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Jovens do MST voltam a erguer acampamento pedagógico em Eldorado do Carajás

17 de Abril é dia de homenagem aos 21 trabalhadores rurais assassinados, em 1996, pela Polícia Militar em Eldorado do Carajás, no Pará. Dois anos depois, volta a haver Acampamento Pedagógico da Juventude.

Acampamento Pedagógico da Juventude, realizado em 2016 em Eldorado do Carajás 
CréditosMarcelo Cruz / Brasil de Fato

Em 2020 e 2021, as actividades agendadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para o «Abril Vermelho», mês de lutas, foram bastante condicionadas pelo contexto da pandemia de Covid-19.

Assim, o movimento decidiu recorrer a formas «criativas de actuação», sem abdicar de duas questões fundamentais: a homenagem aos 21 trabalhadores rurais assassinados, em 1996, por agentes da Polícia Militar em Eldorado do Carajás, no estado do Pará; a reivindicação da reforma agrária popular.

O dia 17 de abril de 1996 tem lugar especial na história da luta camponesa no Brasil. Numa zona conhecida como Curva do S, no Sudoeste do estado do Pará, a Polícia Militar assassinou 21 pessoas, quando milhares de trabalhadores sem terra faziam uma marcha pacífica rumo a Belém.

Em declarações ao Brasil de Fato na semana que antecedeu o 25.º aniversário do Massacre de Eldorado do Carajás, Ayala Ferreira, da direcção nacional do MST, destacou a «violência extrema» do que se passou.

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Eldorado do Carajás, 25 anos de impunidade e de luta pela terra

Dia 17 cumpre-se o 25.º aniversário do Massacre de Eldorado do Carajás. Apesar da pandemia, o «Abril Vermelho» não esquece os trabalhadores rurais assassinados e a defesa da reforma agrária.

Eldorado do Carajás, Pará, 1996 
Créditos / Pesquisa de imagens Arquivo e Memória MST

Tal como em 2020, as actividades agendadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para o «Abril Vermelho» são condicionadas pelo contexto da pandemia de Covid-19. 

O movimento, que tomou a decisão de promover as medidas sanitárias em defesa da vida, recorre a formas «criativas de actuação», sem abdicar de duas questões fundamentais: a homenagem aos 21 trabalhadores rurais assassinados, em 1996, por agentes da Polícia Militar em Eldorado do Carajás, no estado do Pará; reivindicar a reforma agrária popular.

Ayala Ferreira / MST

Num país em que os trabalhadores rurais, na sua luta pela terra, tiveram de fazer frente a grande violência e à impunidade associada, o Massacre de Eldorado do Carajás possui forte carga simbólica. Como forma de homenagem aos trabalhadores assassinados e àquilo que representam, 17 de Abril passou a ser o Dia Internacional da Luta Camponesa – uma data escolhida pelas organizações que compõem a Via Campesina.

Numa entrevista ao portal do MST, Ayala Ferreira, membro da direcção nacional do movimento e do Coletivo Nacional de Direitos Humanos do MST, relembrou a brutalidade do massacre no Pará, falou da impunidade, das acções previstas para o «Abril Vermelho» e da situação no campo brasileiro, por falta de políticas do governo federal à agricultura camponesa e familiar.

Extrema violência e impunidade

Sobre o massacre perpetrado há 25 anos na «curva do S», em Eldorado do Carajás, no Pará, a dirigente destacou a «violência extrema». Além das 21 pessoas mortas – «dez das quais executadas já rendidas» –, 69 foram mutiladas (algumas com as foices e os facões que usavam no trabalho), referiu a dirigente, acrescentando que o governo e o Estado como um todo assumiram uma atitude «de não-mediação, de não-negociação».

«O massacre revelou que o Estado está do lado do latifúndio, que não tem interesse em implementar a Reforma Agrária mesmo estando prevista na Constituição Brasileira. É o Estado que alimenta o aprofundamento e a ampliação dos conflitos no campo», denunciou.

Ayala Ferreira enfatizou ainda a impunidade que envolve a violência contra os trabalhadores do campo no Brasil. Dos 1468 casos registados, apenas 117 foram a julgamento. «Muitos desses julgamentos levaram à absolvição de mandantes e executores desse tipo de massacre, como o que ocorreu em Eldorado», disse.

