinada com um pacote extra de 4,8 milhões de dólares e cujos membros ficaram isentos de responsabilidade penal nas operações que levam a cabo – por via do decreto 4078, cuja revogação foi solicitada pela Provedoria de Justiça e pelo Movimento para o Socialismo (MAS), ao considerar que se trata de uma «carta branca» para matar bolivianos.


Com a construção de um «inimigo interno», lembra o jornalista argentino, Murillo pretende também negar as responsabilidades dos golpistas nos assassinatos do golpe (não fomos nós, foram eles) e criar a suspeita de que o governo golpista boliviano poderia ser alvo de ataques armados que teriam como autores intelectuais os membros do MAS, ou seja, aqueles que apoiam Evo Morales.

Entretanto, os golpistas, que afirmam que são governo de forma transitória, que pretendem «pacificar o país» através de novas eleições e da nomeação de novas autoridades eleitorais, enfrentam o problema da maioria parlamentar do MAS no Senado e na Assembleia.

Neste contexto, Murillo já anunciou a criação de um «órgão especial no Ministério Público» que tem como fito perseguir eleitos do MAS, por, alegadamente, promoverem «a subversão e a sublevação». Ou seja, antes de se quererem legitimar pela via eleitoral os golpistas parecem querer garantir os caminhos necessários à perseguição, para arredar os incómodos da frente.

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No que respeita à Organização dos Estados Americanos (OEA), o ministro disse que a Bolívia quer ter uma presença forte em vários cenários e organismos, incluindo a OEA, sobre a qual o seu país possui «uma visão mais bem crítica» em função da «má experiência com a missão de observação eleitoral e a auditoria eleitoral levada a cabo em 2019». «Sublinhamos o papel nefasto de Luis Almagro como seu secretário-geral», afirmou.

Quanto às relações com os EUA, depois da mudança de Trump por Biden, frisou que, «até ao momento não houve nenhuma alteração significativa», e vincou o posicionamento do país andino-amazónico em prol de «relações construtivas e positivas com todos os países» do mundo, incluindo os Estados Unidos. «Sempre respeitando a soberania boliviana, e é aí que estamos, um pouco de braços abertos para estreitar laços», disse.

Lamentou, no entanto, que isso dependa mais da vontade dos EUA, «porque têm maus antecedentes, levam a cabo ingerências políticas, procuram ter um certo nível de controlo sobre determinados aspectos de interesse regional ou de determinados países». «Há um monte de provas e documentos desclassificados que nos mostram isso nas últimas décadas», acrescentou.

«Mais ainda, na nossa memória recente há governos de facto, governos militares que tivemos aqui, na América Latina, que foram motivados por acções dos EUA. Apesar disso, estamos dispostos a gerar relações construtivas e positivas», insistindo que a bola está «mais no campo dos Estados Unidos que no nosso».

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Governo boliviano promove reactivação da indústria do lítio

Com o golpe apoiado pelos EUA, a Bolívia interrompeu o processo de industrialização do lítio que iniciara pela mão da empresa nacionalizada YLB. O governo de Luis Arce está a reactivar todo esse processo.

Salar de Uyuni
Créditos / infraroi.com.br

Marcelo Gonzales tomou posse, esta segunda-feira, como novo presidente executivo da empresa Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB), tendo como missão reactivar o processo de industrialização de um recurso estratégico para o desenvolvimento do país andino-amazónico, informa a agência ABI.

Gonzales, que tem uma larga trajectória neste sector e na YLB, foi empossado pelo ministro boliviano dos Hidrocarbonetos e Energia, Franklin Molina, que na sua intervenção destacou os passos importantes dados pelo governo do ex-presidente Evo Morales para criar a indústria do lítio com soberania e parcerias internacionais.

Molina considerou importante a articulação da política energética, «porque o lítio permitirá o desenvolvimento económico do país e das regiões produtoras», tendo em conta o seu «elevado valor acrescentado e a procura de baterias de lítio a nível internacional».

Afirmou ainda que se trata de um grande desafio, uma vez que a indústria esteve praticamente parada um ano, com a intervenção do governo golpista liderado por Jeanine Áñez.

Por seu lado, o novo presidente executivo da YLB agradeceu a confiança nele depositada e afirmou que a empresa possui os recursos humanos qualificados e necessários para «entrar na etapa de industrialização do lítio» e dar sequência ao foi estabelecido até Outubro de 2019, indica a Prensa Latina.

Marcelo Gonzales precisou que entre os principais projectos se contam a construção de otras unidades industriais, como as de ião lítio e cátodos nos salares de Coipasa Uyuni (departamento de Oruro) e Pastos Grandes (Potosí).

As actividades de produção na unidade industrial de cloreto de potássio e da unidade semi-industrial de carboneto de lítio foram travadas pelo governo golpista de Jeanine Áñez, na sequência do golpe de Estado que levou Evo Morales a renunciar ao cargo, em Novembro de 2019.

Maiores reservas conhecidas de lítio

Mais de 50% dos depósitos de lítio a nível mundial encontram-se no chamado Triângulo do Lítio – Argentina, Bolívia e Chile – e é nos desertos montanhosos da Bolívia – o Salar de Uyuni – que existem as maiores reservas conhecidas de lítio.

O governo de Morales assumiu uma posição de cautela com estas reservas de lítio, deixando claro que o precioso recurso não devia ser entregue às multinacionais, que os lucros deviam partilhados com o povo boliviano e que qualquer acordo deveria passar pela Comibol, a empresa mineira nacional, e com aYLB, a empresa nacional de lítio.

Com Evo Morales, o objectivo era não a exportação da matéria-prima, mas assumir o processo de industrialização no país – algo que já estava a avançar, com YLB a fabricar baterias de lítio e mesmo um carro eléctrico, em parceria com a empresa alemã ACISA.

É esse processo, travado pelo governo golpista, que o governo de Luis Arce procura reactivar, colocando os recursos naturais ao serviço do país para erradicar a pobreza e aumentar a soberania.

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Questionado sobre o que opina sobre agências norte-americanas que actuam na América Latina, como a USAID, a NED, ou mesmo a CIA e a DEA, Rogelio Mayta foi claro: «É claro que são tão negativas e execráveis como a acção do próprio Estado», que «apenas tendem a camuflar ou procurar esconder a acção ou os interesses que determina um Estado ou potência hegemónica como foram os Estados Unidos». E lembrou que, em 2008, «se teve de expulsar gradualmente uma agência supostamente anti-drogas como a DEA e, depois, a USAID». «Já as conhecemos e rejeitamo-as.»

