«O Globo» defende a privatização do Ensino Superior brasileiro

No editorial de 24 de Julho, o jornal O Globo sugere ao governo interino de Michel Temer a privatização completa do Ensino Superior no Brasil. Mas este rumo, da privatização e do endividamento dos jovens, tem sido fortemente contestado.

A privatização do Ensino Superior agrada ao governo interino, mas tem sido amplamente rebatida por diversos sectores da sociedade brasileira
CréditosWilson Dias/Agência Brasil

O principal argumento apontado pelo jornal é o de que os governos perderam a capacidade de financiamento das universidades públicas; defende, para além disso, que a cobrança de mensalidades é justa porque a maioria dos que frequentam o Ensino Superior gratuito tem rendimentos elevados. Aos estudantes com menos posses, seriam garantidas bolsas de estudo, na perspectiva de O Globo.

Em Junho último, o ministro da Educação, Mendonça Filho, deu a entender que a privatização do Ensino Superior é para avançar, ainda que de forma parcial. De acordo com o Brasil de Fato, o ministro disse que apoiará a cobrança de mensalidades em cursos de extensão e de pós-graduação em universidades públicas, caso as instituições optem por esse modelo.

Privatização não é solução

O portal brasileiro indica que a ideia de que a privatização do acesso ao Ensino Superior no Brasil seria a solução para o sector tem sido amplamente rebatida por especialistas, organizações da sociedade civil e parlamentares. Num artigo publicado na revista Carta Capital, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) classificou a proposta do jornal O Globo como «grande mentira», acrescentando que «a experiência internacional mostra que o modelo [da privatização das universidades] é um fracasso e só produz mais desigualdade, mais injustiça social, mais exclusão».

Wyllys cita um estudo do Instituto de Pesquisa Económica Aplicada (Ipea), que revela a importância dos investimentos sociais para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a redução das desigualdades. «Cada R$ 1 [real] gasto com Educação pública gera R$ 1,85 para o PIB. A título de comparação, o gasto de R$ 1 com juros sobre a dívida pública, segundo o mesmo estudo, gerará apenas R$ 0,71 de crescimento do PIB. Ou seja, o dinheiro gasto com Educação de qualidade, como é o caso das universidade federais, é um excelente investimento dos recursos públicos», defende o deputado federal brasileiro.

Maior investimento do Estado

A proposta de privatização do Ensino também colide com o Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pela presidente Dilma Rousseff em Junho de 2014, e que prevê a necessidade de pelo menos mais 2 milhões de matrículas nas universidades públicas para os próximos 10 anos, refere o Brasil de Fato, acrescentando que a taxa de acesso ao Ensino Superior no Brasil é muito baixa: apenas 17% da população entre os 18 e os 24 anos está envolvida numa graduação, o que deixa o Brasil atrás de países com economias de menor dimensão, como o Paraguai e a Bolívia.

O PNE estipula a necessidade de expandir essa percentagem para 33% até 2026, um número ainda assim aquém da maioria das nações desenvolvidas, mas que seria «revolucionário» para um país com tanta desigualdade de oportunidades. Representante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara concorda que existem graves injustiças entre ricos e pobres no acesso à universidade, mas rejeita a privatização do sector. «Mais acesso à universidade só será feito por meio de um forte investimento estatal. Não dá para confiar no sector privado, até porque, hoje, a maior parte das instituições privadas são controladas pelo mercado financeiro, com finalidade de lucro e baixa qualidade, salvo raras excepções», disse ao Brasil de Fato.

«A privatização do ensino vai provocar ainda mais endividamento da população pobre, um custo que vai pesar sobre o Estado de qualquer forma. Além disso, sacrifica a juventude, compromete seu futuro em dívidas. É o tipo de solução de quem não sabe fazer contas», critica Daniel Cara.

Tributação progressiva

Para Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação e professor titular de Ética e Filosofia da Universidade de São Paulo, a raiz do problema está na injusta tributação fiscal no Brasil, onde os pobres pagam mais que os ricos, em termos proporcionais.

«Cobrar uma anuidade dos alunos com mais dinheiro parece justo, mas penso que seria bem melhor aumentar o imposto de renda das pessoas que ganham mais dinheiro. Assim, façam ou não (eles e seus filhos) a universidade, pagarão mais. E serão, então, estimulados a cursar o Ensino Superior, o que só lhes fará bem, pessoal e profissionalmente. Deve-se tributar a renda; é melhor do que cobrar pela Educação (não se cobra aquilo que você quer incentivar!)», propõe o académico.

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