O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (III)

O chefe de Estado oferece a própria insígnia da Liberdade a uma figura à medida dos negros tempos portugueses em que, a exemplo da Ucrânia de hoje, os partidos políticos de oposição eram proibidos, os antifascistas penavam na cadeia ou eram assassinados.

O presidente Volodymyr Zelensky entrega a Dmytro Kotsyubailo, comandante da primeira companhia de assalto do Corpo de Voluntários «Sector Direito», agrupamento nazi, o título de «Herói da Ucrânia». Kiev, 1 de Dezembro de 2021 
Créditos / UNIAN

3. Zelensky, a marioneta perigosa de um Ocidente em desespero 

«Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que não vêem, cegos que, vendo, não vêem»

(José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira)

Os governantes dos Estados Unidos e os seus subordinados, os dirigentes da União Europeia, veneram uma marioneta chamada Volodymyr Zelensky, manipulada pelos senhores da guerra, pelos oligarcas planetários, pela indústria da morte, pelos esbirros do nazifascismo como ideologia de sonho do neoliberalismo globalista.

Foi inventado como presidente da Ucrânia por um oligarca chamado Ihor Kolomoysky, que financiou a sua transição de um papel de ficção televisiva para uma realidade gerida por uma estrutura nazi que nunca renegou de maneira convincente a herança de Hitler e dos seus colaboracionistas genocidas ucranianos. O mesmo oligarca que pagou a criação e sustenta os grupos de assalto e de choque nazis como frente terrorista e de guerra do regime. Zelensky é um irresponsável inchado como o sapo da fábula que leva perigosamente a sério o papel em que é sustentado e manobrado por gente com poder mundial ainda mais irresponsável que ele – e que joga com a existência do planeta e a sobrevivência da humanidade.

Volodymyr Zelensky, a criatura, dá sinais de querer escapar pontualmente aos seus criadores brincando com as toneladas de instrumentos de morte e os milhões de milhões de dólares/euros que estes lhe enfiaram nos bolsos, boa parte em trânsito para negócios imobiliários e contas offshore; agora parece ter tomado o freio nos dentes e arriscar tudo numa fuga suicida para a frente. Ao seu serviço, generosamente pagos com dinheiro nosso, estão mais de centena e meia de fabricantes transnacionais de mentiras, fake news e estratégias de engano designados como «agências de comunicação».

A tournée do desespero

A mais recente visita do ditador de Kiev aos principais areópagos da «democracia europeia» foi uma ópera bufa onde ressoou a cacofonia dos desencontros mútuos na perseguição cada vez mais desesperada de um objectivo que balança perigosamente entre o fracasso e o elevadíssimo risco de um extermínio humano nunca visto no planeta. Entre os uivos de perseguição contra quem ainda resiste à zombificação da opinião única lançados pela autocrata Von der Leyen, o Parlamento Europeu serviu de palco ao puxão de orelhas a toda a União Europeia que Zelensky não se coibiu de dar no papel de «defensor da democracia» e de «toda a Europa». A marioneta dos nazis que governam a Ucrânia fala e esbraceja sem limites, satura as comunicações por Zoom e outras plataformas do género para arengar as falas de um guião escrito por mentirosos profissionais em parlamentos e onde quer que se juntem mais de dois chefes de Estado e de governo de qualquer continente; e, em boa verdade, os sociopatas de Bruxelas e das capitais dos 27 começam a não saber muito bem o que fazer com ele, soterrados, além disso, sob o diktat de Washington.

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O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (I)

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio.

Marcha de tochas dos partidos nazis Svoboda and Pravy Sektor, nas imediações do gabinete do presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, para assinalar o 113.º aniversário do nascimento de Stepan Bandera. Kiev, 1 de Janeiro de 2022 
CréditosAnna Marchenko / TASS

1. O decálogo assassino e a «grande democracia»

 O maior cego é aquele que não quer ver 
                                                     (sabedoria popular)

Em Outubro do ano passado, o Parlamento e o presidente da Ucrânia proclamaram como «herói nacional» ucraniano um indivíduo de nome Miroslav Simchich, que completou 100 anos neste mês de Janeiro1. Simchich, que morreu no passado dia 18, é uma personagem de culto do regime de Kiev e foi agraciado como figura militar e pública pelos «seus méritos na formação do Estado ucraniano e pelos muitos anos de actividade política e social frutuosos».

Miroslav Simchich (Krivonis) é um nazi, um criminoso de guerra. Foi destacado dirigente da entidade terrorista designada Organização dos Nacionalistas Ucranianos, mais conhecida por OUN, e do seu braço armado, o Exército Insurgente da Ucrânia (UPA). Estes grupos tiveram como um dos fundadores e figura de referência o conhecido colaboracionista nazi Stepan Bandera, nome identificado como um dos principais dirigentes e proselitista do chamado «nacionalismo integral» ucraniano, inspiração ideológica dos grupos terroristas de inspiração nazi que enquadram os actuais governo e Estado ucranianos. O objectivo contido na palavra de ordem institucional proclamada pela UPA, associado à doutrinação do nacionalismo integral, era «um Estado ucraniano etnicamente puro ou morte».

No período a seguir à Segunda Guerra Mundial, Bandera instalou-se na Alemanha ao serviço do MI6 e da CIA, respectivamente serviços secretos britânicos e norte-americanos. A reciclagem «democrática» de bandidos nazis foi um método utilizado pelos Estados Unidos, potências ocidentais2 e, posteriormente, pela NATO, de uma maneira sistemática e sustentada. Bandera é, como não podia deixar de ser, «herói nacional» da Ucrânia: estátuas distribuídas por todo o país, marchas anuais em sua honra, sobretudo em Lviv, romagens oficiais ao seu túmulo; recentemente, a principal avenida de Kiev foi rebaptizada com o seu nome. Para os nazis de hoje na Ucrânia, uma das referências míticas é a Divisão Galícia3, unidade da UPA associada de maneira lendária ao culto actual de Bandera4 que a partir de 19435 lutou ao lado das tropas hitlerianas ocupantes da União Soviética6.

O Oberfuhrer das SS, Fritz Freitag (à esquerda), um fanático nazi directamente envolvido no assassinato em massa de judeus, saúda os colaboracionistas ucranianos da então recém-formada 14.ª SS Divisão Galícia (1943). Os modernos nacionalistas ucranianos defendem que a unidade não foi nazi nem apoiou os nazis Créditos / Esprit de Corps

Biografia sangrenta de Simchich

Estudar a biografia do criminoso de guerra e novo «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich não é uma tarefa linear, sobretudo através da internet, porque numerosos sites sobre o assunto, especialmente os relacionados com os massacres de polacos, judeus, resistentes ucranianos, russos e soviéticos em geral, cometidos entre 1941 e 1945, estão censurados sob mensagens advertindo que se trata de «páginas de conteúdo perigoso». Investigar a história, conhecer mais sobre os pesadelos que encerra pode, ao que parece, fazer mal aos cidadãos.

Miroslav Simchich (sentado) numa reunião de veteranos da UPA, organização paramilitar nacionalista ucraniana responsável por massacres étnicos durante a Segunda Guerra Mundial  Créditos / GLUZD

Abundam, pelo contrário, as informações sobre as actividades «heróicas» de Simchich contra o Estado soviético e lamentos sobre os longos anos que passou, por conta delas, «nos campos de trabalho bolcheviques».

Há teses e investigações, porém, que escapam à malha censória, sobretudo os trabalhos que foram executados por alguns professores norte-americanos de universidades elitistas da Ivy League, como a de Yale.

O professor Keith A. Darden, precisamente de Yale, conversou com Simchich e ouviu-o proclamar que «os objectivos nacionais justificavam as formas mais extremas de violência e considerável sacrifício»7.

Entre a Primavera de 1941 e o Verão de 1943, a OUN (B), organização comandada por Stefan Bandera depois de uma cisão com a facção Melnik, considerada «moderada», e a UPA dedicaram-se a uma metódica limpeza étnica dos polacos das regiões da Volínia e da Galícia Oriental8. Tratava-se de «purificar», na perspectiva ucraniana, os territórios soviéticos então sob ocupação alemã e que, de acordo com as suas previsões e desejos, seriam integrados numa Ucrânia independente com a vitória da Alemanha Nazi. No primeiro ano da presença alemã no território ucraniano soviético a OUN exortou os seus membros a participarem no extermínio de pelo menos 200 mil judeus na região da Volínia. Além disso, criou a Milícia Popular Ucraniana, que realizou pogroms por sua própria iniciativa e colaborou com os invasores alemães a prender e executar cidadãos polacos, judeus, comunistas, soviéticos e resistentes em geral9

Ainda antes do início da Grande Guerra, os nacionalistas integrais da Ucrânia realizaram frequentes pogroms durante os quais assassinaram dezenas de milhares de compatriotas com origem judaica.

O massacre de judeus em Lviv, em Julho de 1941, foi antecedido de espancamentos e humilhação pública, com particular encarniçamento sobre as mulheres. A milícia nacionalista ucraniana participou nas execuções e incitou a ferocidade da turba, como testemunharam os poucos sobreviventes. Alguns dos assassinos, como Ivan Kovalishin e Mikhailo Petcharskyi (na foto) foram reconhecidos Créditos / Invissin.ru 

Simchich explicou que os participantes nas chacinas não manifestavam quaisquer remorsos pelos seus actos, apesar de as vítimas serem quase exclusivamente civis – homens, mulheres e crianças, tanto fazia. Cumpriam, disse, a divisa da OUN segundo a qual «a nossa única diplomacia é a arma automática»10. Como se percebe, olhando para o que se passa hoje, há coisas que nunca mudam para as cliques ucranianas nacionalistas/nazis.

Os terroristas da OUN(B)/UPA guiavam-se pelo decálogo da organização, bastante elucidativo em termos programáticos. O sétimo mandamento reza assim: «Não hesitar em cometer o maior crime se o bem da causa assim o exigir». O oitavo mandamento recomenda que se olhem «os inimigos com ódio e perfídia»; e o décimo estipula que os ucranianos devem «aspirar a expandir a força, a riqueza e dimensão do Estado ucraniano mesmo através de meios que transformem os estrangeiros em escravos».

Transcorreram oitenta anos, mas o tempo não passou por sucessivas gerações de nacionalistas integrais ucranianos até à actual. Consultemos a lei dos povos indígenas promulgada há um ano pelo presidente Volodymyr Zelensky, herói de todo o Ocidente, e ali se inscreve a discriminação e a recusa de direitos aos não-ucranianos, como por exemplo o ensino e o uso das línguas pátrias e a proibição de meios de comunicação nesses idiomas. Nos termos da mesma lei, só os cidadãos considerados ucranianos «têm o direito de desfrutar plenamente de todos os direitos humanos e de todas as liberdades fundamentais».11

As crianças são formadas, desde tenra idade, no espírito segregacionista e xenófobo dessa lei; nos livros escolares oficiais ensina-se, por exemplo, que «os russos são sub-humanos».

Identificação de vítimas de um massacre da OUN-UPA, antes do seu funeral. Lipniki, concelho de Kostomyl, distrito de Lutz, região de Volínia, Ucrânia, Março de 1943. Fonte: Lughistory.ru

Miroslav Simchich [Krivonis], orgulha-se de ter sido pessoa destacada nos massacres de 1941 a 1943, comandando as unidades que dizimaram as aldeias polacas de Pistyn e Troitsa12 13 e ordenando pessoalmente o assassínio de mais de cem pessoas entre polacos, judeus e ucranianos. O cariz da OUN(B)/UPA, organização da qual se consideram herdeiros os vários grupos nazis que controlam o actual governo de Kiev, pode avaliar-se também pelo facto de entre os ucranianos dizimados estarem não apenas resistentes ao nazismo, mas também membros da facção dissidente de Melnik, OUN(M), mais inclinada para negociações e alinhada ideologicamente com o fascismo italiano.

Mais de cem mil polacos da Volínia, Galícia Ocidental e até de Kiev foram chacinados entre 1941 e 1944 em consequência da colaboração íntima operacional entre as tropas de assalto nazis envolvidas na invasão da União Soviética e as organizações de inspiração banderista/nacionalismo integral. Com eles foram assassinados ainda dezenas de milhares de judeus, resistentes ucranianos, cidadãos soviéticos, húngaros, romenos, ciganos, checos e de outras nacionalidades que manchavam a «pureza» nacional ucraniana.

No «domingo sangrento», 11 de Junho de 1941, unidades da OUN arrasaram cerca de 100 aldeias polacas da Volínia, incendiaram as casas e assassinaram pelo menos oito mil pessoas – homens, mulheres e crianças. Os ocupantes alemães receberam ordens para não intervir; porém, oficiais e soldados das tropas nazis forneceram armas e outros instrumentos para o massacre em troca da partilha do saque.

Outro dos acontecimentos mais sangrentos desta limpeza étnica foi o massacre de Babi Yar, em 29 e 30 de Setembro de 1941, no qual mais de 30 mil judeus, prisioneiros de guerra e resistentes soviéticos foram fuzilados num desfiladeiro então nos arredores de Kiev por acção conjunta das Waffen SS e de grupos nazis/nacionalistas que afirmavam defender a independência do seu país.

Duzentos mil polacos fugiram para regiões mais a Ocidente logo no início das matanças; oitocentos mil seguiram posteriormente o mesmo caminho, aterrorizados pela cadência e a crueldade das operações, na sequência das quais nada restava dos agregados populacionais invadidos, incendiados e saqueados.

O número de cem mil mortos é calculado pelo Instituto de Memória Nacional da Polónia, ciente de que a organização de Bandera decidiu, em Fevereiro de 1943, expulsar todos os polacos da Volínia para obter «um território absolutamente puro».

Reprodução da confissão de um banderista que confirma o papel de Simchich (aliás, «Kryvonis») nos assassinatos cometidos em Pistyn, na região de Volínia, Ucrânia (s/d) Créditos

Pelo que o colaboracionismo absoluto da Polónia de hoje com um regime que tem as suas raízes nestas práticas genocidas é um insulto à memória de todos os cidadãos polacos e de outras nacionalidades vítimas desta limpeza étnica. Escrevem autores norte-americanos com investigações dedicadas a estes acontecimentos que a partir de Março de 1943 «unidades da UPA montaram um esforço concertado para aniquilar as populações polacas da Volínia e depois da Galícia Oriental». Nessa vertigem de morte nem os cidadãos polacos que pretendiam negociar foram poupados, logo assassinados a sangue-frio.

A UPA foi oficialmente fundada em 14 de Outubro de 1942. Muito significativamente, 14 de Outubro tornou-se o dia das Forças Armadas na actual Ucrânia «democrática».

Perguntaram ao «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich quantos russos matou ao longo da vida, ao que ele respondeu: «tantos quanto o tempo que tive para isso». Hoje, aquele que ficou conhecido como «o maior carrasco de polacos vivo», é «cidadão honorário» de Lviv e de Kolomyia, a terra da sua naturalidade, onde tem uma estátua com três metros de altura. Em 2009, o regime de Kiev, ainda mesmo antes do golpe de Maidan, dedicou-lhe o filme «heróico-patriótico» intitulado A Guerra de Miroslav Simchich. Note-se que os Estados Unidos e a Alemanha Federal recorreram no pós-guerra à experiência de Bandera e dos seus sequazes para efeitos de guerra fria. O habitual.

O ovo da serpente

O escritor e crítico literário Dmytro Dontsov14 é considerado o pai do nacionalismo integral «de características ucranianas», aparentado – mas único – com o movimento integralista que percorreu a Europa a partir da segunda década do século XX. Conviveu com o francês Charles Maurras, que terá figurado entre os inspiradores do ditador Oliveira Salazar, seguindo depois cada um o seu caminho embora coincidindo ideologicamente no essencial: Maurras identificou-se com o colaboracionismo hitleriano do governo pétainista de Vichy e Dontsov instalou-se temporariamente na Alemanha de Hitler: o ovo do nacionalismo integral ucraniano desenvolveu-se na serpente do nazismo, complementaridade que se tornou marcante até hoje. Grupos que controlam o actual governo da Ucrânia, como o Azov, o Aidar, o C-14, Svoboda, Sector de Direita e outros, com as respectivas milícias paramilitares e unidades integradas nas Forças Armadas regulares do país, consideram-se herdeiros da linha ideológica fundamentalista traçada por Dontsov e Bandera, miscigenando o nacionalismo integral com o nazismo, circunstância que se tornou operacional através das chacinas étnicas em território polaco-ucraniano a partir do início da invasão da União Soviética pelas tropas hitlerianas.

Dmytro Dontsov (1883-1973), um antigo socialista que se tornou um admirador de Mussolini e de Hitler. Foi o teórico do nacionalismo integrista ucraniano, anti-judaico, anti-maçónico, anti-polaco, anti-russo e anti-comunista Créditos / Wikimedia Commons

A ambição de uma Ucrânia com uma população «pura» e «homogénea» não se extinguiu nos dias de hoje, como é patente pelas operações de limpeza étnica e genocídio da minoria russa da região do Donbass desencadeada após a chamada «revolução de Maidan» em 2014; a qual, segundo o chefe do grupo C-14, Yehven Karas, não teria passado «de uma parada gay» se não fosse o envolvimento das organizações de inspiração nazi como a sua. Uma carnificina afinal contra um povo «não-indígena» – respeitando a terminologia da legislação de Zelensky – que só foi travada com a intervenção das forças militares da Federação Russa a partir de 24 de Fevereiro de 2022. Citando o vice-primeiro-ministro ucraniano Alexey Reznikov, «povos indígenas e minorias nacionais não são a mesma coisa». Dito de outra maneira: nos termos da lei, perante qualquer tribunal, os não-ucranianos não podem invocar «o direito de usufruir plenamente de todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais». Em resumo, racismo, apartheid institucionalizado no regime mais querido dos Estados Unidos e dos governos e instituições autocráticas da União Europeia. Exceptuando talvez Israel onde – sem ser coincidência – o apartheid também floresce.

Dontsov tinha um ódio obsessivo por judeus e ciganos e fez com que essa tendência marcasse a fundação da OUN, que resultou da fusão dos grupos nacionalistas integrais de Stepan Bandera com a União dos Fascistas Ucranianos. A corrente nacionalista integral ucraniana baseava-se, como algumas outras, na deificação da nação, no tridente hierarquia, sangue e disciplina e na estratificação horizontal da sociedade entre nativos e não-nativos. Onde teria ido Volodymir Zelensky definir os parâmetros da sua actualíssima lei dos povos indígenas? Tal como hoje se aprende nas escolas do regime de Kiev, Dontsov ensinou no seu livro Nacionalismo, de 1926, que «os russos não pertencem à espécie de Homo Sapiens».

Capa do livro Nacionalismo (1926), de Dmytro Dontsov, em que este desenvolve o conceito de nacionalismo integral Créditos / Wikimedia Commons

A «pureza», segundo Dontsov

Dmytro Dontsov foi buscar as suas teses sobre as origens do povo ucraniano «puro» à entrada dos varegues, um povo viking então oriundo da Suécia, nos territórios das actuais Ucrânia, Rússia e Bielorrússia no fim do século IX. Deslocaram-se através dos rios da Europa Oriental, fundaram a cidade de Novgorod – na Rússia – e depois o Reino de Kiev. Os verdadeiros ucranianos teriam assim uma origem nórdica e não eslava.

O povo varegue era conhecido também como rus, termo que terá dado origem às palavras russo e Rússia. Rus vem, ao que parece, de linguagens nórdicas antigas e ainda hoje significa «Suécia» em alguns países da região como Estónia e Finlândia.

Na sua obra, Dontsov associa a «pureza» ucraniana aos nórdicos e protogermânicos e à sua suposta superioridade rácica sobre os eslavos, sobretudo os eslavos orientais ou «pretos da neve», em linguagem pejorativa – os russos.

