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|extrema-direita

O extremo-centro macronista alimentou o monstro da extrema-direita

Não é com surpresa que a extrema-direita cresce por toda a Europa. O caso francês ilustra como a política neoliberal de Macron criou o caldo para o Reagrupamento Nacional crescer. O monstro cresce quando os problemas sociais aprofundam-se porque o monstro instrumentaliza-os.

Nos últimos 20 anos o crescimento económico francês ficou, em norma, abaixo do crescimento da zona Euro e Macron procurou encetar uma série de reformas que serviriam, alegadamente, para contrariar a tendência verificada. Surge o problema de que as reformas agravaram os problemas sociais, foram contra os interesses gerais do povo e dos trabalhadores e beneficiaram a elite económica e financeira.

A governação de Macron e do seu próprio movimento político, A República Em Marcha, seguiu a corrente política vigente em toda a Europa. As ditas «reformas» foram a linha de continuidade de toda a política neoliberal promovida pela União Europeia. O resultado foi um progressivo ataque às funções sociais do Estado.

Recentemente, no Le Monde, a jornalista Camille Bordenet escreveu um texto de análise com o título «Porque é que a degradação do acesso aos serviços públicos alimenta o voto da extrema-direita?». Neste texto, a jornalista acaba por defender que, «ao longo dos anos, os habitantes das zonas rurais têm visto diminuir o seu acesso aos serviços a que têm direito, através de reestruturações e desmantelamentos. Como resultado, sentem-se relegados e abandonados».

Surgiu, então, um conjunto de reformas laborais que atacaram directamente os trabalhadores e levaram à degradação dos serviços públicos. Ambos os elementos (mas não só) criaram os elementos para o crescimento da extrema-direita, com maior visibilidade no Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen, mas também com expressão no Reconquista de Éric Zemmour.

2017 – O início de Macron

Macron venceu as suas primeiras eleições presidenciais em 2017. Numa primeira volta, o então candidato arrecadou 8 656 346 de votos, o correspondente a 24,01%. Já Marine Le Pen obteve 7 678 491 de votos, o correspondente a 21,30%. Face aos resultados, houve uma segunda volta e Macron agregou 20 743 128 de votos, o que lhe deu 66,10%, enquanto que Le Pen obteve 10 638 475, ou seja, 33,90%.

Nesse mesmo ano, um mês depois da segunda volta das presidenciais, houve eleições legislativas. Neste acto eleitoral o partido de Emmanuel Macron, à data denominado A República em Marcha!, venceu na segunda volta contra Os Republicanos, um partido de direita fundado pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy.

O novo presidente francês tinha uma excelente imprensa, apresentou-se como liberal e vendeu o discurso pós-ideológico de «não ser de esquerda, nem de direita». Macron era jovem, ex-militante do Partido Socialista e com experiência governativa, uma vez que fora secretário-geral adjunto do ex-Presidente da República, François Hollande, e ministro da Economia em 2014.

Foi vendida uma aura reformista que começou logo mal. No início do seu mandato, Macron introduziu uma reforma laboral com a flexibilização das leis do trabalho, promovendo a precariedade; a facilitação dos despedimentos; a alteração da carga horária; o aumento da idade da reforma; e do modelo de 35 horas de trabalho semanal.

Se as eleições presidenciais tinham sido em Maio e as eleições legislativas em Junho, em Setembro as urnas foram substituídas pelos megafones e, na segunda semana desse mês, a central sindical CGT chegou a meter 500 000 trabalhadores nas ruas para lutar contra a reforma laboral de Macron.

2018 – O que nasceu torto não se endireitou

Depois de fortes contestações nos primeiros meses de governação, Macron conseguiu juntar ainda mais sectores a uma frente de luta contra as suas reformas. Em 2018, as políticas neoliberais de Macron fizeram pontaria a diversas áreas e atacaram, por exemplo, o sector da educação.

Depois da reforma laboral aconteceu uma reforma educacional que visou o acesso ao Ensino Superior, colocando em causa o acesso às universidades. Até então, os candidatos ao Superior apresentavam uma lista de cursos por ordem de preferência e eram colocados de forma automática, de acordo com as suas médias.

Com a reforma de Macron, os estudantes passaram a poder escolher apenas dez cursos, sem ordem de preferência e os seus professores do Ensino Secundário passaram a entrar no processo, expressando opiniões sobre cada aluno e as suas escolhas. Com isto, as universidades ganharam o poder de fazer triagens nas quais os elementos sócio-económicos passaram a pesar ainda mais.

