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Perfil da nova tropa de choque do império

É tudo gente de «boas famílias», bem-parecida e muito fashion, instruída nas melhores universidades, defensora de causas para melhor as adulterar, mas sempre muito polida, com estilo.

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Antes de ser nomeado para secretário da Defesa, o general Lloyd Austin era director da Raytheon, um dos gigantescos consórcios de armamento dos EUA. Na foto, Biden (E) e Austin (C ) no Iraque, em 2011CréditosStaff Sgt. Caleb Barrieau / U.S. Forces Iraq Photo

Intelligence Online, uma newsletter internacional que divulga recados dos serviços secretos ocidentais, publica um curto texto sob o sugestivo título «Biden vai acabar na Síria o que Obama começou». Mais palavras são desnecessárias: a frase vale pelas 10 ou 20 mil palavras de um programa de governo. Ilusões para que vos quero.

Basta passar uma vista de olhos pelo currículo belicista do novo presidente dos Estados Unidos da América, Joseph Biden, para antever uma gestão a condizer, pesem embora os floreados e fogos-de-artifício com que foi celebrada a sua conturbada e controversa eleição. O asfixiante aparelho global de propaganda quis fazer passar ao mundo a imagem branqueadora de que uma nova era começa, estamos perante uma ruptura em relação à tragédia dos últimos quatro anos.

Nada mais enganador. Como diria o último ditador fascista de Portugal, apresentando a sua «primavera», estamos perante uma «evolução na continuidade». Entre Trump e Biden a diferença é de estilo, de polimento, de verniz que tanto agrada à camada bem pensante da comunicação «de referência». A substância é a mesma, com mais globalismo e menos nacionalismo, uma espécie de «América primeiro em todo o lado» em vez de um doméstico «América primeiro».

Antes de ser presidente, Biden foi vice-presidente de Barack Obama e senador durante décadas. Por isso é possível encontrá-lo apoiando vivamente o racismo institucionalizado na sociedade norte-americana – por muito que queiram limpar-lhe a imagem – e guerras imperiais a fio como as invasões de Granada (1983) e do Panamá (1989), a destruição da Jugoslávia com os bombardeamentos de Belgrado (1999), as invasões do Afeganistão (2001) e do Iraque (2003); ou então aconselhando os presidentes democratas e irmanando-se aos presidentes republicanos, de Reagan à família Bush conforme os casos. Não é excessivo lembrar que nestas gestas imperiais para exportar a «democracia», impôr medidas «humanitárias» ou cumprir o mandamento R2P (Responsabilidade para Proteger, uma invenção democrata) não existem diferenças de fundo entre democratas e republicanos, quanto muito praticam-se métodos mais ou menos elaborados de gestão da propaganda de guerra.

Já como vice-presidente, Biden desempenhou papéis de primeiro plano na reactivação da guerra do Afeganistão (2009), na ocupação do Iraque, nas revoluções coloridas que ficaram genericamente conhecidas como «primaveras árabes», nas atrocidades que provocaram a destruição da Líbia, no golpe que levou o fascismo ao poder na Ucrânia (2014) e no lançamento da sanguinária agressão contra a Síria.

É esse trabalho inacabado, o do desmantelamento e destruição da Síria, que Biden se propõe agora concluir como presidente – a crer nos vaticínios da comunidade dos serviços secretos ocidentais. E que serve apenas como exemplo pontual de uma agenda intervencionista à escala global, como é apanágio da bem-falante, neoliberal pura e tecnocrática elite democrata.

Dois sinais imediatos revelam os contornos dessa agenda: o reforço da NATO e o regresso ao activo, mais coisa menos coisa, do esquadrão de dirigentes e assessores das administrações Obama, o presidente que, na história dos Estados Unidos, cometeu mais assassínios extrajudiciais explorando, principalmente, o crescente recurso aos drones.

Aposta em força na guerra

A revalorização da NATO na perspectiva norte-americana é uma consequência esperada do regresso dos democratas ao poder. Expoentes do globalismo neoliberal e da progressiva supressão dos Estados na via para o governo global – meta tão acarinhada pelo seu guru Henry Kissinger – têm numa Aliança Atlântica pluricontinental o instrumento militar transnacional para assegurar a gestão das guerras existentes, sejam os conflitos convencionais ou as guerras frias com a Rússia e com a China, sempre sob comando operacional dos Estados Unidos. Em relação ao gigante asiático, não existem indícios em Washington de um abrandamento do clima de confrontação instaurado por Trump, admitindo-se que possa ter cambiantes eventualmente na frente comercial; na vertente militar não será de excluir um endurecimento, olhando para alguns nomes que integram o esquadrão de dirigentes e assessores de Biden. Quanto ao novo presidente, o mote está dado: tanto Putin como Xi Jinping são «bandidos».