Combater a Rússia, segundo o pai do nacionalismo integral ucraniano, «é um papel histórico que estamos destinados a desempenhar». Ideia que pormenorizou em 1961 quando, exilado no Canadá, publicou a sua obra O Espírito da Rússia: «O Ocidente, tanto nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, como hoje, não percebeu realmente o que é a Rússia como império, os venenos, destruição moral e cultural que carrega». Seis anos depois envolveu a ideia num espírito místico-religioso ao escrever que «os ucranianos são criados do barro com que o Senhor cria os povos escolhidos». Fervor que levou a actual deputada Irina Farion, do partido do presidente Zelensky, a declarar que «viemos a este mundo para destruir Moscovo». À direita da deputada oradora pode ver-se o assumido nazi Oleh Tyahnybok. Repare-se que, afinal, o problema não é Putin ou o regime político em Moscovo, qualquer que ele seja; o problema é a existência da Rússia e dos russos. O que deixa o Ocidente envolvido numa cruzada étnica, o que aliás é coerente com a sua História.

De acordo com a teorização de Dontsov, no ocaso da dinastia de Rurique, monarca varegue que fundou o Reino de Kiev, o povo de origem nórdica foi escravizado pelos russos. De onde poderá deduzir-se que, para os nacionalistas integrais ucranianos, há uma necessidade de vingança contra a Rússia que atravessou séculos de história e está em curso, por exemplo, com a tentativa de limpeza étnica no Donbass.

«Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas»

Para Dontsov o combate à Rússia é o «Ideal Nacional», terminologia adoptada pela rede de grupos nazis que controla o aparelho de Estado. Utilizam o símbolo nazi Wolfsangel de forma invertida, explicam, porque essa posição expressa visualmente as letras I e N de «Ideal Nacional». O facto de a simbologia dos grupos ucranianos coincidir com a nazi tem essencialmente a ver, na sua argumentação, com o facto de ambas as partes terem recorrido a imagens de vigor, valentia e identidade, originariamente nórdicas e vikings.

A guerra contra os russos vivendo no território ucraniano, principalmente no Donbass, iniciada em termos militares em 2014, será, portanto, uma expressão do «Ideal Nacional» que tem a sua génese na afirmação da superioridade dos autóctones nórdicos sobre os «ocupantes internos» eslavos, sobretudo orientais – «sub-humanos».

A utilização do termo nazi para os grupos nacionalistas integrais ucranianos que sustentam o regime de Kiev parece bastante mais apropriada às circunstâncias do que o de neonazi15. Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas. Existe uma herança em linha recta: não há inovação, há continuidade. Então no que diz respeito à «pureza da raça» a sobreposição é absoluta, os conceitos do regime de Kiev, expressos claramente na lei dos povos indígenas de Zelensky, nada trazem de novo ao nazismo.

O tridente e a suástica num desfile em Lviv, durante a Segunda Guerra Mundial Créditos / Foto Koshkin

O primeiro «governo ucraniano» e o actual

Em Berlim, Dmytro Dontsov ganhou proximidade com o número três do Reich, Reinhard Heydrich, chefe das SS e da Gestapo. Tornou-se então administrador do Instituto Imperial para a Investigação Científica em Praga quando este dignitário nazi assumiu o cargo de «protector da Boémia e da Morávia».16 Estes factos são confirmados por uma investigação conduzida pelo professor Trevor Erlacher, da universidade norte-americana da Carolina do Norte.

Reinhard Heydrich, responsável pelo todo poderoso Gabinete Central de segurança do Reich, que superintendia o aparelho repressivo nazi, foi o principal organizador da Conferência de Wansee, em 20 de Janeiro de 1942, durante a qual as mais elevadas estruturas do Reich planearam a «solução final», o extermínio dos judeus.

Em 30 de Junho de 1941, sob a cobertura das tropas nazis que ocupavam Lviv, a OUN proclamou na varanda do n.º 10 da Praça Rynek, nesta cidade, a criação do de um Estado ucraniano independente.

De acordo com as orientações de Stepan Bandera, o Estado assim fundado assentava no conceito de nacionalismo integral, numa população etnicamente pura, numa língua única, na glorificação da violência e da luta armada. A estrutura orgânica previa o totalitarismo, o partido único e um funcionamento ditatorial.

Como presidente do «Conselho de Estado», cargo equivalente ao de primeiro-ministro, foi designado Yaroslav Stetsko, então o chefe operacional da OUN.

Cartaz da UPA com o slogan «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelos colaboracionistas dos Nazes

Stetsko era um nazi e, segundo a ordem natural das coisas, é hoje «herói nacional» da Ucrânia. Se dúvidas houvesse quanto à sua obediência ideológica, no «Acto de Proclamação do Estado Ucrânia» Stetsko declarou solenemente que a nova entidade «cooperará intimamente com a Grande Alemanha Nacional-Socialista sob o comando de Adolph Hitler, que está a criar uma nova ordem na Europa e no Mundo».

Uma das primeiras iniciativas do primeiro primeiro-ministro ucraniano foi o envio de uma carta a Hitler, em 3 de Julho de 1941, expressando a sua «gratidão e admiração» pelo início da ofensiva alemã contra a União Soviética. Pouco depois, em Agosto do mesmo ano, enviou uma espécie de «currículo» às autoridades alemãs elogiando o antissemitismo, apoiando o extermínio dos judeus e a «racionalidade» dos métodos de extermínio contraposta à assimilação17.

A Academia das Ciências da Ucrânia revela que Stetsko e outros chefes da OUN prepararam acções de sabotagem contra a União Soviética juntamente com os chefes da espionagem alemã, receberam pelo menos 2,5 milhões de marcos para esse efeito e utilizaram aviões do Reich para o desenvolvimento das operações de que foram encarregados pelos nazis.

Stetsko tornou-se mais tarde um activo da CIA e até 1986, ano da sua morte, chefiou o Bloco das Nações Anti Bolcheviques, depois Organização Anticomunista Mundial.

Para o regime actual de Kiev, a «restauração» do Estado ucraniano, 50 anos depois, só foi tornada possível devido à proclamação de Lviv e a respectiva «ordem nacional» por ela estabelecida.

Yaroslav Stetsko é autor do livro Duas Revoluções, o referencial ideológico do partido Svoboda e de outras organizações de inspiração nazi que dominam a estrutura estatal nominalmente chefiada por Zelensky.

«Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental»

O primeiro primeiro-ministro ucraniano tem hoje uma placa de homenagem numa praça de Munique, inaugurada pelo presidente ucraniano «pró-europeu» Viktor Yushenko. Antes disso, em 6 de Maio de 1995, o primeiro presidente da Ucrânia actual, Leonid Kuchma, homenageou o colaboracionista nazi em Munique e deslocou-se às instalações da CIA nesta cidade – onde Stepan Bandera trabalhou durante a década de cinquenta – para visitar a viúva de Yaroslav Stetsko, Slava Stetsko. Foi um encontro de cortesia e de trabalho: traduziu-se na integração na Constituição ucraniana de uma formulação racista de índole nazi – artigo 16.º – segundo a qual «preservar o património genético do povo ucraniano é da responsabilidade do Estado». Data dessa ocasião, e também por iniciativa da viúva de Stetsko, a recuperação e institucionalização nacional do grito «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelas organizações de Bandera.

Slava Stetsko foi convidada para proferir os discursos de abertura dos trabalhos do Parlamento Ucraniano (Rada) nas sessões de 1998 e 2002. Como se percebe, isto aconteceu ainda muito antes da «revolução de Maidan», o que revela a profundidade das raízes do nacionalismo integral/nazismo no moderno Estado ucraniano.

Desfile de «heróis nacionais» nazis

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio, sobretudo desde o início da Operação Barbarossa das tropas hitlerianas contra a União Soviética.

Nem sempre as cliques dirigentes ocidentais e a própria oligocracia europeia aceitaram com bonomia estas promoções de exterminadores a «heróis» promovidas por uma «democracia» com a qual a NATO afirma ter «valores comuns».

Quando o presidente Yushenko declarou Stepan Bandera como «herói nacional», em 22 de Junho de 2010, o Parlamento Europeu insurgiu-se. Parecia excessivo agraciar o inspirador da Divisão Galícia18, parte das forças armadas hitlerianas responsável por extermínios em massa; não parecia de bom tom endeusar alguém que assassinou em nome da «pureza da raça» e dedicou anos da sua vida a «expurgar» o território da pátria de «todos os não-ucranianos» e judeus. Não, isso não poderia o Parlamento Europeu sancionar.

Desde 2014 que alastram na Ucrânia os monumentos e outros locais de memória a antigos colaboradores nazis que participaram no extermínio de judeus, polacos e soviéticos Créditos / Forward

Mas tudo acabou por passar sem que nada de palpável acontecesse. Os deputados das maiorias socialistas e das direitas festejaram depois o golpe da Praça Maidan, encaram tranquilamente as marchas anuais em Lviv e outras cidades celebrando o aniversário de Bandera, aceitam como «resistentes patrióticos» os bandidos nazis, por exemplo o Batalhão Azov, que sequestram populações civis como escudos humanos, que fuzilam soldados ucranianos ambicionando salvar a vida perante a superioridade militar russa, que veneram Stepan Bandera e se orgulham de ter no terrorismo da OUN e da UPA as suas fontes de inspiração. Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental. Citando de novo a NATO: «A Ucrânia é uma grande democracia».

José Goulão, exclusivo AbrilAbril 


O presente artigo é o primeiro da série «O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia».

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A revelação feita pelo veterano jornalista Simon Hersh da maneira metódica e minuciosa como os Estados Unidos fizeram explodir os gasodutos Nord Stream I e II – num ostensivo acto de guerra contra a Alemanha perante a cobardia (a cumplicidade) de Berlim – revela bem até que ponto chegou a postura rastejante dos dirigentes da União Europeia como simples apêndices da oligocracia imperial.

A operação terrorista, preparada, segundo Hersh, pelo conselheiro presidencial de segurança Jake Sullivan, o secretário de Estado Blinken e a golpista-chefe de Maidan, Victoria Nuland, teve como mandante o próprio presidente Biden. E o chanceler alemão, Olaf Scholz, não apenas continua calado e imóvel como aceita enviar dinheiro, tanques e outras armas para uma guerra através da qual o poder imperial norte-americano procura subjugar ainda mais a Europa. São políticos assim, sem qualquer dignidade e sentido humanista, que minam os países europeus como uma peste.

O Ocidente em desespero, na verdade aglutinando apenas 15% da população da Terra, admite assim uma estratégia do caos e de autêntica guerrilha interna para tentar conservar o domínio mundial, o estatuto de poder colonial globalista gerido por uma única potência, depositando nas mãos de um inconsciente e transtornado aprendiz de feiticeiro a vida dos cidadãos do planeta. Fez dele um «herói» do circo de manipulação social corporativa, ignorando ostensivamente que não passa de um refém de um bando de chefes nazis movidos por uma crença mística na criação de um Estado ucraniano de «raça pura e homogénea».

Levando em consideração estes chefes omnipresentes nas movimentações políticas, paramilitares e militares na sociedade ucraniana desde a independência, em 1991, não surpreende que os grupos nazis, fiscalizando e pressionando o funcionamento do Estado de Kiev, actuem de acordo com o seu fundamentalismo nacionalista herdado da OUN (Organização dos Nacionalistas Ucranianos) e da UPA (Exército Insurgente Ucraniano) e que tem os seus fundamentos nos anos 20 do século passado, solidificados depois em aliança com a Alemanha do III Reich.

Negação criminosa

A responsabilidade ocidental nesta trágica convulsão não é de agora. Desenvolveu-se em paralelo com o nascimento, maturação e sobrevivência da ideologia nacionalista integral de influência directa nazi alemã que é a componente dominante do actual Estado ucraniano dirigido a partir de Kiev. Negá-lo é uma falsificação da História e das circunstâncias em que vivemos, assim transpostos para uma realidade paralela onde a mentira se tornou uma virtude.

Documentos secretos da CIA, divulgados muito recentemente, revelam que os serviços secretos ocidentais canalizaram para os sectores independentistas ucranianos que mantiveram as referências ideológicas nacionalistas integrais da OUN e da UPA o seu apoio à actuação clandestina e propagandística contra a União Soviética. O banderismo foi, deste modo, a opção anti-soviética quase única assumida pelos agentes desestabilizadores ocidentais durante a guerra fria, no que dizia respeito ao território da Ucrânia. O Ocidente assegurou assim a sobrevivência do banderismo depois de derrotado juntamente com o nazismo alemão1.

Stepan Bandera, Yaroslav Stetsko, Dmytro Dontsov e outros «heróis nacionais» de hoje transitaram directamente, não o esqueçamos, do colaboracionismo hitleriano para os quadros dos serviços secretos ocidentais, especialmente norte-americanos, alemães e canadianos. Tal como durante o III Reich, Munique foi uma das «capitais» do nacionalismo integral ucraniano desde o fim da Guerra Mundial à dissolução da União Soviética.

«O banderismo foi, deste modo, a opção anti-soviética quase única assumida pelos agentes desestabilizadores ocidentais durante a guerra fria, no que dizia respeito ao território da Ucrânia.»

Daí que, com toda a naturalidade, as correntes de inspiração nazi-banderista se tenham imposto desde logo como vectores determinantes da independência da Ucrânia quando se deu a implosão da União Soviética. Leonid Kuchma, o primeiro presidente ucraniano, deslocou-se à capital bávara durante o seu mandato para homenagear postumamente Yaroslav Stetsko, o primeiro primeiro-ministro do efémero Estado ucraniano criado em 1941, em Lviv, sob cobertura hitleriana.

O Partido Nacional-Social, do qual emergiram todos os principais dirigentes banderistas/nazis responsáveis pela formatação do regime de Kiev em vigor, foi uma das entidades mais influentes na estruturação do Estado logo desde o início da independência, em 1991. Não em termos eleitorais, porque a grande maioria dos cidadãos nunca se identificaram com um fundamentalismo passadista que então lhes dizia pouco, mas no sentido da capacidade para determinar o funcionamento dos centros de decisão do regime. No fundo, o Partido Nacional-Social, os seus antecessores da OUN e UPA e os seus subprodutos nazis que marcaram espaço determinante em Kiev eram e são os fundamentos do caminho ditatorial que a Ucrânia tomou e agora se materializou em pleno. Com a conivência indisfarçada do Ocidente colectivo e a sua papagueada e esvaziada «democracia liberal».

O batalhão Azov, apoiado pela NATO e pelas lideranças da UE e dos EUA, e tratado pelos "mainstream media" ocidentais como «nacionalistas ucranianos» ou «admiradores de Stepan Bandera», usa o símbolo nazi "Wolfsangel" na sua bandeira e uma das tropas de choque preferidas do governo de Kiev, no Leste como no resto do país. Créditos

Terror em acção

O Movimento-Batalhão Azov será talvez o mais conhecido grupo paramilitar – e agora militar – de inspiração nazi, essencialmente pela deificação dos seus membros feita pela comunicação e propaganda ocidentais, sobretudo na altura em que combatiam para manter a cidade de Mariupol em seu poder usando os civis e as suas residências como escudos. O jornal norte-americano The Nation considera-o «um centro da supremacia branca» estendendo os tentáculos no estrangeiro através, designadamente, da movimentação permanente da secretária internacional do «Corpo Nacional» do Azov, Olena Semeniaka2, que não tem qualquer pudor em deixar-se fotografar fazendo a saudação nazi junto a bandeiras com as cruzes suásticas.3

A embaixadora do Azov foi convidada a integrar Portugal nos seus périplos em Maio de 2019, para participar no «Fórum Prisma Actual» – de âmbito ibérico, segundo os promotores – organizado pelo «Escudo Identitário», parte da nebulosa fascista que já abocanhou fatia importante do hemiciclo da Assembleia da República.

O Aidar, transformado em batalhão de assalto, os grupos Dniepr 1 (muito elogiado pelo falecido senador fascista norte-americano John McCain) e Dniepr 2, Trident, Donbass, têm todos as suas origens remotas no Partido Nacional-Social como herdeiro do espólio ideológico nazi-banderista. As suas milícias urbanas e grupos paramilitares, réplicas de esquadrões da morte, actuam como polícias municipais nas principais cidades do país – aterrorizando as populações definidas como «não-ucranianas» –, chantageiam e ameaçam os centros de decisão e, como parte das Forças Armadas, controlam efectivamente e sem qualquer contemplação o comportamento das forças regulares e respectivos corpos de oficiais.

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O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (II)

Apesar de agirem sob designações diversificadas, os grupos nazis ucranianos têm uma origem, um tronco e uma clique terrorista dirigente comuns com influência omnipresente no topo da hierarquia do Estado.

Manifestantes neonazis do Svoboda (Liberdade) e Pravyi Sector (Sector de Direita) protestam em Kiev
Créditos / REUTERS

2. A «democracia liberal» guiada pela «raça pura»

«Os meus homens alimentam-me com os ossos de crianças que falam russo»
(Dmytro Kotsyubaylo, comandante do grupo nazi Sector de Direita, condecorado como «herói nacional» pelo presidente Zelensky)

«Não há nazismo nem banderismo na Ucrânia», proclamam analistas, comentadores, especialistas, jornalistas, historiadores e outros bruxos da modernidade que nunca se enganam e raramente têm dúvidas. É verdade que nem sempre a realidade e os factos se ajustam à sua eminente sabedoria, estratificadora da opinião oficial e única, mas a ignorância, a cegueira e má-fé são sempre dos outros, que se atrevem a ter posições diferentes, mesmo que sejam sustentadas por sólida investigação. Mas que culpa têm eles que assim seja? A realidade e os factos é que estão errados.

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O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia (I)

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio.

Marcha de tochas dos partidos nazis Svoboda and Pravy Sektor, nas imediações do gabinete do presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, para assinalar o 113.º aniversário do nascimento de Stepan Bandera. Kiev, 1 de Janeiro de 2022 
CréditosAnna Marchenko / TASS

1. O decálogo assassino e a «grande democracia»

 O maior cego é aquele que não quer ver 
                                                     (sabedoria popular)

Em Outubro do ano passado, o Parlamento e o presidente da Ucrânia proclamaram como «herói nacional» ucraniano um indivíduo de nome Miroslav Simchich, que completou 100 anos neste mês de Janeiro1. Simchich, que morreu no passado dia 18, é uma personagem de culto do regime de Kiev e foi agraciado como figura militar e pública pelos «seus méritos na formação do Estado ucraniano e pelos muitos anos de actividade política e social frutuosos».

Miroslav Simchich (Krivonis) é um nazi, um criminoso de guerra. Foi destacado dirigente da entidade terrorista designada Organização dos Nacionalistas Ucranianos, mais conhecida por OUN, e do seu braço armado, o Exército Insurgente da Ucrânia (UPA). Estes grupos tiveram como um dos fundadores e figura de referência o conhecido colaboracionista nazi Stepan Bandera, nome identificado como um dos principais dirigentes e proselitista do chamado «nacionalismo integral» ucraniano, inspiração ideológica dos grupos terroristas de inspiração nazi que enquadram os actuais governo e Estado ucranianos. O objectivo contido na palavra de ordem institucional proclamada pela UPA, associado à doutrinação do nacionalismo integral, era «um Estado ucraniano etnicamente puro ou morte».

No período a seguir à Segunda Guerra Mundial, Bandera instalou-se na Alemanha ao serviço do MI6 e da CIA, respectivamente serviços secretos britânicos e norte-americanos. A reciclagem «democrática» de bandidos nazis foi um método utilizado pelos Estados Unidos, potências ocidentais2 e, posteriormente, pela NATO, de uma maneira sistemática e sustentada. Bandera é, como não podia deixar de ser, «herói nacional» da Ucrânia: estátuas distribuídas por todo o país, marchas anuais em sua honra, sobretudo em Lviv, romagens oficiais ao seu túmulo; recentemente, a principal avenida de Kiev foi rebaptizada com o seu nome. Para os nazis de hoje na Ucrânia, uma das referências míticas é a Divisão Galícia3, unidade da UPA associada de maneira lendária ao culto actual de Bandera4 que a partir de 19435 lutou ao lado das tropas hitlerianas ocupantes da União Soviética6.

