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Avançar nos direitos da Administração Pública neste Orçamento

Carreiras na Administração Pública continuam a marcar passo?

Os trabalhadores da Administração Pública, que nos últimos anos não viram alteradas medidas que contribuem para a degradação das suas condições de vida, podem ver alterada a situação no próximo Orçamento, nomeadamente na progressão das carreiras, apesar de o Governo afirmar que será faseada, sem avançar com prazos.

Os trabalhadores da Administração Pública têm encetado uma intensa luta pelo descongelamento das carreiras
Créditos / Frente Comum

Apesar de alguns avanços, mantém-se um conjunto de medidas, tomadas ao longo da última década, e em especial pelo último governo do PSD e do CDS-PP, que prejudicaram os trabalhadores da Administração Pública retirando-lhes condições de trabalho. 

Tratam-se de questões como a manutenção do congelamento das carreiras (progressão dos índices remuneratórios), parte desde 2005, o congelamento dos salários para a generalidade dos trabalhadores desde 2009, a não admissão de trabalhadores –, a precariedade, ou a manutenção do corte no trabalho extraordinário, entre outros.

A acção reivindicativa dos trabalhadores e o quadro político conseguido após as eleições legislativas de 2015, com uma nova correlação de forças no Parlamento e um governo minoritário do PS, permitiu aos trabalhadores da Administração Pública, para além de outras questões mais gerais, o fim dos cortes salariais, a reposição das 35 horas (apesar de não se aplicar a todos os trabalhadores que prestam serviço na Administração Pública, excluindo designadamente os trabalhadores com contrato individual de trabalho), a reposição (ainda em curso, mas que se efectiva de forma completa e definitiva já em 2018) do pagamento do subsídio de Natal em Novembro, o fim do regime da requalificação, a subida do subsídio de refeição ou a consolidação da mobilidade intercarreiras e intercategorias.

No entanto, várias questões relacionadas com a redução dos rendimentos dos trabalhadores da Administração Pública ao longo dos últimos anos mantiveram-se e foram prorrogadas no Orçamento do Estado para 2017, nomeadamente o que diz respeito às progressões na carreira e valorizações remuneratórias, assim como ao trabalho suplementar, extraordinário e nocturno.

Estes pontos estão a ser discutidas no contexto da definição do Orçamento do Estado para 2018 e têm sido «postos nas ruas» pela voz dos trabalhadores e dos seus representantes, que também negoceiam com o governo e divulgam as suas propostas. A Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública entregou recentemente ao Governo a sua «Proposta Reivindicativa Comum» para 2018. A progressão nas carreiras é um dos aspectos com mais relevância nesta discussão.

Progressão nas posições remuneratórias

A progressão nas carreiras, um direito que os trabalhadores têm consagrado em lei, foi-lhes negado nos últimos anos. A própria Constituição da República Portuguesa diz-nos, no seu artigo 59.º, sobre os direitos dos trabalhadores, que todos os trabalhadores têm direito «à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna». Acrescenta ainda no mesmo artigo que têm direito «à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar».

«A progressão na carreira é simultaneamente um instrumento de valorização profissional e de realização pessoal dos trabalhadores, sendo desta forma também um elemento fundamental para a valorização dos próprios serviços públicos»

Não se podendo afirmar directamente a existência de um direito constitucional à progressão na carreira, não é descabido relacionar este artigo constitucional com a progressão nas carreiras, no sentido em que o trabalho deve ser retribuído de acordo com a quantidade, natureza e qualidade e, normalmente, é esta a trajectória que a carreira dos trabalhadores segue – a mais antiguidade, mais experiência, mais qualidade e maior complexidade de funções deve corresponder determinada progressão salarial e na carreira.

É ainda uma questão inerente à valorização do trabalho e dos trabalhadores. A progressão na carreira e a valorização salarial são elementos inseparáveis da realização profissional e pessoal dos trabalhadores. Assim, a progressão na carreira é simultaneamente um instrumento de valorização profissional e de realização pessoal dos trabalhadores, sendo desta forma também um elemento fundamental para a valorização dos próprios serviços públicos e para uma Administração Pública eficaz e de qualidade.

- Progressão na carreira – um direito congelado há mais de 10 anos

O direito à progressão na carreira foi congelado a partir de 2005 e profundamente alterado em 2008, pela introdução do Sistema de Avaliação do Desempenho dos Trabalhadores da Administração Pública (SIADAP). A última revisão da Tabela Remuneratória Única foi em 2009 e a partir de 2010 foram novamente congeladas as progressões. Esta é uma das principais questões relacionadas com a Administração Pública a fazer parte da discussão do Governo com as estruturas sindicais e no contexto da definição do Orçamento do Estado para 2018.

