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A arte e os meios tecnológicos

Miguel Palma convoca e problematiza conceitos como o progresso, a degenerescência, a velocidade e o fracasso. «Origens» de Miguel Palma na Caparica e «JOV’ARTE» Bienal Jovem de Loures.

Vista da Instalação «Origens», de Miguel Palma, na Biblioteca da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, de 14 de Novembro de 2019 a 17 Janeiro de 2010
Créditos / Francisco Palma

Os projectos artísticos que fazem uso das tecnologias emergentes começaram a desenvolver-se a partir dos anos 70 do século XX, mas é sobretudo na década de 90, com o avanço dos meios de comunicação, da cultura de massas e computação e na sequência de desdobramentos da arte conceptual que surge uma vertente da arte designada de «New Media Art», que pode ser vista como uma reacção à ideia eufórica das tecnologias da informação e à digitalização das formas de cultura. Estas práticas têm sido designadas por Arte Multimédia, Arte Interactiva, Arte Computacional, Arte Electrónica, Arte Genética, Vídeo Mapping1 e Tagtool2, Arte Digital e Arte Holográfica, Bioarte, Arte Virtual, Arte Simbiótica, Arte Transmédia e Arte Robótica, entre outras. A tecnologia alia à técnica um conhecimento científico e assim extrapola as capacidades do corpo humano. São diversos os conceitos artísticos que surgiram na arte com a entrada dos meios tecnológicos, como por exemplo o hibridismo, a interacção, o virtual e a mediação.

O uso das tecnologias trouxe também algumas preocupações, que foram alertadas por Deleuze quando defendeu que «a tecnologia supõe máquinas sociais e máquinas desejantes, umas dentro das outras, e não tem por si mesma poder algum para decidir qual será a instância maquínica, se o desejo ou a opressão do desejo. Sempre que a tecnologia pretende agir por si própria, ela toma uma cor fascista, como na tecno-estrutura, porque implica investimentos não só económicos e políticos, mas igualmente libidinais, totalmente virados para a opressão do desejo.»3 Este autor apela às nossas capacidades de decisão e de sabermos até onde vai a nossa vontade de resistir, de ultrapassar as impossibilidades e os limites. Esses limites, que acreditamos poderem ser encontrados e ultrapassados em nós e por nós, naquilo que nos permite superar, transcender e libertar.4

Com a negação da «pureza» na arte e exclusividade na natureza dos seus meios surge a condição de pós-medium5. Esta condição foi categorizada pela ensaísta Rosalind Krauss e, segundo a mesma autora, é na complexidade e nas possibilidades que as novas tecnologias se apresentam. O que se instala actualmente como fenómeno artístico não é já a mediação objectual mas um campo de possibilidades onde, segundo Niklas Lhuman6, acontece a emergência da forma. Quando falamos de arte já não se trata apenas do objecto artístico, mas das relações que se estabelecem.7

Miguel Palma é um artista que expõe regularmente desde 1988, o seu trabalho é produzido e apresentado em escultura, vídeo, instalação, desenho e performance, «inscreve-se numa tendência de reapropriação da experiência que marcou a arte na década de 90 e que procura afirmar-se contra a progressiva alienação dos processos de produção. Em muitas das suas obras encontramos um quase infantil deslumbramento com o “fazer”, que se espelha num encantamento pelos materiais e pela manufactura»8. Segundo Miguel von Hafe Pérez, «o fascínio de Miguel Palma por ícones da modernidade clássica é evidente: o mundo da aviação, o automóvel, a arquitectura, a natureza (mais ou menos domesticada) e a tecnologia em geral. (…) A criatividade do artista desdobra-se numa pulsão construtiva que convoca e problematiza conceitos como o progresso, a degenerescência, a velocidade e o fracasso» acrescentando ainda que «enquanto dispositivos potenciadores de um olhar crítico sobre o nosso passado recente e o nosso presente, os enunciados de Miguel Palma confrontam-nos com as tensões vividas no frágil equilíbrio da nossa existência. Tal como liminarmente nos diz o artista: «Se o mundo fosse confortável, eu não fazia arte.»9.

Do trabalho artístico de Miguel Palma podemos actualmente ver uma instalação intitulada «ORIGENS» na Sala de Exposições da Biblioteca da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Caparica10, até 17 de Janeiro, e uma exposição «(Ainda) O Desconforto Moderno» no Centro Cultural de Belém-Museu Coleção Berardo11 em Lisboa, até 19 de Janeiro.

A instalação «ORIGENS», na Caparica, narra «uma linguagem tecnológica e futurista... um braço robótico que, em viagens espácio-temporais, talvez capte um meteoro, o qual, por sua vez, reporte acontecimentos distantes… A sua superfície rugosa e misteriosa, observada e amplificada por câmaras, parece conter muitos segredos de espaços e tempos indeterminados, talvez nunca vistos e de composição química desconhecida (…) talvez com 118 elementos.»12.