Defendeu ainda que o mundo está a mudar e que hoje é multipolar ou tripolar, «já que a Federação Russa e a China têm pesos específicos».

O actual presidente da Bolívia, Luis Arce, quando era ministro da Economia de Evo Morales, tinha uma posição muito clara sobre a defesa dos recursos naturais do país, como o lítio – lembra o jornalista Gustavo Veiga. Questionado o prosseguimento dessa política, Rogelio Mayta disse que, «mais que uma posição política de um governo, se trata se um desígnio constitucional» e que «os recursos naturais são dos bolivianos».

O propósito do actual executivo é fazer com que os benefícios desses recursos cheguem ao povo, que não saiam do país com as transnacionais, como acontecia antes. «Isso não quer dizer que estejamos fechados ao investimento externo, a estabelecer relações que nos permitam melhorar a exploração dos nossos recursos, mas, como defendemos há mais de uma década, não como estrangeiros na nossa própria terra, mas, sim, com um papel de parceiros, de iguais», frisou.

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A estes factos juntaram-se as acções de extrema violência por parte de grupos paramilitares que apoiavam o golpe de Estado e o discurso da oposição, que encontrou um eixo para atiçar a agitação social e a desestabilização.

Entretanto, a narrativa da fraude ganhou apoio entre alguns governos, que não reconheceram a vitória de Evo Morales nas urnas. «Isto é uma evidência clara de que o relatório de auditoria da OEA foi e é um dos elementos centrais para o golpe de Estado no país, porque tudo estava planeado, organizado», afirmou.

Com as suas acções, Almagro não só prejudicou a democracia boliviana, mas em toda a região, sublinhou o embaixador junto das Nações Unidas.

Neste sentido, destacou o posicionamento de vários ex-presidentes e personalidades da região que questionaram a ingerência e o intervencionismo de Almagro e dos Estados Unidos da América nos assuntos internos da Bolívia.

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Em declarações à imprensa, o ministro boliviano da Justiça, Iván Lima, afirmou que foi dado um «primeiro passo na recuperação da memória, verdade e justiça; nunca mais um golpe de Estado no país».

Considerou ainda inadmissível, num contexto em que se procura preservar a independência da Justiça, o pedido de intervenção e «ingerência no país», realizado por Carlos Mesa, do partido Comunidad Ciudadana (direita), para que a União Europeia e outros organismos internacionais garantissem que o derrube de Evo Morales foi uma «sucessão».

Para Evo Morales, a sentença é «benigna»

Na sua conta de Twitter, Evo Morales, ex-presidente boliviano, afirmou que «dez anos de prisão é uma pena benigna em relação ao dano que [Áñez e os seus cúmplices] causaram à democracia».

Também o advogado norte-americano Thomas Becker disse que a pena de dez anos de prisão para Jeanine Áñez «é pouco». Em declarações à Bolivia TV, afirmou, ainda assim, que é «justo e importante», para fazer «justiça às vítimas do golpe de Estado de Novembro de 2019».

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Relatório confirma a violação de direitos humanos no golpe de Estado na Bolívia

O presidente boliviano recebeu o relatório elaborado pelo Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI) e anunciou que o seu governo vai agir para reparar as vítimas e fazer justiça.

A perseguição golpista atinge manifestantes nas ruas que exigem democracia e a renúncia da «autoproclamada» Jeanine Áñez
Créditos / Página 12

Luis Arce destacou esta terça-feira que o informe do GIEI reafirma que no golpe de Estado de 2019 houve graves violações dos direitos humanos, e foram cometidos massacres e execuções extrajudiciais por parte do governo golpista.

Durante uma cerimónia celebrada no Auditório do Banco Central, o chefe de Estado vincou o compromisso do seu executivo com a procura da verdade histórica e com a justiça, referindo-se às vítimas de acções de violência e outras violações dos direitos humanos ocorridas no país entre 1 de Setembro e 31 de Dezembro de 2019, informa a TeleSur.

Arce recebeu o relatório elaborado pelo GIEI sobre estes factos, no qual são amplamente documentadas as acções de violência durante o golpe de Estado (em que foram mortas 38 pessoas e várias centenas ficaram feridas) e são formuladas mais de três dezenas de recomendações.

O presidente boliviano agradeceu aos especialistas pelo contributo para a verdade, tendo reafirmado que será feita justiça, respeitando o ordenamento jurídico e os processos legais, e sublinhando que o seu governo assume o compromisso de implementar as recomendações.

Medidas a tomar para garantir justiça

A este respeito, anunciou a criação de uma comissão ao mais alto nível para proceder ao censo das vítimas e à sua reparação integral, e disse que será revogado o Decreto Supremo 4461, o que permitirá julgar efectivos das forças de segurança envolvidos nos factos.

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O silêncio: a pior resposta do Estado português

Seria de bom-tom que os portugueses soubessem o que têm a dizer as principais autoridades do Estado sobre as atrocidades que estão a ser cometidas na Bolívia e no Chile. O silêncio é a mais indigna das atitudes.

Encontro do Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, e do Secretário de Estado norte-americano Michael Pompeo, em Washington, Junho de 2018.
Créditos / US Department of State

O chefe de Estado e o governo da República Portuguesa estão em silêncio perante as atrocidades contra a democracia e os direitos humanos praticadas na Bolívia e no Chile. Em circunstâncias onde o poder neoliberal se vê forçado a mostrar a sua verdadeira face ditatorial para evitar a aplicação plena da democracia, com todas as suas consequências, as principais figuras do Estado português escolhem o silêncio, talvez a maneira mais indigna de se identificarem com a crueldade do sistema – ao mesmo tempo que ignoram a Constituição da República.

«Todos sabemos o quão loquazes são, por exemplo, o chefe de Estado e o ministro dos Negócios Estrangeiros. Essa veia comunicadora que lhes permite ter as palavras certas nos momentos certos para a comunicação social certa é de tal maneira expressiva e expectável que nos permite dispor de elementos para compreender os conteúdos dos seus silêncios sem uma exagerada margem de erro»

Na Bolívia, depois do golpe com todos os velhos ingredientes político-militares, a repressão fascista com matizes racistas avança através do país e não poupa sequer os senadores eleitos que constituem a maioria absoluta do Senado. No Chile, a repressão do pinochetista Sebastián Piñera castiga cruelmente o levantamento popular que exige uma Constituição democrática e uma vida digna. A tudo isto as principais figuras do Estado português dizem nada. Respondem com um longo e profundo silêncio como se não lhes coubesse ter opinião própria e fossem obrigadas a respeitar o não menos profundo e longo silêncio da União Europeia. Tentemos decifrar o enigma – que tem, certamente, um eminente significado político.