O Oberfuhrer das SS, Fritz Freitag (à esquerda), um fanático nazi directamente envolvido no assassinato em massa de judeus, saúda os colaboracionistas ucranianos da então recém-formada 14.ª SS Divisão Galícia (1943). Os modernos nacionalistas ucranianos defendem que a unidade não foi nazi nem apoiou os nazis Créditos / Esprit de Corps

Biografia sangrenta de Simchich

Estudar a biografia do criminoso de guerra e novo «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich não é uma tarefa linear, sobretudo através da internet, porque numerosos sites sobre o assunto, especialmente os relacionados com os massacres de polacos, judeus, resistentes ucranianos, russos e soviéticos em geral, cometidos entre 1941 e 1945, estão censurados sob mensagens advertindo que se trata de «páginas de conteúdo perigoso». Investigar a história, conhecer mais sobre os pesadelos que encerra pode, ao que parece, fazer mal aos cidadãos.

Miroslav Simchich (sentado) numa reunião de veteranos da UPA, organização paramilitar nacionalista ucraniana responsável por massacres étnicos durante a Segunda Guerra Mundial  Créditos / GLUZD

Abundam, pelo contrário, as informações sobre as actividades «heróicas» de Simchich contra o Estado soviético e lamentos sobre os longos anos que passou, por conta delas, «nos campos de trabalho bolcheviques».

Há teses e investigações, porém, que escapam à malha censória, sobretudo os trabalhos que foram executados por alguns professores norte-americanos de universidades elitistas da Ivy League, como a de Yale.

O professor Keith A. Darden, precisamente de Yale, conversou com Simchich e ouviu-o proclamar que «os objectivos nacionais justificavam as formas mais extremas de violência e considerável sacrifício»7.

Entre a Primavera de 1941 e o Verão de 1943, a OUN (B), organização comandada por Stefan Bandera depois de uma cisão com a facção Melnik, considerada «moderada», e a UPA dedicaram-se a uma metódica limpeza étnica dos polacos das regiões da Volínia e da Galícia Oriental8. Tratava-se de «purificar», na perspectiva ucraniana, os territórios soviéticos então sob ocupação alemã e que, de acordo com as suas previsões e desejos, seriam integrados numa Ucrânia independente com a vitória da Alemanha Nazi. No primeiro ano da presença alemã no território ucraniano soviético a OUN exortou os seus membros a participarem no extermínio de pelo menos 200 mil judeus na região da Volínia. Além disso, criou a Milícia Popular Ucraniana, que realizou pogroms por sua própria iniciativa e colaborou com os invasores alemães a prender e executar cidadãos polacos, judeus, comunistas, soviéticos e resistentes em geral9

Ainda antes do início da Grande Guerra, os nacionalistas integrais da Ucrânia realizaram frequentes pogroms durante os quais assassinaram dezenas de milhares de compatriotas com origem judaica.

O massacre de judeus em Lviv, em Julho de 1941, foi antecedido de espancamentos e humilhação pública, com particular encarniçamento sobre as mulheres. A milícia nacionalista ucraniana participou nas execuções e incitou a ferocidade da turba, como testemunharam os poucos sobreviventes. Alguns dos assassinos, como Ivan Kovalishin e Mikhailo Petcharskyi (na foto) foram reconhecidos Créditos / Invissin.ru 

Simchich explicou que os participantes nas chacinas não manifestavam quaisquer remorsos pelos seus actos, apesar de as vítimas serem quase exclusivamente civis – homens, mulheres e crianças, tanto fazia. Cumpriam, disse, a divisa da OUN segundo a qual «a nossa única diplomacia é a arma automática»10. Como se percebe, olhando para o que se passa hoje, há coisas que nunca mudam para as cliques ucranianas nacionalistas/nazis.

Os terroristas da OUN(B)/UPA guiavam-se pelo decálogo da organização, bastante elucidativo em termos programáticos. O sétimo mandamento reza assim: «Não hesitar em cometer o maior crime se o bem da causa assim o exigir». O oitavo mandamento recomenda que se olhem «os inimigos com ódio e perfídia»; e o décimo estipula que os ucranianos devem «aspirar a expandir a força, a riqueza e dimensão do Estado ucraniano mesmo através de meios que transformem os estrangeiros em escravos».

Transcorreram oitenta anos, mas o tempo não passou por sucessivas gerações de nacionalistas integrais ucranianos até à actual. Consultemos a lei dos povos indígenas promulgada há um ano pelo presidente Volodymyr Zelensky, herói de todo o Ocidente, e ali se inscreve a discriminação e a recusa de direitos aos não-ucranianos, como por exemplo o ensino e o uso das línguas pátrias e a proibição de meios de comunicação nesses idiomas. Nos termos da mesma lei, só os cidadãos considerados ucranianos «têm o direito de desfrutar plenamente de todos os direitos humanos e de todas as liberdades fundamentais».11

As crianças são formadas, desde tenra idade, no espírito segregacionista e xenófobo dessa lei; nos livros escolares oficiais ensina-se, por exemplo, que «os russos são sub-humanos».

Identificação de vítimas de um massacre da OUN-UPA, antes do seu funeral. Lipniki, concelho de Kostomyl, distrito de Lutz, região de Volínia, Ucrânia, Março de 1943. Fonte: Lughistory.ru

Miroslav Simchich [Krivonis], orgulha-se de ter sido pessoa destacada nos massacres de 1941 a 1943, comandando as unidades que dizimaram as aldeias polacas de Pistyn e Troitsa12 13 e ordenando pessoalmente o assassínio de mais de cem pessoas entre polacos, judeus e ucranianos. O cariz da OUN(B)/UPA, organização da qual se consideram herdeiros os vários grupos nazis que controlam o actual governo de Kiev, pode avaliar-se também pelo facto de entre os ucranianos dizimados estarem não apenas resistentes ao nazismo, mas também membros da facção dissidente de Melnik, OUN(M), mais inclinada para negociações e alinhada ideologicamente com o fascismo italiano.

Mais de cem mil polacos da Volínia, Galícia Ocidental e até de Kiev foram chacinados entre 1941 e 1944 em consequência da colaboração íntima operacional entre as tropas de assalto nazis envolvidas na invasão da União Soviética e as organizações de inspiração banderista/nacionalismo integral. Com eles foram assassinados ainda dezenas de milhares de judeus, resistentes ucranianos, cidadãos soviéticos, húngaros, romenos, ciganos, checos e de outras nacionalidades que manchavam a «pureza» nacional ucraniana.

No «domingo sangrento», 11 de Junho de 1941, unidades da OUN arrasaram cerca de 100 aldeias polacas da Volínia, incendiaram as casas e assassinaram pelo menos oito mil pessoas – homens, mulheres e crianças. Os ocupantes alemães receberam ordens para não intervir; porém, oficiais e soldados das tropas nazis forneceram armas e outros instrumentos para o massacre em troca da partilha do saque.

Outro dos acontecimentos mais sangrentos desta limpeza étnica foi o massacre de Babi Yar, em 29 e 30 de Setembro de 1941, no qual mais de 30 mil judeus, prisioneiros de guerra e resistentes soviéticos foram fuzilados num desfiladeiro então nos arredores de Kiev por acção conjunta das Waffen SS e de grupos nazis/nacionalistas que afirmavam defender a independência do seu país.

Duzentos mil polacos fugiram para regiões mais a Ocidente logo no início das matanças; oitocentos mil seguiram posteriormente o mesmo caminho, aterrorizados pela cadência e a crueldade das operações, na sequência das quais nada restava dos agregados populacionais invadidos, incendiados e saqueados.

O número de cem mil mortos é calculado pelo Instituto de Memória Nacional da Polónia, ciente de que a organização de Bandera decidiu, em Fevereiro de 1943, expulsar todos os polacos da Volínia para obter «um território absolutamente puro».

Reprodução da confissão de um banderista que confirma o papel de Simchich (aliás, «Kryvonis») nos assassinatos cometidos em Pistyn, na região de Volínia, Ucrânia (s/d) Créditos

Pelo que o colaboracionismo absoluto da Polónia de hoje com um regime que tem as suas raízes nestas práticas genocidas é um insulto à memória de todos os cidadãos polacos e de outras nacionalidades vítimas desta limpeza étnica. Escrevem autores norte-americanos com investigações dedicadas a estes acontecimentos que a partir de Março de 1943 «unidades da UPA montaram um esforço concertado para aniquilar as populações polacas da Volínia e depois da Galícia Oriental». Nessa vertigem de morte nem os cidadãos polacos que pretendiam negociar foram poupados, logo assassinados a sangue-frio.

A UPA foi oficialmente fundada em 14 de Outubro de 1942. Muito significativamente, 14 de Outubro tornou-se o dia das Forças Armadas na actual Ucrânia «democrática».

Perguntaram ao «herói nacional» da Ucrânia Miroslav Simchich quantos russos matou ao longo da vida, ao que ele respondeu: «tantos quanto o tempo que tive para isso». Hoje, aquele que ficou conhecido como «o maior carrasco de polacos vivo», é «cidadão honorário» de Lviv e de Kolomyia, a terra da sua naturalidade, onde tem uma estátua com três metros de altura. Em 2009, o regime de Kiev, ainda mesmo antes do golpe de Maidan, dedicou-lhe o filme «heróico-patriótico» intitulado A Guerra de Miroslav Simchich. Note-se que os Estados Unidos e a Alemanha Federal recorreram no pós-guerra à experiência de Bandera e dos seus sequazes para efeitos de guerra fria. O habitual.

O ovo da serpente

O escritor e crítico literário Dmytro Dontsov14 é considerado o pai do nacionalismo integral «de características ucranianas», aparentado – mas único – com o movimento integralista que percorreu a Europa a partir da segunda década do século XX. Conviveu com o francês Charles Maurras, que terá figurado entre os inspiradores do ditador Oliveira Salazar, seguindo depois cada um o seu caminho embora coincidindo ideologicamente no essencial: Maurras identificou-se com o colaboracionismo hitleriano do governo pétainista de Vichy e Dontsov instalou-se temporariamente na Alemanha de Hitler: o ovo do nacionalismo integral ucraniano desenvolveu-se na serpente do nazismo, complementaridade que se tornou marcante até hoje. Grupos que controlam o actual governo da Ucrânia, como o Azov, o Aidar, o C-14, Svoboda, Sector de Direita e outros, com as respectivas milícias paramilitares e unidades integradas nas Forças Armadas regulares do país, consideram-se herdeiros da linha ideológica fundamentalista traçada por Dontsov e Bandera, miscigenando o nacionalismo integral com o nazismo, circunstância que se tornou operacional através das chacinas étnicas em território polaco-ucraniano a partir do início da invasão da União Soviética pelas tropas hitlerianas.

Dmytro Dontsov (1883-1973), um antigo socialista que se tornou um admirador de Mussolini e de Hitler. Foi o teórico do nacionalismo integrista ucraniano, anti-judaico, anti-maçónico, anti-polaco, anti-russo e anti-comunista Créditos / Wikimedia Commons

A ambição de uma Ucrânia com uma população «pura» e «homogénea» não se extinguiu nos dias de hoje, como é patente pelas operações de limpeza étnica e genocídio da minoria russa da região do Donbass desencadeada após a chamada «revolução de Maidan» em 2014; a qual, segundo o chefe do grupo C-14, Yehven Karas, não teria passado «de uma parada gay» se não fosse o envolvimento das organizações de inspiração nazi como a sua. Uma carnificina afinal contra um povo «não-indígena» – respeitando a terminologia da legislação de Zelensky – que só foi travada com a intervenção das forças militares da Federação Russa a partir de 24 de Fevereiro de 2022. Citando o vice-primeiro-ministro ucraniano Alexey Reznikov, «povos indígenas e minorias nacionais não são a mesma coisa». Dito de outra maneira: nos termos da lei, perante qualquer tribunal, os não-ucranianos não podem invocar «o direito de usufruir plenamente de todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais». Em resumo, racismo, apartheid institucionalizado no regime mais querido dos Estados Unidos e dos governos e instituições autocráticas da União Europeia. Exceptuando talvez Israel onde – sem ser coincidência – o apartheid também floresce.

Dontsov tinha um ódio obsessivo por judeus e ciganos e fez com que essa tendência marcasse a fundação da OUN, que resultou da fusão dos grupos nacionalistas integrais de Stepan Bandera com a União dos Fascistas Ucranianos. A corrente nacionalista integral ucraniana baseava-se, como algumas outras, na deificação da nação, no tridente hierarquia, sangue e disciplina e na estratificação horizontal da sociedade entre nativos e não-nativos. Onde teria ido Volodymir Zelensky definir os parâmetros da sua actualíssima lei dos povos indígenas? Tal como hoje se aprende nas escolas do regime de Kiev, Dontsov ensinou no seu livro Nacionalismo, de 1926, que «os russos não pertencem à espécie de Homo Sapiens».

Capa do livro Nacionalismo (1926), de Dmytro Dontsov, em que este desenvolve o conceito de nacionalismo integral Créditos / Wikimedia Commons

A «pureza», segundo Dontsov

Dmytro Dontsov foi buscar as suas teses sobre as origens do povo ucraniano «puro» à entrada dos varegues, um povo viking então oriundo da Suécia, nos territórios das actuais Ucrânia, Rússia e Bielorrússia no fim do século IX. Deslocaram-se através dos rios da Europa Oriental, fundaram a cidade de Novgorod – na Rússia – e depois o Reino de Kiev. Os verdadeiros ucranianos teriam assim uma origem nórdica e não eslava.

O povo varegue era conhecido também como rus, termo que terá dado origem às palavras russo e Rússia. Rus vem, ao que parece, de linguagens nórdicas antigas e ainda hoje significa «Suécia» em alguns países da região como Estónia e Finlândia.

Na sua obra, Dontsov associa a «pureza» ucraniana aos nórdicos e protogermânicos e à sua suposta superioridade rácica sobre os eslavos, sobretudo os eslavos orientais ou «pretos da neve», em linguagem pejorativa – os russos.

Combater a Rússia, segundo o pai do nacionalismo integral ucraniano, «é um papel histórico que estamos destinados a desempenhar». Ideia que pormenorizou em 1961 quando, exilado no Canadá, publicou a sua obra O Espírito da Rússia: «O Ocidente, tanto nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, como hoje, não percebeu realmente o que é a Rússia como império, os venenos, destruição moral e cultural que carrega». Seis anos depois envolveu a ideia num espírito místico-religioso ao escrever que «os ucranianos são criados do barro com que o Senhor cria os povos escolhidos». Fervor que levou a actual deputada Irina Farion, do partido do presidente Zelensky, a declarar que «viemos a este mundo para destruir Moscovo». À direita da deputada oradora pode ver-se o assumido nazi Oleh Tyahnybok. Repare-se que, afinal, o problema não é Putin ou o regime político em Moscovo, qualquer que ele seja; o problema é a existência da Rússia e dos russos. O que deixa o Ocidente envolvido numa cruzada étnica, o que aliás é coerente com a sua História.

De acordo com a teorização de Dontsov, no ocaso da dinastia de Rurique, monarca varegue que fundou o Reino de Kiev, o povo de origem nórdica foi escravizado pelos russos. De onde poderá deduzir-se que, para os nacionalistas integrais ucranianos, há uma necessidade de vingança contra a Rússia que atravessou séculos de história e está em curso, por exemplo, com a tentativa de limpeza étnica no Donbass.

«Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas»

Para Dontsov o combate à Rússia é o «Ideal Nacional», terminologia adoptada pela rede de grupos nazis que controla o aparelho de Estado. Utilizam o símbolo nazi Wolfsangel de forma invertida, explicam, porque essa posição expressa visualmente as letras I e N de «Ideal Nacional». O facto de a simbologia dos grupos ucranianos coincidir com a nazi tem essencialmente a ver, na sua argumentação, com o facto de ambas as partes terem recorrido a imagens de vigor, valentia e identidade, originariamente nórdicas e vikings.

A guerra contra os russos vivendo no território ucraniano, principalmente no Donbass, iniciada em termos militares em 2014, será, portanto, uma expressão do «Ideal Nacional» que tem a sua génese na afirmação da superioridade dos autóctones nórdicos sobre os «ocupantes internos» eslavos, sobretudo orientais – «sub-humanos».

A utilização do termo nazi para os grupos nacionalistas integrais ucranianos que sustentam o regime de Kiev parece bastante mais apropriada às circunstâncias do que o de neonazi15. Há uma ligação ideológica directa entre o regime do III Reich, as organizações e os dirigentes ucranianos que se inseriram ou colaboraram com ele e os comportamentos e actividades actuais dos grupos que se dizem herdeiros daqueles que há oitenta anos foram instrumentos das forças hitlerianas. Existe uma herança em linha recta: não há inovação, há continuidade. Então no que diz respeito à «pureza da raça» a sobreposição é absoluta, os conceitos do regime de Kiev, expressos claramente na lei dos povos indígenas de Zelensky, nada trazem de novo ao nazismo.

O tridente e a suástica num desfile em Lviv, durante a Segunda Guerra Mundial Créditos / Foto Koshkin

O primeiro «governo ucraniano» e o actual

Em Berlim, Dmytro Dontsov ganhou proximidade com o número três do Reich, Reinhard Heydrich, chefe das SS e da Gestapo. Tornou-se então administrador do Instituto Imperial para a Investigação Científica em Praga quando este dignitário nazi assumiu o cargo de «protector da Boémia e da Morávia».16 Estes factos são confirmados por uma investigação conduzida pelo professor Trevor Erlacher, da universidade norte-americana da Carolina do Norte.

Reinhard Heydrich, responsável pelo todo poderoso Gabinete Central de segurança do Reich, que superintendia o aparelho repressivo nazi, foi o principal organizador da Conferência de Wansee, em 20 de Janeiro de 1942, durante a qual as mais elevadas estruturas do Reich planearam a «solução final», o extermínio dos judeus.

Em 30 de Junho de 1941, sob a cobertura das tropas nazis que ocupavam Lviv, a OUN proclamou na varanda do n.º 10 da Praça Rynek, nesta cidade, a criação do de um Estado ucraniano independente.

De acordo com as orientações de Stepan Bandera, o Estado assim fundado assentava no conceito de nacionalismo integral, numa população etnicamente pura, numa língua única, na glorificação da violência e da luta armada. A estrutura orgânica previa o totalitarismo, o partido único e um funcionamento ditatorial.

Como presidente do «Conselho de Estado», cargo equivalente ao de primeiro-ministro, foi designado Yaroslav Stetsko, então o chefe operacional da OUN.

Cartaz da UPA com o slogan «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelos colaboracionistas dos Nazes

Stetsko era um nazi e, segundo a ordem natural das coisas, é hoje «herói nacional» da Ucrânia. Se dúvidas houvesse quanto à sua obediência ideológica, no «Acto de Proclamação do Estado Ucrânia» Stetsko declarou solenemente que a nova entidade «cooperará intimamente com a Grande Alemanha Nacional-Socialista sob o comando de Adolph Hitler, que está a criar uma nova ordem na Europa e no Mundo».

Uma das primeiras iniciativas do primeiro primeiro-ministro ucraniano foi o envio de uma carta a Hitler, em 3 de Julho de 1941, expressando a sua «gratidão e admiração» pelo início da ofensiva alemã contra a União Soviética. Pouco depois, em Agosto do mesmo ano, enviou uma espécie de «currículo» às autoridades alemãs elogiando o antissemitismo, apoiando o extermínio dos judeus e a «racionalidade» dos métodos de extermínio contraposta à assimilação17.

A Academia das Ciências da Ucrânia revela que Stetsko e outros chefes da OUN prepararam acções de sabotagem contra a União Soviética juntamente com os chefes da espionagem alemã, receberam pelo menos 2,5 milhões de marcos para esse efeito e utilizaram aviões do Reich para o desenvolvimento das operações de que foram encarregados pelos nazis.

Stetsko tornou-se mais tarde um activo da CIA e até 1986, ano da sua morte, chefiou o Bloco das Nações Anti Bolcheviques, depois Organização Anticomunista Mundial.

Para o regime actual de Kiev, a «restauração» do Estado ucraniano, 50 anos depois, só foi tornada possível devido à proclamação de Lviv e a respectiva «ordem nacional» por ela estabelecida.