O resultado deste pacote de medidas foi o esperado: os estudantes saíram à rua e promoveram ocupações nas instituições de Ensino Superior. A tensão social fazia-se sentir e os estudantes acompanharam a luta dos trabalhadores, chegando a realizar acções de solidariedade.

A par das lutas contras as medidas educacionais, os ferroviários também avançaram para elevados patamares de luta em protesto contra uma reforma do sector ferroviário, tendo sido marcadas 36 greves na Sociedade Nacional de Caminhos de Ferro (SNCF), empresa pública ferroviária. Macron e o seu governo colocaram fim ao «estatuto laboral privilegiado dos trabalhadores da SNCF», o que visou alargar as ligações ferroviárias a companhias privadas, sobretudo nas ligações de alta velocidade.

O ano de 2018 ainda contou com greves na Air France e greves na recolha de lixo urbano. Tudo isto levou a uma quebra brutal nos índices de popularidade de Macron, que, além das várias acções de luta que se desenvolviam, ainda teve que enfrentar uma moção de censura.

2019 – Confirmação de legítimos anseios

Se o primeiro ano e meio de governação de Macron não foi calmo, o ano de 2019 trouxe à tona o vasto conjunto de problemas que começavam a ter impacto em camadas e sectores intermédios da sociedade.

É certo que a comunicação social dominante projectou o Movimento dos Coletes Amarelos, em parte porque correspondia a acções inorgânicas que alimentavam, tacticamente, a narrativa de alguns centros de decisão de um suposto enfraquecimento do movimento sindical.

Caracterizações à parte, até de uma possível análise mais aprofundada que poderia levar a constatar possíveis infiltrações de sectores mais reaccionários nas mobilizações realizadas pelos Coletes Amarelos, o que a realidade demonstrou foi uma forte predisposição do povo francês para lutar.

Uma das causas que levou, numa primeira fase, os franceses a saírem à rua foi a aparente contradição entre aquilo que era defendido e praticado pelo liberal Macron. Com um discurso supostamente anti-impostos, o normal da política de direita, o presidente francês aumentou os impostos nos combustíveis, medida que fustigou os mais pobres e aumentou os custos fixos de várias micro, pequenas e médias empresas.

No final de 2018, o governo macronista decretou um aumento dos impostos dos combustíveis de 7,6 cêntimos por litro para o diesel e de 3,9 cêntimos para a gasolina, assim como a aplicação de taxas adicionais a estes produtos de 6 e de 3 cêntimos, respectivamente.

A onda de indignação levou a que centenas de milhares de franceses se manifestassem, algo que levou a confrontos com as autoridades e as forças armadas do país. A repressão às manifestações aumentou e os feridos multiplicaram-se. Este parece ter sido o início de uma prática comum que marca a governação de Macron cada vez que este é  contestado nas ruas.

A denúncia da intensificação das desigualdades sociais e económicas ecoou pela Europa fora e várias foram as tentativas de mimetização dos protestos franceses, muitas delas empoladas artificialmente pela comunicação social dominante.

O ano de 2018 não fica por aqui. Mais uma vez, contrariando o propagado liberalismo, Macron procurou limitar a entrada de imigrantes em França, adoptando uma das bandeiras da extrema-direita, seguindo a tendência que se começava a registar na União Europeia e tentando esvaziar as reivindicações do partido de Le Pen.

2019 e 2020 – Uma reforma que penaliza quem se quer reformar

Foi o primeiro passo de Macron para atacar toda a arquitectura do sistema de reformas e a resposta popular não tardou. De forma resumida, a medida reformista quis primeiro reformular 42 regimes de reforma passando-os para um único sistema universal de pensões que passaria a ter por base um sistema de pontos. Basicamente, as contribuições feitas ao longo da vida passariam a ser convertidas nos tais pontos e isso serviria de cálculo para a atribuição de reformas e pensões.

A medida era, por si, penalizadora, já que os 42 regimes especiais de reforma centravam-se em carreiras específicas, tendo sido conquistas dos trabalhadores das mesmas, e acabando com elas atacavam-se directamente esses direitos conquistados. Um outro elemento é o facto de o sistema de pontos contabilizar toda a carreira contributiva, enquanto que, outrora, para o cálculo da pensão de reforma eram apenas contabilizados os 25 melhores anos. Este aspecto penalizava particularmente as mulheres, já que são estas que trabalham mais a meio tempo e têm mais trabalhos com vínculos precários.