Enterro dos trabalhadores sem-terra vítimas do massacre na Curva do S, no Pará, em 1996 / J.R. Ripper / Pesquisa de imagens Arquivo e Memória MST

Com o «Abril Vermelho», o MST procura organizar jornadas de luta e mobilizações massivas. No entanto, nestes «tempos difíceis», o movimento assumiu a primazia das medidas sanitárias e a garantia da vida, por entender que, ao fazê-lo, tem «a possibilidade de garantir a superação de tantos outros problemas que são impostos» no actual contexto.

Em simultâneo, ao assumir que «é impossível deixar de rememorar o dia 17 de Abril por tudo o que representa», as actividades terão um pendor mais criativo, nos territórios, assentamentos e acampamentos espalhados pelo país, e nas redes, nos espaços virtuais, para fortalecer a defesa do «projecto de desenvolvimento do campo, com a democratização da terra e a implementação de outras práticas para além do agronegócio», disse.

O «Abril Vermelho» está marcado para o período entre 17 e 21 de Abril, incluindo, entre outras iniciativas, o 15.º Acampamento Nacional da Juventude Sem Terra Oziel Alves Pereira; um acto político virtual, também internacional, para «fazer a memória, reafirmar a vida e denunciar a total paralisação da Reforma Agrária no contexto do governo Bolsonaro» (dia 17, às 10h); acções ligadas à campanha de plantio de árvores e produção de alimentos saudáveis (dia 21).

Agronegócio e agravamento da desigualdade no campo desde 2016

Sobre o agronegócio – «modelo hegemónico no campo brasileiro» –, Ayala Ferreira afirmou que «não serve para resolver os problemas concretos do povo brasileiro». «Se a gente quiser pensar num projecto de desenvolvimento nacional em que os trabalhadores e as trabalhadoras estejam incluídos, é necessário estabelecer-se um conjunto de reformas no nosso país», disse, sublinhando que isso passa «pela democratização do acesso à terra, hoje extremamente concentrada» no Brasil.

«Acredito no nosso esforço de denunciar esse modelo do agronegócio e reafirmar a Reforma Agrária, a agricultura familiar como um modelo de desenvolvimento, que pode, sim, contribuir com a sociedade como um todo», frisou.

Questionada sobre os desafios mais urgentes que a actual conjuntura coloca à luta pela terra no Brasil, a dirigente do MST afirmou que, desde 2016, o país «passou por profundas e drásticas transformações ocasionadas por essa reformulação da classe dominante que impôs o impeachment a Dilma Rousseff e retomou com muita força uma agenda neoliberal, agora na figura do actual presidente Jair Bolsonaro».

Este último, lembrou, apontou que «os camponeses, do MST, o movimento sindical, as comunidades tradicionais como indígenas e quilombolas são inimigos que representam o atraso». Neste sentido, disse, «um dos nossos desafios é manter-nos vivos e inteiros diante de um governo que assumidamente cumpre os interesses do agronegócio, do latifúndio, e tem feito um conjunto de acções para desconstruir tudo aquilo que nós fomos conquistando».

«Justiça divina, mas não na terra»

No que respeita ao processo de condenação dos responsáveis pelo assassinato dos 21 trabalhadores em Eldorado do Carajás, a dirigente dos sem-terra disse que 155 polícias estiveram envolvidos e que há quase 20 mil páginas associadas aos julgamentos, que «sofreram aquilo a que chamamos uma construção deliberada da impunidade», ao longo de vários momentos.

Trabalhadores sem-terra em luta pela Reforma Agrária no Brasil CréditosSebastião Salgado / mst.org.br

Como exemplo da «articulação política com o Poder Judiciário», referiu que esta tirou do processo o [governador do Pará] Almir Gabriel e o secretário de Segurança Pública, Paulo Sérgio Cabral, além de ter absolvido 143 polícias envolvidos. «Houve também a absolvição por parte dos media [d]os dois comandantes da operação, o coronel Mário Colares Pantoja e o major José Maria Oliveira», acusou.

