O frio que ontem ao final da tarde apoquentou os transeuntes no centro de Lisboa era combatido, junto à Embaixada de Israel, pelo ritmo da música palestiniana, as longas faixas que reproduziam a bandeira da Palestina e os muitos cartazes que as mãos seguravam – em que se liam inscrições como «Jerusalém Oriental capital da Palestina» e «Palestina livre e independente, paz no Médio Oriente».
Sob o lema «Contra a ocupação israelita e a cumplicidade dos EUA, dar voz à solidariedade com a Palestina», a acção solidária foi promovida pela CGTP-IN, o Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), o Movimento Democrático de Mulheres (MDM) e o Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente (MPPM).
Na tarde fria e a fazer-se escura, foi-se juntando gente. Cerca de cem pessoas. Primeiro, viradas com as faixas e cartazes para o edifício da Embaixada israelita e gritando palavras de ordem como «Fim à agressão! Fim à ocupação!» ou «Palestina vencerá!», que haviam de ser repetidas ao longo da acção, entre falas dos intervenientes.
Já virados para o palanque, os participantes na sessão solidária foram interpelados por Manuela de Sousa, do CPPC, que teve a função de os orientar sobre as linhas mestras do evento e apresentou as quatro pessoas que, em nome de cada uma das organizações promotoras, fizeram as intervenções de fundo da tarde que escapava para a noite aluada.
Cartas escritas e entregues
Logo a abrir, Manuela de Sousa explicou que representantes de CGTP-IN, CPPC, MDM e MPPM entregaram, esta quarta-feira, cartas nas embaixadas dos Estados Unidos da América e de Israel, dirigidas a Donald Trump, presidente dos EUA, e a Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, em que manifestam o repúdio pela decisão dos Estados Unidos, tomada no passado dia 6 de Dezembro, de reconhecer Jerusalém como capital de Israel e para aí transferir a sua embaixada.
Nas missivas, afirma-se que tal decisão, violadora do Direito Internacional e das resoluções das Nações Unidas, deixa em evidência o apoio «descarado» dos EUA à posição de Israel na questão do estatuto de Jerusalém, bem como o seu abandono do «papel de mediador» no conflito e a sua cumplicidade «com uma injustiça que persiste há décadas».
Os textos denunciam, para além disso, a ocupação israelita e os seus crimes, deixando claro o posicionamento solidário das organizações referidas para com o povo palestiniano, nomeadamente os presos políticos em prisões israelitas e a população palestiniana na Faixa de Gaza, «prisioneira de um cerco israelita que dura há uma década», disse Manuela de Sousa, antes de apresentar Filipe Ferreira, membro da direcção do CPPC, a quem passou a palavra.
Dar voz à solidariedade com a Palestina
A representar o CPPC, Filipe Ferreira afirmou que a acção de ontem, em solidariedade com a Palestina, tem lugar «após a provocatória declaração do presidente dos EUA» relativa ao reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, uma decisão da administração norte-americana que visa «desestabilizar ainda mais a situação na Palestina e na martirizada região do Médio Oriente», e «se insere num plano mais vasto de incremento de ingerência e agressão».
Neste contexto, em que se tornou evidente, «mesmo para os que não queriam ver», a cobertura «dada desde sempre pelos EUA à política sionista de ilegal ocupação de territórios da Palestina», o representante do CPPC destacou a importância e o significado de «dar voz à solidariedade com a Palestina».
Esta solidariedade – disse – irá prosseguir até que termine a ocupação, não haja mais presos políticos nas prisões de Israel, acabem os postos de controlo e os colonatos, os refugiados possam regressar e um Estado da Palestina independente, soberano e viável nasça nas fronteiras anteriores a Junho de 1967, com capital em Jerusalém Oriental.
Luta dos trabalhadores num quadro de muitas dificuldades
Na intervenção que se seguiu, Augusto Praça, responsável de Relações Internacionais da CGTP-IN, começou por expressar o repúdio da Intersindical pela decisão da administração norte-americana relativa ao estatuto de Jerusalém, para depois se centrar na luta dos trabalhadores palestinianos, que «se desenvolve num contexto de grande dificuldade, violência e repressão», disse.
Aludindo a estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativos a 2017, o dirigente sindical afirmou a necessidade de paz na Palestina, no sentido de se proporcionar melhores condições de trabalho ao povo e aos trabalhadores palestinianos, algo que, destacou, não se alheia da necessidade de paz na região do Médio Oriente.
«Na Cisjordânia, [em 2017] a taxa de população desempregada atingia os 25% [mais de 40% eram jovens]; em Gaza, 40% da população activa estava desempregada e 70% destes eram jovens»
Tendo como base os relatórios da OIT, Augusto Praça apontou alguns dados sobre o desemprego na Palestina em 2017: na Cisjordânia, a taxa de população desempregada atingia os 25%, sendo que, destes, mais de 40% eram jovens; em Gaza, 40% da população activa estava desempregada e 70% destes eram jovens; só uma em cada cinco mulheres palestiniana trabalhava.