Todos sabemos o quão loquazes são, por exemplo, o chefe de Estado e o ministro dos Negócios Estrangeiros. Essa veia comunicadora que lhes permite ter as palavras certas nos momentos certos para a comunicação social certa é de tal maneira expressiva e expectável que nos permite dispor de elementos para compreender os conteúdos dos seus silêncios sem uma exagerada margem de erro.

Na Bolívia deu-se um golpe de Estado – ainda há quem tenha pudor em qualificar assim o que está a acontecer – que derrubou e exilou o presidente eleito com mais de 47% dos votos e o fez substituir por uma senadora de uma força minoritária no Senado – que teve de usurpar dois cargos de uma assentada: o de presidente do Senado e o de chefe do Estado.

Na sequência do processo, que atropela as mais elementares normas democráticas porque não foi apresentada, até ao momento, qualquer prova de viciação dos resultados eleitorais, as forças militares e policiais entregam-se a orgias de violência, especialmente contra as camadas mais desfavorecidas, as comunidades indígenas dos campos bolivianos, precisamente as que formaram a base social maioritária que sustentou as administrações progressistas, soberanistas e anti-neoliberais de Evo Morales.

Uma informação sobre o teor fascista e selectivo da vaga repressiva, e que talvez possa interessar ao aparentemente desinformado ministro Santos Silva, decorre do conteúdo do decreto emanado pela presidente usurpadora, Jeanine Añez, e que no seu artigo terceiro estipula que «o pessoal das Forças Armadas que participe nas operações de restauração da ordem e de estabilidade política ficará isento de responsabilidade criminal quando, no cumprimento das suas funções constitucionais, actuarem em legítima defesa ou estado de necessidade».

Uma medida de encorajamento ao tiro livre que tem a sua equivalente jurídica – os golpistas bolivianos informaram-se da prática de lawfare com quem de direito, por exemplo a corte de Bolsonaro – na proposta da presidência para constituir «um aparelho especial» da Procuradoria que permita prender os senadores do Movimento para o Socialismo (MAS) que promovam «a subversão e a sublevação», ou seja, para meter na cadeia, no limite, a maioria absoluta do Senado.

Estas pinceladas abreviadas sobre a situação na Bolívia permitem deduzir que haveria matéria capaz de puxar pela palavra fácil do chefe de Estado, do ministro dos Negócios Estrangeiros, do próprio primeiro-ministro.

Correspondência no Chile

As principais figuras do Estado português permanecem igualmente silenciosas sobre o que se passa no Chile.

E o que se passa no Chile é um imenso e pacífico levantamento popular, torpedeado por fenómenos de banditismo accionados para tentar retirar legitimidade à revolta e servir de manobra de diversão para a comunicação mainstream, contra o sistema de ditadura económica herdado do regime terrorista de Pinochet.

Sebastián Piñera, presidente em exercício e admirador confesso de Pinochet, tem recorrido à violência repressiva e ao manobrismo político para se manter, comportamento em que arrastou grande parte da oposição num processo que visa estabelecer uma «nova» Constituição em que o essencial do regime continue inalterado.

Obviamente, também no Chile os mecanismos democráticos continuam a sofrer maus-tratos. Talvez interesse ao ministro Santos Silva conhecer a sádica tendência criminosa de Piñera manifestada através do aparelho repressivo: usa munições de borracha, sim, mas disparadas contra os olhos dos manifestantes. Os casos de cegueira e outros problemas de visão daí decorrentes elevam-se a cerca de 230. Muito compatível com o respeito pelos direitos humanos.

Mutismo quase absoluto

Apesar destas circunstâncias muito graves, a Presidência da República e o governo de Portugal entendem que não há razões para se pronunciarem.

É verdade que a União Europeia também está em silêncio. Será por isso que Lisboa também nada diz?

No entanto, a Constituição Portuguesa tem particularidades explícitas em matéria de soberania, respeito pelos direitos dos povos e os direitos humanos que não se encontram em outras leis fundamentais dos parceiros europeus.

«na óptica ministerial o caso [da Bolívia] é grave; transformou-se até numa situação atípica de risco elevado. […] Então, das duas uma: ou o silêncio é cúmplice com as atrocidades que estão a passar-se; ou o governo só tem margem de manobra, em termos de vínculos internacionais, para saudar a reimplantação do fascismo neoliberal – preferindo, desta feita, defender-se com o mutismo»

Nada exigiria que o silêncio comunitário impusesse o silêncio lusitano; pelo contrário, a soberania portuguesa tal como é estipulada na Constituição exige que as autoridades do Estado tomem posições por si próprias, sem estarem à espera dos «aliados».

Mas não. Ao que parece continua a prevalecer o complexo de bom aluno.

É verdade que foi dita uma coisa sobre a Bolívia: os portugueses «devem evitar qualquer deslocação» a esse país, aconselhou o portal do Ministério dos Negócios Estrangeiros no dia 11 de Novembro1; e, no dia 14, uma fonte da Secretaria de Estado de Negócios Estrangeiros fez notar à agência Lusa que é «muito raro» o Ministério fazer recomendações deste tipo2 .

Portanto, na óptica ministerial o caso é grave; transformou-se até numa situação atípica de risco elevado. Mais uma razão para assumir uma posição política capaz de ajudar a população a compreender a situação.

Então, das duas uma: ou o silêncio é cúmplice com as atrocidades que estão a passar-se; ou o governo só tem margem de manobra, em termos de vínculos internacionais, para saudar a reimplantação do fascismo neoliberal – preferindo, desta feita, defender-se com o mutismo.


Talvez porque em situação anterior optou por pronunciar-se e ficou com um trambolho político nas mãos chamado Juan Guaidó. O Estado português, a exemplo de várias potências da União Europeia, mas não a comunidade em si, identificou-se com o golpe na Venezuela que tinha como objectivo instalar organizações e figuras fascistas no governo. E fê-lo pondo em risco a situação de centenas e centenas de milhares de portugueses que vivem na Venezuela, ao contrário do que aconteceu agora com escassas dezenas que vivem na Bolívia. Que merecem todo o respeito, tornando procedente a advertência governamental. Uma atenção que, por maioria de razão, deveria ter estado sempre no espírito do governo em relação à Venezuela

Deduz-se que o governo de Lisboa tem consciência de se ter saído muito mal na Venezuela, pelo que tentará agora evitar catástrofe política idêntica. Tal como em Caracas, identificar-se-á com a usurpação do poder em La Paz mas acha melhor não dar sinal de si, fingir-se de morto, a não ser quando puder fazê-lo com a cobertura dos «nossos parceiros e aliados».

