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Refugiados de nove países sobem ao palco do Olga Cadaval

O espectáculo tem estreia nacional em 23 de Abril, no Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra, e reúne migrantes e refugiados em Portugal de países como a Síria, Afeganistão, Paquistão, Irão e Iraque.

Créditos / CC BY-SA 4.0

Une Histoire Bizarre reúne migrantes e refugiados de nove países: Síria, Afeganistão, Paquistão, Irão, Iraque, Nigéria, Gâmbia, Moçambique e Ucrânia, além de portugueses.

Apesar de contar com uma actriz que exercia a arte da representação de uma forma profissional na Nigéria, o grupo é composto por amadores que vão falar também em português, tendo para isso recebido formação.

Esta história começou a 4350 quilómetros de Sintra, onde no dia 23 estreia a peça, nomeadamente em Lesbos, no maior campo de refugiados da Grécia.

Em 2019, o director artístico e de projecto Sebastião Martins, médico de profissão, encontrava-se em Lesbos a fazer voluntariado médico, experiência que o marcou e que esteve na origem da ideia. «Percebi a importância na vida das pessoas de ter alguém a quem contar a sua história», disse à agência Lusa.

E houve uma história, a primeira, que tocou o clínico em particular: «Foi a de uma mulher que vinha dos Camarões e que, quando perguntei como é que eu a podia ajudar, ela, depois de um silêncio prolongado, disse: Je vais vous raconter mon histoire bizarre (vou-lhe contar a minha história bizarra)».

E contou, pela primeira vez, a história da sua vida e de como tinha chegado à Europa. No final, agradeceu por ter um sítio onde pudesse contar a sua história, porque estava a precisar disso.

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Quem provoca as ondas de refugiados?

A manipulação de uma situação parcial num quadro muito mais amplo, pretende, entre outras coisas, minimizar ou mesmo silenciar os crimes contra os refugiados que fazem parte do quotidiano da União Europeia.

Migrantes e refugiados provenientes do Médio Oriente concentraram-se junto à passagem de Bruzgi-Kuznica, na fronteira polaca-bielorrussa, pedindo autorização para entrar na União Europeia, onde pretendem receber asilo. Grodno, Bielorrússia, 25 de Janeiro de 2021
CréditosLEONID SCHEGLOV / EPA/BELTA /HANDOUT

A atitude do governo bielorrusso de Aleksander Lukashenko para com os refugiados é condenável. Não menos condenável é o comportamento dos governos da Polónia, da Lituânia, da Estónia e da União Europeia em geral para com os refugiados. A diferença é que os órgãos de manipulação social apenas têm olhos para observar o que se passa na Bielorrússia desde o início da segunda metade deste ano, ignorando – com raras excepções – as consequências profundas da política de perseguição aos refugiados praticada há muitos anos pela União Europeia em todas as suas fronteiras. Uma política que milhares de seres humanos já pagaram com a vida.

«A União Europeia recusa-se a acolher as pessoas que tentam sobreviver fugindo dos conflitos que provocou; e entende que outras nações não podem assumir idênticos comportamentos, mesmo que nada tenham a ver com a origem dos fluxos de refugiados»

Há ainda uma outra diferença. Os refugiados que procuram entrar na União Europeia a partir da Bielorrússia, tal como os que tentam o mesmo através de outras regiões terrestres e marítimas dos 27, têm origem nas guerras provocadas pelos Estados Unidos, a NATO e potências da União Europeia; e também na política colonial, sobretudo em África, entranhada nas políticas europeia e norte-americana. As guerras sangrentas e destruidoras e o colonialismo têm efeitos bem mais graves do que qualquer «guerra híbrida» de que acusam a Rússia e a Bielorrússia, países que não podem ser responsabilizados pelas agressões militares ao Iraque, ao Afeganistão, à Síria, à Líbia, ao Iémen. A União Europeia recusa-se a acolher as pessoas que tentam sobreviver fugindo dos conflitos que provocou; e entende que outras nações não podem assumir idênticos comportamentos, mesmo que nada tenham a ver com a origem dos fluxos de refugiados. Bruxelas procura sempre encontrar bodes expiatórios para não assumir os seus desmandos em matérias como a democracia e os direitos humanos.