Yaroslav Stetsko é autor do livro Duas Revoluções, o referencial ideológico do partido Svoboda e de outras organizações de inspiração nazi que dominam a estrutura estatal nominalmente chefiada por Zelensky.

«Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental»

O primeiro primeiro-ministro ucraniano tem hoje uma placa de homenagem numa praça de Munique, inaugurada pelo presidente ucraniano «pró-europeu» Viktor Yushenko. Antes disso, em 6 de Maio de 1995, o primeiro presidente da Ucrânia actual, Leonid Kuchma, homenageou o colaboracionista nazi em Munique e deslocou-se às instalações da CIA nesta cidade – onde Stepan Bandera trabalhou durante a década de cinquenta – para visitar a viúva de Yaroslav Stetsko, Slava Stetsko. Foi um encontro de cortesia e de trabalho: traduziu-se na integração na Constituição ucraniana de uma formulação racista de índole nazi – artigo 16.º – segundo a qual «preservar o património genético do povo ucraniano é da responsabilidade do Estado». Data dessa ocasião, e também por iniciativa da viúva de Stetsko, a recuperação e institucionalização nacional do grito «Slava Ukraina, Geroiam Slava», o mesmo que era usado pelas organizações de Bandera.

Slava Stetsko foi convidada para proferir os discursos de abertura dos trabalhos do Parlamento Ucraniano (Rada) nas sessões de 1998 e 2002. Como se percebe, isto aconteceu ainda muito antes da «revolução de Maidan», o que revela a profundidade das raízes do nacionalismo integral/nazismo no moderno Estado ucraniano.

Desfile de «heróis nacionais» nazis

É longo o desfile dos «heróis nacionais» ucranianos proclamados pelos dirigentes do actual regime e que, directamente ou como colaboracionistas, fizeram parte do aparelho nazi de extermínio, sobretudo desde o início da Operação Barbarossa das tropas hitlerianas contra a União Soviética.

Nem sempre as cliques dirigentes ocidentais e a própria oligocracia europeia aceitaram com bonomia estas promoções de exterminadores a «heróis» promovidas por uma «democracia» com a qual a NATO afirma ter «valores comuns».

Quando o presidente Yushenko declarou Stepan Bandera como «herói nacional», em 22 de Junho de 2010, o Parlamento Europeu insurgiu-se. Parecia excessivo agraciar o inspirador da Divisão Galícia18, parte das forças armadas hitlerianas responsável por extermínios em massa; não parecia de bom tom endeusar alguém que assassinou em nome da «pureza da raça» e dedicou anos da sua vida a «expurgar» o território da pátria de «todos os não-ucranianos» e judeus. Não, isso não poderia o Parlamento Europeu sancionar.

Desde 2014 que alastram na Ucrânia os monumentos e outros locais de memória a antigos colaboradores nazis que participaram no extermínio de judeus, polacos e soviéticos Créditos / Forward

Mas tudo acabou por passar sem que nada de palpável acontecesse. Os deputados das maiorias socialistas e das direitas festejaram depois o golpe da Praça Maidan, encaram tranquilamente as marchas anuais em Lviv e outras cidades celebrando o aniversário de Bandera, aceitam como «resistentes patrióticos» os bandidos nazis, por exemplo o Batalhão Azov, que sequestram populações civis como escudos humanos, que fuzilam soldados ucranianos ambicionando salvar a vida perante a superioridade militar russa, que veneram Stepan Bandera e se orgulham de ter no terrorismo da OUN e da UPA as suas fontes de inspiração. Para a autocracia europeia o baptismo das principais ruas das cidades ucranianas com os nomes de criminosos de guerra como Bandera, Stetsko e Shukhevych, a proliferação de estátuas em sua honra são situações banais que casam muito bem com a democracia e a civilização ocidental. Citando de novo a NATO: «A Ucrânia é uma grande democracia».

José Goulão, exclusivo AbrilAbril 


O presente artigo é o primeiro da série «O nazismo ucraniano, ontem e hoje – uma trilogia».

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Uma atitude como esta não é sequer uma minimização da realidade nazi ucraniana, admitindo-a como um fenómeno marginal, uma espécie de folclore inconsequente e bizarro. É antes uma negação, uma perigosa negação que vai muito além de qualquer desejado efeito de propaganda; indicia que é possível conviver com um regime nazi – e apoiá-lo – sem que uma tal promiscuidade traga consequências. Mais do que isso, no caso presente recorre-se ao nazismo como instrumento para atingir objectivos próprios, os chamados «nossos interesses», contra qualquer coisa «maléfica» que pretende destruir a civilização «perfeita e superior» que construímos.

Os resultados da complacência perante o nazismo alemão e até a esperança de que liquidasse o grande inimigo ocidental de então – a União Soviética – originou a tragédia da Segunda Guerra Mundial. Além de irresponsáveis perante tão retintas manifestações de nazismo a que assistimos, os dirigentes dos Estados Unidos e da União Europeia são profundamente ignorantes em História, arrastando-nos para a tragédia latente que decorre dessa inconsciência.

Batalhão SS 201 Schutzmannschaft, constituído por nazis ucranianos e alemães. Roman Shukhevych é o segundo à esquerda, na primeira fila. A unidade distinguiu-se pela repressão de judeus e partisans bielorussos  Créditos

Continuando o desfile de «heróis nacionais» ucranianos com um passado «patriótico» e exterminador, esbirros que estiveram ao serviço de Hitler e desejaram uma Ucrânia independente totalitária e etnicamente «pura», Roman Shukhevych é outro dos venerados pelos terroristas de Kiev. Na Ucrânia de hoje tem estátuas, um museu memorial, moedas cunhadas em sua honra, o nome de importantes ruas em várias cidades e até em dois estádios1 – Lviv e Ternopil2.

A última pessoa a ser o seu contacto operacional, já durante a acção clandestina contra a União Soviética guiada pelos serviços secretos ocidentais, e na sequência da qual Shukhevych viria a morrer em 1950, foi Daria Gusyak, falecida o ano passado. Gusyak fez parte da direcção do Congresso dos Ucranianos Nacionalistas, partido neonazi fundado em 1993 por Slava Stetsko3 e, a pedido desta, fundou uma organização do actual regime seguidora do nacionalismo integral, designada Liga das Mulheres Ucranianas, que dirigiu até ao fim da vida.

Shukhevych comandou operacionalmente a OUN (B) (Organização dos Nacionalistas Ucranianos, facção Bandera) e a UPA (Exército Insurgente Ucraniano) na segunda metade da invasão alemã da União Soviética, período durante o qual a limpeza étnica do território ucraniano e de áreas da Bielorrússia4 teve alguns dos seus episódios mais sangrentos. Por exemplo a chacina de Huta Pieniacka, em 28 de Fevereiro de 1944, na qual as hostes de Shukhevych e a 14.ª Divisão das SS ucranianas mataram mais de mil pessoas. Vinte e cinco mil a trinta mil polacos foram assassinados durante essa fase na região da Galícia Oriental.

Enquanto ordenava, através do comando da UPA, que «combatam os polacos impiedosamente, ninguém deve ser poupado, nem mesmo os casamentos mistos», Shukhevych declarava em 25 de Fevereiro de 1944: «Devido ao êxito das forças soviéticas é preciso acelerar a liquidação dos polacos, eles devem ser totalmente exterminados, as suas aldeias queimadas».

Antes de ascender ao comando da UPA, em certa medida porque Bandera foi preso e enviado para a Alemanha (embora em condições principescas), porque nem sempre o Estado ucraniano foi considerado «útil» e «oportuno» pelos chefes militares do Reich, Shukhevych esteve integrado no exército alemão, a Wehrmacht;  contribuiu então para a formação de dois batalhões ucranianos, Nachtigall5 e Roland, que entraram em território soviético com as tropas nazis.

O historiador sueco-americano Anders Rudling, da Universidade de Lund, deixou uma pergunta que mereceria reflexão, até dos donos da verdade, sobre o desenvolvimento do nacionalismo integral ucraniano e a sua relação com os acontecimentos dos dias que vivemos6: «Será possível fazer de Shukhevych um herói nacional sem legitimar a ideologia da organização que dirigiu?». Uma resposta consciente faria estilhaçar mitos cultivados irresponsavelmente e que deixam a humanidade à beira da maior das fatalidades.

Dois soldados SS colaboracionistas ao serviço dos alemães, diante de judeus assassinados, no ghetto de Varsóvia. Nacionalistas ucranianos participaram na liquidação do ghetto de Varsóvia, em 1943. Créditos

Branquear o que não tem branqueamento

Os historiadores oficiais ucranianos tentam actualmente branquear a biografia de Shukhevych e de outros terroristas colaboracionistas, alegando que converteu o programa da OUN ao pluralismo político, constituiu uma plataforma de unidade com outros movimentos ucranianos e abandonou o extermínio de judeus. Faltam, porém, dados e documentos convincentes que comprovem essas versões7

Em 2006, na sequência da «revolução laranja» promovida pelos Estados Unidos, o presidente Yushenko, qualificado como «pró-europeu», designou o alegado historiador Volodymyr Viatrovych como chefe dos arquivos centrais dos Serviços ucranianos de Segurança8. A sua missão foi a de adaptar as biografias dos «heróis nacionais» venerados pelo regime actual, tornando-as mais compatíveis com um tipo de discurso tolerável pelos aliados e protectores de Kiev9. Situações e ocorrências como o anti-semitismo da OUN e os massacres de polacos, designadamente, quase desapareceram das biografias oficiais de Shukhevych, Bandera e outras figuras. Nelas figuram praticamente em exclusivo os papéis desempenhados por conta de serviços secretos ocidentais contra a União Soviética10.

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Parlamento ucraniano aprova a proibição dos partidos da oposição

Sem a presença dos deputados da oposição, suspensos por Zelensky, o resultado da votação era um dado adquirido. Partidos acusados de tendências «pró-russas» serão proibidos em definitivo, para lá da lei marcial.

Volodymyr Zelensky 
Créditos / Serviços de imprensa ucranianos

A vida do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, acaba de ficar relativamente mais fácil. Seguindo o método dialético de Manuela Ferreira Leite (numa teoria formulada aquando da sua liderança do PSD), de vez em quando, o melhor mesmo é suspender a democracia durante seis meses, «mete-se tudo na ordem e depois, então, venha a democracia».

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Zelensky suspende a actividade de 11 partidos políticos na Ucrânia

A pretexto da lei marcial, Zelensky proibiu hoje 11 partidos políticos, do centro à esquerda, na Ucrânia, incluindo o maior da oposição. A extrema-direita, por seu lado, não vê qualquer restrição à sua actividade.

Volodymyr Zelensky, presidente da república da Ucrânia, reúne com os homólogos da República Checa, Polónia e Eslováquia. Kiev, Ucrânia, 15 de Março de 2022 
CréditosGoverno da Ucrânia / EPA/Agência Lusa

«Primeiro vieram buscar os comunistas (...)», lembrava Bertolt Brecht, e agora, por fim, levam o que restava do centro/centro-esquerda ucraniano. O processo de «descomunização», em marcha desde 2015, que resultou na ilegalização e perseguição do Partido Comunista da Ucrânia, aproveita o contexto da guerra para afastar os restantes rostos da oposição anti-NATO/anti-corrupção ao governo de Zelensky.

Sob pretexto de se tratarem de partidos «pró-russos», uma narrativa rapidamente adoptada pelos meios de comunicação ocidentais, 11 partidos, com ou sem assento parlamentar, foram impedidos de exercer a sua função principal numa democracia: exercer a representação política dos seus eleitores e militantes.

O Ministério da Justiça terá agora de «tomar imediatamente medidas abrangentes para proibir as actividades desses partidos políticos».

No princípio de Fevereiro o partido ucraniano "Socialistas" ainda celebrava a maioria absoluta de António Costa nas últimas eleições legislativas. O partido, que há muito denunciava os atentados do regime de Kiev contra a liberdade de imprensa e liberdades políticas, foi agora proibido sob a acusação de "pró-russo" - um chapéu usado nos últimos anos para extinguir as vozes da oposição democrática e meios de imprensa adversos no país. Kiev, 20 de Março de 2022 Créditos

A explicação dada pelo presidente ucraniano, numa declaração proferida hoje, 20 de Março, na qual anuncia o prolongamento da lei marcial por um novo período de 30 dias, falha na prova dos factos. Muitos destes partidos, acusados de pró-russos, participam activamente na defesa da Ucrânia. Há pouca margem para interpretar esta acção que não seja a de afastar o que resta da oposição ao seu mandato, e aos interesses que ele serve.

A Plataforma de Oposição - Pela Vida, que nas eleições parlamentares de 2019 ficou em segundo lugar, com 13,05% dos votos e 43 assentos no parlamento, não só denunciou publicamente a invasão da Rússia, chegando mesmo a expulsar um deputado por não o fazer e remover um vice-presidente com ligações a Vladimir Putin, como incitou à participação nas milícias de defesa do país. Nada impediu a suspensão.

No caso do Socialistas, trata-se de um pequeno partido político pró-União Europeia [ver foto em caixa] que defende a reintegração da Crimeia na Ucrânia, ao mesmo tempo que defende a nacionalização de vários importantes sectores da economia ucraniana e o combate à corrupção nas instituições governamentais.

O verdadeiro crime destas formações políticas, algumas com quase 30 anos de actividade, foi, em alguns casos, continuarem a defender posições anti-NATO ou representarem as populações russófilas do país,  enquanto outros, apoiantes do projecto europeu, se limitam a defender uma solução pacífica para o conflito no Donbass e se opõem aos ímpetos privatizadores do governo de Zelensky.

O projecto iniciado em Maidan, em 2014/15, concluiu finalmente uma das suas principais ambições políticas: afastar todos os grupos partidários que contestem a hegemonia dos interesses económicos norte-americanos na Ucrânia.

Para além da Plataforma de Oposição - Pela Vida, também os partidos Sharia, Nosso, Bloco de Oposição, Oposição de Esquerda, União das Forças de Esquerda, Estado, Partido Socialista Progressista da Ucrânia, Partido Socialista, Socialistas e Bloco de Volodymyr Saldo, foram suspensos.

A necessidade de uma «política de informação unificada» levou Zelensky a assinar um decreto que funde todos os canais de informação, públicos e privados, num único órgão informativo, sob gestão da presidência da república da Ucrânia.

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Zelensky, no entanto, decidiu ir mais longe. Depois da experiência do último mês, com a suspensão de todos os partidos políticos da oposição de centro e centro-esquerda (sem nunca tocar nos sacrossantos direitos dos partidos da extrema-direita), o parlamento ucraniano deliberou proibir, em definitivo, a oposição.

Nas suas redes sociais, Olena Shuliak, presidente e deputada do partido Servo do Povo (pelo qual Zelensky se fez eleger) manifestou a sua satisfação pela aprovação da proposta: «Finalmente vamos parar de tolerar o 'mundo russo' dentro dos nossos círculos políticos, que só trazem destruição à Ucrânia».

Quando dá jeito, qualquer opositor é «pró-russo». Por seu lado, a extrema-direita prossegue, intocável

A pretexto de se tratarem de partidos «pró-russos», o novo projecto de lei (n.º 7172-1) permite a ilegalização de partidos, a cessação dos mandatos de representação, sejam ao nível local ou nacional, e o confisco de toda a propriedade registada pelos partidos visados.

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Combate à glorificação do nazismo volta a não contar com o apoio de EUA e aliados

A Assembleia Geral da ONU adoptou, de forma esmagadora, a resolução que a Rússia apresenta há vários anos contra a «glorificação do nazismo», que voltou a não contar com o apoio dos países da NATO.

Créditos / peacekeeping.un.org

Por iniciativa da Rússia, a resolução «Combater a glorificação do Nazismo, Neonazismo e outras práticas que contribuem para alimentar formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada» foi aprovada esta quinta-feira, na Assembleia Geral das Nações Unidas, com 130 votos a favor, dois votos contra (EUA e Ucrânia) e 49 abstenções.

Entre as abstenções, inclui-se a de Portugal, a dos estados-membros da União Europeia e dos países que integram a NATO.

Quadro com a votação da resolução de combate à glorificação do nazismo, esta quinta-feira, na Assembleia Geral da ONU / @RussiaUN

A resolução proposta pela Rússia apela aos estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) para que «eliminem todas as formas de discriminação racial por todos os meios adequados», incluindo a via legislativa, e expressa «profunda preocupação sobre a glorificação, sob qualquer forma, do movimento nazi, do neonazismo e de antigos membros da organização Waffen-SS».

De acordo com uma nota publicada no portal na ONU, o texto refere-se, também, à «construção de monumentos e memoriais», e à «celebração de manifestações em nome da glorificação do passado nazi, do movimento nazi e do neonazismo» – algo que ocorreu nos últimos anos em países como a Ucrânia, a Letónia, a Estónia, a Lituânia e a Polónia.

Grigory Lukiantsev, director-adjunto do Departamento de Cooperação Humanitária e Direitos Humanos do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, disse que a adopção da resolução será um contributo real para a erradicação do racismo e da xenofobia, refere a TASS.

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Neonazis e veteranos da Waffen-SS voltaram a marchar em Riga

Cerca de mil pessoas participaram no desfile do Dia do Legionário em homenagem aos mais de 140 mil letões que integraram unidades nazis. A diplomacia russa classificou a marcha como uma «vergonha».

Marcha do Dia do Legionário, em Riga, capital da Letónia (16 de Março de 2019)
Créditos / Sputnik

O Dia do Legionário, a 16 de Março, é assinalado na Letónia desde os anos 90, para homenagear e evocar aqueles que fizeram parte da Legião da Letónia na Waffen Schutzstaffel (Tropa de Protecção Armada, mais conhecida como Waffen-SS).

A marcha deste ano, em Riga, contou com a participação de alguns veteranos legionários, que integraram a 15.ª e a 19ª divisões de Granadeiros da Waffen-SS, bem como de apoiantes e neonazis. O evento anual, que tem sido criticado a nível internacional como uma forma de «glorificação do nazismo», também mereceu oposição interna, com alguns manifestantes a exibirem cartazes em que classificavam a Legião como uma «organização criminosa» e a lembrar que «lutaram ao lado de Hitler», segundo refere o periódico Haaretz.

A Embaixada da Rússia no país do Báltico condenou a marcha de homenagem aos legionários da Waffen-SS, que classificou como «uma vergonha». Na sua conta oficial de Twitter, a Embaixada afirmou, no sábado: «Que vergonha! Veteranos da Waffen-SS e apoiantes estão novamente a marchar com honra no centro de uma capital europeia. E isto acontece na véspera do aniversário dos 75 anos da libertação de Riga dos invasores nazis!»

Também a Embaixada da Rússia no Canadá se manifestou no Twitter contra o desfile realizado em Riga: «Veteranos da Waffen-SS nazis e apoiantes marcham desafiantes e livremente no dia 16 de Março em Riga, Letónia, recohecidos pelas autoridades como heróis nacionais. Uma realidade ignorada por muitos no Ocidente que não pode ser descartada como "propaganda do Kremlin".»

A Waffen-SS, que foi criada como um ala armada do Partido Nazi alemão, foi considerada uma organização criminosa nos julgamentos de Nuremberga, após a Segunda Guerra Mundial, pela sua ligação ao Partido Nazi e envolvimento em inúmeros crimes de guerra e contra a Humanidade.

Glorificação do nazismo e reescrita da história

A Legião da Waffen-SS da Letónia foi fundada em 1943. Muitos dos seus membros viriam a integrar depois, juntamente com combatentes da Lituânia e da Estónia, os chamados Irmãos da Floresta, que até 1953 lutaram contra as tropas soviéticas nos países bálticos.

Em Julho de 2017, a NATO publicou um vídeo que apresenta, com visível dose de heroísmo, essa guerrilha anti-soviética, sem mostrar grande preocupação pelo facto de, nessas forças, estarem integrados muitos legionários das SS nazis ou os que, nos países bálticos, haviam colaborado com as forças invasoras nazi-fascistas.

Repúdio da Rússia

Então, Maria Zakharova, porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, pediu que «se veja com respeito as páginas trágicas da história e se repudie tão repugnante acção da Aliança Atlântica». Disse ainda esperar que «não seja necessário recordar os assassinatos massivos perpetrados por muitos dos membros dos Irmãos da Floresta».