Um pau de dois bicos

O chefe de Estado, por seu lado, poderia dizer de sua justiça sobre os acontecimentos na Bolívia e no Chile, porque teve até um contexto internacional em que tal viria a propósito: a visita oficial a Itália.

Mas não; preferiu glosar o mote da NATO como entidade «defensiva» e amiga «dos desfavorecidos», como gosta de dizer o seu anfitrião de ocasião, o presidente italiano. Seguir nesse rumo até à Bolívia, porém, seria traiçoeiro: ao elogiar a NATO, Marcelo Rebelo de Sousa fez a apologia da organização que formou operacionalmente os militares decisivos para o golpe em La Paz e agora têm mãos livres para espalhar o terror fascista.

Abordar a situação na Bolívia neste contexto deixaria o presidente mal na fotografia, mesmo sendo reconhecida a sua habilidade para dar a volta a casos intrincados em termos de comunicação. O silêncio revelou algum pudor mas agride os princípios em que assenta a Constituição da República em termos de respeito pela democracia e pela liberdade dos povos.

Tudo menos o silêncio

Perante o que está a acontecer na Bolívia e no Chile, os democratas sintonizados com a Constituição da República, os princípios democráticos, a soberania e o respeito pelas direitos humanos só podem assumir uma posição: denunciar e condenar o golpe, a repressão e o manobrismo utilizado para iludir os resultados de eleições legítimas e as reivindicações populares.

Não existem dúvidas sobre quem são os agressores e os agredidos, os golpistas e as vítimas, de que lado está a legitimidade e como se impõe a trafulhice criminosa.

Mas também na Venezuela o cenário é muito claro, como aliás o fascismo sob o poder na Ucrânia, e o governo não deixou de dizer de sua justiça – ignorando os princípios democráticos.

Ao assumir agora o silêncio sobre situações dramáticas que vitimam populações carenciadas, o governo da República Portuguesa parece ter mudado de táctica na sua estratégia de cumplicidade com casos de usurpação da democracia.

Na verdade, o que está em causa, tanto na Bolívia, como no Chile, como na Venezuela é a alternativa entre a democracia com todas as suas consequências e a ditadura neoliberal.

Não é difícil perceber de que lado estão o chefe de Estado e o governo da República. O silêncio é apenas uma defesa tornada recomendável perante o indisfarçável complexo de Guaidó.

Ainda assim seria de bom-tom que os portugueses soubessem o que têm a dizer realmente as principais autoridades do Estado sobre as atrocidades à democracia e os direitos humanos que, nos dias que correm, estão a ser cometidas na Bolívia e no Chile. Porque o silêncio é a mais indigna das atitudes.

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Seguindo a sugestão do GIEI, o chefe de Estado acrescentou que será desestruturada toda a organização parapolicial e grupos irregulares criados como forças de repressão paralelas ao Estado e que durante o golpe de Estado agiram como forças de choque contra os protestos populares.

Também instou o Ministério Público a implementar aquilo que o relatório recomenda e a Assembleia Legislativa a aprovar o mais brevemente possível o julgamento por crimes de responsabilidade, de modo a determinar a autoria, as responsabilidades e sanções das graves violações aos direitos humanos, refere a fonte.

Garantir a imprescritibilidade dos casos de violações dos direitos humanos

Patricia Tappatá Valdez foi a representante do GIEI que teve a cargo a apresentação do relatório, fazendo uma leitura resumida dos resultados da investigação.

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Investigação mostra cumplicidade da comunicação social com golpe na Bolívia

O estudo dos jornalistas bolivianos Susana Bejarano e Fernando Molina evidencia a cumplicidade de influentes meios de comunicação do país com o golpe de Estado de Novembro de 2019, refere a Prensa Latina.

Familiares de vítimas do massacre de Senkata, em El Alto, perpetrado a 19 de Novembro de 2019
Créditos / ccb.com.bo

A investigação, ainda não publicada e a que a agência cubana teve acesso, analisa o apoio declarado de vários órgãos de comunicação, com uma linha marcadamente de direita, ao golpe e ao governo golpista que se lhe seguiu.

Os dois jornalistas mostram que determinados diários assumiram uma linha de activismo político a favor das acções violentas levadas a cabo pela direita boliviana, apoiada por militares e polícias, para tirar do poder o presidente Evo Morales e o Movimento para o Socialismo (MAS).

Na sequência da renúncia de Morales, instalou-se no país andino-amazónico um governo ilegítimo liderado pela autoproclamada Jeanine Áñez, que essa imprensa apoiou fervorosamente desde o início, com o propósito de o legitimar e de neutralizar qualquer crítica ao modo como foi constituído.

Bejerano e Molina referem a campanha sistemática que um desses diários em particular empreendeu para eliminar as ligações de Áñez ao golpe de Estado, bem como as tentativas repetidas de criminalizar a oposição, sobretudo o MAS, e de apresentar a acção do novo governo como pacificadora, num país que a direita tinha mergulhado no caos e na violência.

Justificação da repressão

O apoio mediático ao governo golpista chegou ao ponto de justificar sistematicamente a repressão e a perseguição política, apontam os investigadores, que dão como exemplo a cobertura dos massacres de Senkata e Sacaba, nos quais, de acordo com as conclusões preliminares de uma comissão parlamentar, foram mortas pelo menos 37 pessoas que exigiam democracia e o regresso de Evo Morales, que se exilou no México e depois na Argentina.

De acordo com o estudo – a que a Prensa Latina teve acesso –, em ambos os casos o discurso da comunicação social vitimizou as forças de segurança, procurando fazer crer que, ao dispararem, estavam a responder ao fogo dos manifestantes.


«Não faleceram polícias nem militares em Sacaba», esclarecem os autores do estudo, referindo que um jornal, num artigo intitulado «Fuego cruzado entre cocaleros y FF.AA. deja al menos seis muertos», afirmou sem provas que os manifestantes tinham «armas de fogo e outros objectos letais».

No que respeita a Senkata, em El Alto, os órgãos de comunicação deram conta, igualmente sem provas, da utilização de dinamite por parte dos grevistas, para assim justificarem o uso da força contra um acto de terrorismo e um atentado.

Outro exemplo do apoio da comunicação social dominante ao governo golpista foi a cobertura quase nula dos grandes protestos anti-governamentais que foram ocorrendo ao longo do ano. Os principais canais de TV, que deram ampla cobertura aos protestos contra a alegada fraude do MAS nas eleições de 2019 (uma versão, hoje, mais que desmontada), deram curtas informações sobre as manifestações anti-Áñez, refere a agência cubana com base na investigação.