Num segundo julgamento, estes seriam condenados à pena máxima, «inclusive por terem coordenado a acção», mas manteve-se a decisão de absolver os polícias militares e de não incluir no processo o então governador Gabriel o secretário de Segurança Pública. Tanto o coronel como o major puderam recorrer da decisão em liberdade. E ficaram anos assim, até que, em 2004, a decisão do Tribunal Superior foi de manter a condenação dos dois e absolver os polícias. Ambos tiveram de ir para a cadeia, mas ficaram ali pouco tempo; recorreram novamente e conseguiram ficar em casa, cumprindo prisão domiciliária.

«Actualmente o processo está aberto nessas condições. No ano passado, em função da Covid-19 o coronel Mário Colares Pantoja morreu, e em anos anteriores, tanto o secretário de Segurança Pública quanto o ex-governador Almir Gabriel também vieram a falecer», revelou Ayala Ferreira.

E acrescentou: «Os nossos camponeses dizem "houve justiça divina, mas não houve justiça na terra", porque não houve justiça entre os homens, pois aqueles que mandaram e aqueles que executaram o crime tiveram o direito de viver mais tempo fora da cadeia do que nela.»

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Além das 21 pessoas mortas – «dez das quais executadas já rendidas» –, 69 foram mutiladas (algumas com as foices e os facões que usavam no trabalho), referiu a dirigente, acrescentando que o governo e o Estado como um todo assumiram uma atitude «de não-mediação, de não-negociação».

«O massacre revelou que o Estado está do lado do latifúndio, que não tem interesse em implementar a Reforma Agrária mesmo estando prevista na Constituição Brasileira. É o Estado que alimenta o aprofundamento e a ampliação dos conflitos no campo», denunciou então.

A revolta dos camponeses com a matança, que agora completa 26 anos, estimulou o início de um dos períodos de maior efervescência da luta pela terra no país sul-americano, e Abril foi instituído como o mês de mobilização e luta.

«A gente passa a ter a referência do Abril como esse mês de fortalecimento da luta dos sem terra em torno da desapropriação. E essa indignação, esse sentimento de revolta que toma conta das massas, impulsiona a organização a pautar o Estado brasileiro de uma forma mais contundente, compreendendo a reforma agrária agora em diversas dimensões», disse ao Brasil de Fato um jovem membro da direcção estadual do MST no Pará, Pablo Carvalho Neri.

Acampamento Pedagógico da Juventude

A juventude camponesa mantém o legado de Carajás vivo e, todos os anos, ergue no local do massacre, na Curva do S, o Acampamento Pedagógico da Juventude Oziel Alves, cujo nome homenageia um dos jovens assassinados.

Em 2022, depois de dois anos de cancelamento, o evento volta a ganhar forma presencial, de 14 a 17 de Abril, com o lema «Lutar é preciso: contra o fascismo a esperança amazônica resiste».

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Reforma Agrária: latifúndio da Giacomet Marodin virou «terra da fartura»

17 de Abril de 1996 mostrou ao mundo a brutalidade com que o Estado brasileiro tratava quem se organizava na luta pelo direito à terra. Mas esse é também o dia de uma ocupação histórica para o MST.

Acampamento Buraco, Rio Bonito do Iguaçu, em 1996 
Créditos / Arquivo MST/PR

Cerca de 1500 homens, mulheres e crianças sem-terra marchavam com destino a Belém do Pará para exigir a concretização da reforma agrária, quando, na curva do S, em Eldorado do Carajás, foram atacados por agentes da Polícia Militar. Ali ocorreu uma chacina que ficou mundialmente conhecida como Massacre de Eldorado do Carajás – 21 trabalhadores foram mortos, mais de uma centena ficaram feridos, 69 dos quais mutilados.

Bem menos conhecido é o outro episódio marcante para a história do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), igualmente ocorrido a 17 de Abril de 1996 – no Paraná, no outro extremo da geografia brasileira –, e que assinalou o início da ocupação de uma imensidão de terras «griladas» (cuja posse foi garantida por via da falsificação de documentos), que «mais tarde se tornaram o maior complexo da reforma agrária da América Latina».

Foto com que Sebastião Salgado imortalizou a entrada no latifúndio, intitulada «A luta pela terra: a marcha de uma coluna humana» / Jura em Prosa e Verso

«Na madrugada fria, no município de Rio Bonito do Iguaçu, região centro do Paraná, mais de dez mil homens, mulheres e crianças ocuparam uma parte da área da madeireira Giacomet Marodin, actual Araupel», afirma o MST no seu portal, explicando que assim se deu início à transformação de 83 mil hectares de áreas públicas, que a empresa adquirira de forma grilada em 1972.

