Nas negociações para a actualização dos salários contratuais, que decorrem desde Setembro de 2016, as empresas continuam sem apresentar qualquer proposta de atualização dos salários mas insistem na exigência de contrapartidas dos trabalhadores, as quais representariam uma redução da remuneração em mais 3%.
As empresas defendem a introdução, na Convenção Colectiva de Trabalho (CCT), de maior flexibilidade e desregulação dos horários de trabalho, e defendem a continuação das duas tabelas que discriminam trabalhadores em função da região onde trabalham. Por outro lado, continuam também a defender a discriminação salarial negativa dos trabalhadores das logísticas, que produzem trabalho de igual ou de superior valor, mas ganham menos que os trabalhadores das lojas, mesmo quando todos auferem o Salário Mínimo Nacional (SMN).
Estas cadeias, que dominam completamente a distribuição em Portugal, influenciando decisivamente a produção e o consumo através de expedientes de adiamento e boicote negocial (jogam com as leis feitas à sua medida e com o poder político comprometido), impuseram o esvaziamento salarial da Convenção Colectiva de Trabalho (CCT), cujas normas sistematicamente violam, para colocar um em cada dois trabalhadores a auferir o SMN.
Elas tiveram lucros chorudos e embolsaram toda a produtividade…
Nestes anos da dita crise, as empresas reduziram pessoal e custos e continuaram a aumentar vendas, produtividade e lucros. As maiores, empresas que dominam a Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED) e decidem das suas posições:
Nome | Resultados em Euros | |
2015 | 2016 | |
Pingo Doce | 26 631 055,00 | 75 308 432,00 |
Modelo Continente | 25 879 774,00 | 9 200 190,00 |
Continente Hipermercados | 42 832 332,00 | 72 411 967,00 |
Auchan Portugal | 13 757 325,00 | 18 683 128,00 |
Dia Portugal | 11 297 229,00 | 6 689 095,00 |
El Corte Ingles | 18 467 951,00 | 17 994 230,00 |
Ikea Portugal | 22 222 522,00 | 9 871 052,00 |
Fnac Portugal | 10 019 839,00 | 9 871 052,00 |
Aldi Portugal | - 521 005,00 | 2 126 416,00 |
A produtividade aumentou significativamente, mas nada reverteu para os salários contratuais, apesar de terem sido os trabalhadores a suportar muito mais esforço e mais horas de trabalho, via adaptabilidade e bancos de horas, para substituir os muitos despedidos nos anos de 2011, 2012 e 2013.
A «prenda» do governo PS/Sócrates produziu desemprego em vez de postos de trabalho
As empresas fizeram o contrário do que se comprometeram, em 2010, aquando da «prenda» do governo PS/Sócrates, cujo decreto lei 111/2010 permitiu a total liberalização dos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais. Em vez de criarem os tais milhares de empregos com que acenaram como contrapartida para o favor do governo, atiraram para o desemprego muitos milhares de trabalhadores, em especial contratados a termo, e muitos outros que conseguiram descartar e não substituíram.
Novas e velhas contrapartidas – sempre para o patronato!
Para negociar, querem mais «contrapartidas», que consistem na redução dos valores do trabalho em feriado e trabalho suplementar, e mais desregulação e flexibilização dos horários, ou seja ainda piores condições de vida e trabalho do que as actuais.
Os trabalhadores já dão contrapartidas a mais pelos miseráveis salários que auferem!
Senão vejamos:
- disponibilizam-se para cumprir horários de trabalho entre as 6 e as 24 horas, 363 dias do ano, porque as empresas estão autorizadas, pelos governos e muitas câmaras municipais, a abrir as portas todos os dias do ano;
- trabalham a ritmos elevados, sobre pressão constante de clientes e máquinas, em regime de polivalência (em vários casos recebendo ordens por via electrónica, os chamados picking by voice ou outros), em todos os dias da semana com 8, 9, 10 e mais horas por dia, a que acrescem mais uma ou duas horas de intervalo de refeição e mais outro tanto de tempo de deslocação casa/trabalho/casa;
- nas enormes câmaras frigoríficas das lojas e das logísticas, centenas de trabalhadores são submetidos a temperaturas próprias dos pólos, muitas vezes sem a devida informação e formação, nem equipamento de protecção adequado;
- as condições de trabalho, em especial os horários, degradam as condições de saúde e a qualidade de vida dos trabalhadores, cuja esperança média de vida encolhe na proporção da desregulação e flexibilidade dos horários, constantemente alterados na hora de entrada e saída do trabalho, nos períodos de descanso para refeição e nos dias de descanso semanais;
- dão parte significativa dos seus direitos fundamentais (muitas vezes sem disso terem consciência, exemplo das chefias intermédias que ficam horas e horas nos locais de trabalho e exigem que os outros também fiquem, numa confusão negativa entre isenção de horários e «presentismo»), como sejam a estabilidade, a vida pessoal, familiar, social e cultural, devido aos horários, condições de trabalho e salários impeditivos;
- sacrificam-se e sacrificam os filhos que são obrigados a depositar na casa de amas, familiares ou amigos, por serem obrigados a trabalhar em horários que desnecessariamente não respeitam, na sua organização e duração, a vida humana e as normas legais e contratuais em vigor, nem o princípio constitucional de «conciliação da actividade profissional com a vida familiar».
