A pessoa apagada que se acende no país de poetas.
Janeiro no Teatro Nacional Dona Maria II vê arrancar o Ciclo Poético, composto por três espectáculos e três poetas. Antes de Camões e Miguel Manso, podemos entrar na Sala Estúdio para encontrar um poeta que tem sido um tesouro escondido. E no espectáculo de Pablo Fidalgo com o nome do poeta, ver acender Daniel Faria.
Um religioso, um místico, uma poesia de fé e de rito, mas também de sensualidade, de toque, de pele. Como é aliás apanágio dos místicos e da sua ritual contradição, uma religiosidade com mais textura de solo que de éter.
Sobre o espectáculo (ou sobre o poeta – se a identidade está no nome, então onde começa um e termina o outro?) escreve Fidalgo que «nele existia a necessidade de representar. E é a partir da representação que se entende a fé. Se ela está em algum lugar, está no rito e não na doutrina». A cena é algo de material. Como, aliás, a própria poesia e a finitude de Daniel Faria, morto aos 28 anos num acidente doméstico, em 1994.
«Estranho é o sono que não te devolve. / Como é estrangeiro o sossego / De quem não espera recado. / Essa sombra como é a alma / De quem já só por dentro se ilumina / E surpreende / E por fora é / Apenas peso de ser tarde. Como é / Amargo não poder guardar-te / Em chão mais próximo do coração.»
Só este fim-de-semana, até 22 de Janeiro, na Sala Estúdio do TNDM II.
Angst essen Seele auf.
Como vem sendo hábito de Janeiro, o Goethe-Institut Portugal volta a organizar a Kino – Mostra de cinema de expressão alemã. Primando novamente pela heterogeneidade de forma e foco, obras com origem na Alemanha, Áustria, Suíça e Luxemburgo vão ocupar os écrans do próprio Goethe (ao Campo de Santana) e do São Jorge em Lisboa, de 19 a 24, do Rivoli e do Passos Manuel no Porto, de 26 a 29, e do Gil Vicente em Coimbra, de 1 a 3 de Fevereiro. Com a Mostra Principal, de documentário, de curtas e ainda a Mostra para Escolas, bem como com a presença de vários cineastas com obra em exibição no festival, o Kino é uma boa ocasião para ouvir a língua alemã em contextos outros que não o da cotação do marco. Ai, espera, o marco já não existe...
Em flagrante.
No Museu da Fundação Calouste Gulbenkian está em construção um Portugal em Flagrante, operação a operação. No piso inferior apresenta-se a Operação 1, constituída por obras sobre papel complementadas por documentação proveniente da Biblioteca de Arte da Fundação.
Inaugurada em Novembro, a Operação 2 acrescenta uma selecção de obras de pintura distribuídas pelo piso superior do edifício. Cruzando percursos com alguns artistas estrangeiros, encontramos por exemplo Amadeo, Almada, Eduardo Viana, Cesariny, Vieira da Silva, Paula Rego ou Lourdes Castro, enquadrando a pintura dos séculos XX e XXI da colecção Gulbenkian no contexto de uma «permanente migração e intersecção cultural».
No piso principal completar-se-á o percurso em Março, com a inauguração da Operação 3, dedicada à escultura. Arte, História e informação para facilitar «uma compreensão alargada da criação artística enquanto motor e caixa-de-ressonância da história de Portugal desde 1900». Cá estaremos em Março para o relembrar. Assim como para relembrar que aos domingos se pode percorrer todas as exposições gratuitamente, a partir das 14h.
E o livro do mês... são oito.
Que mais poderia aconselhar-vos? Leiam o Daniel Faria, livro na mão como um pequeno pássaro de coração aos pulos. Vários títulos foram editados pela Quasi e também pela Fundação Manuel Leão, mas em 2015 a Assírio & Alvim reuniu a poesia num único volume. Dá um pássaro mais gordo. Mas um pássaro, ainda assim.
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