Os refugiados que chegam à Bielorrússia são oriundos sobretudo do Iraque e, em menor volume, do Afeganistão e da Síria. Trata-se efectivamente de refugiados e não de «imigrantes» e «imigrantes ilegais», termos que os governantes europeus e os correspondentes meios de comunicação usam preferencialmente, sempre com o objectivo de não associar esses movimentos desesperados de pessoas às guerras e outras façanhas provocadas por potências ocidentais. Sem os dramáticos conflitos impostos, que as fazem deixar tudo para trás apenas pela simples e humana necessidade de sobreviver, a esmagadora maioria dessas pessoas não pensariam sequer em emigrar dos seus países, sobretudo em casos como os da Síria e do Iraque, mesmo do próprio Afeganistão. Isto é, a grande massa dos refugiados actuais que batem às portas da União Europeia jamais seriam os «imigrantes» que agora se diz serem para iludir as opiniões públicas, a realidade e a própria História.

«Os métodos violentos de Lukachenko para lidar com o problema são inaceitáveis, tal como os adoptados pelos governos da Polónia, da Estónia e da Lituânia, que aliás têm da democracia uma ideia que se assemelha à do presidente bielorrusso»

A Bielorrússia foi apresentada aos candidatos a refugiados como um país de acesso à União Europeia, em tese mais favorável que os tradicionais pontos de passagem, por exemplo a Líbia, a Grécia e a Turquia, onde sofrem situações humilhantes com os objectivos primários de os fazer regressar ao seu país e nem sequer podem apresentar pedidos de asilo. Sabe-se que agências de viagens iraquianas têm incitado os candidatos a fugir da situação de guerra a procurar a cidade Minsk como porta de entrada na União Europeia – e não para ficarem a residir na Bielorrússia, uma solução que não estaria nos planos da maioria deles. Os métodos violentos de Lukachenko para lidar com o problema são inaceitáveis, tal como os adoptados pelos governos da Polónia, da Estónia e da Lituânia, que aliás têm da democracia uma ideia que se assemelha à do presidente bielorrusso. O executivo de extrema-direita da Polónia, xenófobo por definição e avesso ao Estado de direito, como até Bruxelas muito bem sabe, já é um velho conhecido pela rejeição de refugiados, mesmo das ínfimas quotas arduamente discutidas na União Europeia em vergonhoso jogo de empurra. A Estónia, por seu lado, tem a xenofobia inscrita nas próprias leis porque os cidadãos com nacionalidade estoniana mas de outros origens, designadamente a russa, são considerados oficialmente de segunda categoria, não lhes sendo permitido sequer votar.

Nada disto impede, contudo, que a União Europeia esteja incondicionalmente solidária com esses países no contencioso com Minsk, ávida de seguir os Estados Unidos na declaração de mais sanções e reforçadas ameaças da NATO. Penalizações essas apresentadas como respostas à dita «guerra híbrida» de Moscovo, não sendo de excluir que os inusitados incitamentos a refugiados para procurarem Minsk sejam uma nova provocação na panóplia com que Washington e Bruxelas mantêm o perigoso clima de alta tensão militar no Leste da Europa.

Os mortos e o desprezo pelas leis

Durante este ano morrem em média quatro pessoas por dia na sequência de tentativas para chegarem à Europa atravessando o Mediterrâneo Central a partir do Norte de África; e mais de 90 são interceptadas no mar por um aparelho de vigilância dirigido pela União Europeia e devolvidas aos campos de concentração na Líbia, mantidos pelas milícias terroristas islâmicas e financiados por Bruxelas. Nesses campos de terror são submetidas, como rotina, à tortura, extorsão e abusos sexuais – sabendo também que o reenvio para os seus países significará uma morte provável.