As intenções macronistas passavam ainda pelo aumento da idade de reforma dos 62 anos para os 64, algo que gerou grande indignação. Importa situar que, em 2010, a idade da reforma já tinha passado dos 60 para os 62 anos. O que estava a ser colocado aos franceses não era somente trabalhar mais, era também viver menos, já que segundo dados do Institut National de la Statistique et des Études Économiques, aos 62 um quarto dos homens trabalhadores mais pobres já morreram e aos 64, um terço.

Se a justificação do presidente francês era a sustentabilidade do fundo de pensões, segundo a CGT as perdas com a evasão fiscal do grande capital ascendem a 100 mil milhões de euros e os benefícios fiscais aos mais ricos lesam o Estado em 16 mil milhões de euros anuais.

Naturalmente que a resposta dos trabalhadores não se fez esperar e foram convocadas grandes jornadas de luta pelas principais centrais sindicais francesas. À moda gaulesa, os confrontos nas ruas foram intensos e as paralisações sentiram-se em todos os sectores. Face a toda a convulsão social, à revolta e ao desespero de milhões de manifestantes, Edouard Philippe, primeiro-ministro à data, perante o Conselho Económico e Social, disse sobre a reforma ao sistema de pensões: «A nossa determinação é absoluta. (…) Precisamos do envolvimento de todos e estamos disponíveis para demorar o tempo que for necessário».

2020-2021 – A adopção da narrativa da extrema-direita e de uma política securitária

Antevendo eleições presidenciais, o presidente francês, o defensor do liberalismo e, por sua vez, de uma invocada liberdade individual e colectiva, adoptou a agenda da extrema-direita e prometeu um «combate sem tréguas» ao «terrorismo islamita». Se nas manifestações a utilização de elementos de repressão já se fazia sentir, com a polícia e militares a carregarem sobre os manifestantes, Macron quis ir mais longe e apresentou a lei de «Segurança Global».

Num quadro em que a extrema-direita conseguia passar a sua mensagem de racismo e xenofobia, provocando fortes divisões no país e episódios de agressões a minorias étnicas e religiosas, a lei de Macron, no seu artigo 24, passava a sancionar com até um ano de prisão e 45 000 euros de multa quem difundisse imagens de agentes «com o objectivo de os prejudicar».

Face a fortes cargas policiais que tinham com o objectivo de reprimir direitos dos manifestantes, estes recorriam cada vez mais às filmagens para denunciar a opressão de que estavam a ser alvo. «Pessoas que protestavam contra a perigosa proposta de lei de segurança global foram presas e detidas por razões ilegítimas. A forma dura com que a polícia francesa lidou com as manifestações apenas enfatiza o tão necessário escrutínio da actuação dos agentes da polícia. Este diploma pode impedir que jornalistas informem sobre a violência policial, abrindo um precedente extremamente perigoso», denunciou Marco Perolini, investigador para a Europa da Amnistia Internacional.

Opositores à lei, como os sindicatos de jornalistas SNJ e SNJ-CGT, a Liga dos Direitos Humanos (LDH), o Sindicato da Magistratura, o Sindicato dos Advogados da França (SAF) e a organização não governamental (ONG) Direito à Habitação (Droit au Logement) apresentaram contribuições voluntárias ao Conselho Constitucional de forma a contornar o que encaravam ser um ataque ao Estado de Direito.

2022 – Novo ano de eleições com a guerra de volta ao velho continente

Cinco anos depois da sua vitória, Macron recandidata-se com uma aura diferente, tendo em conta que a sua política fustigou fortemente os trabalhadores. Entre 2017 e 2021, o salário mínimo francês aumentou 74,31 euros, isto tendo em conta que houve uma pandemia da Covid-19 pelo meio.

Assim como em 2017, Macron foi à segunda volta com Marine Le Pen. Mas, se o cenário foi o mesmo, os resultados não. Apesar de sair vencedor, em 2017, Macron arrecadou 8 656 346 votos na primeira volta (24,01%) e 20 743 128 votos (66,10%) na segunda. Já no processo eleitoral de 2022, Macron obteve 9 785 578 votos na primeira volta (27,84%) e 18 779 641 na segunda (58,54%). Apesar de conseguir ser reeleito Presidente da França, Emmanuel Macron perdeu votação. O mesmo não se pode dizer de Le Pen.

