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Tribunal censura «Jenin, Jenin» e condena realizador a indemnizar soldado israelita

Jenin, Jenin documenta o ataque israelita a um campo de refugiados palestinianos, em 2002, que provocou dezenas de mortes e mais de 1500 civis feridos entre a população civil.

Uma mulher palestiniana segura a foto de um filho enterrado nos escombros do campo de Jenin, a 27 de Abril de 2002
Créditos / Middle East Monitor

Um tribunal israelita decretou, na semana passada, a proibição da exibição em Israel do documentário Jenin, Jenin, bem como o confisco e a destruição de todas as cópias.

O tribunal ordenou ainda ao realizador, produtor e actor Mohammed Bakri, que realizou o filme que documenta o assalto das tropas israelitas ao campo de refugiados de Jenin (Cisjordânia ocupada), o pagamento de 55 mil dólares a um soldado israelita que participou no massacre e aparece no filme cerca de cinco segundos, revela o portal mintpressnews.com.

De acordo com um jornal israelita, apesar de o soldado aparecer apenas poucos segundos no filme, em imagens de arquivo, decidiu avançar com o processo porque os tribunais tinham rejeitado um processo judicial anterior contra Bakri argumentando que só quem aparecesse no filme podia avançar com um processo.

A invasão israelita do campo de refugiados palestinianos de Jenin e o massacre que se seguiu ocorreram em Abril de 2002, no âmbito da chamada Operação Escudo Defensivo (Março – Maio de 2002), levada a cabo pelas forças israelitas contra a Margem Ocidental ocupada.

Centenas de combatentes palestinianos responderam aos tanques, grupos de forças especiais e brigadas de reservistas israelitas, abatendo cerca de 25 soldados. O campo foi bombardeado a partir do ar e de terra, e arrasado. O número de vítimas mortais, na sua maioria civis, foi tema de grande controvérsia nos tempos que se seguiram. Um relatório das Nações Unidas apontou para 52 mortos.

Silenciar o ponto de vista dos sobreviventes

Jenin, Jenin inclui testemunhos de pessoas de várias idades que enfrentaram o assalto israelita ao campo, mas, sublinha o MintPress, «Bakri não faz acusações directas no filme». O realizador mostra «imagens de soldados israelitas, tanques e viaturas blindadas de transporte de pessoal, e de palestinianos a serem presos».

Assim que o filme foi exibido, houve protestos em Israel. Bakri foi apelidado de «nazi» e trucidado pela imprensa e pelo público por se atrever a mostrar aquilo que os palestinianos tinham passado às mãos dos soldados israelitas que entraram no campo. Alguns dos que participaram naquilo que ficou conhecido também como «Batalha de Jenin» exigiram às autoridades que censurassem o filme e impedissem a sua exibição nos cinemas, e conseguiram-no, logo em 2002. No entanto, Bakri recorreu da sentença e o Supremo Tribunal israelita revogou a decisão.

Desde então, alguns dos que participaram no assalto ao campo de refugiados têm tentado encontrar vias de fazer frente ao filme. No processo que valeu a actual condenação, um soldado reservista alegou que aparecia no filme e era nomeado, e que os soldados israelitas eram difamados, ao serem apresentados como «criminosos de guerra».

Bakri afirmou que o processo judicial visava perseguir e silenciar politicamente, e que o filme não lança qualquer acusação concreta ao soldado em questão. «Apenas mostra o ponto de vista dos palestinianos que vivenciaram o massacre no campo», disse Bakri repetidamente. O caso deve seguir para o Supremo.

Uma história de crimes de guerra

O MintPress lembra que as forças israelitas não deixaram entrar a Cruz Vermelha ou outros observadores internacionais no campo durante muitos dias, após o massacre. «Isto permitiu-lhes limpar o campo antes de que alguém de fora pudesse verificar o que ali tinha sido feito.»

O texto destaca igualmente a tendência das autoridades israelitas, dos media e da opinião pública para ver como mentiras as alegações dos palestinianos relativas a violência e massacres cometidos pelas unidades militares israelitas.

No entanto, a reacção que Jenin, Jenin suscitou em Israel está relacionada com o facto de que «as pessoas envolvidas, e mesmo as não directamente envolvidas, sabem que Israel tem um historial de atrocidades e crimes de guerra», sublinha a peça.

«Bakri atreveu-se a entrar no campo e a falar com os residentes sem mostrar aquilo que é habitualmente conhecido como "o outro lado". Além disso, ao longo do filme, vê-se que as pessoas não estão derrotadas», sentadas à frente dos destroços das suas casas e a dizer, uma vez e outra, que as vão reconstruir e que jamais se vão render, e isso irritou bastante os israelitas.

O condutor de um bulldozer D9

A 31 de Maio de 2002, o jornalistas israelita Tsadok Yehazkeli, que trabalhava para o periódico Yediot Aharonot, publicou um artigo em hebraico sobre um condutor de um bulldozer D9 que tinha o nome de «Urso, o Curdo». «O "Urso" ganhou um nome para si mesmo no assalto ao campo de refugiados de Jenin, ao conduzir 72 horas seguidas o seu bulldozer contra inúmeras casas, destruindo tudo no seu caminho, e derrubando casas independentemente de estarem habitadas ou não», refere o MintPress.


Ele disse, citado pelo jornal israelita: «Fiz-lhes um estádio de futebol», «Não me arrependo. Estou orgulhoso do meu trabalho» e «Nunca dei hipóteses àquela gente de sair das suas casas antes de as arrasar com o meu bulldozer». Embora nada disto seja referido no filme de Bakri, «dá uma ideia da atmosfera no seio das tropas israelitas que entraram no campo», indica o portal.

A unidade do Exército em que operava o condutor do D9 recebeu uma medalha pela sua acção no assalto, e o homem conhecido como «Urso, o Curdo» tornou-se um herói para as tropas. Ficaram tantos debaixo dos escombros que, até hoje, ninguém sabe ao certo quantos palestinianos foram mortos no campo de Jenin em 2002.

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