José Moura refere ainda que a instalação «pode levar-nos onde quisermos (talvez a nossa imaginação o permita). Rodopia, roda a diferentes velocidades, demasiado rápidas, às vezes… talvez à nossa (humana e desumana?) escala. Continuamos a interrogar de onde vieram estes elementos, numa Tabela Periódica que (talvez) tudo contém, tudo constrói, que é “razão” da existência.» Esta instalação é uma homenagem à Tabela Periódica, numa altura em que se comemora 150 anos da sua criação, por Dmitri Mendeleiev. A UNESCO celebrou esta data, promulgando 2019 como o «Ano da Tabela Periódica dos Elementos Químicos».

Salientamos também, a realização da 9.ª edição da JOV’ARTE Bienal Jovem de Loures, que se destina a cidadãos de nacionalidade portuguesa ou estrangeiros, residentes em Portugal, com idades compreendidas entre os 18 e os 35 anos. Esta Bienal é organizada pelo município de Loures desde 2003 e visa distinguir o trabalho de jovens artistas no campo das artes visuais, nomeadamente pintura, desenho, fotografia, escultura, cerâmica, vídeo e performance e atribuí três prémios aquisição às obras que mais se destacarem pela sua qualidade, criatividade e inovação: 1.º prémio, 1500€; 2.º prémio, 1000€; e 3.º prémio, 500€.

Para a exposição final da JOV’ARTE 2019, foram seleccionadas 32 obras de 69 candidaturas, que se encontram expostos na Galeria Municipal Vieira da Silva13 em Loures. Esta exposição pode ser visitada até dia 11 de Janeiro. O júri, composto por David Dançante (vencedor da edição de 2017), Fátima Mendonça (artista plástica), José Pedro Regatão (escultor e professor da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Lisboa), Pedro Faro (crítico e historiador de arte) e Patrícia Silva (Chefe da Divisão de Cultura da Câmara Municipal de Loures), decidiu atribuir o primeiro prémio a Beatriz Neto (Lisboa, 1999), estudante de Arte Multimédia na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa que trabalha principalmente em fotografia e transmédia, com a obra Tabula Rasa, o segundo a Maria Martins com Gruas Dançantes e o terceiro prémio a Vanda Sim Sim com a obra Spacial memory series – XX. Foram ainda atribuídas quatro Menções Honrosas: a Bruno José Silva com a obra Acto phylloxera, a Madalena Pequito, com Para 2019 eu quero…, a Maura Laus com Dimissio e ainda a Peralta com a obra Mais um dia que não te preenche.

Na mesma galeria, até 1 de Fevereiro, poderá ainda visitar a exposição «Arte, política e migração» de David Dançante, vencedor do primeiro prémio na Bienal JOV´ARTE em 2017, que nos traz uma reflexão sobre uma das maiores crises humanitárias da actualidade.

  • 1. O Vídeo Mapping é uma técnica que consiste na projecção de vídeo em objectos ou superfícies irregulares, tem sido mais divulgada nos últimos anos através de eventos multimédia em edifícios emblemáticos, catedrais, monumentos ou pontes.
  • 2. Tagtool é a arte de fazer desenhos e animações em tempo real.
  • 3. Deleuze, G.; Guattari, F. O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Lisboa: Assírio & Alvim, 1966, p.417.
  • 4. Francisco Palma, Dissertação de Tese de Mestrado: O que comunica a Arte?, FCSH-Universidade Nova de Lisboa, 2008, pp.6,7.
  • 5. «Quer se chame arte de instalação ou crítica institucional, a difusão internacional da instalação “mixed-media” tornou-se omnipresente. Declarando triunfantemente que agora habitamos numa era pós-média, a condição pós-média desta forma traça a sua linhagem...». R. Krauss, A Voyage on the North Sea: Art in the Age of the Post-Medium Condition, Thames & Hudson Inc., New York, 1999, p.20.
  • 6. Niklas Luhmann, defendeu que um sistema pode ser chamado de complexo quando contém mais possibilidades do que pode realizar num dado momento e que alguns media podem ajudar a ultrapassar os limites da comunicação. Ver artigo «Intersubjectividade, Comunicação e Arte», 2008, p.11, na página de Francisco Palma.
  • 7. Consultar artigo de Francisco Palma, «Arte e Comunicação», 2008, p. 15-16, na página do autor.
  • 8. Textos de Alexandre Melo, Ana Teixeira Pinto e David Santos, no portal do Instituto Camões.
  • 9. Texto de Miguel von Hafe Pérez, curador da exposição «(Ainda) O Desconforto Moderno», de Miguel Palma, no Museu Coleção Berardo, Lisboa, até 19 de Janeiro de 2020.
  • 10. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Tecnologia / UNL - Campus de Caparica, 2829-516 Caparica. Horário: Período lectivo, de 2.ª a 6.ª feira, das 9 às 20h; Férias/Período intercalar, de 2.ª a 6.ª feira, das 9h às 17h.
  • 11. CCB-Museu Coleção Berardo, Praça do Império, Lisboa. Horário: todos os dias da semana, das 10 às 19h.
  • 12. Texto de José Moura (Diretor da Biblioteca FCT NOVA)
  • 13. Galeria Municipal Vieira da Silva, Parque Adão Barata, 2670 Loures. Horário: das 10 às 13h e das 14 às 18h, de terça-feira a sábado, encerrando aos domingos, segundas-feiras e feriados.

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