Lê-se esta notícia vinda do Brasil: «Cerca de 100 mil pessoas tomaram os Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, [no] sábado (28 de Julho) para defender o restabelecimento da democracia, no Festival Lula Livre. Chico Buarque e Gilberto Gil encerraram o evento com o clássico da música brasileira “Aquele abraço”, mas o ápice da participação dos dois foi quando cantaram juntos a canção “Cálice”, que lembra os tempos da censura durante a ditadura civil-militar».
Se quiser, continue a ler a notícia e dê uma olhada – como dizem os nossos irmãos brasileiros – na última parte do espectáculo, aquela em que, mesmo no final, cantam Gilberto Gil e Chico Buarque. Um espectáculo musical e político no qual participaram, entre outros, os cantores Ana Cañas, Ligiana Costa, Imyra Silva (filha de Taiguara), o grupo Chicas, Marcus Lucenna, Odair José, Marcelo Jeneci, Sérgio Ricardo, Beth Carvalho, Chico Buarque e Gilberto Gil, além de vozes de Cuba, Venezuela, País Basco, etc. Juntaram-se actores, actrizes e outros agentes da cultura numa festa de combate cívico contra a prisão de Lula da Silva e pela democracia. Porque os trabalhadores brasileiros e os seus artistas não desistem.
E, a propósito desta luta, vale a pena ainda lembrar o actor, entertainer e poeta Gregório Duvivier e o seu «Poema do Fora Temer», de Agosto de 2016, um texto satírico delicioso. Com o título «Poética», eis um segmento:
Chamar-me-ão de vampiro
De golpista ou morto-vivo
Chamar-me-ão de mordomo
Ou de vice decorativo
Alguns me chamam de Drácula
Outros usam Nosferatu
Alçaram-me à presidência
Pra acabar com a Lava Jato
Confessar-vos-ei meu nome
Antes que eu me vá embora
Meu segundo nome é Temer
Meu primeiro nome é Fora
O meu convite: leia outros segmentos destes versos de Duvivier. Vale a pena a leitura. Valem a pena a arte e a cultura contra a opressão e os golpes antidemocráticos.
Teatro do Eléctrico em Loulé e Querença. No Porto, a Objetoteca Popular do Teatro de Ferro. E o Citemor, claro.
E, já que estamos na onda estival da gente do teatro, aí fica a sugestão: o espectáculo
Karl Valentin Kabarett, do Teatro do Eléctrico. Os textos são de Karl Valentin (1882-1948), comediante, autor e produtor de filmes alemão, ligado ao dadaísmo e ao expressionismo e que Brecht muito apreciava. As traduções dos textos deste espectáculo pertencem a Almeida Faria, Jorge Silva Melo, Luíza Neto Jorge, Maria Adélia Silva Melo e Osório Mateus. A encenação é de Ricardo Neves-Neves. Locais de apresentação: Cerca do Convento, Loulé, 9 e 10 de Agosto, 21.30h; Largo da Fundação Manuel Viegas Guerreiro, Querença, 16 e 17 de Agosto, 21.30h. A entrada é livre. Cito a informação oficial sobre o espectáculo, que se afigura prometedor: «Karl Valentin Kabarett cruza várias peças curtas de Karl Valentin com músicas de repertório popular alemão do início do século XX, cantadas ao vivo em alemão pelos onze actores e um cantor lírico, acompanhados de uma orquestra de dez elementos».
No quadro do programa Cultura em Expansão, da Câmara Municipal do Porto, o dia 5 de Agosto é uma oportunidade para ver o espectáculo Objetoteca Popular Itinerante do Teatro de Ferro, também com entrada livre. Leia-se a apresentação: «O que têm para contar um canivete suíço, uma reprodução da Guernica, uma música pop dos anos oitenta ou a carrinha branca Moby Dick? Estes e outros objetos vão circular pelos espaços da cidade – feiras, praias e outros ajuntamentos populares. A Objetoteca Popular Itinerante é ela própria um objecto híbrido – é a partir do encontro amoroso entre uma biblioteca itinerante e uma carrinha da feira que se faz esta performance pública da enciclopédia popular dos objectos do quotidiano.» A direcção artística é de Igor Gandra e Carla Veloso; texto, dramaturgia e concepção cenográfica de Igor Gandra. Um espectáculo para todos, a 5 de Agosto, na Feira dos Passarinhos, do Passeio das Fontainhas, no Porto, ali bem de frente para o Douro e para as pontes históricas, às 10, 11 e 12.30h.
Não se esqueça, também, que está a decorrer o Citemor — 40.º Festival de Montemor-o-Velho, até 11 de Agosto, em Coimbra, Montemor-o-Velho e Figueira da Foz. Consulte a magnífica programação deste festival com indiscutível tradição de qualidade teatral.
