Se calhar por ser o mês em que, no princípio da semana, se comemoraram os 99 anos da Revolução de Outubro, em que o movimento cultural, uma das suas prioridades, fez aceder milhões de pessoas à educação o que, num curto prazo histórico, eliminou o analfabetismo, criou condições para o desenvolvimento científico e produziu um florescimento artístico e cultural incomparável que ainda hoje tem repercussões nas artes, nas letras na música. Mesmo sem essa memória este mês de Novembro tem uma agenda cultural bem preenchida.
Já aqui foi referido em sugestões culturais anteriores mas pela sua importância deve voltar a ser sublinhado: «Amadeo Souza Cardoso Porto-Lisboa 2016-1916», recriação, no Museu Nacional Soares dos Reis, da primeira exposição individual de Amadeo em Portugal, no Porto faz cem anos agora.
Foi uma exposição que deu brado na cidade, entre reacções agressivas e de aplauso despertando a atenção da imprensa e que antecedeu a realizada um mês depois em Lisboa recebida com entusiasmo pelos modernistas do grupo de «Orpheu», com Almada Negreiros, no seu estilo tonitruante e superlativo a declarar num manifesto que «a Descoberta do Caminho Marítimo p'rá Índia é menos importante do que a Exposição de Amadeo de Souza Cardoso na Liga Naval de Lisboa».
Não era, nem nunca será, mas é o primeiro grande marco da pintura contemporânea portuguesa desse genial artista atento a todos os ismos da época e que é um dos grandes pintores universais do século XX. A exposição foi organizada por Raquel Henriques da Silva e Marta Soares com um trabalho de grande rigor histórico e estético. Vai estar no Porto até 31 de Dezembro, seguindo para Lisboa onde será inaugurada a 12 de Janeiro de 2017.
Exposições outras a não perder: a retrospectiva de Pedro Chorão, «O Que Diz a Pintura», em Lisboa. Um pintor que, em mais de quarenta anos de trabalho, explorou e pensou a pintura com uma persistência e um saber raros. Pedro Chorão tem prosseguido um percurso de pesquisa sobre a pintura e o lugar que ocupa num tempo de hibridização dos géneros nas artes visuais.
Nesse contexto, a obra de Chorão é um acto de resistência e de afirmação da pintura seja em formato papel ou em tela. Finalmente Chorão, com trabalhos de 1971 até hoje, tem primeira vez pela mão de José Luís Porfírio, a retrospectiva que tardava em duas exposições: na Galeria do Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, as telas e as invenções sobre os espaços, de 12 Novembro a 19 Fevereiro, na Fundação Carmona e Costa, os desenhos, de 23 Novembro a 7 de Janeiro.
Ainda pintura e desenho noutra retrospectiva, a de Maria Beatriz, uma pintora portuguesa emigrada na Holanda. Em Almada, na Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea, até 29 de Janeiro, trabalhos dos anos sessenta até 2013.
Na Galeria Ratton, em Lisboa, até 14 de Janeiro, desenhos e pinturas colagens recentes. Uma figuração em que o corpo e o rosto da mulher são o centro de uma sublevação e de uma contestação. Uma obra surpreendente em vários suportes exemplarmente documentada.
Valter Vinagre é nome com trabalho notável e sólido na fotografia contemporânea portuguesa. Em 2015 apresentou uma série de fotografias, realizadas em três anos de trabalho intitulada «Posto de Trabalho» que registava construções improvisadas que abrigavam e ocultavam a actividade laboral subterrânea da prostituição à beira das estradas. Não mostravam gente, revelavam gente. Eram registos fotográficos que transformavam esses abrigos em altares profanos.
Agora numa variação desse trabalho, Valter Vinagre fotografa, de 1999 a 2003, um colchão abandonado com um lençol, uma almofada rasgada, a fronha que se foi degradando até desaparecer da paisagem onde era um elemento integrante. «Da Natureza das Coisas» são seis fotografias de formato quadrado, num preto e branco perfeito que dramatiza a decomposição daquele insólito conjunto. Exposição em Lisboa, na Ermida de Nossa Senhora da Conceição, em Belém, até 18 de Dezembro.
Muita da melhor fotografia portuguesa pode ser vista na Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira, até 19 de Março. O tema Arquivo e Observação, expande-se em várias exposições em lugares emblemáticos da cidade, Mercado Municipal, Biblioteca Municipal, Museu do Neo-realismo, associações culturais e casas particulares devolutas.
São quatro exposições individuais, José Maçãs de Carvalho, com imagens sobre arquivos, classificação, conservação e leitura que funcionam particularmente bem no espaço da biblioteca, Daniel Blaufuks, numa casa devoluta com séries de pequenas imagens de paisagens, objectos e seres que estabelecem uma narrativa naquele espaço, Patrícia Almeida/David Alexandre Guéniot, também numa casa devoluta, que organizam uma exposição sobre cartazes e manifestações políticas numa aparente desorganização que se pretende evocativa dos movimentos de massas e Eduardo Matos, registo de paisagens em transito de viagens. As exposições colectivas invadem a cidade apropriando-se quase totalmente dela o que proporciona percursos particularmente interessantes.