O regresso à NATO, depois da deriva de Trump, será processado, como sempre, sob o comando operacional dos Estados Unidos mas com «partilha de responsabilidades», isto é, através do aumento das despesas militares dos Estados membros – e que já era uma exigência do antecessor de Biden. É grande a satisfação nas chancelarias europeias, principalmente as que respeitam o fundamentalismo atlantista, sentimento ecoado também pela comunicação de «referência», sempre rendida ao «charme» democrata, tão distante e afinal tão próximo da metodologia trauliteira da mais recente versão republicana.

Quanto às despesas militares, não faltará dinheiro aos Estados membros. Do fundo da criatividade dos think tanks democratas surgiu a ideia de criar um banco da NATO, a instituição onde os governos poderão encontrar financiamento para constante «modernização» dos arsenais de guerra e reforço dos lucros dos colossos da indústria militar à custa dos bens dos contribuintes.

Quem é quem na nova administração

A administração de Joseph Biden é nova, mas os seus principais membros nem tanto. Têm origem no núcleo central das administrações Obama, pelo que não surpreende que desejem prosseguir e terminar o que no fundo iniciaram.

O que não pressagia nada de bom para o mundo.

O novo secretário de Estado, a quem compete substituir o fascista e sionista cristão Michael Pompeo, é Anthony Blinken, um «príncipe da diplomacia» para a comunicação bem-falante mas, na realidade, um fanático da confrontação com a Rússia, um defensor da entrega de armas letais ao regime fascista da Ucrânia, um defensor do intervencionismo norte-americano como expressão de «dever moral», um fervoroso «excepcionalista» dos Estados Unidos como nação com o «destino manifesto» de guiar o mundo.

Olhado como um sonhador do «romantismo transatlântico», Blinken desempenhou a função de secretário de Estado adjunto de Obama e nessa qualidade foi determinante para a sangrenta destruição da Líbia, o início da carnificina na Síria e também para o apoio militar e político à Arábia Saudita na agressão ao Iémen – a origem da maior crise humanitária da actualidade. Não lhe faltam também as credenciais como intrépido defensor de Israel: entre as suas primeiras decisões estão as de confirmar tudo o que Donald Trump fez contra o direito internacional em relação a Jerusalém Leste, aos Montes Golã e à colonização dos territórios palestinianos. Também não demonstrou qualquer intenção de «destituir» Guaidó na Venezuela e de abandonar o golpismo contra este país; defende inclusivamente que as sanções sejam «mais efectivas».

Anthony Blinken resumiu assim no podcast Intelligence Matters o seu conceito para lidar com as guerras eternas em curso: «Operações sustentadas, de média dimensão, discretas, talvez realizadas por forças especiais para apoiar actores locais». Trata-se, afinal, de materializar o discurso de posse de Biden e segundo o qual os Estados Unidos se tornaram «a principal força do Bem no mundo».

Apesar de democrata, Anthony Bliken trabalha amiúde com o neoconservador republicano Robert Kagan, autor da bíblia imperial intitulada «Projecto para o Novo Século Americano», usada como referência pelos últimos presidentes norte-americanos independentemente dos respectivos rótulos políticos.

O novo secretário de Estado fez-se rodear por homens e mulheres com inegável pedigree e provas dadas nos tempos de Obama.

Victoria Nuland, por exemplo, mulher do citado Robert Kagan, foi uma figura operacional do golpe na Ucrânia que levou ao poder organizações nazis, por acaso despreza a União Europeia e defende a aceleração e intensificação do confronto com a Rússia. A sua designação é qualificada como uma provocação directa a Vladimir Putin.

Senhores e Senhoras da guerra e dos golpes

Joseph Biden nomeou o general de quatro estrelas Lloyd Austin para secretário da Defesa e chefe do Pentágono. Foi comandante do CENTCOM, o comando norte-americano para as operações no Médio Oriente e chefiou, a partir do Verão de 2010, as tropas de ocupação do Iraque. Para muitos é um «criminoso de guerra». Assumiu posteriormente o comando adjunto das Forças Armadas, no período que coincidiu com as fases iniciais das agressões contra a Líbia e a Síria. Actualmente era administrador da Raytheon, um dos gigantes da indústria de guerra dos Estados Unidos e dos que mais lucra com os conflitos alimentados pelo império.

A designação de Austin foi considerada, apesar de tudo, uma surpresa. A favorita para chefe do Pentágono era uma funcionária imperial por excelência, Michèle Flournoy, recomendada por Hillary Clinton e que se bate, por exemplo, para que os Estados Unidos se armem de maneira a serem capazes de dizimar todos os submarinos, navios de guerra e mercantes chineses no Mar da China Meridional em 72 horas.

Tanto zelo não foi, apesar de tudo, desperdiçado porque Flournoy não ficou longe da esfera do poder Biden. A empresa que fundou juntamente com o actual secretário de Estado Blinken, a Westexec Advisors, foi recrutada para aconselhar o Departamento de Estado sobre o Médio Oriente, em particular a Síria. Teremos, em breve, novidades destas áreas – e não serão boas.

