Desta vez as sugestões seguem em folhetins. O primeiro não sairá do perímetro da cidade de Lisboa, sem arredores. Não é nenhum vício centralista, é por acidente.
Entraram nas práticas do mercado cultural as Capitais da Cultura. Rapidamente começaram a proliferar com várias etiquetas. Vasculhando bem, etiquetas não faltarão para servirem de chapéu de chuva ao conjunto de eventos que durante um ano desembarcam, com maior ou menor coerência, numa cidade que nesse espaço de tempo fica no centro de uma teia feita de fios com que enlaça outros países.
Lisboa já foi Capital Europeia da Cultura e poderá ser Capital da Cultura dos Países de Língua Portuguesa, Capital da Cultura dos Países Mediterrânicos ou como agora Ibero-Americana. Qualquer que for o pretexto é uma oportunidade para se conhecerem outras realidades culturais que se cruzam com as realidades locais. É uma oportunidade para se organizar uma ocupação, que até pode ser inovadora, dos equipamentos culturais da cidade receptora. É sempre mais uma mais-valia que se soma às mais-valias que uma cidade tem e que a fará ainda a ser mais procurada pelo turismo cultural.
Lisboa é este ano a Capital Ibero-Americana da Cultura. A inauguração das festividades, consulte o programa, começou no passado dia 7 com vários espectáculos e uma exposição no Padrão dos Descobrimentos com uma do artista mexicano Demian Flores, visitável até dia 2 de Abril. Na toponímia foram identificadas as ruas lisboetas de nomes relacionados com o universo ibero-americano, nomes de países, cidades, personalidades, etc. que foram organizados num Roteiro Ibero-Americano, para descobrir como cinco séculos depois de um continente ser descoberto, esse continente se reflecte nos arruamentos de Lisboa.
Irá ter algumas surpresas que a toponímia sempre reserva. Um dos desafios lançados pela coordenação do projecto foi o de diversas instituições, museus, arquivos e bibliotecas, identificarem nos seus acervos peças e/ou documentação relacionada com a escravatura. Ao longo do ano serão abertas várias exposições. No imediato abriram na Academia Militar, dia 12, e na Biblioteca Nacional, dia 13, exposições subordinadas a esse tema.
A partir de Janeiro, no atelier do Museu Arpad Szenes - Vieira da Silva, artistas que durante a II Guerra Mundial estiveram refugiados no Brasil fugindo à barbárie nazi por Salazar ter recusado a nacionalidade portuguesa a Arpad, os Urban Sketchers de Lisboa (agora é tudo ou quase tudo em inglês, por pouco também não tinham escrito Lisbon, daqui a uns vinte anos ou ainda menos será tudo em mandarim?) vão registar as actividades de Lisboa, Capital da Cultura Ibero-Americana.
Durante todo o ano pode visitar uma Galeria Amazónica no Museu Nacional de Etnologia, nos horários habituais. Nos ateliês dos Coruchéus, no espaço da Galeria Quadrum, três artistas, Claire de Santa Coloma, Argentina, Hector Zamora, México e Marilá Dordat, Brasil, irão trabalhar e trocar experiências com outros artistas, em particular os que têm espaços de trabalho nesse complexo municipal de ateliês.
Nas artes visuais a ver uma exposição que têm um título provocatório pela sua ambiguidade: Entre Nós. Logo na primeira sala da Galeria das Salgadeiras onde está esta exposição de desenhos de Teresa Gonçalves Lobo, uma corda pendurada do tecto fechada por um nó joga com os homónimos nós e nós. São desenhos em que as cordas, os fios, os cordéis são apanhados pelos instrumentos de desenho que os transpõem simbolicamente para o papel onde constroem teias de linhas encantatórias para tudo ficar Entre Nós.
No teatro o destaque vai para os Artistas Unidos. Para a energia com que continuam a trabalhar com um ritmo, um rigor estético e uma exigência artística assinaláveis que se reflecte na qualidade do reportório que transportam para os palcos. Dia 11 estrearam no Teatro da Politécnica, A Estupidez de Rafael Spregelbund com encenação de João Pedro Mamede. Dia 19, no Teatro São Luiz, o clássico de Tennessee Williams, A Noite de Iguana, com encenação de Jorge Silva Melo.
De Lisboa para todos uma sugestão: ouçam se puderem ou comprem pra depois ouvir o CD Transcendental, um recital de piano de Danil Trifonov com obras de Liszt, os Estudos de Execução Transcendental, Grandes Estudos de Paganini e os Estudos de Concerto. São peças de romantismo exacerbado pelo virtuosismo de Liszt que, provavelmente, encontram em Trifonov o executante de excelência com um fulgor que ultrapassa anteriores gravações de Cziffra, Arrau, Ovchinikov ou Berman. Um jovem pianista russo de que Marta Agerich disse que «tudo e mais um pouco para vingar» porque «tecnicamente o que ele faz com as mãos é incrível!» Trifonov ultrapassa as passagens mais difíceis tornando o que parece impossível numa possibilidade simples para nos deixar assombrados.
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