Em Lisboa as exposições que integram a Trienal de Arquitectura. No Maat, uma construção temporária sobre «A Forma», espaços dos projectos dos ateliers Office KGDVS, Nuno Brandão Costa e Johnston Marklee num encontro com as imagens do Socks Studio, até 12 Dezembro.
«Obra», na Fundação Gulbenkian até 11 de Dezembro, uma explanação dos processos de concepção até à construção das obras, as transformações que os estaleiros da obra introduzem no trabalho de projecto. «O Mundo nos Nossos Olhos», na garagem sul do Centro Cultural de Belém, até 15 de Janeiro, sobre o modo de olhar e intervir nas transformações urbanas.
É longa a cumplicidade de Sofia Areal com Jorge Silva Melo. Sofia Areal é uma artista solar que tem enorme felicidade na prática da pintura, que não pode viver sem pintar e faz vibrar na sua pintura essa alegria.
Jorge Silva Melo, além do teatro e outras artes, tem um grande fascínio pelas artes plásticas e já realizou vários filmes que são documentários sem nunca serem documentários sobre vários artistas. A vez de «Sofia Areal» estava anunciada. Filmado desde 2011, concluído este ano, «Sofia Areal»: um gabinete anti-dor é um filme sobre a artista a «pensar pintando, pintar pensando». Estreia no São Luiz Teatro Municipal a 28 de Novembro pelas 18h30.
Também a não deixar de ver no Teatro da Politécnica, «Paisagens Ocultas» de Nikias Skapinakis, outro dos artistas documentados por Jorge Silva Melo, até 17 de Dezembro.
Como estamos num teatro, salte-se para o palco. Motivos não faltam. No Porto, no Teatro Nacional São João, «Os Últimos Dias da Humanidade» de Karl Kraus.
O original de Karl Kraus são 209 cenas de representação do mal absoluto e irracional que é a guerra. Notícias impressas, oratória militar, pregões, cenas de rua, corredores do poder, frentes de batalha alternam-se numa estética do mal alta e a indignação que impregna as palavras para sublinhar o horror dos actos da barbárie das guerras.
Nuno Carinhas e Nuno M Cardoso encenam esta «verdadeira descida aos infernos». O texto de Kraus é dividido em três peças: «Esta Grande Época», «Guerra É Guerra», «A Última Noite». Podem ser vistas separadamente em dias alternados e ao sábado na sua totalidade com uma duração de seis horas.
A plateia do TNSJ foi retirada para dar lugar a um estaleiro onde se desenrolam as cenas com os actores a multiplicarem-se nos diversos papéis. Nunca em Portugal se encenou versão tão completa do texto dramatúrgico de Karl Kraus, violentíssima denúncia da guerra a partir do que o autor presenciou e viveu durante a I Guerra Mundial.
Um trabalho extremamente exigente para actores, encenadores e outros participantes nesta épica do ignóbil bem actual nos tempos que vivemos. Espera-se, deseja-se, exige-se que este notável trabalho do TNSJ seja representado noutros palcos de Portugal.
Em Almada, no Teatro Municipal Joaquim Benite, «Cabaret Alemão» de Luísa Costa Gomes, encenação de António Pires, direcção musical de Gabriel Gomes e as actrizes Maria Rueff e Sofia de Portugal.
Tendo como ponto de partida a hipótese de Portugal ser ocupado pela Alemanha, uma hipótese que parece remota, mas que bem agradaria ao ministro das Finanças alemão Wolfang Schäulbe, Luísa Costa Gomes escreveu um texto original que recorre a várias tiradas de Brecht «que tempos são estes, em que é necessário defender o óbvio?», que as actrizes interpretam recorrendo a música, ao piano e ao acordeão, de Rudolf Nelson, Friedrich Holländer e Hans Eisler. O lado mais negro dos nossos destinos é dissecado pela mais infalível das armas: o riso. De 11 a 26 de Novembro.
Em Lisboa, no Teatro Nacional D. Maria II, «As Criadas de Jean Genet». Encenação de Marco Martins, com Beatriz Batarda, Sara Carinhas e Luísa Cruz, coreografia de Vitor Hugo Pontes que ajudou o encenador que faz decorrer a cena num quadrado negro, uma simulação de ringue de boxe onde as duas criadas irmãs libertam a animosidade entre si e o ódio à senhora cujo papel uma delas assume numa batalha entre poder e submissão, principalmente o prazer da transgressão. Em cena de 10 de Novembro a 18 de Dezembro.
No Teatro da Politécnica, os Artistas Unidos representam do irlandês Enda Walsh, «O Novo Dancing Eléctrico». Tristezas e ressentimentos dos amores perdidos de duas irmãs que o viram definitivamente fugir numa noite do tal Dancing Eléctrico. Não conseguem sair da memória dessa noite em que a irmã mais nova entra e sai para ir trabalhar numa fábrica de conservas e voltar a entrar na tristeza irrespirável daquele quarto onde amarfanham as suas vidas.