Em 2017, a líder do partido neo-fascista alcançou na primeira volta 7 678 491 votos (21,30%) e 10 638 475 na segunda (33,90%). Já nas eleições presidenciais de 2022, Le Pen alcançou 8 136 369 votos na primeira volta (23,15%) e 13 297 760 votos na segunda (41,46%).

Enquanto que, da segunda volta de 2017 para a segunda volta de 2022, Macron perdeu 1 963 487 de votos, Le Pen ganhou 2 659 285. Isto num contexto em que a última vê um novo partido e uma personagem como Éric Zemmour a tentar degladiar-se pelo seu espaço político.

Apenas três meses depois das eleições presidenciais deram-se as eleições legislativas e o cenário de ligeira erosão eleitoral é semelhante para Macron. O seu partido, que em 2017 tinha elegido 350 deputados, em 2022 elegeu 245, menos 105 eleitos. Em segundo lugar ficou a França Insubmissa elegendo 134 deputados, sendo que em 2017 tinha elegido apenas 17. O Rassemblement National fica em terceiro lugar em 2022 com 89 deputados eleitos, sendo que em 2017 tinha eleito apenas oito.

Estes actos eleitorais surgem no ano da guerra da Ucrânia e repare-se que, apesar de Le Pen ter afinidades com Putin e banca russa, rapidamente procurou diluí-las no seu discurso. A verdade é que a inflação em França chegou a estar nos 6,2% e num quadro de perda de poder de compra, de empobrecimento dos trabalhadores, e de uma política macronista que não respondia ao anseios dos trabalhadores. A extrema-direita, por via da demagogia, procurou cavalgar a insatisfação.

«Vamos assistir a um grande aumento dos preços e ninguém quer falar sobre isso, há uma forma de negação por parte do governo. Fico surpresa que o presidente da República não fale sobre esta inflação e as medidas que contempla adoptar para enfrentá-la», disse Le Pen em Abril de 2022, um mês e meio depois do início da guerra na Ucrânia.

Enquanto a extrema-direita instrumentaliza legítimas reivindicações do povo e dos trabalhadores, Macron procurou ser a ponte de ligação da União Europeia com a Rússia, tentando contrariar o facto de a diplomacia francesa ter sido relegada para segundo plano. A 7 de Fevereiro de 2022, Macron deslocou-se à Rússia para se reunir com Putin e apelar à retirada das tropas do solo ucraniano, mas nada alcançou.

Em 2022, a França registava aumentos dos preços dos alimentos de 14,5% e de 16,3% na energia, enquanto os bens manufacturados subiam na ordem dos 4,6%. Já no último trimestre do ano verificou-se uma taxa de desemprego de 7,5%, acima da média da União Europeia, que segundo o Eurostat se fixara nos 6,1% em Dezembro.

2023 – O regresso das greves contra a reforma das pensões e da adopção da agenda da extrema-direita

Meses depois das eleições, as ruas voltaram a ser o palco da luta. Novamente, a reforma das pensões foi a principal causa da agitação e, mais uma vez, Macron procurou a repressão para estancar a revolta.

As duas principais medidas da reforma do sistema de pensões (o aumento progressivo da idade legal da reforma dos 62 para os 64 e a necessidade de ter 43 anos de descontos para receber uma pensão completa) voltavam a ser motivo de revolta, mas Macron estava pronto para recorrer a tudo para ver a sua vontade satisfeita, num cenário de constantes greves e sabendo que a sua proposta dificilmente passaria na Assembleia Nacional. 

Apesar de ter conseguido aprovar a sua reforma no Senado, com 193 votos a favor e 113 votos contra, Macron não conseguia ter a maioria necessária no espaço necessário. Face a isto, o presidente francês recorreu ao artigo 49.3 da Constituição francesa para aprovar o pretendido, prescindindo, assim, de votação.

As principais centrais sindicais voltaram a marcar greves por todo o país e na Assembleia Nacional procuraram apresentar moções de censura, nomeadamente a França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon e o Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen.

Como se isto não fosse suficiente, o governo francês ainda procurou cavalgar a narrativa da intolerância religiosa e meses depois proibiu que as alunas das escolas públicas do país usassem abayas, túnicas que cobrem todo o corpo (com excepção da cabeça), comum em países árabes e do Norte da África.