«A quebra do cadeado da porteira de um dos maiores e mais cruéis latifúndios do Sul do Brasil ficou imortalizada pelo fotógrafo Sebastião Salgado, com uma imagem que nomeou como "A luta pela terra: a marcha de uma coluna humana"», refere o texto.

Idalino Gonçalves de Azevedo participou, com a família, naquela jornada histórica de ocupação. «Lembro bem e que toda vez de contar me emociono sobre o dia da ocupação. Eu já estou fraco de memória ‘cabeça oca’, mas quem se lembra bem, é maravilhoso! Naquele momento senti como se fosse um recomeço, não só para mim, mas para todos que estavam lá. Tudo a partir dali iria mudar», contou. O seu relato faz parte do livro Memórias Libertárias do Acampamento Buraco e Assentamentos de Rio Bonito do Iguaçu, organizado por Gisele Fiori Gawlik e publicado em 2019. Buraco foi o nome dado ao primeiro acampamento formado em Rio Bonito do Iguaçu.

«Reforma agrária da fartura»

No ano seguinte, em Agosto de 1997, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) formalizou a criação do assentamento Ireno Alves dos Santos, com 900 famílias, nas terras do acampamento Buraco. Foi, segundo o MST, «o maior assentamento do Brasil até 2002», quando foi criado, em Quedas do Iguaçu, o assentamento Celso Furtado, com 1200 famílias. Nos anos seguintes, novos acampamentos e assentamentos foram criados naquela região (Sudoeste do Paraná). Hoje, há mais de 5000 famílias acampadas ou assentadas nas terras griladas da Araupel.

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Eldorado do Carajás, 25 anos de impunidade e de luta pela terra

Dia 17 cumpre-se o 25.º aniversário do Massacre de Eldorado do Carajás. Apesar da pandemia, o «Abril Vermelho» não esquece os trabalhadores rurais assassinados e a defesa da reforma agrária.

Eldorado do Carajás, Pará, 1996 
Créditos / Pesquisa de imagens Arquivo e Memória MST

Tal como em 2020, as actividades agendadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para o «Abril Vermelho» são condicionadas pelo contexto da pandemia de Covid-19. 

O movimento, que tomou a decisão de promover as medidas sanitárias em defesa da vida, recorre a formas «criativas de actuação», sem abdicar de duas questões fundamentais: a homenagem aos 21 trabalhadores rurais assassinados, em 1996, por agentes da Polícia Militar em Eldorado do Carajás, no estado do Pará; reivindicar a reforma agrária popular.

Ayala Ferreira / MST

Num país em que os trabalhadores rurais, na sua luta pela terra, tiveram de fazer frente a grande violência e à impunidade associada, o Massacre de Eldorado do Carajás possui forte carga simbólica. Como forma de homenagem aos trabalhadores assassinados e àquilo que representam, 17 de Abril passou a ser o Dia Internacional da Luta Camponesa – uma data escolhida pelas organizações que compõem a Via Campesina.

Numa entrevista ao portal do MST, Ayala Ferreira, membro da direcção nacional do movimento e do Coletivo Nacional de Direitos Humanos do MST, relembrou a brutalidade do massacre no Pará, falou da impunidade, das acções previstas para o «Abril Vermelho» e da situação no campo brasileiro, por falta de políticas do governo federal à agricultura camponesa e familiar.

Extrema violência e impunidade

Sobre o massacre perpetrado há 25 anos na «curva do S», em Eldorado do Carajás, no Pará, a dirigente destacou a «violência extrema». Além das 21 pessoas mortas – «dez das quais executadas já rendidas» –, 69 foram mutiladas (algumas com as foices e os facões que usavam no trabalho), referiu a dirigente, acrescentando que o governo e o Estado como um todo assumiram uma atitude «de não-mediação, de não-negociação».

«O massacre revelou que o Estado está do lado do latifúndio, que não tem interesse em implementar a Reforma Agrária mesmo estando prevista na Constituição Brasileira. É o Estado que alimenta o aprofundamento e a ampliação dos conflitos no campo», denunciou.