Por seu lado, a representação da Rússia junto da NATO considerou que o material fílmico constitui uma nova tentativa de reescrever a história, para a colocar de acordo com os processos políticos nas ex-repúblicas socialistas do Báltico, onde prolifera o neofascismo e o nacionalismo.

Moscovo tem reafirmado a sua preocupação sobre o surgimento de grupos neonazis e acerca de políticas que glorificam colaboradores com o nazismo na Ucrânia, na Polónia e nos Estados Bálticos – países onde, refere a agência Sputnik – são frequentes as marchas em louvor de destacadas figuras fascistas.

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Acrescentou que o texto sublinha a inadmissibilidade de «glorificar os envolvidos nos crimes do nazismo, incluindo o branqueamento de ex-membros da organização SS e das unidades Waffen-SS, reconhecidas como criminosas pelo Tribunal de Nuremberga».

A representação diplomática dos Estados Unidos junto das Nações Unidas tem votado sempre contra a resolução apresentada pela Rússia, alegando que se trata de um documento que legitima as «narrativas de desinformação russa» e «denigrem os países vizinhos sob a aparência cínica de travar a glorificação do nazismo».

No contexto da votação realizada há um ano, o embaixador norte-americano afirmou ainda que a resolução é contrária ao «direito de liberdade de expressão», a que também os «nazis confessos» têm direito, tal como estipulado pelo Supremo Tribunal dos EUA.

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A decisão foi aprovada com o voto favorável de 330 deputados. Apenas 17 votaram contra. O parlamento da Ucrânia (ou Rada) continua a funcionar, desde finais de Março, com um número reduzido de deputados (num total de 450), já que várias dezenas estão impedidos de cumprir o mandato para o qual foram eleitos por milhões de ucranianos, no mesmo sufrágio que legitima Zelensky.

Qualquer partido que adopte posições, como parte da sua linha programática, que justifiquem, considerem legal e neguem o ataque da Rússia à Ucrânia, ou aceitem a conduta de militantes «pró-russos» nas «zonas temporariamente ocupadas» (em que se incluem as populações separatistas do Donbass e Crimeia), será imediatamente proibido.

Uma democracia não-representativa

A capote desta lei, fica permanentemente proibida a defesa partidária do direito à autodeterminação dos povos do Donbass e da Crimeia, zonas com grandes populações russófonas e que votaram maioritariamente, em 2019, num dos partidos que será agora proibido: a Plataforma de Oposição - Pela Vida.

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(Neo)fascismo, antifascismo e transição autoritária

Só saindo deste ciclo politicamente neurótico e retomando em força, e com urgência, as batalhas democráticas que continuam por fazer, é que conseguiremos apreender o neofascismo em toda a sua natureza.

Manifestação antifascista e antirracista em Lisboa, a 6 de junho de 2020 (foto de arquivo)
CréditosManuel de Almeida / LUSA

O fascismo nasceu como um novo produto ideológico das direitas do século XX, com uma origem e uma génese específicas na Itália do pós-I Guerra Mundial. Conquistou, contudo, o seu lugar na História justamente porque ganhou dimensão internacional, fascizando o corpus doutrinal de outras direitas em muitos contextos nacionais diferentes.1 Produtos de um processo degenerativo do sistema liberal, em cuja história se inscreve, o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão, considerados justamente prototípicos do fenómeno à escala internacional, ascendem ao poder cumprindo as normas legais de um liberalismo autoritário2 no âmbito de uma transição autoritária (do sistema liberal para a ditadura fascista).

«Produtos de um processo degenerativo do sistema liberal, em cuja história se inscreve, o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão, considerados justamente prototípicos do fenómeno à escala internacional, ascendem ao poder cumprindo as normas legais de um liberalismo autoritário no âmbito de uma transição autoritária (do sistema liberal para a ditadura fascista)»

Nos estudos do fascismo desenvolveram-se, entre muitos, dois debates clássicos que permanecem muito úteis para discutimos a extrema-direita que dele é herdeira. Em primeiro lugar, a distinção entre fascismo-movimento e fascismo-regime, isto é, entre os períodos e os contextos em que ele (ainda) não se constituiu como regime e ideologia de Estado e os que, sobretudo depois da nazificação da Alemanha a partir de 1933, tal acontece um pouco por toda a Europa; nos nossos dias, isto significa estudar a diferença entre as direitas radicais na oposição e no poder. Em segundo lugar, a aplicabilidade do conceito a uma grande variedade de casos nacionais – fascista foi apenas o partido e o regime de Mussolini?, ou devem também ser considerados como tal o nazismo, o franquismo, o salazarismo, o regime ustasha na Croácia, entre muitos outros? –, e contextos históricos – o fascismo teve a sua época, como lhe chamou Thomas Mann, e esta terminou definitivamente com a derrota militar nazi de 1945?, ou, sob muito variadas formas, foram e são neofascistas ou pós-fascistas movimentos, partidos e formas de governo que se desenvolveram/impuseram uma vez passada a época do fascismo, desde as extremas-direitas europeias mais clássicas (francesa, italiana, alemã), às formas ideológicas e orgânicas presentes em ditaduras reacionárias dos últimos 75 anos (sobretudo as latinoamericanas e as duas ibéricas nas suas versões adaptadas a um mundo de que havia desaparecido já qualquer esperança de uma Nova Ordem fascista), até às direitas radicais (demasiado) frequentemente descritas como populistas do século XXI?

Continuidades ou diferença?

Diferenças de contexto, comunidade ideológica e perceção de continuidades são questões essenciais tanto para analisar as experiências políticas da época do fascismo (1922-45), como para discutir as direitas extremas dos nossos dias. A posição maioritária, e que vem ganhando contornos hegemónicos, é a de sublinhar a diferença entre as novas extremas-direitas, que julgamos conhecer melhor porque com elas vivemos, e aquelas que há cem anos cunharam o nome de fascismo. Antes de mais, esta parece-me a atitude intelectual mais fácil de assumir: em contextos inegavelmente diferentes, os objetos que neles encontramos parecem-nos também eles diferentes, pelo que a perspetiva com que, à partida, os abordamos é a da verificação da diferença face a outros objetos que já conhecemos, antes de mais por não termos sido contemporâneos dos objetos do passado, que nos são inevitavelmente mais estrangeiros (como lhes chama David Lowenthal) que os do presente. Dizia Eric Hobsbawm que «a maioria dos seres humanos opera como os historiadores: só retrospetivamente conseguem reconhecer a natureza da sua experiência.»3 É evidentemente difícil conseguir dar um nome adequado ao que vivemos enquanto o vivemos. Por outro lado, muita da discussão que hoje fazemos sobre a natureza da extrema-direita é a mesma que se vem fazendo há décadas sobre a natureza dos regimes autoritários da época do fascismo, e resulta, afinal, de saber-se que grau de flexibilidade é admissível no uso das categorias políticas. Por norma, aqueles que negam que ditaduras de direita do período de entre guerras, como a salazarista, tenham sido versões nacionais de um fascismo como fenómeno internacional, não se perguntam se são hoje igualmente democráticos regimes tão diferentes como o indiano ou o francês, e se já o era o sistema político norteamericano em 1776 ou em 1865. A pergunta nada tem de retórico uma vez que a Ciência Política mainstream tende a dar-lhe uma resposta positiva em todos os casos, ao mesmo tempo que entende que eram tão comunistas e totalitários (para usar um vocabulário hegemónico que não é o meu) o regime soviético em qualquer dos seus ciclos históricos, o dos Khmeres Vermelhos ou a Revolução Cubana, entre muitos outros exemplos. Porque se aplica, então, um grau tão amplo de flexibilidade para falar de democracia ou de comunismo e uma perspetiva tão restritiva para falar de fascismo? A resposta é simples: porque se aceita quase sempre trabalhar com conceitos genéricos de democracia e de comunismo e, pelo contrário, se recusa fazer o mesmo com o fascismo.

«se a chegada da extrema-direita ao poder significa «mudar o sistema a partir de dentro», deve presumir-se que a mudança deixa mais ou menos intacta a natureza democrática do poder? Deixou Orbán intacta a democracia? E Bolsonaro, ou Duterte? Se não se trata de «mudar tudo», como designar, então, as alterações que todos eles, chegados ao poder por via constitucional exatamente como Hitler e Mussolini, vão introduzindo?»

Para o que aqui nos ocupa, a questão é saber se, e quais, direitas extremas dos nossos dias são neofascistas, isto é, se são a versão do fascismo adaptada às condições específicas (mas muito diferentes entre si) de sociedades do século XXI marcadas pelo agravamento generalizado da desigualdade social e da perda de representatividade dos sistemas políticos. Nesta nova fase da globalização capitalista que coincide com o triunfo do neoliberalismo desde os anos 1980, são a retórica ocidentalista e o racismo culturalista dos nossos dias, empapados do Choque de Civilizações de Huntington, herdeiros do discurso da decadência do Ocidente de Spengler4 dos anos 20 que enformou a mundivisão fascista? A normalização do discurso xenófobo e racista, agravada com a chamada crise dos refugiados da última década (especialmente dos anos 2015-16), partilha a mesma mundivisão do fascismo na sua época? Há ou não continuidade entre o racismo politicamente organizado da primeira metade do século passado e o dos nossos dias, que alimenta movimentos políticos que, nos países mais ricos do Ocidente, se estruturam especificamente em torno do discurso xenófobo (contra o imigrante ou o refugiado, contra as minorias muçulmanas e ciganas), disfarçado de culturalismo determinista (hoje a «inassimilabilidade» do muçulmano ou do cigano, antes a do judeu)?

Para que serve dar um nome ao que vivemos?

Não pretendo fazer aqui uma discussão detalhada em torno da terminologia mais adequada para categorizar a extrema-direita que vem avançando por todo o Ocidente, não desde o Brexit ou a eleição de Trump, em 2016, mas desde pelo menos há 25 anos, desde que a direita radical começou o assalto ao poder nos países pós-comunistas, na Europa ocidental, a começar pela Itália, com a chegada de Berlusconi ao poder (1994) aliado (como por toda a parte acontece com a direita clássica) com a extrema-direita, ou nos EUA, quando a radicalização à direita do Partido Republicano levou ao poder George W. Bush (2000). Limito-me a contestar a validade do uso (em geral, puramente confrontacional) da categoria de populismo, mesmo que adjetivado como sendo de extrema-direita, expressão que, mimetizando o uso vulgar do totalitarismo, presume que existem tantos populismos quantos discursos antissistémicos se fizerem à esquerda e à direita; bem como a aplicabilidade do conceito de pós-fascismo para sob a sua capa se reunirem movimentos que «já não são fascistas [porque] surgiram depois da consumação da sequência histórica dos fascismos clássicos», dos quais «se emanciparam, ainda que na maioria dos casos o conservem como matriz». Impressiona-me que um historiador como Enzo Traverso, apesar de reconhecer que «Mussolini e Hitler chegaram ao poder por via legal», aceite que «a vontade [deles] de derrubar o Estado de Direito e apagar a democracia estava fora de discussão» permite marcar uma diferença essencial com a atitude da extrema-direita dos nossos dias, que, segundo Traverso, «quer transformar o sistema a partir de dentro, enquanto o fascismo clássico queria mudar tudo»5. Neste âmbito, se a chegada da extrema-direita ao poder significa «mudar o sistema a partir de dentro», deve presumir-se que a mudança deixa mais ou menos intacta a natureza democrática do poder? Deixou Orbán intacta a democracia? E Bolsonaro, ou Duterte? Se não se trata de «mudar tudo», como designar, então, as alterações que todos eles, chegados ao poder por via constitucional exatamente como Hitler e Mussolini, vão introduzindo? Mesmo não afirmando querer pôr em causa a natureza liberaldemocrática dos regimes, a extrema-direita no poder (e fora dele) ataca liberdades e direitos individuais e coletivos, coloniza o poder judicial, as forças de segurança e militares, propõe a ilegalização de forças políticas, a perseguição de organizações/movimentos associados a minorias étnicas, e assume práticas ultrassecuritárias contra inimigos internos (as minorias, os migrantes) e externos. Chamar, como está em voga, iliberal (como Fareed Zakaria) a este processo político parece-me muito menos adequado que nele reconhecer o liberalismo autoritário típico dos estados em transição para o autoritarismo. Um regime em transição muda inevitavelmente de natureza ao fim de algumas etapas; uma democracia em transição autoritária deixará sempre de ser democrática a menos que o processo seja revertido. Não creio ser razoável definir o ritmo da transição como indicador da natureza diferente do horizonte final da transição; a democratização social, como processo transicional que também é, produziu resultados muito diferentes e muito incompletos em países aos quais, em geral, vejo pouca gente recusar chamar democracias. Da mesma forma, a tese que deduz que as diferenças estruturais dos contextos históricos do fascismo na sua época (1922-45) e aquele em que hoje se expande a extrema-direita são obstáculo suficiente para não a podermos considerar neofascista, deveria para ser aceitável obrigar quem a sustenta a recusar falar hoje de democracia em contextos tão radicalmente diferentes do da Atenas do século V a.C.; ou, por comparação com o contexto bolchevique de 1917-18, chamar comunista aos partidos que, em estados liberaldemocráticos, disputam eleições e chegam a partilhar o poder sem propriamente subverter «por dentro»...

Antifascismo sem (neo)fascismo?

E chegamos ao antifascismo. Sem se assumir haver uma continuidade entre as direitas extremas de há cem anos (fascistas) e as de hoje (neofascistas), não será viável estratégia alguma de reativação do antifascismo como cultura política e frente social de resistência ao ataque às três grandes conquistas de 1945: a construção da democracia social e a gradual (ainda que, uma vez mais, sempre incompleta) emancipação das classes trabalhadoras; a fundação da democracia sobre a rejeição radical das mundivisões racistas que conduziram a Auschwitz, da dominação colonial e da opressão de todas as minorias étnicas; a emancipação das mulheres de todas as culturas e de todos os continentes, de metade da Humanidade, motor das batalhas por outras emancipações, bem mais tardias, das subjetividades oprimidas definidas em torno da identidade sexual. Sem constituir em si mesmo um movimento político e social próprio, o antifascismo foi uma plataforma de resistência à expansão do fascismo e à subsequente dominação por ele imposta. O que, contudo, marcou a sua identidade na história foi a tomada de consciência de que, quer na Guerra de Espanha (1936-39), quer quando se começou a percecionar coletivamente a possibilidade efetiva de derrotar a Nova Ordem fascista, a luta antifascista era irreversivelmente uma luta pela reconstrução da democracia muito para lá dos estritos objetivos de liberais imperialistas como Churchill, De Gaulle ou Roosevelt, que lutaram contra o expansionismo de Hitler, Mussolini e Tojo mas que não pretendiam nem descolonizar, nem democratizar mais do que a reposição reformada dos termos estruturais do liberalismo oligárquico de 1939.6

«Fornecendo uma explicação convincente para a ascensão e a derrota do nazifascismo, hegemónica entre 1945 e os anos 70, o antifascismo e a memória coletiva por ele embebida sofreram um ataque generalizado com o avanço do neoliberalismo e a implosão do mundo soviético, justamente porque podiam reivindicar ter conseguido derrotar o fascismo como experiência histórica limite na história da violência como prática política, responsável pelo conflito mais mortífero e o modelo de genocídio mais eficaz e industrializado da história.»

Fornecendo uma explicação convincente para a ascensão e a derrota do nazifascismo, hegemónica entre 1945 e os anos 70, o antifascismo e a memória coletiva por ele embebida sofreram um ataque generalizado com o avanço do neoliberalismo e a implosão do mundo soviético, justamente porque podiam reivindicar ter conseguido derrotar o fascismo como experiência histórica limite na história da violência como prática política, responsável pelo conflito mais mortífero e o modelo de genocídio mais eficaz e industrializado da história. Como aliança historicamente contingente entre as duas grande famílias ideológicas que, por motivos diferentes, se reviam na Revolução Francesa (o liberalismo e o socialismo), e de uma terceira que o fazia relativamente à Revolução Russa (o comunismo), a aliança antifascista das Nações Unidas (a designação que os aliados de 1941 se deram a si próprios) dividiu-se mal a ameaça fascista foi militarmente eliminada, em 1945, e em torno das mesmas questões que tinha dividido as suas componentes no passado (a dominação burguesa, a natureza intrínseca da desigualdade capitalista, a resistência liberal à democratização social, o imperialismo). É ainda nesse ciclo que nos encontramos: forças políticas muito diferentes podem partilhar (ou melhor, ter partilhado) uma mesma cultura antifascista, mas legitimamente não partilham os mesmos modelos de sociedade.

Instrumento central para a defesa de um conjunto articulado de pressupostos democráticos sem os quais se vive automaticamente em ditadura socialmente reacionária, o antifascismo-movimento só se reativará quando os democratas percecionarem coletivamente o perigo, a ameaça (neo)fascista. Se continuarem convencidos que Le Pen, Salvini, Abascal e Ventura, como antes Trump ou Bolsonaro, não passam de figuras efémeras de um ressentimento punitivo e irracional com os quais se pode coexistir porque não querem, ou não conseguem, destruir os regimes liberaldemocráticos dentro dos quais operam, a luta política continuará a ser feita sem recurso ao frentismo antifascista – o mesmo que demorou a mobilizar, uma quinzena de anos passados sobre a ascensão de Mussolini ao poder. O novo ciclo histórico em que entrámos, de neuropolítica7, ansiedade coletiva, recessão económica sem precedentes e securitização global que a gestão política da pandemia tem vindo a acentuar, parece, aliás, ter tudo para facilitar transições autoritárias e dificultar a mobilização antifascista. Só saindo deste ciclo politicamente neurótico e retomando em força, e com urgência, as batalhas democráticas que continuam por fazer, é que conseguiremos apreender o neofascismo em toda a sua natureza.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AE90)

  • 1. Manuel Loff, "O nosso século é fascista!" O mundo visto por Salazar e Franco (1936-1945), Porto: Campo das Letras, 2008.
  • 2. Daniel Woodley, Fascism and Political Theory. Critical Perspectives on Fascist Ideology, Londres/NY: Routledge, 2010.
  • 3. Eric Hobsbawm, A Era dos Extremos. História breve do século XX, 1914-1991, Lisboa: Presença, 1996.
  • 4. Der Untergang des Abendlandes: Umrisse einer Morphologie der Weltgeschichte, 2 vols., Viena: Braumüller, 1918, e Munique: C. H. Beck, 1922. Edição em português: A decadência do Ocidente: esboço de uma morfologia da História Universal, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.
  • 5. Enzo Traverso, Las nuevas caras de la derecha, trad. esp., Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2018, pp. 12, 18 [a edição original, contudo, intitula-se Les nouveux visages du fascisme, Paris: Textuel, 2017].
  • 6. O conceito de «antifascismo contrarrevolucionário» que Michael Seidman aplica àquelas três personagens e ao conjunto dos setores sociais que, nos EUA e nos Impérios britânico e francês, se empenharam na derrota dos nazis mas que, ao modo de Fukuyama, só teriam «[obtido] uma vitória completa quando o comunismo soviético se derrubou em 1989»(Antifascismos, 1936-1945. La lucha contra el fascismo a ambos lados del Atlántico, trad. esp., Madrid: Alianza, 2017, p. 27), parece-me essencialmente ahistórico por omitir a natureza de disputa imperial presente na guerra de Hitler contra as potências ocidentais.
  • 7. Engin F. Isin (2004), «The neurotic citizen», Citizenship Studies, 8:3, pp. 217-235.
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Com a republicação deste artigo de Manuel Loff assinalamos, neste dia 9 de Maio, os 79 anos da derrota do nazi-fascismo, na qual o Exército Vermelho e a União Soviética tiveram um papel determinante.
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Na mesma sessão, anunciaram os deputados Yaroslav Zhelezniak e Olha Sovhyria (o primeiro do partido Holos, da direita liberal, e a segunda do partido de Zelensky), foi aprovado um projecto de lei que proíbe a tomada de posições entendidas como sendo «pró-russas» na aplicação de mensagens instantâneas Telegram.