- dão, às vezes, um sorriso «amarelo» aos clientes, porque estes não sabem e alguns não querem saber, das péssimas condições e do sofrimento porque está a passar quem lhe corta fiambre «esfarrapado», lhe fornece as refeições prontas, a carne, peixe, pão, bebidas, vestuário, calçado, acessórios ou recebe o pagamento nas caixas ou terminais;
As empresas, em muitos casos, ainda submetem os trabalhadores:
- ao big brother das gravações vídeo e som e, a pretexto da segurança, controlam-nos no desempenho das funções profissionais nas áreas de venda, recepção de mercadorias, corredores, logísticas, etc.;
- a discriminações absolutamente ilegais, a pretexto de avaliações no desempenho profissional, tendenciosas e manipuladas por critérios subjectivos, virados para a apreciação dos comportamentos da pessoa e não do seu desempenho profissional, frequentemente usadas como «arma de arremesso» para penalizar ou premiar.
- a uma valorização dos critérios do absentismo que penaliza o uso de direitos fundamentais, como sejam o direito à saúde, à família, à maternidade e à paternidade, dessa forma atingindo em especial as mulheres, com incidência nas de idade fértil – mais de 70% da mão de obra do sector – devido à necessidade de recuperarem de doenças e acidentes físicos e psicológicos, darem assistência à família – em especial aos filhos –, exercerem o direito à maternidade e paternidade e, consequentemente, o direito a amamentação e aleitação.
Quando se evidenciam estas realidades, muita gente que assumiu a defesa da ideologia do capital como seu «catecismo» dirá que isto é o tradicional exagero da «linguagem sindical». Pois não há exagero nenhum. O que há, da parte de quem classifica as denúncias como tal, é o comprometimento e a tentativa de disfarçar a brutalidade da exploração, de dar-lhe um carácter de «normalidade», «humanidade» e inevitabilidade.
Mais alguns dados e situações concretas:
- mais de 60 mil trabalhadores (mais de 50% da força de trabalho) auferem o SMN, entre eles trabalhadores qualificados, com dois, cinco ou oito anos de experiência; nas logísticas da grande distribuição milhares de trabalhadores, dirigidos por «picking by voice», fechados e vigiados como se estivessem em prisões de alta segurança, correm todo o período de trabalho a carregar o máximo de paletes, combis ou containers, para alcançar os objectivos de produção e algum prémio que recomponha o salário, senão, só levam para casa o SMN e o «picking» ou código semelhante, que os vai atormentar pela noite dentro, no tempo em que deviam dormir para recuperar;
- propõem as empresas que os trabalhadores especializados de todo o país, continuem a auferir salários de 585 euros, menos 41 euros/mês do que trabalhadores da mesma categoria a trabalhar em lojas de Lisboa, Porto ou Setúbal; a subchefes e chefes na mesma situação, propõem que continuem a auferir menos 41 a 58 euros/mês, só porque trabalham fora de Lisboa, Porto ou Setúbal.
- de igual modo, as empresas insistem, através da APED, que milhares de operadores de armazém das logísticas da grande distribuição, embora façam um trabalho de valor igual ou superior aos operadores das lojas, só não recebam menos 69 euros mês porque foram abrangidos, a partir de Janeiro de 2018, pelo SMN de 580 euros, e apenas por isso esta inaceitável discriminação se reduziu a 46 euros/mês.
As propostas sindicais, que são modestas e simples, visam acabar com as discriminações injustificadas entre os trabalhadores da mesma função e categoria que exercem no resto do País, e os de Lisboa, Porto e Setúbal, pondo termo a uma tabela B que deveria ter sido suprimida já no século XX e que permanece apenas pela injustificada insistência das empresas.
Visam também acabar com a discriminação dos operadores de armazém das logísticas, que embora façam trabalho de igual valor, ganham ainda menos que os operadores das lojas com a mesma antiguidade, e subir os salários dos trabalhadores qualificados ligeiramente acima do SMN.
A proposta salarial sindical, sem resposta das empresas, terminada a fase das negociações directas que durou vários meses, e já depois de reuniões na conciliação, é a seguinte:
Chefias, 1.036 €; Encarregados, 867 €; Sub. Chefias, 739 €; Operadores Especializados, 654 €; Operadores qualificados de 1.ª, 622 €; Operadores qualificados de 2.ª, 591 €; Outras categorias, 580 a 595 €.
É altura de se avaliar se estas empresas – que embolsaram a produtividade e obtiveram lucros chorudos sem darem as contrapartidas esperadas – justificam tantas benesses e facilidades concedidas por governos e câmaras municipais, nomeadamente no que se refere à abertura 18 horas/dia e 365 dias/ano, destruindo o comércio tradicional e condicionando a produção e consumo em Portugal.
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