Em muitos casos, referem Susana Bejarano e Fernando Molina, descreveram os protagonistas das manifestações como membros de «hordas» e «turbas», visando minimizar o impacto das mobilizações e apontá-los como «inimigos da ordem e da constitucionalidade».

A Prensa Latina não indica se o estudo se detém na «secção internacional» da cobertura mediática, que mereceria extensas e aprofundadas abordagens.

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Disse que os membros do GIEI não duvidam em qualificar como massacres aquilo que se passou em Sacaba e Senkata, e instou o Estado boliviano a garantir a justiça para todas as vítimas, dando prioridade aos casos de violência sexual e de género, bem como a assegurar a imprescritibilidade dos casos de violações dos direitos humanos.

A investigação dos especialistas internacionais do GIEI durou oito meses, durante os quais foram entrevistadas 400 pessoas e analisados mais de 120 mil expedientes. Também foram ouvidos depoimentos de representantes de instituições, de organizações sociais e de testemunhas presenciais das acções de violência.

Na cerimónia de apresentação, esta terça-feira, intervieram ainda Gregoria Siles Villaroel e Gloria Quisbert Ticona, que integram as associações de vítimas dos massacres de Sacaba (Chapare, 15 de Novembro de 2019) e Senkata (El Alto, 19 de Novembro de 2019), respectivamente. Ambas afirmaram que exigem justiça, não vingança.

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Lembrou, além disso, que o veredicto do tribunal diz apenas respeito ao processo inconstitucional da transição de Áñez e que ainda há um julgamento pendente, relativo aos massacres e às violações dos direitos humanos perpetrados pelo regime golpista.

«Dez anos é muito pouco para aquilo que se passou; mas dez anos para esta transição talvez seja justo, porque o outro julgamento é sobre os massacres, sobre a violência, as execuções sumárias, execuções extra-judiciais», disse Becker à Bolivia TV.

Um «avanço importante»

Falando para a mesma cadeia de TV, a ex-ministra Teresa Morales disse que, para lá do número de anos que a sentença dita, o importante é que deixa claro que houve um golpe de Estado.

Partindo daí, defendeu que, agora, «devem ser indiciados os autores intelectuais da interrupção da ordem democrática: Luis Fernando Camacho, Carlos Mesa, Samuel Doria Medina e Tuto Quiroga».

«Os autores intelectuais foram os que levaram Áñez a interromper a ordem constitucional», disse, insistindo no seu processamento judicial.

Por seu lado, Jorge Richter, porta-voz da Presidência, destacou, em entrevista à Kawsachun Coca, que a sentença contra Áñez e as antigas altas chefias militares estabelece de forma clara que, nos dias 10, 11 e 12 de Novembro de 2019, a Constituição Política do Estado foi violada, com o apoio da Polícia e das Forças Armadas, para levar a cabo um golpe de Estado e constituir um governo golpista.

Richter referiu que este processo apenas julgou «uma questão pontual» e que constitui «um avanço importante», embora «pareça insuficiente» perante «tanta indignação pelas ofensas» realizadas.

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Também se referiu aos obstáculos que os participantes no golpe de Estado de Novembro de 2019 colocam para atrasar ou impedir o desenrolar do processo, como não se apresentar nas audiências em que têm de depor.

Recentemente – explica a ABI –, um advogado apresentou uma petição à Procuradoria de La Paz para que o processo penal passasse também a considerar diversos agentes políticos da direita e extrema-direita, responsáveis pelo golpe ou por factos sangrentos a ele associados, como Carlos Mesa, Jorge Quiroga, Luis Fernando Camacho, Waldo Albarracín, Israel Alanoca e Samuel Doria Medina.

Sergio de la Zerda, deputado eleito por Cochabamba, considerou adequada esta petição, uma vez que «Áñez não agiu sozinha».

«Recordemos, de forma clara, as declarações do Senhor Mesa opondo-se a que fosse constituída uma verdadeira substituição constitucional [para evitar a usurpação]», declarou De la Zerda.

Em declarações à rádio Fides, o deputado lembrou ainda que Camacho admitiu «que o seu pai comprou polícias e militares para que não controlassem as mobilizações, enquanto Tuto Quiroga deu ordens ao Exército sem estar capacitado para tal».

Só um assessor de Carlos Mesa depôs

Esta quarta-feira, a Procuradoria de La Paz ouviu o depoimento de um assessor do ex-presidente Carlos Mesa, Ricardo Paz, que admitiu ter participado na reunião de 10 de Novembro de 2019, na Universidade Católica Boliviana, na qual foi decidido o golpe de Estado contra Evo Morales, indica a TeleSur.

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Bancada do MAS pede celeridade no julgamento de paramilitares bolivianos

O líder da bancada do Movimento para o Socialismo (MAS) exigiu celeridade, esta terça-feira, no julgamento de quatro membros de um grupo extremista indiciados por acções perpetradas durante o golpe de Estado.

Membros do grupo parapolicial e paramilitar Resistencia Juvenil de Cochala, surgido durante o golpe de Estado de Novembro de 2019 na Bolívia 
Créditos / la-epoca.com.bo

«A acusação que foi feita, nós aplaudimo-la e pedimos bastante celeridade para que este caso chegue ao seu término. Os que cometeram crimes […] têm de ser punidos», afirmou o deputado Gualberto Arispe, citado pela Agencia Boliviana de Información (ABI).

Num comunicado recente, o Ministério do Interior informou que Yassir Molina, Milena Sotto, Mario Antonio Bascopé e Fabio Alejandro Bascopé, membros da organização paramilitar Resistencia Juvenil Cochala (RJC), foram notificados das acusações – atentar contra a segurança interna, destruir bens do Estado e uma série de excessos e humilhações perpetrados na execução do golpe de Estado, em Novembro de 2019, e durante o regime golpista de Jeanine Áñez.

No próximo dia 6 de Junho, terão oportunidade de apresentar a sua defesa, no início de um julgamento oral público, revela a mesma fonte.

Grupos de choque deste grupo paramilitar e racista, com o rosto tapado, agrediram e raptaram, a 6 de Novembro de 2019, a presidente do município de Vinto, Patricia Arce, que foi levada até Huayculli, em Quillacollo (Cochabamba), onde a insultaram, lhe cortaram o cabelo e lhe atiraram tinta para cima.

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Relatório confirma a violação de direitos humanos no golpe de Estado na Bolívia

O presidente boliviano recebeu o relatório elaborado pelo Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI) e anunciou que o seu governo vai agir para reparar as vítimas e fazer justiça.