Este é o segundo momento, no período que se seguiu ao golpe de estado de 2014, em que partidos políticos são proibidos na Ucrânia, depois da ilegalização do Partido Comunista da Ucrânia em 2015 (à altura com 32 deputados, eleitos por 2 687 246 eleitores).

Zelensky dá continuidade ao seu trabalho na área da representação, interpretando, à letra, o poema de Bertold Brecht: «Primeiro vieram buscar os comunistas (...)». Apenas resta saber, após a nova vaga, qual será o próximo grupo político a ser perseguido no país. Por enquanto, a extrema-direita não vê ser entreposto qualquer entrave à sua acção política e paramilitar.

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Porém, as instituições de memória nacional da Polónia, pouco respeitadas pelo regime da NATO em vigor em Varsóvia, registam que a OUN (B), também sob o comando de Shukhevych, decidiu em Fevereiro de 1943 expulsar todos os polacos da região da Volínia para obter um «território etnicamente puro», incitando a «matar polacos e judeus-moscovitas».
E se, por hipótese remota, Shukhevych se converteu ao «pluralismo», devemos então deduzir que os seus herdeiros de hoje, comandados nominalmente pelo herói ocidental Zelensky, regrediram nesse aspecto. O regime, como se sabe, proibiu todos os partidos de oposição11 – o último foi o Partido Socialista – supostamente por terem apoiado os acordos de paz de Minsk, assinados pelo governo de Kiev. Recorda-se que a glorificação da violência foi um dos princípios fundadores do Estado ucraniano em Junho de 1941, em Lviv, sob o alto patrocínio de Stepan Bandera e dos ocupantes alemães.

O único «pluralismo» tolerado hoje por Kiev é o da nuvem de grupos nazis que controlam as rédeas do Estado.
Roman Shukhevych, entretanto, continua a ser alvo de homenagens e festivais de vários dias em sua honra. Às celebrações de 2017, por exemplo, seguiu-se um ataque a uma sinagoga12. Apesar de o anti-semitismo estar oficialmente extinto na Ucrânia e o chefe de Estado ser «um judeu».

Dois dos 18 trabalhos do artista Roman Bonchuk, «Judeu com um porco» (na foto) e outro quadro representando um monstro a fatiar uma Torah como shawarma foram retirados após um protesto da comunidade judaica local. Ivano-Frankivsk, Fevereiro de 2022 Créditos / Twitter

Nazismo à solta

No dia 30 de Março deste ano, mais de um mês depois do início da invasão militar russa da Ucrânia, a insuspeita CNN admitiu que o Batalhão Azov, cujos membros são olhados no Ocidente como «mártires» e «resistentes», tem um «histórico de tendências nazis que não foram totalmente extintas com a sua integração na Guarda Nacional» – corpo das Forças Armadas ucranianas13.
Meios de comunicação como The Economist, The Guardian e mesmo a Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade, um organismo de propaganda subordinado à CIA, admitiram mais de uma vez que grupos nacionalistas e «patrióticos» têm comportamentos ao nível das práticas, da simbologia usada e do culto da «pureza da raça» que remetem para a inspiração hitleriana. 
Josh Cohen, ex-membro da USAID – instituição golpista conspirativa ao serviço do Departamento de Estado norte-americano – escreveu na revista Atlantic Council, subordinada oficiosamente à NATO, que «A Ucrânia tem um problema real com a violência de extrema-direita e não, não foi a RT (Russia Today, censurada no Ocidente) que fez esta manchete». Revelou que «o grupo neonazi C-14» é financiado pelo governo de Kiev para desenvolver «projectos de educação patriótica»14, que outras organizações nazis têm elementos desempenhando altos cargos, principalmente no Ministério do Interior, na polícia e nas Forças Armadas; e deduziu que «a impunidade da extrema-direita também representa uma ameaça perigosa ao Estado da Ucrânia». Ainda segundo Cohen, «não são as perspectivas eleitorais dos extremistas que devem preocupar os amigos da Ucrânia, mas sim a falta de vontade ou a incapacidade do Estado para confrontar os grupos violentos e acabar com a sua impunidade».

Militantes do movimento neo-nazi C-14 desfilam para assinalar o 76.º aniversário da fundação da UPA, em Kyiv, a 14 de Outubro de 2018  CréditosOleg Petrasiuk / Kyiv Post

A realidade da situação ucraniana não escapou até ao FBI, como se deduz num relatório elaborado a propósito dos supremacistas brancos norte-americanos formados nas hostes do Azov. No documento pode ler-se que este grupo «é conhecido pela sua associação com a ideologia nazi e acredita-se que tenha participado no treino e radicalização de organizações de supremacia branca nos Estados Unidos»15.

O próprio New York Times costumava qualificar os terroristas ucranianos como «abertamente neonazis», definição que adoçou muito recentemente para «organizações ultranacionalistas» quando uma delegação do Azov, chefiada por um «sobrevivente de Azovstal», em Mariupol, visitou os Estados Unidos, onde participou em sessões públicas de homenagem «e se avistou com mais de cinquenta congressistas», de acordo com um dos membros da missão. O Azov, organização treinada por militares na reserva norte-americanos, correspondendo aos interesses manifestados pela NATO, ainda é considerado oficialmente em Washington como «um grupo nacionalista de ódio».

A negação, no Ocidente, da existência de nazis e banderistas na Ucrânia é uma patética tentativa de esconder da opinião pública o gigantesco apoio a um regime que cultiva a herança de Hitler e de colaboradores ucranianos do III Reich no extermínio de centenas de milhares de pessoas, em nome de um «Estado homogéneo e puro», entre os quais se destaca o «herói nacional» Stepan Bandera.

«Eu também sou um banderista», proclamou no Facebook o chefe da Polícia Nacional, Serhiy Kryazev; «trabalho no Ministério do Interior, sou banderista e estou orgulhoso disso», declarou Zoryan Shkyriak, conselheiro do Ministério do Interior; Anton Shevchenko, porta-voz do Ministério do Interior e da Polícia Nacional, fez a mesma profissão de fé.

O vice-ministro do Interior, Vadim Troyan, veterano do Azov e do grupo Patriota da Ucrânia, declarou-se igualmente banderista, soltou um «Slava Ukraina» e pediu oficialmente «desculpas», em nome do Ministério, quando um oficial da polícia dispersou um ajuntamento de nazis e chamou «banderista» a um deles.

As informações foram divulgadas por Christopher Miller, jornalista da Rádio Europa Livre e do site Bellingcat, um dos órgãos oficiosos da NATO16. Michael Colborne, também um profissional deste site, definiu o Azov como «um perigoso movimento extremista nazi» com «ambições globais».

O batalhão Azov, apoiado pela NATO e pelas lideranças da UE e dos EUA, e tratado pelos "mainstream media" ocidentais como «nacionalistas ucranianos» ou «admiradores de Stepan Bandera», usa o símbolo nazi "Wolfsangel" na sua bandeira e uma das tropas de choque preferidas do governo de Kiev, no Leste como no resto do país. Créditos

A verdade da ditadura

A acumulação na Ucrânia de elementos comprometedores para a «democracia liberal», conceito que domina a propaganda atlantista, é tão evidente que forçou a Rádio Europa Livre a reconhecer que a «polícia ucraniana declara admiração por colaboradores nazis». Parafraseando o atrás citado Josh Cohen, «não, não foi a RT que disse isto».

Multiplicam-se os exemplos de que o Estado ucraniano, com Volodymir Zelensky – tal como aconteceu com o seu antecessor Petro Porochenko –, está minado por organizações nazis de inspiração banderista/nacionalista integral, que actuam através da presença de membros nas estruturas de influência dos órgãos de decisão, reforçada, quando é caso disso, por acções de intimidação e chantagem que não poupam o próprio presidente. Essas nomeações não seriam possíveis sem o aval dos chefes dos departamentos mais determinantes na hierarquia do Estado17.

Azov, Aidar, Dniepr 1 e Dniepr 2, Tridente, Batalhão Donbass, Sector de Direita, C-14 e mais alguns são grupos que, em última análise, exprimem através da acção o que algumas vezes tentam desmentir no discurso oficial, isto é que são inspirados pelos «heróis» do Estado nacionalista integral fundado em 1941 sob a cobertura das tropas alemãs invasoras da Ucrânia Soviética. Uma parceria que as instituições oficiais de «memória» tentam agora esfumar através da censura de livros e do argumento segundo o qual os colaboracionistas também foram vítimas dos alemães. Desconhecem-se, porém, as provas de que alguma vez as organizações banderistas como a OUN ou a UPA tenham atacado forças militares hitlerianas.

Pelo contrário, a História real revela que Yevgeny Konovalets, fundador da OUN em 1929, a par de Stepan Bandera, e durante alguns anos presidente da organização, se avistou duas vezes com o próprio Hitler, na segunda metade dos anos trinta do século passado, para preparar a criação de um Estado ucraniano, o que viria realmente a acontecer pouco depois sob protecção germânica.

«Yevgeny Konovalets , fundador da OUN em 1929, a par de Stepan Bandera, e durante alguns anos presidente da organização, se avistou duas vezes com o próprio Hitler, na segunda metade dos anos trinta do século passado, para preparar a criação de um Estado ucraniano, o que viria realmente a acontecer pouco depois sob protecção germânica»

Primeiro presidente da OUN, Konovalets dirigira antes, a partir de 1920, a Organização Militar Ucraniana (UVO), dedicada à acção armada contra o poder soviético e também contra a Polónia, depois do fracasso da chamada «República Popular da Ucrânia» (1917-1920). Foi também precursor da aliança entre a Alemanha e os nacionalistas integrais ucranianos, mas não chegou a integrar operacionalmente os grupos colaboracionistas porque em 1938 foi vítima mortal de um atentado na Holanda, atribuído aos serviços secretos soviéticos18.

Os restos mortais de Konovalets estão hoje ao lado dos de Bandera, Melniuk e outros «heróis nacionais» da OUN/UPA numa secção especial do cemitério de Lychakivskiy, em Kiev, dedicada à «luta pela independência nacional da Ucrânia».

Apesar de agirem sob designações diversificadas, os grupos nazis ucranianos têm uma origem, um tronco e uma clique terrorista dirigente comuns com influência omnipresente no topo da hierarquia do Estado desde a independência, em 1991. Apesar de a participação nos centros de decisão ser hoje mais discreta, conduzida sobretudo nos bastidores e não tanto em cargos executivos directos, o seu poder determina as linhas de rumo do aparelho estatal no sentido nazi/banderista – o que aliás não é difícil de perceber através da institucionalização, de facto, de um sistema ditatorial: adopção de um apartheid oficial (lei dos povos indígenas), apoiado em teorias de «purificação da raça»; a supressão dos partidos de oposição; a destruição de milhões de livros ao estilo hitleriano; a violência terrorista contra os direitos de opinião, de expressão e manifestação; a homofobia e a perseguição das minorias em geral; as operações de limpeza étnica na região do Donbass; as restrições sindicais e laborais; a proibição de línguas minoritárias – e não apenas o russo; o encerramento de jornais e de cadeias de rádio e televisão, acompanhado pela imposição de uma programação única às restantes sob as ordens dos serviços de segurança; uma polícia política (SBU) sem freios; e a circulação de uma lista inquisitorial contendo os dados pessoais dos «inimigos do Estado» a neutralizar, se necessário eliminar – como tem acontecido frequentemente.

Os nazis ucranianos não inventaram a roda; os seus protectores ocidentais é que, arrastados pela necessidade de não perderem o domínio mundial, assumem o totalitarismo e a ditadura como expressões da «democracia liberal», talvez porque, como proclama o inconfundível Borrell, existem efectivamente dois pesos e duas medidas no cenário internacional. Ou, como disse o veterano criminoso de guerra Henry Kissinger, os Estados Unidos apoiam este ou aquele ditador «porque são os nossos ditadores».

Os «nossos» homens em Kiev

Andriy Biletsky, Dmytro Yarosh, Andriy Parubi, Oleh Tyahnybok e Yehvan Karas são alguns nomes da estrutura nazi que envolve e influencia os órgãos de poder ucranianos.

Quase todos eles são oriundos do Partido Nacional-Social (a designação não deixa dúvidas sobre as suas fontes ideológicas) e a partir dessa organização, depois denominada Svoboda (Liberdade), acabaram por fundar os diversos grupos que actuam no terreno, principalmente na sequência do golpe da Praça Maidan. Partilham o conceito de supremacia étnica ucraniana, a ideia de «Estado puro e homogéneo» (espelhando a herança de Dmytro Dontsov), o culto da violência e de Stepan Bandera, o nacionalismo integral, simbologias e práticas de inspiração nazi.

A maioria dos grupos nazis que se foram formando receberam grande parte dos apoios financeiros do corruptíssimo oligarca Ihor Kolomoysky, um judeu com dupla nacionalidade ucraniana e israelita proprietário da estação de televisão onde o humorista Volodymir Zelensky ganhou fama desempenhando, numa série de ficção, o papel que exerce agora na chefia do Estado. A sua campanha política foi financiada efectivamente por Kolomoysky – e agora partilham a fama devida a quem pertence à elite das grandes fortunas escondidas em paraísos fiscais, como demonstra, sem espaço para equívocos, a investigação jornalística Panama Papers.

«A missão histórica da nossa nação, neste momento crítico, é liderar as raças brancas do Mundo numa cruzada pela sua sobrevivência. A cruzada contra os sub-humanos conduzidos por semitas»

Andriy Biletsky

Andriy Biletsky é conhecido como «o führer branco» e tem um elucidativo cartão de apresentação: a missão da nação ucraniana é «liderar as raças brancas na cruzada final contra os sub-humanos conduzidos pelos semitas», escreveu no livro que se tornou a bíblia dos acampamentos juvenis onde crianças e adolescentes recebem formação doutrinária nacionalista e treino militar. É um dos fundadores do Partido Nacional-Social e, posteriormente, dos seus derivados Svoboda e Patriota da Ucrânia. Mais tarde, na vertigem nacionalista integral do golpe de Maidan, Biletsky fundou o Azov e as respectivas milícias paramilitares que se incorporaram em órgãos de vigilância municipais, verdadeiros grupos de assalto e, por fim, na Guarda Nacional.


Biletsky tornou-se um dos assessores principais do primeiro-ministro Arsen Avakov, designado na sequência do golpe de Maidan pelos norte-americanos Victoria Nuland, do Departamento de Estado, e Geoffrey Pyatt, embaixador em Kiev, sob a batuta do então vice-presidente Joseph Biden, beneficiário de lucrativos negócios nos combustíveis fósseis ucranianos através do filho Hunter Biden.

A estrutura do primeiro governo depois da mudança de regime incluiu dez membros de partidos e grupos nazis. A operação golpista custou cinco mil milhões de dólares aos contribuintes norte-americanos, segundo informações divulgadas pela própria senhora Nuland.

Como assessor do chefe do governo, Biletsky atribuiu ao então recém-fundado Batalhão Azov a missão de «Polícia de Patrulha de Tarefas Especiais». A organização criou para isso uma unidade nacional de vigilância territorial designada Druzhina, uma réplica das SA hitlerianas que prestou juramento perante o próprio fundador do Partido Nacional-Social.

Hoje a actuação de Biletsky processa-se mais na sombra, mas nem por isso é menos eficaz. Muito recentemente foi o organizador da marcha nacionalista sobre Kiev para «dissuadir» Zelensky de chegar a qualquer acordo com a Rússia. A iniciativa integrou-se no conjunto de acções para intimidar o presidente no caso de este se desviar da agenda nazi que, por exemplo, impediu a aplicação dos Acordos de Minsk, neste caso com as conivências dos governos da Alemanha e da França. A ex-chanceler alemã Angela Merkel e o ex-presidente francês François Hollande confessaram recentemente que os Acordos de Minsk, entretanto transformados em resolução das Nações Unidas, não eram para cumprir e não passaram de meros instrumentos para a Ucrânia ganhar tempo e adquirir poder militar que lhe permitisse travar uma guerra contra a Rússia.

Dmytro Yarosh foi um dos cofundadores do Partido Nacional-Social e depois encabeçou uma das suas derivações, o Sector de Direita. Os destacamentos deste grupo de orientação nazi têm-se distinguido na retaguarda das tropas ucranianas envolvidas na guerra, «desencorajando», e mesmo fuzilando, os militares que em situação crítica perante a superioridade operacional russa tentam salvar a vida desertando.

Yarosh foi o organizador do massacre na Casa dos Sindicatos, em Odessa, em 2 de Maio de 2014. O Sector de Direita incendiou o edifício onde se tinham refugiado dezenas de manifestantes contra o golpe de Maidan e pelo menos 48 pessoas perderam a vida. Segundo o chefe dos terroristas, tratou-se de um acto «para defender toda a Ucrânia dos ocupantes internos» e «realizar a revolução nacional». Yarosh chegou a ser colocado na lista dos procurados pela Interpol inserida no site desta organização; num golpe de magia, porém, o seu nome desapareceu rapidamente do rol.

Integrando a estrutura que supervisiona na sombra o comportamento do presidente, do governo e do aparelho de Estado, Yarosh, tal como Biletsky, tem Zelensky sob mira. Foi marcante a sua declaração segundo a qual «Zelensky disse no discurso inaugural que estava pronto a perder audiência, popularidade, força (no caso de fazer acordo com a Rússia). Não», acrescentou, «ele perderia a vida, seria pendurado numa árvore qualquer em Khreschatyk no caso de trair a Ucrânia e as pessoas que morrem na revolução e na guerra. É muito importante que ele entenda isso».

Também nas palavras de Yarosh, «sinto que Zelensky é muito perigoso para nós, ucranianos»; ele «não conhece os perigos deste mundo e as suas declarações de paz a qualquer custo são perigosas para nós».

Quanto ao futuro, Yarosh quer dedicar-se à escrita «para ajudar nacionalistas e patriotas ucranianos a ter uma nova visão sobre o país numa base ideológica sólida: o legado» de figuras como Dontsov, Konovalets, Stepan Bandera, entre outros.

Oleh Tyahnybok fazendo a saudação nazi Créditos / Twitter

Para já, a sua tarefa cumpre-se visivelmente no activo. Em 2021, Zelensky nomeou Yarosh como conselheiro do chefe do Estado Maior das Forças Armadas ucranianas, general Valerii Zaluzhny. O presidente achou mais seguro «entender» as mensagens do chefe do Sector de Direita.

Andriy Parubiy é outro dos nacionalistas integrais admiradores de Stepan Bandera que fez o percurso do Partido Nacional-Social até ao Movimento Azov, passando pelo Svoboda e pelo Patriota da Ucrânia.
Em 2016, invocando sempre Stepan Bandera como referência, tornou-se chefe do Conselho de Segurança e de Defesa da Ucrânia. Foi igualmente presidente da Rada (Parlamento) através do partido do presidente Petro Porochenko, também ele ferozmente segregacionista, como se percebe consultando os seus discursos. O facto de Parubiy, oriundo do Azov, ter sido eleito pelos deputados da Rada como presidente da instituição é relevante para se perceber como o regime da Ucrânia, sobretudo pós-Maidan, atribui alguns dos mais altos cargos do Estado a banderistas confessos.

A falta de pudor é extensiva aos governos dos Estados Unidos e de países da União Europeia que receberam oficialmente Parubiy, com muita cordialidade, apesar de este nunca se ter preocupado em esconder as fotos de manifestações onde participou ostentando simbologia nazi.

É certo que, ao tornar-se deputado pelo partido de Porochenko, Andriy Parubiy teve de desligar-se formalmente do Movimento Azov. Porém, numa entrevista concedida em 2016, em pleno exercício do cargo de presidente do Parlamento, assegurou que não abdicou dos seus «valores».

Oleh Tyahnybok19 é outro membro da superestrutura nazi que controla o Estado ucraniano. Chefia o Svoboda desde 2004, enquanto é aliado de Yarosh no Sector de Direita, depois de ter participado na fundação do Partido Nacional-Social em 1991; em 1998 foi integrado no Conselho Supremo da Ucrânia. Esteve nas cogitações de Biden e Nuland para chefiar o governo ucraniano pós-Maidan e tornou-se deputado.