A porta fechada ao fundo do palco é o sinal do ponto de fuga que nunca se abrirá. Encenação de Jorge Silva Melo, com Andrea Bento, Antónia Terrinha, Isabel Muñoz Cardoso e Pedro Carraca, até 19 de Dezembro.
No Porto, pode ver até dia 3 de Dezembro «A Vida de Galileu de Bertolt Brecht» apresentada pelo ACE-Teatro do Bolhão. A encenação é do japonês Kuniaki que colabora com o grupo de teatro sempre que representam clássicos. António Capelo é o Galileu brechtiano, um homem que nega as suas descobertas científicas cedendo à tortura inquisitorial sabendo que a razão lhe assiste.
Muitos dias tem que ter Novembro para ainda integrar a 33.ª edição do Festival de Teatro do Seixal que se inicia no dia 11 e acaba a 10 de Dezembro. São sete peças de teatro, apresentadas por actores e grupos consagrados e grupos de teatro amador do concelho.
«De Aço e de Sonho» é a peça de abertura do festival, no Auditório Municipal, numa produção da União das Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas com o Teatro Extremo. É um espectáculo comemorativo da Constituição da República Portuguesa. Seguem-se «Rir É o Melhor Remédio», do Grupo Cénico José Viana, «O Urso», do grupo Pano Cru, «Mythos», do Teatro Extremo, Felicidade, do Projecto Ficções, e «A Última Viagem de Lenine», do grupo de teatro Não Matem o Mensageiro.
Para estas sugestões não parecerem fixadas no teatro, muito variado e bom, pode preferir música de que se destaca na Casa da Música a violinista russa Alina Ibragimova, com repertório vasto que percorre várias épocas, do barroco aos contemporâneos, tocando a solo ou com acompanhamento orquestral. De J.S. Bach e Biber a Bela Bartok e Luciano Berio o virtuosismo da jovem violinista exibe-se em todo o seu esplendor. Dias 11, 15 e 20.
A destacar ainda «A Criação de Haydn», uma das obras primas desse cultor de obras primas. Dia 19 com a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, Coro da Casa da Música, solistas soprano Susana Gaspar, Robert Murray, tenor, Andrew Foster-Williams, baixo-barítono, direcção musical de Douglas Boyd.
Em Lisboa no dia 17, na Fundação Gulbenkian, a Orquestra Gulbenkian dirigida pelo maestro Benjamin Shwartz, interpreta Mozart, o «Concerto para Piano e Orquestra n.º 20, em Ré menor, K. 466», com a pianista Varvara e «Sinfonia n.º 4, em Sol maior» de Mahler com a soprano Sunhae Im, que se estreou na Gulbenkian sob a direcção de René Jacobs.
Ainda em Lisboa, no Teatro São Carlos, dias 11 e 13, Ricardo Pais encena «Oedipus Rex», numa versão cénica da ópera-oratória de Igor Stravinsky com texto de Jean Cocteau. O desafio que se coloca à encenação é o papel que na ópera o Mensageiro/Narrador (João Merino) ocupa ao contar o que se sabe e faz ligação entre as poderosas entradas da música e do coro e das falas dos personagens Jocasta, Cátia Moreso, Tirésias/Creon, Davone Tines, o Pastor, Marco Alves dos Santos e Oedipus, Nikolai Schukof.
Entre tantos espectáculos e exposições umas horas para ler. Adonis, nome literário de Ali Ahmad Said Esber, é considerado o maior poeta árabe da actualidade. Finalmente tem duas obras suas traduzidas em português.
Uma antologia de poemas, «O Arco-Íris do Instante», traduzida por Nuno Júdice, e «Violência e Islão», uma série de entrevistas feitas por Houria Abdelouahed a sua tradutora.
Adónis é um defensor estrénuo da laicidade, um inimigo da religião enquanto ideologia. Condena com veemência o terrorismo e os EUA como inventores da Al-Qaeda. Dois livros a ler com urgência.
A história da guerra colonial continua lacunar. Foi agora publicado um livro que é um trabalho exaustivo sobre o maior massacre cometido pelos militares portugueses. Aconteceu em Moçambique na província de Tete em Wiriamu.
Na altura, a notícia saiu no Times em Londres, em 10 de Julho de 1972, deu que falar por ter sido publicada em vésperas de Marcello Caetano visitar Londres para comemorar o sexto centenário da Aliança Luso-Inglesa, o que estragou a pompa e circunstância do evento e deu maior destaque à denúncia.
Relatos parcelares foram surgindo e as evidências não podiam ser negadas. Este livro «O Massacre português de Wiriamu – Moçambique 1972» de Mustafah Dhada, é uma investigação pormenorizada das circunstâncias que provocaram o massacre, como ocorreu, quais foram os protagonistas e as vítimas.
Um livro a ler quando tanta gente procura apagar a memória, branquear o fascismo e limpar as suas marcas, de que é exemplo a tentativa de privatizar o Forte de Peniche, a prisão maior e mais emblemática desse período negro da nossa história.
E o cinema…com esta quase overdose de sugestões fica para o próximo mês.
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