Muitos e bons filmes em Agosto, em Lisboa, Sintra e Porto (com cinema ao ar livre)
Veja, se puder, A Ciambra, de Jonas Carpignano, centrado na vida de um adolescente de uma pequena comunidade Romani da Calábria (Itália). Estreia esta semana nos cinemas e mostra a vitalidade de um cinema, o italiano, que não enjeita a herança neo-realista.
Em Lisboa, na Fundação Oriente, aproveite o ciclo de filmes Japão, Quatro Cineastas Contemporâneos, nos dias 5, 12, 19 e 26 de Agosto, sempre às 18h, com entrada gratuita.
Em Agosto (5, 10, 11, 12, 17, 18, 19…), no Parque e Palácio de Monserrate, em Sintra, há cinema ao ar livre, com programação de João Mário Grilo: ciclo Esplendor na Relva – a herança do cinema. Wilder, Visconti, Nicholas Ray, Preminger, Hitchcock são alguns dos mestres representados. A não perder. Consulte a programação completa.
Anoto a apresentação do ciclo Cinema Fora do Sítio, no Porto, com uma programação popular e, aqui e acolá, voltada também para um público juvenil. Cito: «Oito filmes de diferentes géneros e para diferentes faixas etárias compõem o Cinema Fora do Sítio, ciclo de entrada livre que está de volta ao Porto nas noites de sexta-feira e sábado de Agosto, com exibições a céu aberto.» Apontem-se os próximos seis filmes. A animação A Idade da Pedra será projectada no dia 10, no Parque Desportivo de Ramalde; The Shape of Water, dia 11 no Largo da Estação de Campanhã; The Strangers: Predadores da Noite, dia 17 nos Jardins do Palácio de Cristal, e Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, dia 18 no Jardim de Liège. Ainda Os Super-Heróis da Selva, dia 24 no Jardim da Arca d’Água, e Mundo Jurássico: Reino Caído, dia 25 no Largo do Amor de Perdição.
Exposição de obras plásticas de Günter Grass, no Porto
A pintura e os desenhos de Günter Grass estão, há algum tempo, em exposição no Porto.
Mas, em Agosto, «há “Encontros” com hora marcada na Casa-Museu Guerra Junqueiro, onde (…) se realizam quatro visitas orientadas à exposição temporária de obras plásticas do Nobel da Literatura alemão Günter Grass (1927-2015).» 8, 22 e 29 de Agosto são os dias das visitas orientadas, marcadas para as 15 horas. A participação é gratuita e não exige marcação prévia.
Jazz ao relento, no Porto
De aproveitar, também, para quem aprecia desfrutar das noites de Agosto com música, o programa Jazz ao Relento, nos jardins do Palácio de Cristal, no Porto
A 11 de Agosto, toca o MAP, projecto liderado pelo pianista Paulo Gomes, que conta com João Paulo Rosado no contrabaixo e Acácio Salero na bateria, apresentando o álbum Guerra e Paz, com a participação especial do vibrafonista Eduardo Cardinho.
A 18 de Agosto, apresenta-se Demian Cabaud. Astah é o mais recente trabalho discográfico deste contrabaixista, segundo a informação disponível, com várias dinâmicas e direções musicais proporcionadas por duas baterias. No disco apresentado neste concerto, confluem o jazz tradicional com muitos momentos de improvisação e um toque de música tradicional argentina. A Cabaud e aos bateristas Marcos Cavaleiro e João Sousa, juntam-se em palco João Pedro Brandão (saxofone e flauta) e João Grilo (piano).
25 de Agosto é o dia da actuação do saxofonista e compositor José Pedro Coelho. Em palco, estarão ainda o pianista Xan Campos, o contrabaixista Demian Cabaud e o baterista Marcos Cavaleiro.
Em suma, um ciclo revelador das dinâmicas musicais emergentes no jazz da Invicta.
Ainda música, mas gravada
Duas sugestões de CD para o seu mês de Agosto. A primeira é An Easy Introduction to Bossa Nova Top 20 Albums, em que, por um preço muito módico, em edição de 2018 da New Continent, pode escutar nove CD de Bossa (alguns contendo dois álbuns originais) ou de suas boas recriações norte-americanas: Jobim, João Gilberto, Vinicius, Elizete Cardoso e Moacyr Silva, mas também Laurindo de Almeida e Bud Shank, Stan Getz, Zoot Sims, Coleman Hawkins, Gillespie, Charlie Byrd, Quincy Jones… Seguindo este caminho, entrará saborosamente no «clima» brasileiro ou pró-brasileiro e às vezes jazzístico que estes grandes músicos e cantores lhe vão certamente proporcionar.