Ayala Ferreira enfatizou ainda a impunidade que envolve a violência contra os trabalhadores do campo no Brasil. Dos 1468 casos registados, apenas 117 foram a julgamento. «Muitos desses julgamentos levaram à absolvição de mandantes e executores desse tipo de massacre, como o que ocorreu em Eldorado», disse.

Enterro dos trabalhadores sem-terra vítimas do massacre na Curva do S, no Pará, em 1996 / J.R. Ripper / Pesquisa de imagens Arquivo e Memória MST

Com o «Abril Vermelho», o MST procura organizar jornadas de luta e mobilizações massivas. No entanto, nestes «tempos difíceis», o movimento assumiu a primazia das medidas sanitárias e a garantia da vida, por entender que, ao fazê-lo, tem «a possibilidade de garantir a superação de tantos outros problemas que são impostos» no actual contexto.

Em simultâneo, ao assumir que «é impossível deixar de rememorar o dia 17 de Abril por tudo o que representa», as actividades terão um pendor mais criativo, nos territórios, assentamentos e acampamentos espalhados pelo país, e nas redes, nos espaços virtuais, para fortalecer a defesa do «projecto de desenvolvimento do campo, com a democratização da terra e a implementação de outras práticas para além do agronegócio», disse.

O «Abril Vermelho» está marcado para o período entre 17 e 21 de Abril, incluindo, entre outras iniciativas, o 15.º Acampamento Nacional da Juventude Sem Terra Oziel Alves Pereira; um acto político virtual, também internacional, para «fazer a memória, reafirmar a vida e denunciar a total paralisação da Reforma Agrária no contexto do governo Bolsonaro» (dia 17, às 10h); acções ligadas à campanha de plantio de árvores e produção de alimentos saudáveis (dia 21).

Agronegócio e agravamento da desigualdade no campo desde 2016

Sobre o agronegócio – «modelo hegemónico no campo brasileiro» –, Ayala Ferreira afirmou que «não serve para resolver os problemas concretos do povo brasileiro». «Se a gente quiser pensar num projecto de desenvolvimento nacional em que os trabalhadores e as trabalhadoras estejam incluídos, é necessário estabelecer-se um conjunto de reformas no nosso país», disse, sublinhando que isso passa «pela democratização do acesso à terra, hoje extremamente concentrada» no Brasil.

«Acredito no nosso esforço de denunciar esse modelo do agronegócio e reafirmar a Reforma Agrária, a agricultura familiar como um modelo de desenvolvimento, que pode, sim, contribuir com a sociedade como um todo», frisou.

Questionada sobre os desafios mais urgentes que a actual conjuntura coloca à luta pela terra no Brasil, a dirigente do MST afirmou que, desde 2016, o país «passou por profundas e drásticas transformações ocasionadas por essa reformulação da classe dominante que impôs o impeachment a Dilma Rousseff e retomou com muita força uma agenda neoliberal, agora na figura do actual presidente Jair Bolsonaro».

Este último, lembrou, apontou que «os camponeses, do MST, o movimento sindical, as comunidades tradicionais como indígenas e quilombolas são inimigos que representam o atraso». Neste sentido, disse, «um dos nossos desafios é manter-nos vivos e inteiros diante de um governo que assumidamente cumpre os interesses do agronegócio, do latifúndio, e tem feito um conjunto de acções para desconstruir tudo aquilo que nós fomos conquistando».

«Justiça divina, mas não na terra»

No que respeita ao processo de condenação dos responsáveis pelo assassinato dos 21 trabalhadores em Eldorado do Carajás, a dirigente dos sem-terra disse que 155 polícias estiveram envolvidos e que há quase 20 mil páginas associadas aos julgamentos, que «sofreram aquilo a que chamamos uma construção deliberada da impunidade», ao longo de vários momentos.

Trabalhadores sem-terra em luta pela Reforma Agrária no Brasil CréditosSebastião Salgado / mst.org.br

Como exemplo da «articulação política com o Poder Judiciário», referiu que esta tirou do processo o [governador do Pará] Almir Gabriel e o secretário de Segurança Pública, Paulo Sérgio Cabral, além de ter absolvido 143 polícias envolvidos. «Houve também a absolvição por parte dos media [d]os dois comandantes da operação, o coronel Mário Colares Pantoja e o major José Maria Oliveira», acusou.