Salientou ainda o elevado número de trabalhadores palestinianos que vão laborar para os colonatos ou Israel – cerca de 100 mil, de acordo com a OIT – e a exploração a que são sujeitos, bem como a repressão diária que enfrentam nos postos de controlo (checkpoints).
Por tudo isto, expressou o empenho da CGTP-IN na denúncia da ocupação do território e da exploração dos trabalhadores palestinianos, o empenho na solidariedade com a luta do povo e dos trabalhadores palestinianos, até que estes tenham um Estado independente com a sua capital em Jerusalém Oriental.
Ahed Tamimi, uma das mulheres que resistem
A intervenção de Sandra Benfica (MDM) deu grande ênfase à figura da jovem activista Ahed Tamimi – presa política palestiniana detida a 19 de Dezembro último e que ontem completava 17 anos.
Tratou-se menos de a individualizar que de apontar o seu caso como um entre os de tantas outras mulheres, jovens, presos políticos palestinianos que «resistem e lutam contra a ocupação do seu país». «Ahed Tamimi é culpada por levantar uma mão pela liberdade, justiça, direitos humanos, autodeterminação e paz, para si, para o seu povo, para o seu país», sublinhou.
A dirigente do Movimento Democrático de Mulheres criticou de forma veemente a decisão do presidente norte-americano sobre Jerusalém – que classificou como «incendiária» e «um passo mais no desenvolvimento do projecto dos Estados Unidos para a região» – e acusou de «cumplicidade» todos os que assistem «aos crimes de Israel, um Estado fora-da-lei, criminoso e terrorista».
Declarando o seu apoio à «luta do povo palestiniano pelo seu Estado soberano, independente e viável nas fronteiras anteriores a Junho de 1967, com capital em Jerusalém Oriental», o MDM lança um repto às mulheres portuguesas, «para que se unam em solidariedade activa com o povo palestiniano».
Um compromisso – disse – que será também plasmado na manifestação nacional de mulheres que o MDM agendou para dia 10 de Março em Lisboa, na medida em que a «luta pela igualdade e justiça social para as mulheres do nosso país é indissociável da nossa solidariedade com as mulheres que lutam contra a guerra e a opressão militar, pela autodeterminação e soberania dos seus povos, pelo direito a viverem nos seus territórios independentes e felizes».
A palavra é «genocídio»
Na última intervenção, a cargo de Carlos Almeida, o vice-presidente do MPPM afirmou que a causa do povo palestiniano é «uma fronteira ética do nosso tempo», acrescentando que «vivemos num mundo difícil, com um Médio Oriente devastado por guerras, provocadas por sucessivos planos de partilha e pilhagem dos seus recursos naturais, que espezinham os direitos e os anseios soberanos dos povos».
Depois de afirmar que, na actualidade, a primeira-ministra britânica, Theresa May, continua a celebrar a centenária Declaração de Balfour, «referindo-se aos palestinianos como os não judeus que vivem na Palestina», Carlos Almeida procurou encontrar palavras para definir a situação que a Palestina hoje enfrenta. «Gangsterismo» foi um dos termos.
Ao recordar que, ontem, dia em que a presa Ahed Tamimi completou 17 anos, foi assassinado mais um jovem pelos israelitas – a oitava vítima mortal da repressão de Israel desde que o ano começou e o quarto jovem, menor –, o dirigente do MPPM disse que «"gangsterismo" será um termo adequado para o que se passa na Palestina, mas não suficiente».
Outra designação pertinente é «colonização» e outra ainda, «mais verdadeira, mais completa, mais total», é «genocídio», cuja definição de acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio evocou, antes de apontar várias situações do que se passa na Palestina como exemplo desse genocídio: limpeza étnica da população palestiniana; a contínua colonização dos territórios ocupados em 1967 (desde 1993, a população de colonos mais que duplicou; são hoje mais de 600 mil); repressão brutal, violência indiscriminada, punições colectivas e tortura; perseguições e expulsão da população beduína que vive no deserto de Naqab; o cerco de Gaza, há mais de dez anos.
«Tudo isto é "genocídio" e um genocídio ele próprio confessado», disse, referindo-se a declarações, proferidas em 1940, que estão directamente associadas ao projecto sionista: de acordo com elas, não havia espaço na Terra de Israel para dois povos, não restando outro caminho senão uma Terra de Israel sem árabes, a transferência de todos eles para os estados vizinhos.
«Isto está na raiz do projecto sionista, na raiz da constituição do Estado de Israel: ocupar uma terra sem povo», disse, acrescentando: «Só que naquela terra há um povo que, com raízes fundas como as oliveiras, resiste.»
Quase a concluir, afirmou que, pela parte do MPPM, «vamos continuar a estar aqui, sempre, para dizer que Israel não é um Estado normal, menos ainda uma democracia», e para «exigir a Portugal, aos órgãos de soberania que cumpram o que está na Constituição e sejam intransigentes na denúncia dos crimes de Israel, no boicote ao Estado de Israel e nos isolamento internacional do Estado de Israel».
«Viva a solidariedade! Palestina vencerá!», clamou, no que foi acompanhado pelos presentes.
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