«a União Europeia patrulha o Mediterrâneo e financia as guardas costeiras líbias, associadas às milícias terroristas, para impedir que os pobres refugiados se façam ao mar correndo risco de morte; ao invés, devem permanecer em campos de concentração até serem devolvidos aos seus países, correndo risco de morte. Basta-lhes, portanto, escolher a maneira como querem morrer»

Nada disto desencoraja a União Europeia de proclamar o seu apego aos direitos humanos. Segundo Peter Stano, porta-voz para os assuntos externos da Comissão Europeia, convidado a comentar estas situações pela publicação New Humanitarian, «a nossa maior prioridade é salvar vidas no mar e continuar o nosso trabalho para impedir que se realizem viagens arriscadas». Sem dúvida uma declaração singular, de forte conteúdo humanitário: a União Europeia patrulha o Mediterrâneo e financia as guardas costeiras líbias, associadas às milícias terroristas, para impedir que os pobres refugiados se façam ao mar correndo risco de morte; ao invés, devem permanecer em campos de concentração até serem devolvidos aos seus países, correndo risco de morte. Basta-lhes, portanto, escolher a maneira como querem morrer. Mas ingressar no espaço da União, que arrasou os seus países, é que nem pensar.

Dunja Mijatovic, comissária de direitos humanos do Conselho da Europa, escreveu num relatório de Março deste ano que os países europeus «envolveram-se numa guerra para ver qual é mais eficaz a conter pessoas fora das fronteiras europeias». Citando as coordenações entre as marinhas de Estados da União e as guardas costeiras líbias, a «obstrução» de operações de salvamento desenvolvidas por organizações não-governamentais e o financiamento e implementação por Bruxelas «da gestão de fronteiras pela Tunísia e a Líbia», a comissária Mijatovic considera que estas práticas são exemplos «de uma política de imigração europeia que corta direitos humanos, viola a lei e custa a vida a milhares de seres humanos».

Um dos exemplos de violação da lei é a devolução dos refugiados aos seus países de origem, o chamado push back, cuja proibição está inscrita no direito internacional e no da própria União Europeia.

Na Grécia, a lei não é um estorvo pois o governo e o Frontex – polícia de fronteiras cujos comportamentos arbitrários e de marginalidade traduzem a existência de um «Estado» à parte no universo de instituições da UE – recorrem a um sem número de malfeitorias para expulsar os refugiados ou impedi-los de chegar a terra, deixando-os à sua sorte no mar alto, um comportamento relatado mesmo por alguns órgãos fundamentalistas do federalismo.

Já a Polónia procura restringir-se ao primado da lei, aliás de uma maneira criativa. Como o direito geral não permite a devolução de refugiados aos seus países, o governo de Varsóvia aprovou uma lei à medida da actual crise e que permite a expulsão para as suas terras das pessoas que procuram asilo na União Europeia.

Em matéria de criatividade, a Lituânia não fica atrás e, por isso, até 1 de Novembro tinha deferido apenas 6 dos 2600 pedidos de asilo. Segundo testemunhas entrevistadas pelo New Humanitarian, funcionários dos serviços de asilo revelaram que estão sob pressão dos superiores para conduzir interrogatórios agressivos de modo a que os candidatos sejam convencidos a regressar «voluntariamente» aos seus países. Nicolas, um refugiado camaronês, citou um funcionário polaco dizendo que «podemos oferecer-vos 300 euros se aceitarem regressar a casa». E rematou o refugiado: «de que me servem 300 euros se posso ser morto quando voltar a casa?»

O governo lituano procedeu também a adaptações legislativas correspondentes à actual crise. Alterou os procedimentos legais de modo a tornar mais fácil que os candidatos à concessão de asilo possam ser colocados sob detenção.

Se olharmos, porém, o histórico e os antecedentes em matéria de refugiados conclui-se que a União Europeia tem ainda uma forma de tentar aliviar as dores da Polónia e dos Estados xenófobos bálticos. Basta oferecer ao governo de Lukachenko os mesmos três mil milhões de euros anuais que paga dos nossos bolsos ao ditador turco Erdogan para manter os refugiados dentro das suas fronteiras. É duvidoso que o presidente bielorrusso aceite, mas sem tentar nunca fica a saber-se.