Num segundo julgamento, estes seriam condenados à pena máxima, «inclusive por terem coordenado a acção», mas manteve-se a decisão de absolver os polícias militares e de não incluir no processo o então governador Gabriel o secretário de Segurança Pública. Tanto o coronel como o major puderam recorrer da decisão em liberdade. E ficaram anos assim, até que, em 2004, a decisão do Tribunal Superior foi de manter a condenação dos dois e absolver os polícias. Ambos tiveram de ir para a cadeia, mas ficaram ali pouco tempo; recorreram novamente e conseguiram ficar em casa, cumprindo prisão domiciliária.

«Actualmente o processo está aberto nessas condições. No ano passado, em função da Covid-19 o coronel Mário Colares Pantoja morreu, e em anos anteriores, tanto o secretário de Segurança Pública quanto o ex-governador Almir Gabriel também vieram a falecer», revelou Ayala Ferreira.

E acrescentou: «Os nossos camponeses dizem "houve justiça divina, mas não houve justiça na terra", porque não houve justiça entre os homens, pois aqueles que mandaram e aqueles que executaram o crime tiveram o direito de viver mais tempo fora da cadeia do que nela.»

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O assentamento consolidou-se e, com isso, vieram as melhorias socioeconómicas tanto para as famílias sem-terra do Ireno Alves como para toda a região, que, nota o MST, a partir daquele momento ganhou uma área com grande produção de alimentos. As estradas e as infra-estruturas de saúde melhoraram, assim como as escolas – tendo havido um grande esforço para garantir o direito das crianças à educação. Actualmente, dez escolas asseguram a educação das quase 3000 crianças de diferentes idades que vivem na área ocupada, indica o Movimento.

O antigo latifúndio tornou-se uma «terra de fartura» para milhares de famílias. Durante a pandemia de Covid-19, no âmbito da campanha de solidariedade organizada pelo MST em todo o Brasil, as famílias sem-terra do complexo de ocupações daquela região já doaram mais de 100 toneladas de alimentos. «São os frutos da luta e do trabalho de quem ousou organizar-se de forma colectiva para conquistar o tão sonhado pedaço de terra», afirma o MST.

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Com programação ainda reduzida por precaução, a estimativa do MST é de que se reúnam no acampamento entre 100 e 150 jovens de todo o país, sobretudo da região amazónica.

«Esses processos de resistência, de indignação, forjaram um sentimento de esperança na Curva do S. Tanto que a gente até brinca que o S da curva se transformou em um S de sonho», destaca Neri.

Espaços colectivos de compromisso e aprendizagem

No espaço simbólico do acampamento, são os jovens que constroem os barracões onde funciona a cozinha colectiva, entre outros.

As actividades protagonizadas na Curva do S envolvem não só processos internos e organizativos do MST, mas também debates sobre temas actuais.

Para Nieves Rodrigues, do Coletivo da Juventude do MST na Região Amazônica, um dos desafios é como juntar, além da juventude sem terra, representantes de outros povos do campo, como jovens quilombolas e indígenas.

Sobreviventes foram levados ao exacto local do massacre, na Curva do S // Marcelo Cruz / Brasil de Fato

«A gente vai entender um pouco a nossa geopolítica nacional, internacional. A gente vai falar sobre a nossa Amazônia também, o que é que está nos tocando agora, quais são as contradições que a gente tem aqui na nossa região. Vamos falar sobre como o agronegócio está avançando cada vez mais sobre os nossos povos», disse Nieves.

No programa, está previsto um grande acto de plantio de árvores no Assentamento 17 de Abril e o lançamento do Festival Internacional de Cinema de Fronteira – que terá como homenageado, este ano, o próprio MST.

A primeira edição do Acampamento Pedagógico da Juventude Oziel Alves durou 17 dias, em 2006, reunindo as famílias de sobreviventes e uma grande mobilização de acampados e assentados, no contexto do décimo aniversário do massacre. A partir de 2014, com mais estrutura e visibilidade, os acampamentos chegaram a receber até mil jovens de todo o Brasil, explica o Brasil de Fato.

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