Jack Sullivan, no Conselho de Segurança Nacional, é outra recomendação de Hillary Clinton, esta directamente aceite. Sullivan gosta de brincar com o fogo. Esteve nas decisões que conduziram ao envolvimento da NATO na Líbia em aliança com os terroristas islâmicos – grupos estes que actualmente conduzem os movimentos jihadistas no Mali e no Níger, «justificando» a presença de tropas coloniais nessa região africana. E fez pressão para transformar em confronto assumido entre a Rússia e os Estados Unidos as escaramuças esporádicas ocorridas na Síria entre militares russos e norte-americanos.

Biden nomeou Avril Haines como directora nacional de inteligência, cargo para o qual parece especialmente dotada. Como directora adjunta da CIA, nos tempos de Obama, coordenou o programa de assassínios selectivos com drones cometidos pelo presidente. Censurou o relatório sobre a tortura da CIA apresentado no Senado e tornou-se conselheira presidencial adjunta de segurança nacional, posição em que substituiu o actual secretário de Estado, Anthony Blinken.

Uma das especialidades de Haines tem bastante actualidade. Em 2018, intervindo na Camden Conference, previu o aparecimento a breve prazo de um vírus que afecta o aparelho respiratório humano e que rapidamente se espalharia através do planeta; em Outubro de 2019, poucas semanas antes de identificado o «vírus de Wuhan», foi uma figura central do «Evento 201», uma reunião em Nova York na qual foi simulada a situação decorrente do aparecimento de um coronavírus de fortíssimo contágio e susceptível de matar milhões de pessoas em todo o mundo. A super-espia de Biden alia assim as capacidades de vidente aos reconhecidos talentos operacionais.

William Burns foi colocado à cabeça da CIA. Começou a carreira ainda na administração de Reagan, um republicano de quem Trump tentou seguir o caminho; depois de ter sido embaixador na Rússia foi secretário de Estado adjunto de Obama, precisamente nos períodos das guerras da Líbia, da Síria e do golpe na Ucrânia.

Por falar em CIA e respectivos braços, Samantha Power encabeça agora a USAID (Agência para o Desenvolvimento Internacional), instância que, a coberto da diplomacia, é um instrumento fundamental da ingerência norte-americana nos assuntos de outros países, designadamente as revoluções coloridas e outras operações de mudança de regime. Considerada uma intervencionista de choque, Samantha Power é discípula de Madeleine Albright, com quem se familiarizou na teorização sobre intervenções humanitárias e outras formas de provocar a substituição de governos que caiam em desgraça perante os Estados Unidos.

Madeleine Albright, apesar da sua idade, continua no activo e é uma inspiração para os membros da administração Biden. A sua obra-prima, a destruição sangrenta da Jugoslávia, é o ponto alto dessa referência.

Constelação cintilante

A nova administração norte-americana conta com a activíssima e mediática colaboração da poderosa constelação que manipula a chamada sociedade civil de acordo com os interesses da clique globalista dominante do Partido Democrata. Tratam-se de entidades altamente financiadas, como por exemplo a Human Rights Watch, a Amnistia Internacional e a Freedom House, organizações não-governamentais da área dos «direitos humanos» e que têm como missão branquear as atrocidades cometidas pelos governos dos Estados Unidos nessa matéria.

O financiamento desse universo é assegurado, em parte, pelas principais fundações norte-americanas associadas principalmente ao Partido Democrata, de entre as quais se destacam a Ford, a Rockfeller e outras instituições como o Brookings Institute, o Carnegie Endowment, o New Endowment for Democracy (NED) e também o Fórum Económico Mundial de Davos – o mesmo que prepara o Great Reset, o «grande reinício» do capitalismo à sombra dos efeitos sociais, geopolíticos e geoeconómicos da pandemia de Covid-19.

Com uma influência avassaladora na comunicação social corporativa, este aparelho emanando do vetusto e enraizado Conselho de Relações Externas de que Kissinger foi um dos fundadores, alimenta a ideologia dominante do globalismo neoliberal, desde o capitalismo «verde» aos conceitos distorcidos de guerra e paz, à extinção progressiva da influência dos Estados, a manipulação do desenvolvimento tecnológico e a governação global apresentadas como zénite da evolução «progressista» da sociedade.

Os meios que fabricam a opinião dominante incensam e adoram este aparelho do qual a clique do Partido Democrata é o agente executivo mais influente. É tudo gente de «boas famílias», bem-parecida e muito fashion, íntima de Hollywood e dos meios cor-de-rosa «chic», instruída nas melhores universidades, defensora de causas para melhor as adulterar, mas sempre muito polida, com estilo.

Até parece que as vítimas das carnificinas e dos atentados à democracia que essa elite patrocina através do mundo são elas próprias responsáveis pelas incidências fatais que as atingem.

A administração Biden simboliza tudo isto. Só tem ilusões sobre o seu papel quem não consegue ou não quer escapar à realidade virtual que nos oprime.

José Goulão, Exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril

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