O então vice-presidente Joe Biden cumprimenta Oleh Tyahnybok durante um encontro no parlamento, em Kiev, a 22 de Abril de 2014 CréditosAnastasia Sirotkina / REUTERS

Ao longo da carreira nunca escondeu as suas simpatias pela geração ucraniana colaboradora do regime de Hitler e exibe-se como personagem de destaque das manifestações anuais em honra de Bandera nas quais se grita «fora os judeus», «enforquem-se os russos». Fotos destes acontecimentos captaram-no a fazer a saudação nazi em cima do palanque instalado no final de um dos desfiles. Em Abril 2014, pouco depois do golpe de Maidan, o então vice-presidente Joe Biden mostrava-se sorridente ao encontrar-se em Kiev com o nazi Tyhanybok.

O chefe do Svoboda trabalhou activamente para o reconhecimento da importância do papel da UPA na história da Ucrânia. Ainda muito antes do golpe de Maidan fez um discurso junto às sepulturas de oficiais daquela organização: «Vocês são aqueles que a máfia judaica-moscovita que governa a Ucrânia mais teme; vocês lutaram contra os moscovitas e os judeus». Tyahnybok pediu em 2005 ao presidente Yushenko, entronizado depois de uma «revolução cor-de-rosa» organizada por Washington, a realização de uma investigação sobre «as actividades criminosas do judaísmo organizado na Ucrânia». Jura que não é anti-semita.

José Goulão, exclusivo AbrilAbril

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Opinião
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Um dos grupos menos conhecidos, mas não menos interventivo ao nível das esferas de decisão, é o C-14, agora renomeado Fundação Futuro. Trata-se da organização juvenil do partido Svoboda e tem uma acção intensiva na doutrinação racista dos jovens ucranianos «puros», sobretudo na educação do ódio aos russos, definidos como «sub-humanos». O «14» presente na denominação da organização relaciona-se com as 14 palavras da expressão programática originalmente divulgada pelo neonazi norte-americano David Lane: «Temos de assegurar a existência do nosso povo e o futuro para as crianças brancas».

O C-14 ou Fundação Futuro – o Svoboda também usa, significativamente, a designação Sociedade do Futuro – é chefiado por Yevhen Karas e tem uma actividade diversificada, em grande parte subsidiada pelo governo. É o caso dos projectos de «educação nacional-patriótica» elaborados pelo seu Conselho de Educação e que são financiados pelo Ministério da Juventude e Desportos. Entre as iniciativas incluem-se campos de juventude para doutrinação ideológica e treino militar, competições desportivas apenas para crianças «brancas», a promoção de concertos com bandas nazis e negacionistas do Holocausto, como o grupo Sakyra Peruna. Num dos espectáculos promovidos em 2019 com a actuação desta e outras bandas afins estiveram presentes o então primeiro-ministro Oleksiy Honcharuke, envergando uma camisa negra, e a ministra dos Assuntos dos Veteranos, Oksana Koliada.

Destruição e saque de acampamentos de ciganos (seis em dois meses durante 2018), operações nas quais contam frequentemente com apoio policial; operações de polícia municipal e violentas patrulhas de rua no oblast (província) de Kiev; decoração de edifícios públicos com símbolos e bandeiras nazis, ataques contra manifestações LGBT e de organizações de oposição ao regime são acções em que o C-14 particularmente se distingue. Um dos assaltos a um acampamento de ciganos foi programado para 20 de Abril de 2018, de maneira a coincidir com a data de nascimento de Hitler.

«O Aidar, transformado em batalhão de assalto, os grupos Dniepr 1 (muito elogiado pelo falecido senador fascista norte-americano John McCain) e Dniepr 2, Trident, Donbass, têm todos as suas origens remotas no Partido Nacional-Social como herdeiro do espólio ideológico nazi-banderista.»

Nesse mesmo ano, Serhiy Bondar, um dos chefes do grupo, proferiu uma conferência sobre Segurança da Comunidade na America House de Kiev, uma instituição oficial norte-americana. Segundo fontes de oposição, os serviços secretos SBU recorrem ao C-14 para a execução de «tarefas» à margem das leis em vigor, da mesma maneira que os Estados Unidos «deslocalizam» as práticas de tortura para prisões secretas em países aliados. Um dos resultados prováveis dessa «delegação de poderes» foi o assassínio do jornalista Oles Buzina, liquidado a tiro perto de casa em Abril de 2015.

O C-14 e o Movimento-Batalhão Azov foram integrados no Conselho Público do Ministério dos Assuntos dos Veteranos.

Dmytro Riznychenko, um dissidente do grupo, revelou à «Rádio Svoboda» que «no C14 são todos nazis». O Ocidente «dá-nos armas para nos divertirmos a matar», costuma proclamar o chefe da organização, Yevhen Karas.

«O nacionalismo é exactamente o que a Ucrânia precisa», assegurou Anne Applebaum, destacada jornalista norte-americana de origem judaica galardoada com um prémio Pulitzer e casada com Radoslaw Sikorski, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do regime nacional-fundamentalista da Polónia. Sikorski voltou momentaneamente à ribalta há dias quando defendeu que a Ucrânia devia possuir armas nucleares e usá-las contra a Rússia.

O Congresso Mundial Judaico, o Memorial do Holocausto nos Estados Unidos e 57 congressistas norte-americanos não partilham da opinião de Applebaum e condenam «a glorificação nazi» sob o regime de Kiev.

Zelensky e a moral da história

Zelensky é judeu, portanto não pode ser nazi, ouve-se na União Europeia e nos Estados Unidos da boca de quem parece querer aliviar a consciência (se a tivesse) pelo fornecimento de toneladas de armas e milhares de milhões de euros e dólares a um regime dominado por um aparelho aparentado com o terror hitleriano.

O silogismo é absurdo. A sua invocação pode até criar um problema existencial ao próprio Aristóteles, tentado assim a rever o seu Organon.

O presidente em exercício da Ucrânia costumava brincar com a ascendência judaica, que dizia não ter qualquer influência na sua vida: «O facto de ser judeu não chega a ser a vigésima na minha longa lista de falhas». Isto foi antes de entender que seria útil e oportuno invocar essa circunstância para tentar repelir as acusações de que estava à cabeça de um regime nazi.

Será Volodymyr Zelensky originalmente um nazi convicto como Biletsky ou Yarosh, proeminentes figuras do aparelho que controla o regime? Assumamos a improvável hipótese de não ser, de não passar de uma figura do showbiz bacoco, apesar disso com talento para a comunicação – o que não é difícil quando se é levado ao colo por 160 agências transnacionais da especialidade, com enorme experiência em mentiras, manipulação, estratégias de engano, sound bites para vender desde detergentes a discursos de primeiros-ministros.

Andriy Biletsky (centro), fundador do Batalhão Azov  Créditos

O presidente ucraniano caminha entre a ficção e a realidade, tentando equilibrar-se como um funâmbulo em apuros porque a sua especialidade circense são as piadas obscenas e porno-boçais. Deram-lhe o mundo para brincar, como fazia o outro, incarnado, porém, por um genial actor em O Grande Ditador, e agora está o planeta e estamos todos à beira do mais negro dos abismos. O maior irresponsável, na verdade, não é o próprio, mas os que lhe movem os cordelinhos, lhe oferecem armas «para nos divertirmos a matar», como diz Karas, o chefe do C-14, e vão até ele prestar vassalagem levando milhões de milhões roubados cinicamente aos cidadãos, sabe-se lá com que destino final.

Em abono da verdade deve dizer-se que Zelensky não necessitou de um talento especial para transformar a sua carreira de actor de ficção no papel de chefe da junta golpista de Kiev. Mudou de palco, mas continuou na área do fingimento e do faz de conta, temperados agora com a mentira inerente à actividade dos mentores políticos. A sua campanha eleitoral baseou-se no estabelecimento da «paz» no país, designadamente através da aplicação dos Acordos de Minsk, estratégia que lhe valeu obter no martirizado Donbass a enorme maioria para derrotar amplamente o seu rival, conhecido nesta região como «Porochenko o fascista».

A população da Ucrânia não se revia no clima de guerra criado com o golpe de Maidan, que derrubou um governo democraticamente eleito, seguido do assalto das forças regulares e dos grupos nazis contra a população maioritariamente russa do Leste e Sudeste do país. Foi esse facto, conjugado com as promessas de «reconciliação», que catapultou a eleição de Zelensky.

«O presidente ucraniano caminha entre a ficção e a realidade, tentando equilibrar-se como um funâmbulo em apuros porque a sua especialidade circense são as piadas obscenas e porno-boçais.»

Ora Zelensky, da mesma maneira que os tutores ocidentais, certamente sabia que os acordos de Minsk não eram para aplicar, como já garantia o próprio Porochenko e Merkel e Hollande agora confirmaram; pelo que a campanha do candidato vencedor assentou sempre numa ilusão, uma rábula como quaisquer das suas performances como actor – esta tendo, porém, como consequência bem real e dramática a chacina de centenas de milhares de seres humanos.

Como ficámos a saber muito recentemente, o ditador de Kiev nunca pensou, de facto, em respeitar os acordos de Minsk. Montou a campanha eleitoral com base numa fraude, driblando Porochenko porque conseguiu mentir mais e melhor, ou não se tratasse de um especialista em fazer de conta. Numa entrevista à revista alemã Der Spiegel, publicada em 9 de Fevereiro último, o chefe do regime de Kiev confessou que «fingiu apoiar os Acordos de Minsk para uma troca de prisioneiros com a Rússia e dar tempo ao país para se preparar para a guerra». Acrescentou que revelou isso mesmo à chanceler Merkel e ao presidente Macron porque «as concessões» contidas nos acordos, mesmo que transformadas em resolução das Nações Unidas, eram «inaceitáveis». «Não podemos implementá-los», assegurou. A França e a Alemanha anuíram, da mesma maneira como posteriormente o Reino Unido e toda a NATO invalidaram as possibilidades de entendimento entre a Ucrânia e a Rússia que chegaram a ser desenhadas em Istambul, em Março de 2022. Como explicou agora o próprio Zelensky perante o Parlamento Europeu.

De facto, torna-se quase impossível negociar e fazer valer acordos com esta gente, sempre de mentira e má-fé em riste.

A realidade da Ucrânia pós-Maidan, e mesmo pós-independência em versão mais benigna, acabou por arrasar todas hipóteses apresentadas como bem-intencionadas, mesmo as mais estrambólicas.

Se Zelensky não era originalmente nazi, as circunstâncias do mito de uma Ucrânia nórdica, branca, pura e homogénea transportado até hoje pelas almas sangrentas de Dontsov, Bandera, Setsko, Shukhevych e outros «heróis nacionais», colocaram-no ao serviço de um sistema nazi. O que, em termos práticos, não faz qualquer diferença.

Comemoração do 114º aniversário de Stepan Bandera, junto ao monumento do líder da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN), em Lviv, Ucrânia, 1 de Janeiro de 2023 CréditosMykola Tys / EPA

Sendo Zelensky judeu nada o impede, como está à vista de todos, de encabeçar um regime de inspiração nazi-banderista. Não faltam na História os casos de colaboração de judeus com o Reich e com ideologias nazi-fascistas. O depois primeiro-ministro israelita Menahem Begin não teve pejo em recorrer a formadores hitlerianos para tornar operacional o seu grupo terrorista Irgun, um dos pilares em que assentou posteriormente o actual exército de Israel. Zelensky tem obrigação, apesar do diletantismo mais ou menos alienado de grande parte da sua vida, de conhecer o caso de Zeev Jabotinsky, destacadíssima figura sionista de origem ucraniana, também ele um dos fundadores do Irgun, que se colocou ao lado dos nazis alemães por ocasião da invasão da União Soviética; chegou, apesar disso, a administrador Congresso Mundial Judaico e os seus restos mortais foram acolhidos com todas as honras em Israel, terra de apartheid, tal como a Ucrânia de hoje. O secretário pessoal de Jabotinsky foi o pai de Benjamin Netanyahu, o conhecido e eterno primeiro-ministro de Israel, por sinal o maior amigo de Volodymir Zelensky na clique governante do sionismo.

E como será que os seguidores do mito segundo o qual o presidente ucraniano sendo judeu não pode ser nazi resolverão esta intrigante equação: o facto de Kolomoysky, o patrão mediático e financiador da campanha presidencial de Zelensky, que ajudou a fundar e sustenta com verbas principescas os grupos nazis ucranianos, entre eles o Azov, ser também o presidente da Comunidade Judaica Unida da Ucrânia? A memória da chacina de dezenas de milhares de judeus pelo nacionalismo integral que governa o seu país certamente não o incomoda.

A farsa durou pouco

Entretanto, as virtuais boas intenções «pacifistas» de Zelensky usadas na campanha de mentira dissiparam-se logo que tomou posse. A partir daí a superestrutura nazi-banderista que manda em Kiev decidiu que era tempo de acabar com a rábula e os fingimentos

Bastou a primeira deslocação presidencial para Leste depois das eleições, com destino a Zolote, na chamada zona cinzenta de separação entre os dois lados em conflito, para as dúvidas se dissiparem.

Recebido pelos comandantes do Azov e outros agrupamentos nazis envolvidos na campanha «Não à capitulação» – contra os Acordos de Minsk e outras iniciativas para atenuar as tensões militares -, Zelensky chegou ainda a defender uma redução dos armamentos presentes na linha da frente, de modo a gerar um ambiente de confiança, ainda que ténue, susceptível de prolongar por mais algum tempo o período sem guerra aberta. A resposta dos comandantes nazis foi de extrema dureza contra o presidente e os vídeos da altercação rapidamente correram os meios de comunicação nacionalistas e as redes sociais, gerando uma poderosa vaga de intimidação e chantagem contra o novo titular nominal do poder em Kiev.

Andriy Biletsky prometeu mobilizar novos contingentes de milhares de paramilitares para contrariar as sugestões de Zelensky e depois comandou a marcha sobre Kiev contra hipotéticos esforços de paz; um deputado do partido de Porochenko fez uma intervenção parlamentar ameaçando que uma granada lançada por um membro de um grupo «patriótico» poderia explodir em qualquer lado, até junto do presidente; Dmytro Yarosh afirmou, recorda-se, que as supostas intenções de paz do chefe de Estado «são perigosas para nós» – e também para o próprio, que poderia ser «pendurado numa árvore».

Tudo voltou então aos tempos de Porochenko, segundo o qual o governo da região ocidental da Ucrânia nunca pensou em cumprir os Acordos de Minsk, assinados apenas para «ganhar tempo» e reforçar a guerra contra o Donbass. Entre Porochenko e Zelensky diluíram-se as diferenças, mesmo que improváveis; e em Kiev continuaram a mandar os mesmos de sempre.

Foi isso que aconteceu a partir do momento em que Zelensky ficou refém da teia nazi envolvendo o Estado ou então se converteu definitivamente à «ordem nacional» herdada de Dontsov, Bandera e outros nacionalistas integrais homens de mão do expansionismo do III Reich.

Zelensky emergiu então segundo o modelo que hoje conhecemos. Um verbo de encher atrevido, sem limites, megalómano, irresponsável e insensível perante o valor da vida humana, um nacionalista feroz e ao mesmo tempo um bobo de corte dos poderes internacionais que não têm qualquer pudor em usar o nazismo como tropa de choque ao serviço dos seus interesses maníacos e totalitários, da mesma maneira que o fazem com a al-Qaida e o Isis – a conhecida «ordem internacional baseada em regras». Nacionalismo integral ucraniano e nazismo, uma velha parceria, como sempre útil às tentações hegemónicas, sejam da Alemanha de Hitler ou do império ocidental comandado pelo regime dos Estados Unidos da América. Afinal, o verdadeiro Estado pária e terrorista, como mais uma vez ficou demonstrado ao bombardear os gasodutos Nord Stream.

«Zelensky emergiu então segundo o modelo que hoje conhecemos. Um verbo de encher atrevido, sem limites, megalómano, irresponsável e insensível perante o valor da vida humana, um nacionalista feroz e ao mesmo tempo um bobo de corte dos poderes internacionais que não têm qualquer pudor em usar o nazismo como tropa de choque ao serviço dos seus interesses maníacos e totalitários, da mesma maneira que o fazem com a al-Qaida e o Isis – a conhecida "ordem internacional baseada em regras".»

Zelensky tornou-se inimigo da paz até ao sacrifício do último ucraniano; transforma sistematicamente os colaboracionistas nazis em «heróis nacionais», acha que os ucranianos têm todo o direito a ser banderistas porque isso «é fixe», deixou a sua assinatura na lei racista dos «povos indígenas» ou autóctones, eliminou os partidos de oposição, esvaziou as bibliotecas ao destruir milhões de livros, permitiu que se criasse aquilo que a Rádio Europa Livre – imagine-se! – qualifica como «uma atmosfera arrepiante para os jornalistas».

Para não deixar dúvidas quanto à sua posição, negando totalmente o que prometera na campanha eleitoral, Zelensky convocou em Outubro de 2019 uma reunião de trabalho com o pleno dos grupos terroristas nazis. «Encontrei-me hoje com os veteranos», explicou o presidente. «Estiveram todos presentes, o Corpo Nacional, o Azov, toda a gente». Anote-se a veneração e o respeito que Zelensky expressou em relação aos interlocutores, tratando-os como «veteranos».

Em 1 de Dezembro de 2021, o chefe nominal do regime da Ucrânia condecorou como «herói nacional», em pleno Parlamento, o comandante do Sector de Direita, Dmytro Kotsubaylo. O seu grupo fuzila os soldados ucranianos quando tentam desertar; Kotsubaylo costuma «brincar» com os jornalistas dizendo que «os meus homens alimentam-me com ossos de crianças que falam russo». É-lhe atribuído o lançamento da campanha «Não à capitulação».

Pouco antes desse acto, Zelensky fez-se representar, tal como o seu ministro da Defesa, no funeral de Orest Vaskoul, antigo membro do ramo ucraniano das SS alemãs. A alma do falecido criminoso de guerra foi encomendada ao Senhor pela Igreja Autocéfala da Ucrânia, entidade responsável pelas doutrina e liturgia de uma religião de Estado assente nos mitos nacionalistas integrais, enquanto os esbirros do regime destroem templos e perseguem politicamente os dignitários da Igreja Cristã Ortodoxa, a mais seguida pelos ucranianos religiosos, com o senão de ter sede em Moscovo. A urna do SS Vaskoul foi coberta com a bandeira da Ucrânia.

E chega o Colar da Liberdade para o ditador

É a um sociopata capaz de gestos doentios como estes, cujo conhecimento está bem à disposição de quem tem espírito livre para avaliar todos os ângulos de causas, efeitos e comportamentos, que o venerando chefe de Estado de Portugal, recuando para a obscenidade de atitudes próprias do seu antecessor Thomaz, decidiu entregar a Ordem da Liberdade. Uma consagração da qual não são dignos, segundo os critérios de Belém, tantos dos corajosos militares que fizeram o 25 de Abril.

Não bastava o inqualificável Zelensky ter perorado em S. Bento em pleno período das comemorações do 25 de Abril, aliás para insultar este mesmo movimento libertador comparando-o ao golpe fascista de Maidan. Agora, o chefe de Estado oferece a própria insígnia da Liberdade a uma figura à medida dos negros tempos portugueses em que, a exemplo da Ucrânia de hoje, os partidos políticos de oposição eram proibidos, os antifascistas penavam na cadeia ou eram assassinados, livros eram impublicáveis, retirados de circulação ou destruídos, os meios de comunicação censurados, sujeitos a uma programação única, jornalistas presos; e a PIDE, inspirada e treinadas pela Gestapo nos alvores da sua existência, revive hoje na SBU ucraniana, que tem iguais mestres e metodologias.

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O 25 de Abril e o convidado neonazi

Que país é este em que 48 anos depois do 25 de Abril qualquer opinião que não coincida com a doutrina oficial e ouse dizer de Zelensky aquilo que realmente é traduz um apoio ao autocrata Putin?