Foi o ministro da Educação francês à data, Gabriel Attal, a promover esta polémica medida, justificando-a com a laicidade do Estado. «Entramos numa sala de aula [e] não devemos ser capazes de identificar a religião dos alunos olhando para eles», defendia o ministro que meses depois viria a ser primeiro-ministro. A polémica instalou-se em França, criou divisões, e a extrema-direita procurou rentabilizar a situação com a normalização do seu discurso racista e xenófobo.

2024 - Eleições para o Parlamento Europeu e dissolução da Assembleia Nacional

Meses passaram e a França, assim como toda a União Europeia, entrou no processo eleitoral para o Parlamento Europeu. O debate no país gaulês não foi diferente do resto dos Estados-membros e os ventos de intolerância semeados pela política neoliberal europeia estavam prestes a ser colhidos por uma subida da extrema-direita.

Importa ter em conta que nas eleições para o Parlamento Europeu, o Reagrupamento Nacional tinha já saído vencedor em 2014 e em 2019. Nas primeiras obteve 4 712 461 de votos e na segunda, já com Jordan Bardella, obteve 5 286 939 de votos.

Já no presente ano, o Reagrupamento Nacional arrecadou 7 765 936 de votos (31,37%) e elegeu 30 deputados, seguindo-se a coligação do partido do Presidente, Emmanuel Macron, com 3 614 646 de votos (14,60%) e 13 lugares. Se das eleições de 2019 para as eleições de 2024, o Reagrupamento Nacional ganhou 2 478 997 de votos, a coligação do presidente francês perdeu 1 464 369 de votos.

Este cenário levou Macron a dissolver a Assembleia Nacional e a convocar eleições legislativas. O cenário resultante foi o que se conhece do passado domingo. Face à ameaça da extrema-direita e às características do sistema eleitoral, a esquerda procurou unir-se e a França Insubmissa, Partido Socialista, Os Ecologistas, Partido Comunista Francês e o Novo Partido Anticapitalista avançaram juntos na coligação Nova Frente Popular.

Na primeira volta das eleições legislativas, o Reagrupamento Nacional ficou em primeiro lugar com 10 647 914 de votos, mas não conseguiu alcançar a maioria absoluta. Já a Nova Frente Popular ficou em segundo lugar com 9 042 485 de votos e o Juntos pela República de Macron em terceiro, com 6 820 446 de votos.

Na ida para a segunda volta, várias foram as desistências tácticas, tanto da Nova Frente Popular como do Juntos pela República, para evitar que o Reagrupamento Nacional arrecadasse a maioria dos deputados. A receita funcionou e nas novas votações a coligação de esquerda alcançou a maioria dos deputados, seguindo-se a coligação do presidente francês e em terceiro lugar o partido da extrema-direita.

Há, no entanto, elementos a ter em conta. O Reagrupamento Nacional teve na primeira volta 10 647 914 de votos e 10 109 044 na segunda, ou seja, manteve a votação e somente perdeu 538 870 de votos. O mesmo não se pode dizer dos outros dois partidos. Na primeira volta, a Nova Frente de Esquerda arrecadou 9 042 485 de votos e na segunda volta perdeu 2 003 056, alcançando 7 039 429 de votos. Já o Juntos pela República, na primeira volta alcançou 6 820 446 de votos e na segunda 6 691 619, perdendo 128 827 de votos.

Sim, o Reagrupamento Nacional teve mais votos, mas elegeu menos deputados e nas contas finais é isso que importa, no entanto, os dez milhões de votos têm um significado político inegável. Tanto mais quanto, como aqui se evidenciou, a evolução da extrema-direita é sustentada e alicerçada nas políticas de Macron.

O povo francês demonstrou a sua reprovação pelo macronismo, mas a extrema-direita não foi derrotada como está a ser dito. Foi possível, é certo, limitar a sua ambicionada expressão institucional. Mas a extrema-direita cresceu, em parte no descontentamento das medidas anti-sociais de Macron e com espaços de insatisfação que não foram ocupados nem canalizados, permitindo aos neo-fascistas instrumentalizar o descontentamento popular.

É perigoso fazer previsões do futuro, no entanto, analisando o presente, sabe-se que o combate à extrema-direita, em França e na Europa, tem que passar por uma ruptura com as políticas de direita que andam à boleia da União Europeia e só visam promover o grande capital, enquanto simultaneamente intensificam a exploração, a política de baixos salários, a precariedade, a desregulação de horários e um rol de problemas como o da habitação.

Veremos o que acontece em França e a seu tempo analisaremos.

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