O objectivo do Governo, assumido em 2016, era de iniciar em 2018 «o processo de descongelamento controlado de evolução nas carreiras». A estimativa do Governo, já divulgada, aponta para uma despesa de cerca de 600 milhões de euros, incluindo já as progressões do biénio 2015/2016. Ainda segundo as estimativas avançadas pelo Executivo, com o biénio de 2013/2014, 60% dos trabalhadores estavam em condições de progredir; e com o biénio de 2015/2016 seriam cerca de 80%. Os números demonstram que a reposição integral das progressões não seria a hecatombe orçamental que alguns afirmavam, abrindo possibilidades para que possa ser feita a um ritmo mais acelerado.

480 mil

Estimativa de quantos trabalhadores poderiam ser abarcados com as progressões

O Governo anunciou que o valor disponível para este Orçamento seria de 200 milhões para o descongelamento de carreiras, pelo que contava efectuar «um descongelamento faseado e gradual». Na reunião com os sindicatos efectuada a semana passada, o Executivo acabou por propôr o descongelamento a partir de 2018 das «alterações obrigatórias de posicionamento remuneratório, progressões e mudanças de nível ou escalão», deixando em aberto o prazo para a sua conclusão.

No âmbito da discussão do orçamento, esta proposta ainda pode ser alvo de alterações, sendo que o PCP, partido que tomou a iniciativa e insistiu para que a medida (de descongelamento das carreiras a partir 2018) fosse colocada no Orçamento de 2017, já veio afirmar, pela voz de Jerónimo de Sousa, em Setembro, que «é uma medida que tem de ir tão longe quanto necessário para dar resposta à reposição de direitos e progredir, assegurando que todos os trabalhadores tenham adquirido o direito à progressão com a sua efectivação em 2018». A Frente Comum, na sua «Proposta Reivindicativa Comum» para 2018, defende o descongelamento da progressão nas posições remuneratórias «abrangendo todas as carreiras, todas as categorias e todos os trabalhadores, salvaguardando a contabilização de todo o tempo de serviço, independente do vínculo».

«A elevação do rendimento dos trabalhadores, como tem sido comprovado, tem efeitos positivos na dinamização da economia e do tecido produtivo e também ao nível da receita fiscal»

Números de 30 de Junho de 2017, apontam para 669 mil trabalhadores no sector das administrações públicas. Considerando que cerca de 80% destes estará em condições de progredir (descontando, por exemplo, os trabalhadores que progrediram entretanto ao abrigo da possibilidade de opção gestionária e os trabalhadores que entraram recentemente e por isso ainda não reúnem as condições), poderão ascender a mais de 480 mil os trabalhadores que seriam abarcados com o direito de progressão.

A medida teria ainda impacto em todas as componentes da remuneração que se estabelecem por percentagem da remuneração base, como por exemplo no pagamento do trabalho suplementar. Além disso, a elevação do rendimento dos trabalhadores, como tem sido comprovado, tem efeitos positivos na dinamização da economia e do tecido produtivo e também ao nível da receita fiscal.

- A dependência da avaliação de desempenho e das quotas introduzidas pelo SIADAP

A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas define o direito e a forma de progressão na carreira, que está dependente da avaliação de desempenho. Existem as chamadas «progressões automáticas», em que quem acumula dez pontos nas avaliações tem direito à progressão, estando estas congeladas por via dos sucessivos Orçamentos do Estado.

A partir de 2008, foi imposto pelo governo do PS de José Sócrates o SIADAP, que definiu quotas, impondo que só podem receber «excelente» o máximo de 5% dos trabalhadores e só podem ter avaliação «relevante» uma quota máxima de 25% dos trabalhadores, o que faz com que, desde logo, a grande maioria dos trabalhadores acabe por acumular apenas um ponto por ano e que levem dez anos a progredir um nível na Tabela Remuneratória Única. Em 2009, o PCP propôs a eliminação das quotas no SIADAP.

Posteriormente, o essencial deste sistema foi incorporado na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. Na sua «Proposta Reivindicativa para 2018», a Frente Comum defende a revogação do SIADAP e a implementação de um «sistema de avaliação sem quotas, transparente, equitativo e justo, que valorize os trabalhadores potenciando a efectiva progressão profissional na sua carreira».

Também é possível a promoção entre categorias, que depende das chefias (também ela sujeita a quotas), sendo que são os dirigentes que propõem a progressão de trabalhadores que tiveram uma avaliação de desempenho muito elevada – excelente ou relevante.

Por fim, ainda existe a progressão por opção gestionária, onde os serviços podem decidir, dentro dos seus orçamentos, fazer progredir os trabalhadores assumindo os correspondentes encargos. Foi o que aconteceu em várias câmaras municipais entre 2008 e 2009.

A proposta que o Governo já apresentou aos sindicatos, para além de manter o sistemas de quotas, estabelece ainda que nos casos em que as progressões e promoções dependam apenas do tempo de serviço, a contagem será retomada no dia 1 de Janeiro de 2018, «não podendo produzir efeitos em data anterior».
 

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