A outra sugestão: 12 Canciones de García Lorca para Guitarra (1965, remasterizado), por Paco de Lucía e Ricardo Modrego. Reedição de 2002, da Universal Music, Espanha. Optando por esta outra via, rapidamente a música o conduzirá a Granada, a Córdova, a Sevilha, a Málaga, à Andaluzia do flamenco e da cultura cigana, e sentirá, certamente, desejo de tirar da estante para a reler, a magnífica peça A Casa de Bernarda Alba (se quiser, tem uma edição na Europa-América) ou então a extraordinária poesia do grande poeta andaluz (também homem de teatro, da música e do desenho) que os fascistas se apressaram a assassinar em 1936, ainda mal a Guerra Civil de Espanha começara. Lembre-se: faz, a 18 de Agosto, 82 anos que García Lorca foi morto.
Gorki, Brecht, Eça
Terminemos com livros. Primeiramente, a proposta de dois romances fundamentais e de uma peça de teatro, a que importa sempre regressar. O primeiro é um clássico da literatura russa que Edições Avante! acaba, em boa hora, de reeditar (juntamente com filme em DVD), ainda por ocasião do centenário da Revolução Socialista de Outubro (1917) mas, sobretudo, celebrando os 150 anos do nascimento do autor.
Trata-se de A Mãe de Maksim Gorki (1868-1936), escritor maior que deu forma literária ao movimento revolucionário russo nessa obra de 1906, ano em que partiu para o exílio. Lénine afirmava: «É um livro necessário. Muitos operários participam no movimento revolucionário de um modo não consciente, espontâneo, e ler A Mãe ser-lhes-á de grande proveito. É um livro muito oportuno.» Siga, aqui, a formação da revolucionária Pelagea Vasslova, inesquecível heroína popular, e, seguidamente, aproveite a boleia para ir ler ou reler a peça, de 1938, que o autor de A Santa Joana dos Matadouros escreveu a partir do livro de Gorki. Com o mesmo título, A Mãe, pode encontrá-la, por exemplo, no volume Teatro 3 (Cotovia, 2005, pp. 351-433), de Bertolt Brecht (1898-1956), traduzida por Lino Marques.
O segundo romance que sugiro é, só pode ser, Os Maias (1888), de Eça de Queiroz (1845-1900). Agora que alguém, mais uma vez, se veio lembrar de que os filhos da classe trabalhadora (para não falar dos outros), por limitações de ordem diversa, não poderão (ou não deverão?) aceder à grande literatura, pelo que Os Maias deve ser excluído do cânone escolar, perpetuando-se, assim, uma visão elitista da leitura literária – em suma, agora que a noticiada possibilidade de exclusão do romance queirosiano torna a constituir-se como ameaça à qualidade do ensino da Língua e da Literatura no secundário, é hora, sim, de voltar à leitura de Os Maias. No caso de professores e pais, direi que é hora de uma reflexão não superficial sobre a relevância educativa dos grandes textos e sobre as estratégias didácticas que favoreçam o efectivo acesso de todos (e não apenas de uma minoria) à leitura de obras maiores da nossa literatura. E Os Maias é-o. Um portento narrativo e de linguagem, desapiedado retrato da Lisboa de oitocentos e da sociedade portuguesa da época. Um texto que talvez não seja propriamente de prazer mas sim de fruição, que é coisa bem diferente.
Galeano, Dylan, Snyder, poesia e um estudo em torno da Guerra Colonial
No campo da ficção, mais Galeanos para nossa folgança leitora. Com chancela da Antígona, prossegue a edição das obras de Eduardo Galeano (1940-2015), o grande escritor uruguaio: As Palavras Andantes (2018) e Espelhos, Uma História quase Universal (2018). Não se pode obviamente perder.
Na poesia, destaco Privilégio de Penumbra, poemas e colagens do andaluz Felipe Benítez Reyes (n. 1960), editado em 2018 pela Abysmo, tradução de Vasco Gato. De outro andaluz, Luís García Montero (n. 1958), acaba de sair As Lições da Intimidade (2018), com a mesma chancela e tradução de Nuno Júdice. A ver, como dizem nuestros hermanos.
Mão amiga faz-me chegar, de Bob Dylan, A Lição do Nobel, simpática edição mini com a chancela Peixe Gato (Coimbra), tradução de Egas Moniz Júnior e posfácio de Paulo da Costa Domingos. De outro norte-americano, poeta e ensaísta, um dos expoentes da Beat Generation, está também nas livrarias A Prática da Natureza Selvagem (Antígona, 2018), tradução de José Miguel Silva, conjunto de ensaios do notável poeta norte-americano e orientalista que é Gary Snyder (n. 1930).
