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EUA escolhem o negócio sobre a saúde em reunião máxima da OMS

Os EUA assumiram a defesa dos produtores de leite artificial, que gastam milhões em campanhas políticas e lóbi, na Assembleia Mundial da Saúde realizada no final de Maio, em Genebra.

71.ª Assembleia Mundial da Saúde, que decorreu entre 21 e 26 de Maio em Genebra, Suíça
Créditos / Organização Mundial da Saúde

A última Assembleia Mundial da Saúde, o organismo deliberativo da Organização Mundial da Saúde (OMS), foi palco de mais um episódio em que a diplomacia norte-americana procurou fazer valer a força.

A apresentação pelo Equador de uma resolução em defesa do aleitamento materno e impondo restrições à promoção do leite artificial foi recebida pelos EUA com a ameaça de sanções comerciais e do fim do apoio militar junto à fronteira com a Colômbia, noticiou o The New York Times (NYT) no passado dia 8.

Participantes no encontro internacional que pediram anonimato, com medo de represálias pelos EUA, descreveram ao jornal norte-americano as ameaças que se estenderam a outros países latino-americanos e africanos. O Equador acabou por retirar a sua proposta, que seria aprovada numa versão alterada e levada a discussão pela Federação Russa.

«Ficámos chocados porque não entendemos como é que uma questão como o aleitamento materno podia provocar uma reacção tão dramática», afirmou uma responsável da delegação do Equador, referindo-se às ameaças norte-americanas.

Em causa estavam recomendações para limitar a promoção das fórmulas de leite artificial e medidas de apoio técnico aos estados-membros nesse sentido.

Indústria de milhares de milhões

Três transnacionais monopolizam o mercado mundial de leite artificial: a Abbott, a Mead Johnson e a Nestlé. A primeira consta de várias listas de financiadores de campanhas eleitorais norte-americanas em 2016 – gastou cerca de 1,5 milhões de dólares, mais de 640 mil dos quais para campanhas de 339 candidatos a cargos federais. Já em 2017, deu 35 mil dólares ao comité para a tomada de posse do presidente Donald Trump.

A indústria, com um volume de negócios de 70 mil milhões de dólares e cujo crescimento se tem sustentado com campanhas agressivas em países e comunidades mais pobres, numa estratégia descrita numa reportagem do The Guardian nas Filipinas, tem um longo histórico de investimentos junto do poder.

Em 1982, a Abbott e a Bristol-Myers Squibb (que então detinha a Mead Johnson) deram uma contribuição generosa à Academia Americana de Pediatria. Entre 1984 e 1989, a taxa de mães a amamentar caiu oito pontos percentuais, notava então o NYT.

A Nestlé, por seu lado, tem um registo mais modesto de contribuições para campanhas políticas, o que não significa que tem estado ausente dos corredores do poder. O grupo económico baseado na Suíça gastou mais de 30 milhões de dólares em actividades de lóbi político nos EUA e tem, actualmente, cinco «facilitadores de contactos» junto da Comissão Europeia. O investimento declarado é de quase 500 mil euros anuais e já neste ano assegurou quatro encontros com altos funcionários da Comissão Europeia, entre eles o próprio comissário português, Carlos Moedas.

Salvar vidas ou engordar o negócio

A Organização Mundial de Saúde recomenda o aleitamento materno exclusivo até aos seis meses de idade e, pelo menos, até aos dois anos em regime complementar. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em dois anos de implementação da iniciativa «Hospital Amigo dos Bebés» no Hospital Central de Libreville, no Gabão, a mortalidade neonatal caiu 8%.

Num artigo na publicação científica The Lancet, um conjunto de especialistas identificam a «promoção activa e agressiva de substitutos do leite materno» como um dos obstáculos à generalização do aleitamento materno, que descrevem como «nutricional, imunológica, neurológica, endocrinológica, económica e ecologicamente superior».

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