A perseguição golpista atinge manifestantes nas ruas que exigem democracia e a renúncia da «autoproclamada» Jeanine Áñez
Créditos / Página 12

Luis Arce destacou esta terça-feira que o informe do GIEI reafirma que no golpe de Estado de 2019 houve graves violações dos direitos humanos, e foram cometidos massacres e execuções extrajudiciais por parte do governo golpista.

Durante uma cerimónia celebrada no Auditório do Banco Central, o chefe de Estado vincou o compromisso do seu executivo com a procura da verdade histórica e com a justiça, referindo-se às vítimas de acções de violência e outras violações dos direitos humanos ocorridas no país entre 1 de Setembro e 31 de Dezembro de 2019, informa a TeleSur.

Arce recebeu o relatório elaborado pelo GIEI sobre estes factos, no qual são amplamente documentadas as acções de violência durante o golpe de Estado (em que foram mortas 38 pessoas e várias centenas ficaram feridas) e são formuladas mais de três dezenas de recomendações.

O presidente boliviano agradeceu aos especialistas pelo contributo para a verdade, tendo reafirmado que será feita justiça, respeitando o ordenamento jurídico e os processos legais, e sublinhando que o seu governo assume o compromisso de implementar as recomendações.

Medidas a tomar para garantir justiça

A este respeito, anunciou a criação de uma comissão ao mais alto nível para proceder ao censo das vítimas e à sua reparação integral, e disse que será revogado o Decreto Supremo 4461, o que permitirá julgar efectivos das forças de segurança envolvidos nos factos.

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O silêncio: a pior resposta do Estado português

Seria de bom-tom que os portugueses soubessem o que têm a dizer as principais autoridades do Estado sobre as atrocidades que estão a ser cometidas na Bolívia e no Chile. O silêncio é a mais indigna das atitudes.

Encontro do Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, e do Secretário de Estado norte-americano Michael Pompeo, em Washington, Junho de 2018.
Créditos / US Department of State

O chefe de Estado e o governo da República Portuguesa estão em silêncio perante as atrocidades contra a democracia e os direitos humanos praticadas na Bolívia e no Chile. Em circunstâncias onde o poder neoliberal se vê forçado a mostrar a sua verdadeira face ditatorial para evitar a aplicação plena da democracia, com todas as suas consequências, as principais figuras do Estado português escolhem o silêncio, talvez a maneira mais indigna de se identificarem com a crueldade do sistema – ao mesmo tempo que ignoram a Constituição da República.

«Todos sabemos o quão loquazes são, por exemplo, o chefe de Estado e o ministro dos Negócios Estrangeiros. Essa veia comunicadora que lhes permite ter as palavras certas nos momentos certos para a comunicação social certa é de tal maneira expressiva e expectável que nos permite dispor de elementos para compreender os conteúdos dos seus silêncios sem uma exagerada margem de erro»

Na Bolívia, depois do golpe com todos os velhos ingredientes político-militares, a repressão fascista com matizes racistas avança através do país e não poupa sequer os senadores eleitos que constituem a maioria absoluta do Senado. No Chile, a repressão do pinochetista Sebastián Piñera castiga cruelmente o levantamento popular que exige uma Constituição democrática e uma vida digna. A tudo isto as principais figuras do Estado português dizem nada. Respondem com um longo e profundo silêncio como se não lhes coubesse ter opinião própria e fossem obrigadas a respeitar o não menos profundo e longo silêncio da União Europeia. Tentemos decifrar o enigma – que tem, certamente, um eminente significado político.

Todos sabemos o quão loquazes são, por exemplo, o chefe de Estado e o ministro dos Negócios Estrangeiros. Essa veia comunicadora que lhes permite ter as palavras certas nos momentos certos para a comunicação social certa é de tal maneira expressiva e expectável que nos permite dispor de elementos para compreender os conteúdos dos seus silêncios sem uma exagerada margem de erro.

Na Bolívia deu-se um golpe de Estado – ainda há quem tenha pudor em qualificar assim o que está a acontecer – que derrubou e exilou o presidente eleito com mais de 47% dos votos e o fez substituir por uma senadora de uma força minoritária no Senado – que teve de usurpar dois cargos de uma assentada: o de presidente do Senado e o de chefe do Estado.

Na sequência do processo, que atropela as mais elementares normas democráticas porque não foi apresentada, até ao momento, qualquer prova de viciação dos resultados eleitorais, as forças militares e policiais entregam-se a orgias de violência, especialmente contra as camadas mais desfavorecidas, as comunidades indígenas dos campos bolivianos, precisamente as que formaram a base social maioritária que sustentou as administrações progressistas, soberanistas e anti-neoliberais de Evo Morales.

Uma informação sobre o teor fascista e selectivo da vaga repressiva, e que talvez possa interessar ao aparentemente desinformado ministro Santos Silva, decorre do conteúdo do decreto emanado pela presidente usurpadora, Jeanine Añez, e que no seu artigo terceiro estipula que «o pessoal das Forças Armadas que participe nas operações de restauração da ordem e de estabilidade política ficará isento de responsabilidade criminal quando, no cumprimento das suas funções constitucionais, actuarem em legítima defesa ou estado de necessidade».

Uma medida de encorajamento ao tiro livre que tem a sua equivalente jurídica – os golpistas bolivianos informaram-se da prática de lawfare com quem de direito, por exemplo a corte de Bolsonaro – na proposta da presidência para constituir «um aparelho especial» da Procuradoria que permita prender os senadores do Movimento para o Socialismo (MAS) que promovam «a subversão e a sublevação», ou seja, para meter na cadeia, no limite, a maioria absoluta do Senado.

Estas pinceladas abreviadas sobre a situação na Bolívia permitem deduzir que haveria matéria capaz de puxar pela palavra fácil do chefe de Estado, do ministro dos Negócios Estrangeiros, do próprio primeiro-ministro.

Correspondência no Chile

As principais figuras do Estado português permanecem igualmente silenciosas sobre o que se passa no Chile.

E o que se passa no Chile é um imenso e pacífico levantamento popular, torpedeado por fenómenos de banditismo accionados para tentar retirar legitimidade à revolta e servir de manobra de diversão para a comunicação mainstream, contra o sistema de ditadura económica herdado do regime terrorista de Pinochet.

Sebastián Piñera, presidente em exercício e admirador confesso de Pinochet, tem recorrido à violência repressiva e ao manobrismo político para se manter, comportamento em que arrastou grande parte da oposição num processo que visa estabelecer uma «nova» Constituição em que o essencial do regime continue inalterado.