Se puder, leia, para se divertir (e muito), o vernáculo, brejeiro mas simultaneamente brilhante, de Trovas de Escárnio em Vernáculo (2.º vol.), acabado de editar pela Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. O autor é Manuel Leal Freire (1928-2018), saudoso advogado, escritor e investigador do património português que importa não esquecer. Entrará para a antologia do humor e do erotismo na nossa literatura, disso não tenho dúvidas. O desenho de capa e a concepção gráfica é de Augusto Baptista. Límpido prefácio do autor e posfácio, iluminante, de sua filha, Guilhermina Leal.
Lutas Laborais nos Primórdios da Guerra Colonial (Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, 2018) é um recente trabalho de investigação histórica, breve mas rigoroso e interessante, da autoria de Jorge Ribeiro – escritor, jornalista e académico que, com a publicação deste livro, vê, uma vez mais, confirmada a sua autoridade em matérias relacionadas com a História da Guerra Colonial.
E para terminar, dois belos livros para a infância, ou seja, para todos…
Dois livros infantis (ou próximos disso) que vale a pena ler e contemplar: A Vera Teve um Sono e outras Histórias (2018), de Hélder Moura Pereira, com ilustrações de Tiago Manuel. A edição é da Arranha-céus e da Festa da Ilustração de Setúbal. Bem escritas, as narrativas são muito breves e têm, como figura central, Vera, menina inquieta, reflexiva, curiosa e atraída, como todas as crianças inteligentes, pelos «mistérios» da linguagem e do discurso, às vezes provocador de estranheza, dos adultos. Uma menina à procura da verdade do mundo, como o seu nome indicia. As ilustrações de Tiago Manuel – sem dúvida dos mais originais ilustradores portugueses – não as quero (nem consigo) descrever, nem comentar. Apenas direi que, conhecendo um pouco do panorama da ilustração nacional, são de facto das mais diferentes que ultimamente me tem sido dado ver: estilizadas, apelativas no seu jogo de cores e formas, misturando o cómico e o estranho. Tiago Manuel: um artista perfeccionista, de registo único.
A propósito do último livro que aqui aconselho, começo por recordar que, na reunião da Câmara Municipal do Porto de 31 de Julho de 2018, a vereadora Ilda Figueiredo apresentou uma Proposta de Recomendação que, aprovada por unanimidade, se transforma numa Recomendação da Câmara Municipal do Porto (CMP) ao Governo, para que «desbloqueie a construção da nova Ala Pediátrica do Hospital São João (Porto)». Trata-se, sem dúvida, de um apoio importante da CMP à causa da construção do Hospital São João dos Pequeninos, o Joãozinho, como reclamado em 22 de Julho, na sessão de lançamento de O Lobo Mau no Hospital, a obra de Augusto Baptista que aqui brevemente comento e recomendo, e que é editada pela Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto e pelo Centro Hospitalar de São João. Destina-se o produto da respectiva venda (ponto importante) a angariar fundos para a construção da nova Ala Pediátrica do Hospital.
O livro é de um encanto e de uma graça que nos comovem e divertem, tendo contado ainda com as ilustrações de Z. L. Darocha (1945-2016), conhecido pintor que ilustraria também livros para a infância. O seu registo caricatural, hiperbólico, bem-humorado e colorido constitui o complemento ideal da história escrita por Augusto Baptista, a qual parte, como se depreende do título, dos conhecidos contos de Charles Perrault e dos Irmãos Grimm, constituindo mais uma variação hipertextual da célebre narrativa da Menina do Capuchinho Vermelho (que outros, como Roald Dahl ou M. A. Pina também recriaram). Aqui, a floresta, por assim dizer, é o hospital de adultos, embora o Lobo Mau (nesta história, o paciente) comece por ser apresentado pela Menina ao Joãozinho, médico que representa o próprio hospital pediátrico. Não conto o resto; apenas acrescento que o Lobo, a Avozinha e o Caçador terminam, com Joãozinho, em animada dança e cantoria, uma vez curado o pobre Lobo. Os papéis tradicionais estão, claro está, parodicamente invertidos: Capuchinho é activa; o Lobo é quem está em carência.
Gostaria de destacar ainda a irrepreensível concepção gráfica de João Bicker, conhecido designer e professor universitário, que faz desta obra um belo objecto para todos os públicos, crianças ou adultos.
A atitude do governo, já amplamente noticiada, é incompreensível e condenável. A causa (libertação de verbas do orçamento para construção da nova Ala Pediátrica do S. João) é boa. Resta-nos apoiá-la e recomendar que se leia e se dê a ler este livro aos mais novos e não só.
Boas leituras.
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