CréditosManuel de Almeida / EPA

Vamos ver se nos entendemos.

Sem meias palavras, sem reticências, sem redundâncias nem floreados.

Exactamente 48 anos depois da Revolução de 25 de Abril de 1974, que derrotou o fascismo em Portugal, a Assembleia da República, dita «a casa da democracia», decidiu convidar para discursar o chefe nominal de um aparelho de poder nazi.

Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, não é um democrata. Foi designado em eleições não democráticas uma vez que parte significativa do eleitorado não teve condições para votar devido à guerra imposta pelo regime do mesmo Zelensky em várias regiões do país.

O regime de Kiev é suportado por um aparelho político, policial e militar nazi inspirado no nacionalismo integralista ucraniano nascido na segunda década do século passado e do qual os herdeiros, em pleno auge do expansionismo hitleriano, colaboraram com as tropas e as SS alemãs em chacinas de milhares de polacos, judeus e cidadãos soviéticos – ucranianos e russos. Stepan Bandera, um dos colaboracionistas hitlerianos mais carismáticos dos anos quarenta, é hoje o «herói nacional» da Ucrânia de Zelensky e a figura de referência dos grupos políticos, militares e dos esquadrões da morte que sustentam o regime.

«O regime de Kiev é suportado por um aparelho político, policial e militar nazi inspirado no nacionalismo integralista ucraniano nascido na segunda década do século passado e do qual os herdeiros, em pleno auge do expansionismo hitleriano, colaboraram com as tropas e as SS alemãs»

O regime dirigido por Volodymyr Zelensky proibiu o Partido Comunista da Ucrânia. Já depois disso interditou mais 11 partidos. Aleksander e Mikhail Kononovich, dirigentes da União da Juventude Comunista Leninista (organização proibida) estão presos às ordens da polícia política (SBU) e há notícias de terem sido torturados. Denis Kirev, membro da delegação ucraniana às negociações em curso com a Rússia, foi assassinado numa rua de Kiev pela polícia política depois de ter sido designado como «suspeito de traição». Recentemente foi a vez de Viktor Medvedchuk, um dos dirigentes do partido de oposição Plataforma de Oposição – Pela Vida, com a prisão do qual Zelensky atingiu o grau da ignomínia, propondo entregar à Rússia o seu adversário, um cidadão ucraniano, em troca de compatriotas seus feitos prisioneiros pelos russos.

O actual chefe da contra-espionagem do SBU, Oleksandr Poklad, nomeado por Zelensky em 2021, conhecido por «Estrangulador» devido à sua forma favorita de torturar prisioneiros, é uma personagem comprovadamente ligada ao crime organizado, aos vários grupos nazis que orbitam na presidência, e acusado de execuções extrajudiciais. Foi condecorado por Zelensky com a «Ordem da Coragem». O presidente ucraniano também agraciou recentemente, em pleno Parlamento de Kiev, o comandante do Batalhão nazi Azov, um corpo integrado na Guarda Nacional, que compareceu ao acto envergando farda de combate.

Entre as mais recentes nomeações de Zelensky destaca-se a de Dmitry Yarosh, fundador e dirigente de organizações nazis, designadamente o Sector de Direita, como conselheiro do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Valerii Zalushnyi. A 1 de Março passado o presidente ucraniano substituiu o governador regional de Odessa por Maksym Marchenko, um ex-comandante do neonazi Batalhão Aidar que está acusado de crimes de guerra cometidos na região do Donbass.

Sobre a relação do regime de Zelensky com a democracia, a população do país e as opiniões divergentes pode ler-se num Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos: «O ACNUDH documentou alegações de desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e incomunicáveis, tortura e maus-tratos perpetrados com impunidade por polícias ucranianos, principalmente por elementos do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU).»

Também um relatório publicado pelo Departamento de Estado norte-americano reconhece o seguinte: «A ONU observou deficiências significativas nas investigações sobre abusos de direitos humanos cometidos pelas forças de segurança do governo […] em alegações de tortura, desaparecimentos forçados, detenção arbitrária e outros abusos supostamente perpetrados pelo Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU).»

Ou ainda, segundo o mesmo relatório: «Nenhuma justiça, verdade ou reparação foi alcançada para qualquer uma das vítimas de desaparecimento forçado, detenção secreta e tortura de civis pelo Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) e nenhum suspeito foi processado».

Descrições que fazem lembrar singularmente as práticas de Pinochet e de outros regimes afins. Os quais, ainda que com algum pudor, são qualificados como fascistas pela generalidade dos poderes ocidentais.

O nacionalismo ucraniano, de que Volodymyr Zelensky é presentemente o representante nominal máximo, assenta ideologicamente no conceito de «nação pura» defendido pelo integralismo fundador e reproduzido actualmente na obra de Andryi Biletsky, fundador do Batalhão Azov, sobre a necessidade de uma «cruzada branca», no imediato contra os «negros da neve», uma das designações usadas para os ucranianos de origem russa. As suas ideias servem de base doutrinadora nos acampamentos da juventude organizados por entidades governamentais e nos quais se ministra treino militar às crianças.

As marchas com tochas organizadas regularmente em Kiev e Lvov para homenagear a memória do nazi e «herói nacional» Stepan Bandera, com numerosas estátuas e nomes de avenidas em todo o país, fazem-se ao som de gritos de «enforquem os russos», «morte aos russos».

O presidente Volodymyr Zelensky entrega a Dmytro Kotsyubailo, comandante da primeira companhia de assalto do Corpo de Voluntários «Sector Direito», agrupamento nazi, o título de «Herói da Ucrânia». Kiev, 1 de Dezembro de 2021 Créditos

Zelensky e Putin

O domínio nazi sobre o aparelho governamental de Zelensky é minimizado, branqueado ou mesmo ridicularizado pelas castas dirigentes dos Estados Unidos e da União Europeia, que assim se tornam cúmplices das suas acções. O nazismo ucraniano não é branqueável, não deixa de existir por não ser noticiado e não se torna inofensivo por assim ser tratado pela propaganda de guerra. Nem se torna democrático pelo facto de as suas organizações e grupos de extermínio serem treinados por instrutores de países da NATO e armados por governos de países da NATO, incluindo Portugal, situação que já não é possível negar.

Dar foco a esta realidade é uma atitude qualificada em tempos de censura, opinião única e coacção ideológica como um apoio às práticas criminosas do regime russo chefiado por Vladimir Putin.

Trata-se de uma das mais sujas e intelectualmente desonestas manobras de propaganda de guerra e de instrumentalização das populações norte-americana e europeias no interesse do globalismo neoliberal e do seu sector de ponta – a produção e tráfico de material de guerra.

Sejamos mais uma vez claros e sem rodeios. O drama da guerra na Ucrânia iniciou-se em Abril de 2014, quando o regime de suporte nazi instalado pelos Estados Unidos e a União Europeia em Kiev lançou o assalto militar e de limpeza étnica contra o Leste do país, habitado maioritariamente por populações de origem russa. A invasão russa da Ucrânia, iniciada oito anos depois, é uma nova fase da guerra, alegadamente para proteger essas populações na iminência de um novo assalto de Kiev. Moscovo afirma que se trata de uma operação inspirada no conceito R2P, Responsability to Protect (Responsabilidade de Proteger), criado para justificar guerras lançadas pela NATO, designadamente na ex-Jugoslávia e na Líbia.

«Sejamos mais uma vez claros e sem rodeios. O drama da guerra na Ucrânia iniciou-se em Abril de 2014, quando o regime de suporte nazi instalado pelos Estados Unidos e a União Europeia em Kiev lançou o assalto militar e de limpeza étnica contra o Leste do país, habitado maioritariamente por populações de origem russa»

Não, escrever o que ficou escrito não significa «estar do lado» da Rússia.

A invasão russa é criminosa. Viola o Direito Internacional. Torna as populações civis inocentes de toda a Ucrânia – e não desta ou daquela região – reféns de interesses oligárquicos, ocidentais e orientais, que tiram proveito da guerra.

Vladimir Putin chefia uma corte de oligarcas. Não é um democrata, manipula eleições; é um político nacionalista, um autoritário de extrema-direita, anticomunista e antissocialista que tem vindo a ganhar peso reactivando raízes tradicionalistas e ideologicamente reaccionárias da Rússia profunda. Putin e o seu regime estão fechados aos direitos das minorias, às acções e lutas que derrubam velhos tabus sociais, culturais e de género; o Kremlin recria uma mentalidade czarista com suporte numa economia neoliberal instalada por assessores e conselheiros norte-americanos que rodearam o presidente Ieltsin logo a seguir à extinção da União Soviética. Foi a época do saque e da rapina do aparelho soviético – que afinal não parecia ser tão «obsoleto» como diziam – da qual a Rússia ainda está longe de se recuperar e que deixou a esmagadora maioria da população à mercê dos interesses da casta oligárquica estrangeirada que efectivamente criou Putin.

Putin é um senhor da guerra. Biden, Stoltenberg, Von der Leyen serão senhores e senhora da paz? E Borrell, chefe da política externa da União Europeia, para quem a guerra só tem solução militar? Apoia soluções negociadas como boicotou os Acordos de Minsk?

Este quadro não faz de Zelensky um democrata nem iliba o seu regime das responsabilidades pela guerra no Leste do país, da limpeza étnica, da xenofobia contra as populações russófonas, de ser um instrumento de um sistema nazi inerente às raízes nacionalistas ucranianas.

Zelensky é um produto da oligarquia ucraniana que tomou conta da independência do país. Comediante de origem, é um político formado na ficção televisionada, uma criação do oligarca e banqueiro nazi Ihor Kolomoysky, que por sinal tem igualmente nacionalidade israelita o que demonstra como o mundo dá muitas voltas e os interesses pessoais e de casta são maleáveis.

A situação na Rússia também não serve de argumento sustentável para que a NATO, ao longo dos anos, tenha cercado o país com tropas e moderno material de guerra através de sucessivas operações ofensivas apresentadas, como habitualmente, sob chancela «defensiva». A mesma NATO que nos últimos dias da União Soviética prometeu a Gorbatchov que não iria expandir-se para oriente da linha Oder-Neisse e que depois disso engoliu quase todos os países até às fronteiras ocidentais russas. Uma das excepções foi a Ucrânia – o busílis da questão, como sabemos. Outros estão na calha, reforçando as provocações e ameaças atlantistas, a confirmarem-se os próximos pedidos de adesão da Suécia e da Finlândia.

A criação deste cenário não augurava e não augura nada de bom. Para já, as vítimas são os ucranianos, sejam quais foram as suas origens nacionais, com os quais nem as oligarquias russas nem ocidentais se incomodam, a não ser como peças de uma propaganda suja, desumana e orwellianamente manipuladora. Por este andar, se as forças da paz de todo o mundo, mas principalmente da Rússia e da Europa, não travarem uma tão insana vertigem de irresponsabilidade, as próximas vítimas seremos todos nós.

Cravos vermelhos sobre as bancadas vazias do Parlamento durante a sessão solene comemorativa dos 46 anos da Revolução de 25 de Abril na Assembleia da República, em Lisboa, a 25 de abril de 2020. As comemorações do 25 de Abril no Parlamento realizaram-se este ano com número reduzido de presenças devido à pandemia em curso. CréditosTiago Petinga / LUSA

Uma agressão ao 25 de Abril

É neste contexto que a Assembleia da República decide receber o instrumento do nazismo na presidência da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.

Precisamente 48 anos depois do 25 de Abril a «casa da democracia» assinala a queda do fascismo com um convidado oriundo das sombras do nazismo. Em que país estamos? O que se passa pela cabeça dos deputados? Zelensky traz mensagens de democracia e liberdades enquanto o seu regime autocrata e xenófobo persegue, tortura, assassina e faz desaparecer cidadãos – o que acontece desde que foi implantado e nada tem a ver com a agressão russa?

O regime de Kiev é o que é, uma aberração da democracia, características inerentes e ancestrais que são independentes da invasão russa em curso.

«Acolher num Parlamento eleito o enviado de um nacionalismo nazi é um atentado à democracia em qualquer época. Fazê-lo no período de comemorações de uma revolução libertadora é uma traição ao 25 de Abril e aos militares que o tornaram possível, uma ofensa aos democratas, um insulto a todos quantos se bateram, sofreram e deram a vida pela derrota do fascismo»

Em recente presença no Parlamento grego, o mesmo Volodymyr Zelensky deu voz a dois nazis do Batalhão Azov para elogiarem organizações fascistas e terroristas da História da Grécia. E agora? Teremos outros convidados do presidente ucraniano elogiando a Pide e a Legião Portuguesa na Assembleia da República?

Que país é este em que 48 anos depois do 25 de Abril qualquer opinião que não coincida com a doutrina oficial e ouse dizer de Zelensky aquilo que realmente é traduz um apoio ao autocrata Putin?

As chamadas «democracias liberais» são historicamente complacentes com o fascismo e acabam por sofrer às mãos da besta, como Bertold Brecht bem lembrou. A democracia portuguesa, porém, tem – ou deveria ter – raízes mais profundas uma vez que nasceu de lutas constantes e de um levantamento heróico precisamente contra o fascismo.

Acolher num Parlamento eleito o enviado de um nacionalismo nazi é um atentado à democracia em qualquer época. Fazê-lo no período de comemorações de uma revolução libertadora é uma traição ao 25 de Abril e aos militares que o tornaram possível, uma ofensa aos democratas, um insulto a todos quantos se bateram, sofreram e deram a vida pela derrota do fascismo.

Há uma particularidade da situação tão ou mais abjecta que esta. A chamada «classe política» e a comunicação social corporativa escolhem como alvos privilegiados da sua propaganda ao serviço do regime de Kiev os deputados e o partido, o PCP, que mostram como o rei vai nu, defendem as soluções de paz de maneira consequente e decidiram não prestar vassalagem ao convidado nazi. Parece ser esse, afinal, um pecado contra a democracia – tal é o ponto a que propaganda consegue chegar para inverter a realidade.

Certamente a «classe política» e a mesma comunicação domesticada deve achar natural que a embaixadora de um aparelho nazi reúna alguns capangas, indivíduos estrangeiros acolhidos de boa-fé, para provocar, desrespeitar, insultar e ameaçar nas ruas de Portugal o partido português que mais se tem batido contra o fascismo, ontem como hoje.

Afinal em que país estamos? Em nome da dignidade, do patriotismo, da democracia e do 25 de Abril os portugueses não podem permitir que uma situação como esta se mantenha. É hora de afirmar, sem peias nem hesitações, que há limites para a subserviência, para a mentira, para as ingerências, os abusos de confiança, as manobras que pretendem identificar a verdadeira luta pela paz, a autêntica denúncia da guerra, independentemente de quem a provoca, com o apoio às campanhas criminosas de Putin. Entre a Rússia e a Ucrânia escolhe-se a paz: não há outro caminho.

Já é altura de mobilizar esforços para combater de maneira afirmativa, desassombrada e eficaz a cortina de ferro da propaganda de guerra e da instrumentalização de opiniões. O silêncio, o conformismo e a inacção dos portugueses perante a sucessão de aberrações que estamos a viver são fatais para a democracia.

José Goulão, AbrilAbril

Tipo de Artigo: 
Opinião
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Com esta decisão anunciada, o Chefe de Estado insulta o 25 de Abril, agride os portugueses, humilha os antifascistas. Sabemos que o homem «dos afectos», com a veia populista entranhada de uma maneira indisfarçável por qualquer manobra de imagem e marketing, não nutre carinho especial pelo movimento libertador de há quase 50 anos. Confirma-se por estes dias aquilo de que fortemente se suspeitava: Marcelo não era um corpo estranho no reino de Marcello; afinal a «democracia orgânica» do padrinho confunde-se, através do afilhado e da classe política novembrista, com a «democracia liberal» em que vegetamos. Será que o processo de hipnotização da sociedade está tão arreigado e capaz de permitir que passe em claro e sem resposta este gesto presidencial autocrático, aberrante e anacrónico?

Já depois de iniciada a acção militar russa na Ucrânia tendo como um dos objectivos proclamados pelo presidente russo, Vladimir Putin, a «desnazificação» deste país, em 22 de Abril de 2022 o caçador de nazis e director do Centro hebraico Simon Wiesenthal para investigação do nazismo, Ephraim Zuraff, declarou: a intenção declarada por Moscovo «não é propaganda russa, longe disso; existem neonazis na Ucrânia (…) é um absurdo ignorá-lo».

Os dirigentes ocidentais, incapazes de viver sem a arrogância elitista, o espírito autoritário de seita globalista e a cleptomania colonial/imperial não poupam armas, dinheiro, mentiras e a sanidade mental dos cidadãos para apoiar e sustentar um indivíduo como Volodymir Zelensky e a teia terrorista neonazi que lhe mexe os cordelinhos. É sina das chamadas democracias liberais abrirem as portas ao nazismo, ontem como hoje, sem medirem as consequências, convictas de que outros podem alcançar o que tanto desejam: aniquilar a União Soviética através dos nazis alemães; destruir a Rússia por via dos nazis ucranianos. É sina dos povos sofrerem as trágicas consequências de tamanho obscurantismo, de tanta inconsciência e irresponsabilidade ao serviço da ganância de minorias que nunca estarão satisfeitas. Ganância confundida, como sintoma da degeneração dos comportamentos ocidentais dominantes, com «uma forma superior de civilização».

Desta feita, porém, essas minorias põem em risco a existência da humanidade e do próprio planeta. E desmantelam qualquer legitimidade «democrática». O que aliás está implícito no comportamento da não eleita e autocrática Comissão Europeia, seguido pelos governos dos Estados membros, de Leste a Oeste.

A clique ocidental apura os veículos censórios ao seu dispor – são muitos e sofisticados – para impedir que as pessoas se apercebam do perigo do nazismo ucraniano. Impôs o dogma de que ele não existe e que, por isso, não vemos aquilo que estamos a ver. É a cegueira induzida como um dos sustentáculos da opinião única e um meio de asfixiar a liberdade de observar, pensar e formar juízo próprio. É o autoritarismo avançando ao ritmo da aposta transnacional no fascismo/nazismo, o mundo ideal e totalitário da plenitude neoliberal. As chamadas crises da inflação e energética são apenas danos colaterais no caminho para uma tragédia que está apenas no início e que os cidadãos ainda podem barrar – se acordarem a tempo ou conseguirem sacudir a cegueira em que, passivamente, aceitaram mergulhar. «Livres são aqueles que pensam, não aqueles que obedecem», ensinou-nos o eterno Eduardo Galeano.

«A clique ocidental apura os veículos censórios ao seu dispor – são muitos e sofisticados – para impedir que as pessoas se apercebam do perigo do nazismo ucraniano. Impôs o dogma de que ele não existe e que, por isso, não vemos aquilo que estamos a ver.»

Afinal, Zelensky é apenas um palhaço rico canastrão que tem como pièce de résistance da sua arte o número de tocar piano com os genitais. Os verdadeiros criminosos são os que fazem dele um herói e atacam os seus próprios povos para o instrumentalizar e manterem uma ordem que lhes permite continuarem a assaltar o mundo. Há sinais de que a garotice birrenta, sempre reivindicativa, insatisfeita e exigente do presidente ucraniano, letal para o seu povo, começa a impacientar e constranger os seus donos, até mesmo em Washington, ao ritmo dos maus resultados militares para a NATO e da crise que revolta cada vez mais as populações. O ambiente de velório em que decorreu a recente cimeira do Fórum Económico Mundial de Davos foi um indício revelador. Mas não existem quaisquer sinais de correcção da rota suicida.

Com as contradições de governantes venais perante Zelensky podem os cidadãos bem; os autocratas que tentam sequestrar a democracia talvez estejam a pressentir, sem o assumirem, o fracasso da estratégia de guerra – a guerra nunca é solução, asseguram, com razão, os defensores da paz, tão vilipendiados mas que teimam, continuarão a teimar e nunca desistem. Importantes, sim, são as reacções dos povos da Europa, que começam a sair do imobilismo autodestrutivo. É um passo importante, cada vez mais determinante, e que pode ser decisivo para derrotar o nazifascismo uma vez mais.

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