Obviamente, também no Chile os mecanismos democráticos continuam a sofrer maus-tratos. Talvez interesse ao ministro Santos Silva conhecer a sádica tendência criminosa de Piñera manifestada através do aparelho repressivo: usa munições de borracha, sim, mas disparadas contra os olhos dos manifestantes. Os casos de cegueira e outros problemas de visão daí decorrentes elevam-se a cerca de 230. Muito compatível com o respeito pelos direitos humanos.

Mutismo quase absoluto

Apesar destas circunstâncias muito graves, a Presidência da República e o governo de Portugal entendem que não há razões para se pronunciarem.

É verdade que a União Europeia também está em silêncio. Será por isso que Lisboa também nada diz?

No entanto, a Constituição Portuguesa tem particularidades explícitas em matéria de soberania, respeito pelos direitos dos povos e os direitos humanos que não se encontram em outras leis fundamentais dos parceiros europeus.

«na óptica ministerial o caso [da Bolívia] é grave; transformou-se até numa situação atípica de risco elevado. […] Então, das duas uma: ou o silêncio é cúmplice com as atrocidades que estão a passar-se; ou o governo só tem margem de manobra, em termos de vínculos internacionais, para saudar a reimplantação do fascismo neoliberal – preferindo, desta feita, defender-se com o mutismo»

Nada exigiria que o silêncio comunitário impusesse o silêncio lusitano; pelo contrário, a soberania portuguesa tal como é estipulada na Constituição exige que as autoridades do Estado tomem posições por si próprias, sem estarem à espera dos «aliados».

Mas não. Ao que parece continua a prevalecer o complexo de bom aluno.

É verdade que foi dita uma coisa sobre a Bolívia: os portugueses «devem evitar qualquer deslocação» a esse país, aconselhou o portal do Ministério dos Negócios Estrangeiros no dia 11 de Novembro1; e, no dia 14, uma fonte da Secretaria de Estado de Negócios Estrangeiros fez notar à agência Lusa que é «muito raro» o Ministério fazer recomendações deste tipo2 .

Portanto, na óptica ministerial o caso é grave; transformou-se até numa situação atípica de risco elevado. Mais uma razão para assumir uma posição política capaz de ajudar a população a compreender a situação.

Então, das duas uma: ou o silêncio é cúmplice com as atrocidades que estão a passar-se; ou o governo só tem margem de manobra, em termos de vínculos internacionais, para saudar a reimplantação do fascismo neoliberal – preferindo, desta feita, defender-se com o mutismo.


Talvez porque em situação anterior optou por pronunciar-se e ficou com um trambolho político nas mãos chamado Juan Guaidó. O Estado português, a exemplo de várias potências da União Europeia, mas não a comunidade em si, identificou-se com o golpe na Venezuela que tinha como objectivo instalar organizações e figuras fascistas no governo. E fê-lo pondo em risco a situação de centenas e centenas de milhares de portugueses que vivem na Venezuela, ao contrário do que aconteceu agora com escassas dezenas que vivem na Bolívia. Que merecem todo o respeito, tornando procedente a advertência governamental. Uma atenção que, por maioria de razão, deveria ter estado sempre no espírito do governo em relação à Venezuela

Deduz-se que o governo de Lisboa tem consciência de se ter saído muito mal na Venezuela, pelo que tentará agora evitar catástrofe política idêntica. Tal como em Caracas, identificar-se-á com a usurpação do poder em La Paz mas acha melhor não dar sinal de si, fingir-se de morto, a não ser quando puder fazê-lo com a cobertura dos «nossos parceiros e aliados».

Um pau de dois bicos

O chefe de Estado, por seu lado, poderia dizer de sua justiça sobre os acontecimentos na Bolívia e no Chile, porque teve até um contexto internacional em que tal viria a propósito: a visita oficial a Itália.

Mas não; preferiu glosar o mote da NATO como entidade «defensiva» e amiga «dos desfavorecidos», como gosta de dizer o seu anfitrião de ocasião, o presidente italiano. Seguir nesse rumo até à Bolívia, porém, seria traiçoeiro: ao elogiar a NATO, Marcelo Rebelo de Sousa fez a apologia da organização que formou operacionalmente os militares decisivos para o golpe em La Paz e agora têm mãos livres para espalhar o terror fascista.

Abordar a situação na Bolívia neste contexto deixaria o presidente mal na fotografia, mesmo sendo reconhecida a sua habilidade para dar a volta a casos intrincados em termos de comunicação. O silêncio revelou algum pudor mas agride os princípios em que assenta a Constituição da República em termos de respeito pela democracia e pela liberdade dos povos.

Tudo menos o silêncio

Perante o que está a acontecer na Bolívia e no Chile, os democratas sintonizados com a Constituição da República, os princípios democráticos, a soberania e o respeito pelas direitos humanos só podem assumir uma posição: denunciar e condenar o golpe, a repressão e o manobrismo utilizado para iludir os resultados de eleições legítimas e as reivindicações populares.

Não existem dúvidas sobre quem são os agressores e os agredidos, os golpistas e as vítimas, de que lado está a legitimidade e como se impõe a trafulhice criminosa.

Mas também na Venezuela o cenário é muito claro, como aliás o fascismo sob o poder na Ucrânia, e o governo não deixou de dizer de sua justiça – ignorando os princípios democráticos.

Ao assumir agora o silêncio sobre situações dramáticas que vitimam populações carenciadas, o governo da República Portuguesa parece ter mudado de táctica na sua estratégia de cumplicidade com casos de usurpação da democracia.

Na verdade, o que está em causa, tanto na Bolívia, como no Chile, como na Venezuela é a alternativa entre a democracia com todas as suas consequências e a ditadura neoliberal.

Não é difícil perceber de que lado estão o chefe de Estado e o governo da República. O silêncio é apenas uma defesa tornada recomendável perante o indisfarçável complexo de Guaidó.

Ainda assim seria de bom-tom que os portugueses soubessem o que têm a dizer realmente as principais autoridades do Estado sobre as atrocidades à democracia e os direitos humanos que, nos dias que correm, estão a ser cometidas na Bolívia e no Chile. Porque o silêncio é a mais indigna das atitudes.

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Seguindo a sugestão do GIEI, o chefe de Estado acrescentou que será desestruturada toda a organização parapolicial e grupos irregulares criados como forças de repressão paralelas ao Estado e que durante o golpe de Estado agiram como forças de choque contra os protestos populares.

Também instou o Ministério Público a implementar aquilo que o relatório recomenda e a Assembleia Legislativa a aprovar o mais brevemente possível o julgamento por crimes de responsabilidade, de modo a determinar a autoria, as responsabilidades e sanções das graves violações aos direitos humanos, refere a fonte.