Os muros

Entretanto, 32 anos depois da queda do muro de Berlim, que continua a ser periodicamente celebrada no espaço da União com muitas pompas e falsificações da História, doze Estados membros pediram à Comissão Europeia – a tal instituição que nos governa em nome da democracia mas que ninguém elegeu – a concessão de fundos destinados à construção de muros para impedir a entrada e circulação de refugiados.

Tais muros devem fazer parte, muito provavelmente, das medidas previstas no âmbito do Fundo de Confiança para África, aprovado numa cimeira entre países africanos e da União realizada em Malta. Uma das prioridades desse fundo, segundo a UE, é aplicar um plano capaz de desenvolver capacidades «para controlar as fronteiras de terra, mar e ar e também as capacidades de vigilância marítima com o objectivo de prevenir a imigração irregular». Parece que ainda não morreu gente suficiente.

«a situação no Mediterrâneo Central “não é uma trágica anormalidade” mas antes uma catástrofe rotineira como “consequência concreta das decisões políticas e das práticas das autoridades líbias, dos Estados membros e instituições da União Europeia e outros actores”»

O Gabinete do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos considera que a situação no Mediterrâneo Central «não é uma trágica anormalidade» mas antes uma catástrofe rotineira como «consequência concreta das decisões políticas e das práticas das autoridades líbias, dos Estados membros e instituições da União Europeia e outros actores».

Os procedimentos inconcebíveis de Lukachenko integram-se assim num cenário mais amplo e abrangente que vem muito de trás, com epicentro em Bruxelas. Não há bons nem inocentes nesta situação vergonhosa que mancha a Europa de Leste a Oeste. Um comentador e ex-ministro português, Severiano Teixeira, proclama, como um dogma, que «a culpa é de Lukachenko». A figura é irrelevante, um simples peão da NATO, mas cumpre a missão de papaguear os soundbites concebidos para uma operação de propaganda que, tirando proveito da manipulação de uma situação parcial num quadro muito mais amplo, pretende, entre outras coisas, minimizar ou mesmo silenciar os crimes contra os refugiados que fazem parte do quotidiano da União Europeia.

Por José Goulão, exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril

Tipo de Artigo: 
Opinião
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A história desta mulher viria a repetir-se inúmeras vezes nos relatos de quem passou por «vivências traumáticas de vários tipos  – de familiares, pessoas próximas que acabaram por falecer ou foram vítimas de tortura; ou até dos próprios, abusos sexuais, abusos físicos, pessoas que vieram de cenários de guerra e que tiveram que sair com uma mochila às costas, com pouca coisa e muita solidão».

Àquele «palco» chegavam sobretudo pessoas que fugiam da violência no Afeganistão, Paquistão, República Democrática do Congo e Eritreia.

Sebastião Martins começou então a alinhavar a ideia de criar em Lisboa «um espaço de liberdade e de partilha de histórias, histórias de vida, de pessoas e partilhá-las depois, também com o público», que amadureceu quando passou para o campo de refugiados no Bangladesh, que acolhe os refugiados Rohingya, que fogem da violência em Myanmar.

Os dois campos alojam histórias semelhantes, mas perspectivas futuras diferentes. «Na Grécia estavam de passagem e isso dava-lhes um conforto. No Bangladesh, eles estavam há dois anos no campo e não tinham perspectiva de dali saírem e, infelizmente, assim continuam», disse.

«Todas estas pessoas são, no fundo, pessoas como nós que tiveram o azar de nascer num sítio complicado ou de serem invadidas por um conflito ou uma perseguição, a que elas são alheias», referiu.

E acrescentou: «São pessoas que têm obviamente os seus objectivos, os seus sonhos, as suas vivências, além das experiências traumáticas».

O espectáculo tem estreia nacional no dia 23 de Abril, no Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra, estando em 1 de Maio no Auditório Senhora da Boa Nova, da Fundação Luís I, em Cascais, e a 7 e 8 de Maio no Auditório Santa Joana Princesa, em Lisboa. Em 11 de Junho, Une Histoire Bizarre sobe ao palco do Auditório Municipal Ruy de Carvalho, em Carnaxide (Oeiras).


Com agência Lusa

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