Garantir a imprescritibilidade dos casos de violações dos direitos humanos

Patricia Tappatá Valdez foi a representante do GIEI que teve a cargo a apresentação do relatório, fazendo uma leitura resumida dos resultados da investigação.

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Investigação mostra cumplicidade da comunicação social com golpe na Bolívia

O estudo dos jornalistas bolivianos Susana Bejarano e Fernando Molina evidencia a cumplicidade de influentes meios de comunicação do país com o golpe de Estado de Novembro de 2019, refere a Prensa Latina.

Familiares de vítimas do massacre de Senkata, em El Alto, perpetrado a 19 de Novembro de 2019
Créditos / ccb.com.bo

A investigação, ainda não publicada e a que a agência cubana teve acesso, analisa o apoio declarado de vários órgãos de comunicação, com uma linha marcadamente de direita, ao golpe e ao governo golpista que se lhe seguiu.

Os dois jornalistas mostram que determinados diários assumiram uma linha de activismo político a favor das acções violentas levadas a cabo pela direita boliviana, apoiada por militares e polícias, para tirar do poder o presidente Evo Morales e o Movimento para o Socialismo (MAS).

Na sequência da renúncia de Morales, instalou-se no país andino-amazónico um governo ilegítimo liderado pela autoproclamada Jeanine Áñez, que essa imprensa apoiou fervorosamente desde o início, com o propósito de o legitimar e de neutralizar qualquer crítica ao modo como foi constituído.

Bejerano e Molina referem a campanha sistemática que um desses diários em particular empreendeu para eliminar as ligações de Áñez ao golpe de Estado, bem como as tentativas repetidas de criminalizar a oposição, sobretudo o MAS, e de apresentar a acção do novo governo como pacificadora, num país que a direita tinha mergulhado no caos e na violência.

Justificação da repressão

O apoio mediático ao governo golpista chegou ao ponto de justificar sistematicamente a repressão e a perseguição política, apontam os investigadores, que dão como exemplo a cobertura dos massacres de Senkata e Sacaba, nos quais, de acordo com as conclusões preliminares de uma comissão parlamentar, foram mortas pelo menos 37 pessoas que exigiam democracia e o regresso de Evo Morales, que se exilou no México e depois na Argentina.

De acordo com o estudo – a que a Prensa Latina teve acesso –, em ambos os casos o discurso da comunicação social vitimizou as forças de segurança, procurando fazer crer que, ao dispararem, estavam a responder ao fogo dos manifestantes.


«Não faleceram polícias nem militares em Sacaba», esclarecem os autores do estudo, referindo que um jornal, num artigo intitulado «Fuego cruzado entre cocaleros y FF.AA. deja al menos seis muertos», afirmou sem provas que os manifestantes tinham «armas de fogo e outros objectos letais».

No que respeita a Senkata, em El Alto, os órgãos de comunicação deram conta, igualmente sem provas, da utilização de dinamite por parte dos grevistas, para assim justificarem o uso da força contra um acto de terrorismo e um atentado.

Outro exemplo do apoio da comunicação social dominante ao governo golpista foi a cobertura quase nula dos grandes protestos anti-governamentais que foram ocorrendo ao longo do ano. Os principais canais de TV, que deram ampla cobertura aos protestos contra a alegada fraude do MAS nas eleições de 2019 (uma versão, hoje, mais que desmontada), deram curtas informações sobre as manifestações anti-Áñez, refere a agência cubana com base na investigação.

Em muitos casos, referem Susana Bejarano e Fernando Molina, descreveram os protagonistas das manifestações como membros de «hordas» e «turbas», visando minimizar o impacto das mobilizações e apontá-los como «inimigos da ordem e da constitucionalidade».

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Nesse mesmo dia, elementos deste grupo atacaram uma marcha de mulheres com saias «polleras» que se concentraram na praça principal de Cochabamba em protesto contra as acções golpistas.

De motorizada, cercaram-nas, atiraram-lhes com gás lacrimogéneo, perseguiram-nas, agarraram-nas pelos cabelos e agrediram-nas no chão, revela a Agencia Plurinacional de Comunicación.

Dois dias depois, a 8 de Novembro, na sequência do motim policial ocorrido em Cochabamba, os chamados «motoqueiros» da RJC cercaram a sede das seis federações sindicais do Trópico e incendiaram-na.

O partido Creemos, do golpista Luis Fernando Camacho e actual governador da província de Santa Cruz, criticou o comunicado do Ministério do Interior e saiu em defesa dos dirigentes da Resistencia Juvenil Cochala, cujo indiciamento afirma ser uma «perseguição política».

Por seu lado, o governo questionou essa «defesa» de um «grupo irregular» que veio à tona num momento de ruptura da ordem constitucional e contribuiu para agudizar a crise política, refere a ABI.

O ex-secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos Paulo Abrão elogiou as acções do governo boliviano, que está a dar cumprimento às recomendações do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI) para desmantelar a RJC.

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Ricardo Paz foi o único de uma série de intimados que se dirigiu à Procuradoria para depor, na fase instrutória do processo.

«Os agentes internos e externos do golpe de 2019» tiveram uma participação activa, a nível intelectual e material, frisou o deputado Héctor Arce, que considera «inaceitável» que Carlos Mesa, Doria Medina, Camacho e Albarracín não tenham respondido à Justiça até ao momento.

Numa outra ocasião, o ministro boliviano da Justiça, Iván Lima, denunciou que os «parceiros» políticos de Áñez estão a impedir o avanço da investigação do processo Golpe de Estado I com «chicanas, demoras injustificadas» e um presumível «abuso do sistema processual».

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Em conferência de imprensa, foi exposto material apreendido como explosivos de alta potência, mangueiras com pregos, petardos, bazucas, cocktails molotov, miguelitos, dinamite, berlindes, entre outro.

Segundo refere a ABI, há seis dias que o edifício referido é alvo de ataques por parte de grupos violentos, e todo o material agora apreendido resulta da intervenção contra esses grupos.

Grupos paramilitares afins ao governador da província de Santa Cruz, Luis Fernando Camacho, mantêm a capital em estado de conflito, com ataques e incêndios de instituições públicas, e sequestros de funcionários, desde 28 de Dezembro.

Nesse dia, Camacho foi detido e transferido para La Paz, no contexto da investigação do processo Golpe de Estado I.

Em La Paz, as vítimas dos massacres de Sacaba e Senkata continuam a mobilizar-se para que «se faça justiça» e Camacho seja julgado e condenado.

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